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Propriedade intelectual: a influência do copyright nos direitos autorais e seu controle pela mídia

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13/04/2010 às 00:00
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4. Nós, agora.

O senso comum dos legisladores, tanto brasileiros como de qualquer país, encontra-se do lado da mídia, que é uma opinião extremista, sendo qualquer outra seja considerada como anárquica. Propriedade ou anarquia, controle total ou os artistas não serão pagos. Não há meio termo. As consequências na prática são no mínimo preocupantes. A ordem é endurecer as leis de qualquer forma.

Richard Stallman, um dos maiores críticos da indústria tecnológica e ideólogo do movimento GNU, que ele vê avançando, com o auxílio dos governos, nos direitos mais básicos da sociedade, escreveu O direito de ler [35], um texto que faria parte de uma coletânea fictícia de artigos que retratariam, em 2096, o Levante Tycho e a Revolução Lunar. Este é o único já escrito. Nele, Stallman mostra um terrível cenário que pode ser conseqüência de leis e práticas que já existem em diversos países, tais como ser preso ao ler livro alheio. No fim, ele tece comentários a respeito do mundo atualmente.

4.1. Amenização do controle: idéias

Essas são apenas sugestões dos caminhos que os criadores da nova geração devem estar interessados em trilhar. O desafio é inventar novos modelos, gerando formas de sustentabilidade econômica mais eficientes e democráticas para a criação intelectual, mais adequados à nova realidade digital. Trata-se de um desafio para toda a sociedade.

Sendo um dos países líderes da idéia de cultura livre, o Brasil sediou entre 23 e 25 de junho, no Rio de Janeiro, o iSummit: evento organizado pela iCommons com o apoio do Ministério da Cultura para o debate de informações sobre produção, compartilhamento de conhecimento cultural, tecnológico e propriedade intelectual, contando com a presença de organizações como a Wikipedia, Google, Microsoft, Electronic Frontier Foundation, Open Society Institute, o advogado norte americano Lawrence Lessig, criador do Creative Commons e o ministro da cultura Gilberto Gil [36].

A principal falha de todo o sistema autoral é apontado pelo jurista Ronaldo Lemos:

um dos principais problemas do direito autoral "clássico" é que ele funciona como um grande "Não!". É comum encontrar, em obras autorais exploradas economicamente, a inscrição "Todos os direitos reservados" (ou "All Rights Reserved"). Isto quer dizer que, se alguém pretende utilizar aquela obra, tem de pedir autorização prévia a seu autor ou detentor de direitos. Grosso modo, se alguém faz rabiscos em um guardanapo, aqueles rabiscos já nascem protegidos pelo direito autoral, e qualquer pessoa que deseje utilizá-los precisa pedir permissão ao autor. (...) Entretanto, existe um grande número de autores, detentores de direitos e criadores de modo geral que simplesmente não se importa que outras pessoas tenham acesso às suas obras. (...) Para estas pessoas, não faz sentido econômico, nem artístico, que seus trabalhos se submetam ao regime "todos os direitos reservados". [37]

Como se fosse uma solução para esse problema, surgiu a Creative Commons [38]: um licenciamento baseado integralmente na legislação vigente sobre os direitos autorais. As licenças do Creative Commons permitem que criadores intelectuais possam gerenciar diretamente os seus direitos, autorizando à coletividade alguns usos sobre sua criação e vedando outros. Seu uso na obra criada é voluntário: cabe a cada autor decidir por seu uso e qual licença adotar. Existem várias modalidades de licenciamento, desde mais restritas até mais amplas. A licença mais utilizada do Creative Commons não permite o uso comercial da obra. A obra pode circular legalmente, mas quando utilizada com fins comerciais (por exemplo, quando toca no rádio ou na televisão comerciais), os direitos autorais devem ser normalmente recolhidos. Essa licença possibilita a ampla divulgação da obra, mas mantém o controle sobre sua exploração comercial.

Como se observa, quando um artista licencia sua obra através do Creative Commons, ele não abdica de maneira alguma dos direitos sobre ela. Ele permanece a todo momento como dono da totalidade dos direitos sobre a sua criação. Essa situação é diferente, por exemplo, do modelo em que criadores intelectuais transferem a totalidade dos seus direitos para um intermediário. Nessa situação, sim, o criador deixa de ser o dono de sua obra. A partir desse momento, nada mais pode fazer com ela.

