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Da atipicidade do abortamento quando o produto da concepção é anencefálico

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16/05/2010 às 00:00
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3. O DIREITO À VIDA: SUA TUTELA LEGAL E DELIMITAÇÃO

O direito à vida, direito fundamental da pessoa humana, previsto e garantido na Constituição da República Federativa do Brasil, datada de 05 de outubro de 1988, é um dos mais importantes direitos fundamentais da pessoa humana, tal como a liberdade, o patrimônio, e a própria dignidade da pessoa humana, não cabendo no presente tema ser explorado ou debatido se esse seria o mais importante dos direitos da pessoa humana, embora que seja possível admitir que este direito é pressuposto da existência dos demais direitos acima citados, pois não há que se falar em patrimônio ou dignidade da pessoa humana, se o ser humano não possui vida para gozar de tais direitos, mas em verdade todos os direitos fundamentais, notadamente aqueles elevados ao plano constitucional têm uma elevada importância no nosso sistema jurídico.

Nossa Constituição declara o comprometimento e a defesa do direito à vida em seu art. 5º, caput, quando esclarece:

Art. 5º Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade direito à vida, á liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

A importância desse direito é que faz com que os estudiosos das ciências jurídicas e a jurisprudência pátria, ao vislumbrarem qualquer indício de violação ao mesmo, passem a entrar num violento embate para teorizar e decidir a melhor solução para o problema que se põe no atual contexto social, que pelos contornos de ser um tema tão delicado e de extrema necessidade de discussão buscam a solução mais condizente com nossa realidade e que pacifique e atenda aos anseios da sociedade cotidiana.

Tal direito não se limita na garantia da não ocorrência de violação deste por quem quer que seja, garantindo que o indivíduo não sofra atentados à sua vida, ou que simplesmente permaneça vivo. Essa é apenas uma das duas dimensões de tal direito. A segunda dimensão, também integrante da própria essência do direito à vida, consiste em garantir, além da inviolabilidade da vida da pessoa humana, que tal vida seja preservada e exista de forma digna, garantindo-se um mínimo das necessidades humanas vitais, ainda proibindo a prática de ato contra a pessoa humana que atente contra a sua dignidade como, a título de exemplo, que a pessoa humana seja vítima de tortura ou qualquer outro tratamento desumano ou degradante.

Sendo assim, importante se faz trazer à colação a opinião de um ilustre constitucionalista:

O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5.º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.

Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.84, XIX. Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir cláusula pétrea do art. 60, § 4.º, IV.

Por fim, o segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, garantindo-se as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis etc (grifo do autor) (LENZA, 2008, p. 595).

Por fim, deve ser acentuado, como faz o citado doutrinador, que a norma constitucional prevê uma tutela do direito à vida de uma maneira bastante genérica, em que caberá às normas de natureza infraconstitucionais pormenorizar a defesa de tal direito, estabelecendo regras com um grau de abstração menor do que existe na já citada norma constitucional, regras estas que protejam a vida de uma forma mais pormenorizada, o que comumente ocorre no nosso sistema jurídico, tradicionalmente romanístico.

Assim, existem em nosso sistema jurídico normas de natureza infraconstitucionais, tais como o Decreto- Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), que protege de forma mais pormenorizada a vida humana, punindo com penas restritivas de liberdade, tanto as violações à vida extra-uterina (quando prevê o crime de homicídio, por exemplo, prevendo, igualmente, a reprimenda penal para quem viole o preceito penal primário) e a vida intra-uterina (previsão do crime de aborto, tanto praticado pela gestante como por terceiros, e a sua respectiva sanção penal), e dá uma proteção especifica a este direito.

Cabe trazer à baila que, apesar de o direito à vida ser um dos mais importante direitos fundamentais da pessoa humana, além de ser, inclusive, pressuposto para a existência dos demais direitos, este não é absoluto em nosso ordenamento jurídico, pois ele pode entrar em confronto com direito igualmente prestigiável.

Pode ocorrer que esse direito entre em confronto com outros direitos igualmente garantidos no plano constitucional, como a liberdade, a dignidade da pessoa humana ou o patrimônio.

Isso ocorre, por exemplo, no caso dos ofendículos, que ao serem efetivamente utilizados, como no caso de um assaltante que tenta adentrar à residência da vítima e sofre um choque que o leve à morte, o que constituirá legítima defesa preordenada, ocorrerá, materialmente, uma violação à vida, mas juridicamente não será uma conduta ilícita a praticada pelo proprietário, pois seu ato é, juridicamente, aceito.

Quando ocorrer essa colisão de direitos de natureza constitucional, o meio para solucionar essa tensão entre direitos fundamentais é a aplicação do princípio da proporcionalidade, tão utilizado pelo Supremo Tribunal Federal em suas decisões quando entram em choque dois ou mais direitos fundamentais de natureza constitucional, sendo que este princípio será objeto de uma analise mais pormenorizada ainda neste capitulo.

