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Da atipicidade do abortamento quando o produto da concepção é anencefálico

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16/05/2010 às 00:00

Resumo:


  • A Lei nº 9.434/97, que trata de transplantes de órgãos, trouxe o conceito de morte encefálica, elemento que impacta a discussão sobre a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, pois a anencefalia é caracterizada pela ausência parcial ou total do cérebro, o que torna a vida extrauterina inviável.

  • Parte da doutrina argumenta que a interrupção da gravidez em casos de anencefalia não configura o crime de aborto, previsto nos artigos 124 a 127 do Código Penal, pois não haveria vida intrauterina a ser tutelada, considerando o feto anencefálico como destituído de vida conforme o conceito legal de morte.

  • Outros doutrinadores sustentam que o aborto de fetos anencefálicos é crime, violando o direito à vida desde a concepção, e que a Lei de Transplantes não seria aplicável a esses casos, mantendo a proteção penal à vida intrauterina do feto anencefálico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A morte do produto da concepção seria pré-existente às manobras abortivas, motivo pelo qual no caso da anencefalia não haveria vida a ser preservada.

"(...) a ciência não deve encerrar-se em um magnífico e solitário castelo de marfim, distante dos rumores do dia, mas tem de entrar na vida, seguir-lhes os movimentos e aspirações, prescrutar as necessidades que a fazem pulsar, sempre consciente da mónita que não é a vida que deve adaptar-se ao direito, mas sim o direito à vida". FERRARA, Francesco. Como Aplicar e Interpretar Leis, 1999.

Resumo

A evolução científico-tecnológica experimentada pela ciência médica no final do século passado e início deste, que trouxe a possibilidade de ser detectada a anencefalia do produto da concepção, quando este ainda se encontra repousando no ventre materno, fez nascer uma grande discussão acerca da possibilidade, ou não, da interrupção dessa gravidez pela gestante. Parte da doutrina se posicionou contrária a essa possibilidade, alegando que isso consistiria em prática do crime de aborto, tendo em vista que seria uma evidente ofensa à vida intra-uterina tutelada pelos artigos 124,125, 126 e 127 do Código Penal. Em entendimento diverso, outros doutrinadores, com base na inovação trazida pela Lei 9.434/97, proclamam a atipicidade de tal conduta, tendo em vista que a morte do produto da concepção seria pré-existente às manobras abortivas, pois a referida Lei teria trazido à baila o conceito de morte, que seria a morte encefálica, motivo pelo qual no caso da anencefalia não haveria vida a ser privilegiada. No caso em testilha ocorre, na verdade, um fato atípico, pois o feto anencefálico é considerado um ser destituído de vida, não podendo ser imputado a morte do mesmo á prática da interrupção da gestação, tendo em vista que a morte, com base na já mencionada Lei, é anterior a produção das manobras abortivas. Não é escopo do presente ensaio esgotar o tema objeto do mesmo, mas sim contribuir para a melhor solução dessa problemática que já vem há um tempo razoável exigindo uma análise científica. Espera-se que o objetivo de melhor aclarar o tema aqui proposto seja alcançado, e que a solução aqui exposta possa contribuir de forma eficaz, trazendo uma maior certeza jurídica acerca da antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, rechaçando o atual contexto de insegurança que paira sobre o assunto.

Palavras-Chaves:

1. Interrupção da Gravidez; 2. Anencefalia; 3. Aborto; 4. Atipicidade.

Abstract

The scientific evolution tried by medical science in the end of the last century and beginning of this, that brought the possibility of being detected the anencefalia of the product of the conception, when this still if finds resting in the maternal womb, made to be born a great quarrel concerning the possibility, or not, of the interruption of this pregnancy for the gestante. Part of the doctrine if located contrary to this possibility, alleging that this would consist of practical of the abortion crime, in view of that tutored person for articles 124,125, 126 and 127 of the Criminal Code would be an evident offence to the intrauterine life. In diverse agreement, other doutrinadores, on the basis of the innovation brought for Law 9,434/97, proclaim the atipicidade of such behavior, in view of that the death of the product of the conception it would be preexisting to the abortive maneuvers, therefore the related Law would have brought to baila the concept of death, that would be the encefálica death, reason for which in the case of the anencefalia it would not have life to be privileged. In the case in testilha he occurs, in the truth, an atypical fact, therefore the anencefálico embryo is considered a being destitute of life, not being able to be imputed the death of the same the practical one of the interruption of the gestation, in view of that the death, on the basis of already mentioned Law, is previous the production of the abortive maneuvers. It is not target of the present assay to deplete the subject object of the same, but yes to contribute for the best solution of this problematic one that already he comes he has a reasonable time demanding a scientific analysis. One expects that the better objective of aclarar the subject considered here is reached, and that the solution displayed here can contribute of efficient form, bringing a bigger rule of law concerning the therapeutical anticipation of the childbirth of anencefálicos embryos, rejecting the current context of unreliability that hangs on the subject.