É inegável que autores e criadores têm o direito de optar sobre como explorar sua obra. Mas é claramente do seu interesse poder conjugar a manutenção dos seus direitos com a distribuição e exploração de suas obras. Quando um grupo musical como o Mombojó licencia suas músicas através do Creative Commons, isso não impede — se o grupo assim desejar — o lançamento de disco com essas músicas por uma gravadora. Ao contrário, maximiza o alcance da sua criação, legalmente, enquanto preserva o controle sobre sua exploração econômica. A Rádiobras, empresa estatal de radiodifusão, por exemplo, decidiu disponibilizar todo o seu conteúdo pela licença Creative Commons.

Por sua vez, na seara legislativa, Uma das principais medidas tomadas pelo atual governo foi o Decreto nº 5.244/2004, criando o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, que é integrado por representantes do setor público e privado, passando a concentrar toda ação governamental.

Não se olvida que o jabá praticado pelas rádios brasileiras é assunto igualmente sério, pelos prejuízos que acarreta. No afã de criminalizar referida prática, o deputado Fernando Ferro (PT-PE) caracterizou a inserção comercial perniciosa no Projeto de Lei nº 1.048/2003. O projeto prevê a detenção de um a dois anos aos responsáveis por emissoras de rádio e TV que aceitarem dinheiro ou qualquer outra vantagem de gravadora, artista, empresário ou promotor de eventos em troca de veiculação de música. Também estão previstas multas, suspensão ou cassação da concessão governamental. Seus resultados concretos são duvidosos, devido às dificuldades de identificação da prática e também de fiscalização.

O projeto representa um passo importante, já que o jabá contraria o princípio das autorizações, concessões e permissões públicas de radiodifusão, privilegiando a minoria e tornando menos democráticos os veículos de comunicação. A par disso, músicos que gravam em selos independentes, conquanto tenham grande público e vendam muitos discos, acabam não sendo ouvidos nas rádios e TVs, justamente porque não possuem uma grande gravadora pagando por isso [39].


5. Eles, em breve

Para desatar o controle excessivo de nossa mídia são necessárias importantes reformas legislativas. Para que isso aconteça, os legisladores devem estar conscientes dos problemas apontados. Cada uma das reformas apontadas a seguir trariam um benefício enorme à criação de conteúdo.

Neste contexto surge a idéia de que necessário é um direito privado e não um direito dos particulares, sendo que a intervenção estatal justifica-se ao se conceber que a autonomia privada deve ser limitada para que não infeste "territórios socialmente sensíveis" [40].

O mestre Washington de Barros Monteiro, citando Pouillet, no capítulo em que tratou da propriedade literária, científica e artística, comentou que "A lei não julga as obras. Ela não pesa seu mérito ou importância. A todas cegamente protege; longa ou breve, boa ou má, útil ou perigosa, fruto do gênio ou do espírito, simples produto do trabalho ou da paciência, toda obra beneficia-se com a proteção legal" [41].

Tem-se como certo, então, que o propósito da lei de regência dos direitos autorais é proteger as criações do espírito, assegurando às pessoas físicas criadoras, independentemente de registro, direitos morais e patrimoniais sobre as obras intelectuais de sua lavra.

5.1. Mais formalidades: registro, marcação, vigências mais curtas e renovação

Ao adquirir um imóvel, a propriedade é comprovada mediante escritura pública devidamente registrada em sua respectiva matrícula. Quem não registra não é dono, lembram os registradores de imóveis, fazendo dito popular o que consta expressamente inserido no texto do atual Código Civil [42]. Ao adquirir um veículo automotor, a propriedade é comprovada pelo Certificado de Registro de Veículo. São formalidades constitutivas de direito necessárias para nos garantir o direito à propriedade.

Na mesma linha de raciocínio, sob a atual lei de direitos autorais o momento da criação é o ato constitutivo de direito, independentemente de qualquer formalidade. O registro não é obrigatório, além de possuir presunção juris tantum e efeito erga omnes. Não é necessário sequer marcar a obra. O controle é predeterminado e as formalidades são dispensadas, como é o entendimento da doutrina nacional:

mencione-se também que, com o advento da Convenção de Berna, suprimiu-se a necessidade de qualquer formalidade para que o autor de uma obra intelectual receba a efetiva proteção do Direito Autoral. Basta tão somente o ato da criação. Isto equivale a dizer que não se exige qualquer espécie de registro ou depósito para que o autor tenha direitos autorais sobre sua obra. Tais providências serão tomadas apenas como presunção juris tantum que o autor seja o seu titular, e não, ato constitutivo de direito autoral. [43]

Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial: "O registro da obra é declaratório não constitutivo do direito do autor" [44].