3.2 Proteção Penal da Vida Extra e Intra-Uterina

Dando continuidade à exposição do tratamento jurídico dado ao direito à vida, é preciso tecer alguns comentários acerca da proteção penal dirigida a tal direito que, como já exposto, é um dos mais importantes direitos integrantes do patrimônio jurídico de qualquer pessoa humana.

O atual Código Penal, como norma sistemática de defesa dos valores mais importantes de nossa sociedade, prevê além de normas gerais acerca dos institutos e instituições necessários para a aplicação das normas jurídico-penais, colaciona na maior parte de seus artigos a definição dos crimes, culminando as penas correspondentes aos que violem o preceito penal previsto em tais normas, conhecidas, doutrinariamente, como normas penais incriminadoras.

Dentro desse contexto, é que se encontram as normas que protegem o direito à vida, tipificando condutas que, uma vez praticadas por qualquer pessoa, ocasionarão a estas a aplicação de uma sanção penal.

No início da parte especial de tal legislação, em seu Título I, denominado dos crimes contra a pessoa, e no seu Capítulo I, intitulado dos crimes contra a vida, estão tipificados os delitos que atentam contra a vida humana extra e intra-uterina.

Dos artigos 121 a 123, estão previstas as normas penais que têm por fim proteger a vida extra-uterina, sendo que essa vida começa, segundo a doutrina penal pátria, com o início do parto, que tem como período materialmente inicial quando ocorre o rompimento do saco amniótico e o início das contrações do parto.

Cabe trazer à tona o que dispõe o Código Penal em seu artigo 121, este prevê que "Matar Alguém: Pena – reclusão de seis a vinte anos".

Tal artigo tem como claro objetivo impedir, de forma intimidadora, que o direito à vida não sofra atentados, dando um sentido mais especializado à norma constitucional antes citada no bojo do presente estudo.

Os artigos 122 e 123 do mesmo Código, igualmente, tipificam condutas contrárias ao direito à vida, descrevendo-as como criminosas, sendo estas condutas o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio de outrem, ou o infanticídio, que nada mais é que um homicídio privilegiado, que ocorre quando praticado por uma mulher que comete o delito contra o próprio filho, desde que a mesma ao praticar tal ilícito esteja sob a influência do estado puerperal, comprovada a influência de tal estado no cometimento do crime mediante perícia.

Aos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal, restou a defesa da vida intra-uterina, que vai até antes do momento em que tem início o parto, que ocorre com o rompimento do saco amniótico e início das contrações do parto. Tais artigos possuem a seguinte redação:

Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 Provocar aborto como o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

O parágrafo único do artigo 126 prevê uma causa de aumento de pena para este tipo penal, enquanto o artigo 127 prevê duas causas de aumento de pena que se aplicam aos tipos penais previstos nos artigos 125 e 126, enquanto o artigo 128 prescreve duas hipóteses em que o aborto, praticado por médico, não será objeto de reprimenda penal.

Apesar de toda defesa constitucional e penal do direito à vida, este, como todos os direitos que existem, não pode ser considerado absoluto, haja vista que o mesmo é um instituto social, que sofre limitações de outros direitos reconhecidos no seio social que ocasionalmente entram em embate com este direito.

Exemplo clássico de tal afirmação é o instituto da legítima defesa, em que se restringe um direito, até mesmo o direito à vida, por um direito igual ou maior num grau valorativo dos direitos que se chocam.

Assim, se matar alguém é crime, o autor deve se submeter a uma reprimenda penal, mas se esse delito fora praticado porque a suposta vítima estava tentando matar a pessoa que cometeu o verbo do tipo penal, na verdade a ordem jurídica pátria não considerará a conduta do autor antijurídica (contrária ao direito).

Nesse sentido, o Código Penal prevê em seu artigo 25 que "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

O mesmo ocorre com o crime de aborto.

O direito à vida intra-uterina não é ilimitado e absoluto, pois tal direito pode, e por diversas vezes irá entrar em choque contra outros direitos legitimamente reconhecidos pela ordem jurídica, e por vezes tais direitos estarão igualmente prestigiados e protegidos por normas de natureza constitucionais.

Tanto é assim que de forma específica trata do crime de aborto o art. 128 do Código Penal, prevendo que:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Como se pode perceber, na primeira hipótese o móvel que faz restringir o direito à vida intra-uterina seria o fato da vida da gestante estar correndo um perigo eminente, caso a gravidez não seja interrompida, enquanto no segundo caso, a vida do feto é restringida em homenagem à dignidade da pessoa da gestante, impedindo que esta leve ao seu termo uma gravidez fruto de uma violência sexual.