Word-Key: 1. Interruption of the Pregnancy; 2. Anencefalia; 3. Abortion; 4. Atipicidade.

1. INTRODUÇÃO 2. HISTÓRICO DO CRIME DE ABORTO 3. O DIREITO À VIDA: SUA TUTELA LEGAL E DELIMITAÇÃO 3.1 O direito à vida e seu tratamento Constitucional 3.2 Proteção penal da vida extra e intra-uterina 3.3 Crime de aborto: noções gerais 3.4 Princípio da Proporcionalidade 3.5 Lei nº 9.434/97 e a definição legal do momento da morte 3.6 Anencefalia 4. ABORTO ANENCEFÁLICO 4.1 Aborto eugênico: distinções conceituais 4.2 Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 54 5. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS


1. INTRODUÇÃO

O direito à vida é um dos direitos mais importantes na escala valorativa existente no contexto normativo brasileiro, e qualquer circunstância que pareça, num primeiro momento, constituir uma ofensa a tal direito, faz com que os juristas e nossa jurisprudência travem em torno desta um embate em busca da teorização e solução do problema que se propõe.

A evolução histórico-social, juntamente com os avanços técnico-científicos da medicina, acabou por trazer a lume uma situação até antes não vislumbrada pelos juristas e pelos legisladores na ocasião da promulgação do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940) que estavam inteiramente alheios aos avanços que a ciência médica alcançaria no final do século passado e início deste.

A anencefalia, ausência total ou parcial da abóbada craniana, é uma anomalia que há muito vem assombrando a ciência médica. Esse distúrbio faz com que o ser que a possua seja incompatível com os estágios mais avançados da vida, e no atual estágio da medicina é plenamente possível que a existência desta anomalia seja diagnosticada quando o novo ser ainda repousa no ventre materno.

Essa evolução criou um embate entre o direito à vida desse ser e o direito à dignidade da pessoa humana da gestante, que a partir de tal diagnóstico transformou um período de imensa felicidade, que é o período gestacional, num momento de dor e angústia, o que fez com que diversas gestantes procurassem o Poder Judiciário a fim de encontrar neste uma autorização para que elas pudessem abortar o feto que carregavam, na tentativa de minimizar o sofrimento pelo qual estavam passando.

É esse o tema que aqui será debatido. Será analisada a anencefalia e as normas que podem trazer uma solução para esse grave problema que atualmente assola nossa sociedade.

Dessa forma, passa-se a ser analisado o artigo 5º da Constituição Federal, norma que trata da proteção da vida de forma mais genérica, assim como os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal, que tratam do crime de aborto e, igualmente, as normas constantes da Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997 (Lei de Transplantes de Órgãos), que trouxe uma definição genérica do momento em que, legalmente, um ser pode ser considerado sem vida.

É bom que desde já seja devidamente esclarecido que a discussão do presente tema é, eminentemente, dogmático-científica, portanto, deixa-se de lado posições de cunho religioso, social, filosófico, emocional ou moral, que provavelmente desvirtuariam o objeto do presente trabalho.

Aqui, será analisada a questão de forma científica e o quanto mais neutra, condição necessária para um melhor desenvolvimento científico do objeto estudado.

Outrossim, é bom que se esclareça que aqui não se tratará de uma obrigação legal para uma pessoa (a gestante), mas será discutida uma possibilidade (faculdade) de agir, ação que, uma vez tomada, não submeterá a pessoa que tomou tal atitude a uma reprimenda penal, a forma mais forte do Estado se insurgir contra uma pessoa.

Assim, será debatido no presente ensaio a seguinte problemática: o aborto de feto anencefálico é, realmente, uma violação do direito à vida, devendo todas as pessoas que contribuírem para tal violação sofrerem a reprimenda penal constante dos artigos 124 a 127 do Código Penal?