Nem sempre foi assim. Houve uma época onde o registro era obrigatório no Brasil, previsto na Lei nº 496/1898. Com o advento do Código Civil de 1916, a motivação para abolir as formalidades era boa. Em um mundo anterior às tecnologias digitais, as formalidades impunham um encargo sem muitos benefícios aos autores. Logo, foi um progresso quando a lei relaxou as exigências formais para proteger e assegurar sua obra. Aquelas formalidades estavam atrapalhando o caminho.

A Lei nº 9.610/98, não revogou o artigo 17, da Lei nº 5.988/73, que dispõe sobre o registro de forma facultativa. Para um sistema legislativo autoral ideal, o registro deve ser obrigatório, tanto como para identificar os autores da obra, como para obter uma garantia de proteção. Além de que, no ato do registro a obra, o original e suas cópias devem serem marcadas com algum símbolo ou inscrição, fazendo valer a inscrição "todos os direitos reservados".

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Por outro lado, denota-se que os direitos autorais no Brasil sofrerem uma significativa ampliação em seu tempo de vigência: em 170 anos, esse tempo setuplicou. O Código Criminal de 1830 proibia, no seu artigo 261, a reprodução não autorizada de obras compostas ou traduzidas por cidadãos brasileiros, não só durante suas vidas, como por um prazo de 10 anos após a morte, se deixassem herdeiros. Com o advento do Código Civil de 1916, o tempo de vigência passou de 10 para 60 anos após o falecimento do autor. Já com a Lei nº 9.610/98, esse período atinge 70 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento.

É preciso lembrar que com a atual legislação, um filme criado durante a primeira guerra mundial, por exemplo, continua sendo protegido, podendo ser perfeitamente explorado economicamente. É um custo muito alto para a cultura de um país. Tomamos por exemplo o filme Matrix. No ano de seu lançamento, em 1999, o filme foi considerado um divisor de águas no cinema por seus efeitos especiais. Supondo que o referido filme fosse produzido no Brasil, e os seus autores morressem juntamente neste ano não deixando herdeiros, somente em 2078 a obra cairia em domínio público, sendo que os efeitos especiais, o ponto mais importante no filme, já são considerados obsoletos há pelo menos cinco anos.

Tal postura, não é a mais adequada, justificando-se uma drástica diminuição no interstício temporal protegido. É necessária para uma melhora no processo criativo uma vigência mínima de 15 (quinze) a 20 (vinte) anos a partir da morte do autor, considerando a evolução tecnológica em que vivemos, devendo ser possível uma única renovação por igual período, caso haja interesse por parte do autor que sua obra continue protegida.

Tanto o registro como a renovação poderiam ser efetuados por meio de uma página na Internet do ECAD, contendo um banco de dados das obras registradas, sendo que para a sua renovação bastaria somente uma confirmação antes do término da vigência de proteção da obra. Essa singela solução contribuiria e muito para o desenvolvimento cultural e tecnológico do nosso país.


Conclusão

Extrai-se assim do estudo realizado, sem a pretensão de que estas idéias sejam absolutas, que os direitos autorais hão de ser analisado à luz de tecnologias disponíveis para o autor divulgar criações livremente, obedecendo-se a função social de cada obra, não permitindo restrições de qualquer tipo por parte de interesses monetários.

O mestre Miguel Reale, em um de seus últimos trabalhos [45], situa o momento histórico por que passamos como uma das razões. A humanidade arrasta-se a esmo, à sombra de ideologias falidas que deixaram vácuos de dúvida. Bases filosóficas como o marxismo e até mesmo o embate entre capitalismo e comunismo fora superado. E não foram desenvolvidos parâmetros fortes o suficiente para equacionar as injustiças mundiais ou sustentar um novo caminho.

A incerteza das multidões quanto ao amanhã apenas acentua-se com o aparelho tecnológico.

Não podemos, todavia, condicionar a tecnologia a um maniqueísmo irracional; simplesmente não existe uma tecnologia boa e uma má. Os mecanismos são governados por aqueles que os manipulam e não o oposto. A tecnologia não pode, por si só, responder às esferas éticas que balizam seu emprego.

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Sobre o autor
Michael Vinícius de Oliveira

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Michael Vinícius. Propriedade intelectual: a influência do copyright nos direitos autorais e seu controle pela mídia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2477, 13 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14677. Acesso em: 19 abr. 2024.

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