Essas duas, em tese, seriam as únicas hipóteses em que a vida intra-uterina poderia ser restringida. Ocorre que a evolução histórico-social, sempre reclama do hermeneuta uma solução nova para questões que aparecem no cotidiano social.

Não é sem motivo que há algum tempo se consolidou que o aborto praticado por enfermeiro, quando existe perigo de vida para a gestante, não é crime, assim como no caso da gravidez ser decorrente de um atentado violento ao pudor (quando esse tipo existia), e o aborto, igualmente, em tal hipótese, não era punido, isso segundo a doutrina e jurisprudência pátrias que, com base em uma legislação antiga e longe de uma sociedade como a hodierna, transformaram a Lei mediante técnicas interpretativas.

Nesse sentido, Julio Fabrini Mirabete defende que "resultando a gravidez não de estupro, mas de atentado violento ao pudor (art. 214), aplica-se o dispositivo, isentando-se o agente, pela aplicação da analogia in bonan partem" (2006, p. 70).

Quanto ao aborto na hipótese do inciso I do artigo 128, a doutrina argumenta que quando praticado por enfermeiro não se aplica tal dispositivo, mas sim o artigo 24, pois nesse caso o enfermeiro age em estado de necessidade.

Assim argumenta Damásio Evangelista de Jesus (2005, p.128):

E se o aborto for praticado por enfermeira?

Depende. Tratando-se de aborto necessário, em que não há outro meio de salvar a gestante, não responde por delito. Não por causa do art. 128 uma vez que esta disposição só permite a provocação por médico. Na hipótese, a enfermeira é favorecida pelo estado de necessidade previsto no art. 24 do estatuto penal, que exclui a ilicitude do fato.

Dessa forma, embora a priori se chegue à errônea conclusão de que os termos do artigo 128 são peremptórios e restritos, certo é que já se construíram doutrinariamente novas hipóteses de exclusão de ilicitude do delito de aborto em casos não explicitamente previstos em tal artigo de Lei.

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3.3 Crime de Aborto: Noções Gerais

O Direito Penal protege a vida humana desde o instante em que o novo ser é gerado. Agora serão tecidos alguns comentários acerca das características gerais do crime de aborto, que está tão intimamente relacionado com o objeto do presente ensaio, a começar pela explicação de quando tem início a vida humana.

Com a fecundação, união do espermatozóide com o óvulo, o que faz nascer de tal união o ovo, que posteriormente evolui para o embrião, e deste se chega ao feto, sendo que o conjunto de todas essas etapas constitui e marca a primeira fase da formação da vida humana. Toda essa primeira fase da vida humana já gerada no ventre materno se encontra prestigiada pelas normas jurídicas protetivas da vida humana intra-uterina.

Mas, o que seria o crime de aborto?

Julio Fabrini Mirabete conceitua este como sendo a "interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção". O autor ainda traz à colação de que não é necessária para a ocorrência de aborto a expulsão do produto da concepção para a ocorrência deste, pois pode esse produto "ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da expulsão", e mesmo assim "não deixará de haver, no caso, o aborto"(2006, p. 62).

Damásio Evangelista de Jesus conceitua aborto, como sendo "a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção)"(2005, p. 119).

Do conceito de Jesus, pode-se perceber que o crime de aborto é a supressão, ou violação da vida humana intra-uterina, em que o desenvolvimento do ser é obstado e sua vida exterminada, quando ainda se desenvolvia no ventre materno.

Assim, pode-se conceituar aborto como a interrupção da gravidez antes que seja atingido o limite fisiológico para o nascimento do ser, o que compreenderá do período entre a concepção e o início do parto.

Nesse sentido, Cesar Roberto Bitencourt afirma que aborto é a "interrupção da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da vida intra-uterina" (2008, p.135).

Para que o crime de aborto seja consumado é necessário " a interrupção da gravidez e a morte do feto", sendo, portanto, "desnecessária a existência de expulsão" do produto da concepção (MIRABETE, 2006, p.65).

É necessário, para a existência deste delito, que o feto esteja vivo, pois a morte do produto da concepção deve ser resultado das manobras abortivas, sob pena de ocorrer na verdade um crime impossível, que na realidade não constitui crime algum.

Nesse sentido a doutrina afirma que "o crime de aborto pressupõe gravidez em curso e é indispensável que o feto esteja vivo. A morte do feto tem de ser resultado direto das manobras abortivas" (BITENCOURT, 2008, p.135).