O objetivo geral da presente monografia será analisar os casos de abortos anencefálicos e a aplicação do Código Penal e da Lei nº 9.434/97 aos casos concretos, com fito de apresentar a nossa sociedade a resolução para a problemática aqui apresentada, trazendo a possibilidade às pessoas que passam diretamente por esse drama de não sofrerem uma segunda punição (a perda do ente no ventre materno já é o bastante), evitando, dessa forma, uma série de sofrimentos psíquicos à gestante, e dar às pessoas não envolvidas, mas que se relacionam indiretamente com esse problema uma solução da maneira menos danosa e mais razoável possível.

De forma mais especifica, esta pesquisa terá como objetivos, dentre outros, analisar os princípios constitucionais que se relacionam ao aborto anencefálico, para que, com base nestes, possamos solucionar a problemática ora proposta, analisar o crime de aborto trazendo todas as suas características para que seja possível analisar o referido delito face a situação específica de anencefalia, expor os problemas psíquicos a que está sujeita a gestante obrigada a carregar em seu ventre o feto portador de anencefalia, mostrando que isso não constitui violação a Constituição Federal e demonstrar com base em pesquisa a não-existência de infração penal no caso de anencefalia, haja vista, que não há vida intra-uterina a ser protegida pela norma penal com base na Lei nº 9.434/97.

A pesquisa que aqui se propõe será calcada no método dedutivo, haja vista que o tema ora proposto será analisado de forma ampla, o que colaborará no desenvolvimento do presente estudo e na busca de uma solução juridicamente viável para o seu objeto.

Este estudo possuirá como referencial a pesquisa bibliográfica, onde será utilizada a legislação em vigor, em especial a Constituição Federal de 1988, o Código Penal e a Lei nº 9.434/97, analisando nosso ordenamento de forma sistemática, com o fito de obter uma melhor interpretação do sistema e a melhor solução para os casos de aborto de fetos anencefálicos.

Também, será referencial a esta pesquisa a bibliografia dos principais doutrinadores nacionais, que discutem o direito penal e mais especificamente o objeto desta pesquisa, além de artigos científicos, o que nos permitirá ter uma visão dos estudiosos a favor e contra a interrupção da gravidez quando detectado que o feto é portador de anencefalia.

A importância do tema ora em análise para a ciência jurídica repousa na magnitude e importância dos valores aqui relacionados, pois não há que se negar a importância do direito à vida, como condição da existência de qualquer outro direito, ou mesmo do direito à dignidade de pessoa humana, erigido a fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. II, da Constituição Federal).

Junte-se a isso o fato de que a questão de abortamento de fetos portadores de anencefalia de há muito deixou de ser problema unicamente afeto aos personagens diretos que passam por esse drama particular, ou seja, os pais e mães que se vêm nesta situação tão delicada.

Na verdade, o tema passou essa perspectiva individual chegando a contornos muito maiores, o que exige atualmente dos teóricos do direito um estudo e aprofundamento do tema, no intuito de que seja encontrada uma solução que pacifique e traga uma maior certeza jurídica acerca desse assunto. Esse tema passou atualmente a ser uma problemática que afeta toda uma sociedade, que anseia a melhor resolução para tais casos, pois uma violação do direito à vida, ainda mais se for com o aval de um dos Poderes do Estado, causa grande comoção entre os membros que fazem parte desta sociedade.

Dessa forma, inicialmente, será feita uma explanação acerca do histórico do crime de aborto, no intuito de enriquecer o presente estudo, trazendo à colação o tratamento jurídico tutelatório do direito à vida intra-uterina, em que se vislumbrará o tratamento que o aborto teve nos primórdios da civilização. Igualmente, será analisado o tratamento do crime de aborto no direito brasileiro, desde o Código Criminal de 1830, passando pelo Código Penal Republicano de1890, até a entrada em vigor do atual Código Penal brasileiro, datado de 1940.

Em seguida, passa-se ao tratamento da proteção do direito à vida, tanto à luz da Constituição da República, quanto do atual Código Penal, chegando à tutela da vida intra-uterina ao se analisar as características do crime de aborto nos moldes do Código Penal de 1940. Nesse momento do presente estudo, ainda serão tecidos comentários acerca do princípio da proporcionalidade, como instituto dirimente de tensões entre princípios constitucionais, além de analisar a delimitação legal do momento da morte trazida pela Lei nº 9.434/97, encerando com a explanação acerca da anencefalia.