O bem jurídico tutelado por esta norma penal é a vida intra-uterina, ou seja, a vida do ser humano em formação. É bom que se esclareça que o feto ou embrião não podem ser considerados uma pessoa, mas sim uma potencialidade de pessoa que recebe tratamento e defesa jurídica específica. Nos casos em que o aborto é praticado por terceiro, o tipo penal também prestigia a incolumidade física e a vida da gestante, que pode ter sua saúde e vida prejudicados, devido às manobras abortivas.

Nesse sentido, afirma o doutrinador:

Tutela-se nos artigos em estudo a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que desde a concepção (fecundação do óvulo) existe um ser em germe, que cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, tem metabolismo orgânico exclusivo e, ao menos nos últimos meses da gravidez, se movimenta e revela uma atividade cardíaca. Protege-se a vida e a integridade corporal da mulher gestante no caso de aborto provocado por terceiro sem seu consentimento (MIRABETE, 2006, p. 62 e 63).

Como já mencionado, o crime de aborto fora dividido em três tipos penais distintos que recebem tratamento jurídico autônomo.

O primeiro tipo penal que trata do crime de aborto, tipificado no artigo 124, é o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento. Nesse tipo penal, a gestante pode praticar duas condutas típicas que podem interromper sua própria gravidez, quais sejam, ela mesma pode provocar o aborto em si própria (auto-aborto) ou esta pode consentir em que outra pessoa provoque o aborto, mas nesse segundo caso o consentimento não é o bastante, exigindo-se que o aborto seja executado por um terceiro, ou que as manobras abortivas tenham início, ainda que o produto da concepção não venha a morrer.

Em ambos os verbos do tipo, o crime será de mão própria, o que exigirá do sujeito ativo uma qualidade específica, que seria ser a gestante no caso concreto. Apesar disso, pode ocorrer que terceiros contribuam como partícipes, e por meio de atividades acessórias contribuam para que ocorra o evento delituoso, como quando um terceiro, induz, instiga ou auxilia a gestante a praticar o auto-aborto ou a que esta consinta em que outra pessoa provoque o aborto nesta.

Nesse diapasão, afirma Dámasio Evangelista de Jesus (2005, p. 124):

É admissível a participação na hipótese em que terceiro induz, instiga ou auxilia de maneira secundária a gestante a provocar aborto em si mesma. Se, porém, o terceiro executar ato de provocação do aborto, não será partícipe do crime do art. 124, mas sim autor do fato descrito no art. 126 (provocação de aborto com consentimento da gestante).

Dessa forma, caso o terceiro não se limite a praticar uma atividade acessória, e mediante atos executórios intervenha efetivamente na gravidez da gestante causando a morte do feto ou embrião, não responderá pelo delito previsto no artigo 124 do Código Penal, tendo em vista que a natureza deste, crime de mão própria, não admite que isso ocorra. Responderá o terceiro que praticou o aborto pelo delito previsto no artigo 126 do mesmo codex, no que constitui uma exceção à teoria monista da ação, pela qual todos os co-autores e partícipes respondem por crime único na medida da culpabilidade de cada um deles, teoria inclusive adotada pelo Código Penal pátrio, com fulcro no artigo 29 do mesmo diploma legal.

No caso em tela, o terceiro que pratica o aborto responde por um tipo penal, enquanto a gestante que consentiu responde por delito diverso. Pelo que, pode-se concluir que tal delito não admite co-autoria.

O segundo tipo penal que trata do crime de aborto é o aborto provocado sem o consentimento da gestante. Nesse caso, um terceiro provoca o aborto na gestante, causando a morte do produto da concepção, mas sem que ela consinta em que ele pratique tal ato.

O aborto praticado sem o consentimento da gestante é o que recebe a maior reprimenda penal, e pode ser classificado em aborto sem o consentimento real ou aborto com ausência de consentimento presumido.

No primeiro caso, previsto no artigo 125 do Código Penal, a gestante tem total capacidade para consentir que outrem lhe provoque o aborto, contudo, esta não consente; enquanto que no segundo caso, previsto no parágrafo único do artigo 126, a gestante pode chegar até materialmente a consentir, mas a norma penal afasta tal consentimento porque o mesmo não pode ser, juridicamente, prestigiado, como nos casos em que a gestante não tem idade superior a 14 anos, é alienada ou débil mental.

Damásio Evabgelista de Jesus, ao comentar essa espécie de aborto, afirma que o "dissentimento da ofendida pode ser real ou presumido. Real, quando o sujeito emprega violência, fraude ou grave ameaça. Presumido, quando ela é menor de 14 anos, alienada ou débil mental" (2005, p. 125).

O que se observa é que para a adequação típica é necessário o não consentimento da gestante, que é elemento essencial do tipo penal, e se este existir, o aborto não será o tipificado no artigo 125 do Código Penal, mas, sim, o ilícito previsto no artigo 126, caput, do mesmo diploma legal.