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Posteriormente, passa-se a tratar da problemática aqui proposta, analisando a anencefalia com base na atual ordem legal, tentando solucionar a atual situação de desencontros doutrinários e jurisprudenciais acerca da questão se o aborto anencefálico constitui ou não violação ao direito à vida, trazendo a opinião de diversos juristas acerca do tema objeto do presente estudo, além de fazer a distinção entre aborto anencefálico e aborto eugênico, encerando com a analise da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, ainda em tramitação no Supremo Tribunal Federal.

Por fim, serão analisadas todas as argumentações trazidos a lume, tentando-se chegar à conclusão que melhor solucione o problema posto, demonstrando a atipicidade da conduta de interromper a gravidez de um feto portador de anencefalia.

Assim, no presente ensaio, serão apresentados os argumentos jurídicos atualmente levantados acerca do abortamento de fetos anencefálicos, tema que há algum tempo vem provocando muita divergência entre os teóricos do direito e sociedade, como um todo, situação que causa uma enorme insegurança jurídica, deixando apreensivos todos aqueles que integram nossa sociedade e esperam que um tema tão delicado seja amplamente debatido e, ao fim, este seja solucionado da melhor forma possível.


2. HISTÓRICO DO CRIME DE ABORTO

Nem sempre a prática do aborto foi objeto de reprimenda penal, tendo em vista que durante muito tempo o produto da concepção era considerado parte integrante do corpo da gestante, e por tal razão ficava ao arbítrio desta a decisão da continuidade ou interrupção da gestação.

Esse entendimento foi bastante difundido em Roma, até que, por volta de 200 anos depois de Cristo, período em que Roma possuía como imperador Septimius Severus, o aborto tornou-se uma violação ao direito do marido à prole esperada, ocasião em que esta prática passou a ser objeto de sanção pelo ordenamento jurídico de Roma.

Assim explícita Adriana Tenorio Antunes Reis (2007):

A prática do aborto nem sempre foi objeto de incriminação. Inicialmente, predominava a total indiferença do Direito em face do aborto, considerando o produto da concepção como parte integrante do corpo da gestante e, por conseguinte, deixando a critério da mulher a decisão acerca da conveniência ou não de dar continuidade à gravidez. Assim era em Roma, nos primeiros tempos, quando não era sancionada a morte dada ao feto. Por volta do ano 200 depois de Cristo, com o reinado do imperador Septimius Severus, o aborto passou a ser considerado uma lesão ao direito do marido à prole esperada, sendo sua prática castigada.

No período medieval, a punição à prática de aborto passou a ser mais difundida.

Essa é a opinião da doutrinadora que, citando Santo Agostinho, afirma:

Na Idade Média, a punição do aborto generalizou-se. De acordo com Santo Agostinho, baseado na doutrina de Aristóteles, "o aborto só seria delito em se tratando de feto animado, o que ocorria quarenta ou oitenta dias após a concepção, conforme fosse do sexo masculino ou feminino". De outro lado, São Basílio não admitia qualquer distinção entre feto animado e inanimado, considerando o aborto provocado sempre como criminoso (REIS, 2007).

O Cristianismo trouxe a idéia, até hoje difundida, que o produto da concepção embora não possa ser juridicamente considerado pessoa, é um ser a quem a sociedade deve garantir seu direito à vida, até porque o produto da concepção trata-se de um ser humano em formação, pois a gestação e o desenvolvimento do novo ser no ventre materno constituem a fase inicial da vida humana.

A grande contribuição do Iluminismo no tocante ao crime de aborto foi a de acabar com a equiparação antes existente entre os crimes de aborto e infanticídio:

Nesse sentido colaciona a doutrinadora:

É certo que, em se tratando de aborto, "foi o Cristianismo que trouxe a concepção válida até os dias de hoje, no sentido de que o feto, mesmo no ventre materno, embora não se possa reputar como pessoa no seu sentido jurídico, representa um ser a quem a sociedade deve proteger e garantir o direito à vida". Com o Iluminismo, a equiparação entre os crimes de aborto e infanticídio foi abandonada, postulando-se, a partir de então, a redução das penas cominadas àquela espécie de delito (REIS, 2007).

No Brasil, o primeiro Código Criminal de nosso país fora aprovado em 23 de outubro de 1830, sendo o mesmo sancionado em 16 de dezembro do mesmo ano.

Antes de tal diploma legal aplicava-se em nosso país as ordenações do Reino de Portugal, pelo que podemos considerar o Código Criminal de 1830, o primeiro diploma sistemático penal legitimamente brasileiro.