Qualquer forma de provocar o aborto sem o consentimento da gestante constitui o crime tipificado no artigo 125, não sendo essencial que haja a violência, grave ameaça ou fraude, podendo ser praticado o abortamento com simulações ou dissimulações do sujeito ativo, que sejam capazes de burlar a atenção ou vigilância da gestante.

Assim, para a ocorrência do delito do artigo 125 "é suficiente que a gestante desconheça que nela está sendo praticado um aborto" (BITENCOURT, 2008, p. 138).

Por fim, tem-se o tipo penal de aborto, conhecido como aborto consensual, tipificado no artigo 126, caput, do Código Substantivo Penal, que consiste no aborto praticado por terceiro, após a gestante ter consentido que este provocasse o aborto nela.

Já foi explicado que, no caso em questão, responderá o terceiro que praticou o aborto pelo crime tipificado no artigo 127, enquanto a gestante que consentiu responderá pelo ilícito previsto no artigo 124, por praticar o verbo consentir previsto em tal artigo de Lei.

Dessa forma:

Define-se no art. 126 a provocação do aborto com o consentimento da gestante. Esta responderá pelo crime previsto no art. 124 e aquele que pratica as manobras abortivas ou causa o aborto de outra forma será punido pelo crime em estudo, com pena mais severa (MIRABETE, 2006, p. 67).

É relevante informar que, além da gestante responder por crime diverso do crime ao qual estará incurso o terceiro que, com o consentimento desta, praticou o aborto, o crime do terceiro possui pena superior à prevista para a gestante que o consentiu, haja vista que, devido a critérios de política criminal, os nossos legisladores de 1940 acabaram por optar que deveria haver um nível de reprovabilidade maior da conduta do terceiro que efetiva e materialmente comete o aborto, em relação à conduta da gestante que se limita a consentir em que esse terceiro provoque o aborto nela.

Diante de todo o exposto, é possível vislumbrar que o crime de consentir em que outrem pratique aborto em si mesma, e o aborto com consentimento da gestante, são crimes de concurso necessário, exigindo uma conduta da gestante (consentir) e uma do terceiro (provocar aborto).

No aborto provocado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante, o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, não se exigindo em tais hipóteses nenhum tipo de qualidade especial do sujeito ativo. No delito do artigo 124 "o sujeito ativo é a gestante, tratando-se, assim, de crime especial ou próprio" (MIRABETE, 2006, p. 63).

O sujeito passivo do crime de aborto, nos casos de auto-aborto e aborto consentido (artigos 124 e 125) é o produto da concepção, o que engloba o óvulo, embrião e o feto, sem embargo das opiniões em contrário de alguns doutrinadores, que defendem que o sujeito ativo de tal delito seria a sociedade, pois o que aqui se defende é que o produto da concepção do delito sub examine possui um tratamento autônomo, em que se protege a potencialidade de uma vida humana, vida esta distinta da própria vida materna, embora dependente desta.

Sendo assim, o sujeito passivo do crime de aborto "é o feto, ou, genericamente falando, o produto da concepção, que engloba óvulo, embrião e feto" (BITENCOURT, 2008, p. 134).

Em sentido contrário, Julio Fabrini Mirabete afirma que "não é o feto, porém, titular de bem jurídico ofendido, apesar de seus direitos de natureza civil resguardados. Sujeito passivo, portanto, é o Estado ou a comunidade nacional" (2006, p. 63).

Quando o aborto é praticado por terceiro sem o consentimento da gestante, esta última também será sujeita passiva do crime, juntamente com o produto da concepção, ocorrendo nesse caso uma dupla subjetividade passiva.

Para encerar estas noções gerais acerca do crime de aborto, cabe lembrar que o elemento subjetivo de tal delito é o dolo, dessa forma, o aborto apenas "é punível a título de dolo, vontade de interromper a gravidez e de causar a morte do produto da concepção" (JESUS, 2005, p. 123).

O dolo nesse delito pode ser direto ou eventual, e a legislação penal não prevê a figura típica do aborto culposo.

3.4 Princípio da Proporcionalidade

O Direito, e porque não dizer mais especificamente o nosso ordenamento jurídico brasileiro, fora construído no intuito de que este fosse harmônico, e é isso que se espera de um sistema, que este seja um conjunto harmônico de diversas partes que podem ser consideradas autônomas, mesmo assim interligadas.

Esse ordenamento fora criado em distintas épocas e por representantes populares diversos, o que às vezes faz com que esse sistema jurídico não seja tão harmônico como se espera que sempre seja.

O ordenamento jurídico pátrio tem como marca característica a sua organização hierárquico-normativa, em que algumas normas se sobrepõem às outras, como, por exemplo, a Constituição, que é a norma mais importante nessa hierarquia normativa.