No que diz respeito ao crime de aborto, tal diploma se limitava a punir a conduta de terceiros que, com ou sem o consentimento da gestante, provocassem aborto na mesma e levassem, conseqüentemente, à morte o produto da concepção.

Nesse período não era, pois, punido o aborto quando praticado pela própria gestante, isto é, não era reprimido o auto-aborto.

À época existia um tipo penal específico, que era decorrente de uma política penal muito similar e bastante difundida na nossa realidade social, qual seja, a criminalização de atos preparatórios, como ocorre atualmente com a criminalização do porte e da posse ilegal de armas de fogo.

Nesse diapasão, no período desse diploma legal era criminalizado o fornecimento de meios abortivos, ainda que o aborto não fosse praticado, sendo a pena de tal crime aumentada caso o sujeito ativo de tal delito fosse médico, cirurgião ou similar.

Acerca do Código Criminal de 1830, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 132-133) doutrina o seguinte:

O Código Criminal do Império de 1830 não criminalizava o aborto praticado pela própria gestante. Criminalizava, na verdade o aborto consentido e o aborto sofrido, mas não o aborto provocado, ou seja, o auto-aborto. A punição somente era imposta a terceiros que interviessem no abortamento, mas não à gestante, em nenhuma hipótese. O fornecimento de meios abortivos também era punido, mesmo que o aborto não fosse praticado, como uma espécie, digamos, de criminalização de atos preparatórios. Agravava-se a pena se o sujeito ativo fosse médico cirurgião ou similar.

O Código Penal de 1890 inovou no sentido de criminalizar o aborto quanto este era praticado pela própria gestante, agravando, outrossim, a pena do sujeito ativo caso a gestante viesse a falecer devido as manobras abortivas.

O codex de 1890 ainda previu uma espécie de aborto privilegiado, atenuando a pena caso o mesmo fosse praticado para ocultar desonra própria ou alheia. O referido diploma penal ainda autorizava o aborto, quando este fosse praticado para salvar a vida da gestante, mas o médico ou parteira que praticasse tal aborto poderia ser alvo de reprimenda penal se qualquer destes, por imperícia, causassem a morte da gestante.

Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 133) colaciona que:

O Código Penal de 1890, por sua vez, distinguia o crime de aborto caso houvesse ou não a expulsão do feto, agravando-se se ocorresse a morte da gestante. Esse Código já criminalizava o aborto praticado pela própria gestante. Se o crime tivesse a finalidade de ocultar desonra própria a pena era consideravelmente atenuada. Referido Código autorizava o aborto para salvar a vida da parturiente, nesse caso, punia eventual imperícia do médico ou parteira que, culposamente, causassem a morte da gestante.

O Código Criminal de 1890 permaneceu em vigor até a promulgação e entrada em vigor do Código Penal de 1940, que até a presente data é o diploma legal sistemático em matéria penal no Brasil.

Esse Código previu três ilícitos penais distintos acerca do crime de aborto, sendo eles o auto-aborto, provocado ou consentido, previsto no artigo 124, o aborto sofrido, tipificado no artigo 125, e o aborto consentido, tipificado no artigo 126.

O diploma legal penal de 1940, ainda previu em seu artigo 127, uma causa de aumento de pena quando em decorrência do aborto ou dos meios empregados para ser consumado tal delito, resulta lesão corporal de natureza grave ou a morte da gestante, aplicando-se tal disposição aos ilícitos tipificados nos artigos 126 e 125 do Código, pois não é juridicamente possível que tal previsão seja imposta ao ilícito previsto no artigo 124, haja vista que no Direito Penal não se pune a auto-lesão, ainda porque se sobreviesse a morte da gestante, seu corpo, sem vida, não poderia sofrer qualquer tipo de reprimenda penal.

Ainda foram previstas no artigo 128 duas causas de exclusão de ilicitude do crime de aborto, quando este é praticado por médicos, sendo que este e os demais aspectos do crime de aborto serão pormenorizados no capítulo seguinte, quando serão tratados a proteção do direito à vida e o crime de aborto no atual Código Penal.

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Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Escrivão de Polícia Civil do Estado de Pernambuco, bacharel em direito pela faculdade Escritos Osman da Costa Lins (FACOL), pós-graduando pela Escola Superios de Advocacia de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Jonathan Dantas. Da atipicidade do abortamento quando o produto da concepção é anencefálico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2510, 16 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14760. Acesso em: 26 dez. 2024.

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