Como norma superior de nosso ordenamento, cabe a todas as normas de cunho inferior buscar na Constituição o seu fundamento de validade, pois do contrário a norma de menor hierarquia será eliminada do nosso ordenamento, seja porque esta é incompatível com a atual ordem constitucional, sendo pois não recepcionada, seja porque a norma está eivada de inconstitucionalidade.

No caso especificado do parágrafo anterior, é evidente que a regra para solução do conflito de normas é que seja excluída a norma inferior e privilegiada a norma de natureza superior, mas indaguemos: e se as normas fossem de mesma hierarquia? Existem, por exemplo, princípio constitucional mais importante que outro? Na solução desse conflito deveria se excluir de nosso sistema um princípio constitucional porque o outro é mais prestigiável?

Alguns doutrinadores acreditam que existe entre os princípios constitucionais hierarquia, podendo-se afirmar teoricamente que um princípio constitucional é superior a outro, nesse sentido defende Geraldo Ataliba, citado por George Marmelstein Lima, que "mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas pelos princípios. Estes se harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecida, de modo a assegurar plena coerência interna ao sistema (...)" (LIMA, 2002).

Contudo, sustenta-se aqui que tal afirmação é destituída de veracidade, na verdade não há que se falar em hierarquia entre princípios constitucionais, porque, sob o ponto de vista jurídico, todos os princípios constitucionais têm sua importância dentro do nosso ordenamento, e esse choque de princípios que muitas vezes ocorre dá-se pelo fato de a Constituição ter sido tão democrática, que acabou por privilegiar interesses antagônicos, sendo assegurados na mesma Constituição valores liberais, como por exemplo trazendo os princípios da liberdade e da propriedade, como princípios (valores) de natureza social, como o direito a um trabalho e à dignidade da pessoa humana.

Se de um lado a Constituição dá ênfase ao direito de informação, por outro defende expressamente a intimidade, princípios que por várias vezes sempre estarão em tensão.

Nesse sentido, afirma George Marmelstein Lima (2002):

Existem, é certo, princípios com diferentes níveis de concretização e densidade semântica, mas nem por isso é correto dizer que há hierarquia normativa entre os princípios constitucionais. Com efeito, como decorrência imediata do princípio da unidade da Constituição, tem-se como inadmissível a existência de normas constitucionais antinômicas (inconstitucionais), isto é, completamente incompatíveis, conquanto possa haver, e geralmente há, tensão das normas entre si.

Sendo assim, e com base nas afirmações do referido autor, não há que se pensar, no ordenamento jurídico em tela, na possibilidade de existência de normas constitucionais, provenientes do poder constituinte originário, inconstitucionais, tendo em vista que isso macularia a própria finalidade da Constituição, qual seja, conferir unidade a todo o nosso ordenamento. Aceitar a possibilidade de existência de antinomia entre os princípios constitucionais seria afirmar que a Constituição não é, ela mesma, dotada de unidade, donde se pode concluir que ela jamais seria capaz de trazer unidade ao restante do ordenamento.

Existem três critérios para a solução das colisões quando se trata de normas jurídicas infraconstitucionais antinômicas: o critério cronológico, em que a norma posterior revoga a anterior; o critério hierárquico, já antes explicitado, em que a norma inferior é revogada pela norma superior; e o critério da especialidade, em que uma norma especial afasta a aplicação de uma norma geral.

No entanto, esses critérios servem unicamente para os casos de antinomia entre normas jurídicas comuns, e normalmente dá-se entre elas a total exclusão da norma que sucumbe à norma que prevalece, o que não ocorre com os princípios constitucionais, haja vista que não há que se falar em antinomia entre eles, pois não se pode simplesmente excluir um dado princípio constitucional do nosso ordenamento pelo simples fato de que este possui uma colisão com outro princípio de igual valor constitucional em dada situação fática.

Diante disso, foi necessário o desenvolvimento teórico de um princípio que regularia essa tensão de princípios constitucionais, para possibilitar uma resolução dessa tensão.

E foi assim que nasceu o princípio da proporcionalidade, como o meio para se conseguir trazer harmonia no ordenamento jurídico quando houver colisão entre princípios constitucionais.

Esse princípio se daria da seguinte forma, os direitos ou princípios fundamentais em colisão terão que ser harmonizados, naquele determinado caso concreto, por meio de uma ponderação com o fito preservar e concretizar ao máximo os princípios constitucionais protegidos.

Dessa forma, nesse caso não se procura excluir a aplicação de qualquer dos princípios em tensão, mas sim se busca harmonizá-los, tentando fazer com que ambos sejam aplicáveis àquela situação concreta.

Note-se que ainda assim é necessário que seja feito um juízo de importância dos princípios em colisão no caso concreto, pois, embora não seja a finalidade do princípio da proporcionalidade a exclusão do princípio que naquele caso é menos prestigiável, inelutavelmente ocorrerá um aumento do volume de aplicação de dado princípio e, em contrapartida, uma diminuição do espectro de aplicação da norma de menor importância naquele caso, mas jamais ocorrerá a total exclusão de aplicação desse princípio menos favorecido no caso concreto, o que se busca com o princípio da proporcionalidade não é a exclusão de um princípio, mas a harmonia de ambos.

Em acordes com todo o exposto, cabe trazer à baila quatro itens da conclusão do inclito jurista:

e) duas soluções foram desenvolvidas pela doutrina estrangeira e vêm sendo comumente utilizada pelos Tribunais para solucionar casos em que dois princípios entram em rota de colisão. A primeira é a da concordância prática (Hesse); a segunda, a da dimensão de peso ou importância (Dworkin);

f) a concordância prática pode ser enunciada da seguinte maneira: havendo colisão entre valores constitucionais (normas jurídicas de hierarquia constitucional), o que se deve buscar é a otimização entre os direitos e valores em jogo, no estabelecimento de uma harmonização, que deve resultar numa ordenação proporcional dos direitos fundamentais e/ou valores fundamentais em colisão, ou seja, busca-se o ‘melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes’;

g) na dimensão de peso e importância, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles, não se aplicando, tal como ocorre com as regras, o critério do tudo ou nada;

h) em todo caso, o princípio da proporcionalidade deve ser utilizado pelo operador do direito como meta-princípio, ou seja, como "princípio dos princípios", visando, da melhor forma, preservar os princípios constitucionais em jogo (LIMA, 2002).

3.5 Lei nº 9.434/97 e a Definição Legal do Momento da Morte

Aos 04 dias do mês de fevereiro do ano de 1997, fora sancionada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a Lei nº 9.434, que versava sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo de seres humanos para fins de transplante e tratamento.

Tal legislação passou a regular a retirada em seres humanos sem vida de partes de seus corpos, com o fito de que com estes sejam possíveis o transplante e tratamento de outras pessoas ainda vivas que se encontrem em risco de vida, ou que sofrem de alguma deficiência que demande partes de corpo de outras pessoas para a cura ou tratamento.

Essa Lei tem clara finalidade ético-humanitária, que seria a de retirar órgãos de outros seres humanos já sem vida para possibilitar àqueles que ainda possuem alguma chance de viver, mas se encontram em situação de saúde precária, dando a estes a chance de continuar vivendo, como, por exemplo, no caso de uma pessoa que precisa de um transplante de coração, ou que dê a possibilidade para que a pessoa possa viver com mais dignidade e possa alcançar o ideal de felicidade, como no exemplo do transplante de olhos.

A entrada desta Lei em nosso ordenamento jurídico causou uma certa polêmica quanto a alguns de seus dispositivos, dentre os quais o da presunção de vontade da pessoa sem vida de doar seus órgãos quando não expressamente manifeste a vontade em contrário quando ainda vivas.

Mas essas questões polêmicas envolvendo a supramencionada Lei não interessam para o desenvolvimento do trabalho aqui proposto.

A grande inovação desta Lei no que pertine ao objeto deste ensaio foi, sem dúvida, que esta trouxe de forma inédita em nosso ordenamento jurídico o momento cronológico em que o legislador decidiu em que momento a vida humana chega a seu termo final.

Motivo pelo qual aqui é aberta a oportunidade de comentar, ainda que de forma concisa essa legislação no bojo do presente ensaio.

Essa legislação afastou de uma vez por todas a discussão de quando pode ser considerada a morte do ser humano, se quando ocorre a chamada morte cardiorrespiratória, que ocorreria quando ocorre a cessação dos batimentos cardíacos e dos movimentos respiratórios, ou a morte cerebral que ocorre quando o cérebro cessa de forma irreversível o seu funcionamento.

Nesse sentido dispõe a mencionada Lei:

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

Como se pode inferir do texto legal, optou o legislador por considerar o momento em que o ser humano deixa de viver o exato instante em que é constata a sua morte cerebral, o que possibilitará a retirada dos órgãos do ser para que sejam atingidos os elevados fins desta Lei.

No artigo está claro que a retirada de órgão e tecidos após o diagnóstico de morte encefálica, devidamente realizada por dois médicos não integrantes das equipes de remoção e transplantes, constitui retirada post mortem (após a morte), o que evidencia que após tal diagnóstico o ser humano é destituído de vida.

Assim, a partir da morte cerebral, não há que se falar que o ser que fora objeto de tal diagnóstico ainda possa ser considerado vivo.

Evidente que tal legislação não constitui violação do direito à vida, pelo que não se pode considerar que a remoção nesse caso ocorre num ser ainda vivo, mas que a partir daquele instante o ser não mais vive.

Dessa forma, se coube à Constituição Federal prever a defesa do direito à vida da forma mais genérica possível, à Lei nº 9.434/97 coube definir o momento em que a vida humana chega a seu fim, delimitando e dando contornos mais claros a tal direito.

Nesse diapasão, essa Lei delimitou o momento em que a vida chega a seu momento final, explicitando o que a nossa Constituição não fez e nem uma Lei, antes ou depois desta, sendo que essa definição nos ajudará na solução mais adequada aos casos de anencefalia, que será objeto do próximo ponto.

3.6 Anencefalia

A anencefalia é a ausência total ou parcial da abobada craniana, que é proveniente de um defeito de fechamento do tubo neural. Assim, nos casos de anencefalia, o ser humano não possui cérebro, total ou parcialmente, sendo que essa patologia torna inviável a vida do ser, pois não existe registro de ser humano que viva sem possuir cérebro.

Nesse sentido cabe trazer à colação as palavras de Poliana Guimarães Rezende (2006):

A anencefalia é uma patologia congênita que afeta a configuração encefálica e dos ossos do crânio que rodeiam a cabeça. A conseqüência deste problema é um desenvolvimento mínimo do encéfalo, o qual com freqüência apresenta uma ausência parcial ou total do cérebro (região do encéfalo responsável pelo pensamento, a vista, o ouvido, o tato e os movimentos). A parte posterior do crânio aparece sem fechar e é possível, ademais, que faltem ossos nas regiões laterais e anterior da cabeça.

A razão mais comum para que o produto da concepção desenvolva anencefalia seria uma deficiência de ácido fólico. Mas alguns defendem que a causa é multifuncional, em que circunstâncias nutricionais e ambientais poderiam influenciar indiretamente como elemento causador dessa deficiência. Seriam causas da anencefalia a "exposição da mãe durante os primeiros dias de gestação a produtos químicos e solventes; irradiações; deficiência materna de vitamina do complexo B, especialmente o ácido fólico; alcoolismo e tabagismo". (REIS, 2007).

O diagnóstico de anencefalia pode ser realizado a partir de doze semanas, por meio de ultra-sonografia, haja vista que nesse período já é possível a visualização por intermédio desse exame do segmento cefálico do feto.

Em todos os casos, a anencefalia leva o produto da concepção à morte, sendo que na maioria das vezes o feto morre ainda no ventre materno, enquanto os que conseguem nascer ainda com vida acabam morrendo na primeira semana após o nascimento.

Nesse sentido, informa o doutrinador:

Em decorrência dessas graves carências do processo de desenvolvimento embrionário, o anencéfalo guarda, em altíssimo percentual, incompatibilidade com os estágios mais avançados da vida intra-uterina e total incompatibilidade com a vida extra-uterina. Aproximadamente 65% dos fetos afetados morrem ainda no período intra-uterino, enquanto que, dos 35% que chegam a nascer, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto dentro da primeira semana (REIS, 2007).

Durante e após o parto do feto portador de anencefalia, afirma a doutrina, podem acontecer algumas complicações que não seriam comuns às gestações de fetos que não possuem essa deficiência.

Adriana Tenorio Antunes Reis (2007) deixa explícito quais seriam:

Entre as complicações que podem ocorrer durante e após a gestação do feto anencefálico, estão relacionadas as seguintes: prolongamento da gestação além do período normal de quarenta semanas; aumento do líquido amniótico, o que pode ocasionar dificuldades de respiração, de funcionamento do coração da gestante e até levá-la à morte; aumento da pressão arterial, comprometendo o bem-estar físico da gestante; puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratibilidade uterina; maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstétricas do parto de termo; alterações comportamentais e psicológicas de grande monta para a gestante.

Após a entrada em vigor da Lei de transplantes, a anencefalia ganhou contornos mais complexos, quanto à questão de existência ou não de vida quando o produto da concepção é portador desta patologia, tendo em vista que a mencionada Lei definiu que o fim da vida humana é marcado pela morte cerebral, e o feto portador de anencefalia não possui cérebro.

Nesse raciocínio, fica mais polêmica ainda a questão de se o aborto de feto anencefálico constitui, ou não, crime, o que será mais debatido no capítulo que se segue.

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Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Escrivão de Polícia Civil do Estado de Pernambuco, bacharel em direito pela faculdade Escritos Osman da Costa Lins (FACOL), pós-graduando pela Escola Superios de Advocacia de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Jonathan Dantas. Da atipicidade do abortamento quando o produto da concepção é anencefálico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2510, 16 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14760. Acesso em: 8 mai. 2024.

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