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Tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

Panorama legislativo

30/06/2010 às 00:00
Leia nesta página:

O presente artigo tem por escopo analisar o panorama legislativo pátrio acerca da possibilidade ou não de concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

Sabe-se que a tutela antecipada é uma espécie de tutela jurisdicional satisfativa, prestada com base em um juízo de probabilidade. Segundo Alexandre Freitas Câmara [01] a tutela jurisdicional antecipada é um dos temas que mais têm chamado a atenção dos processualistas brasileiros, pois, muito embora conhecido na legislação pátria em normas esparsas, passou a ter, com o movimento chamado "a reforma do CPC" lugar específico no nosso diploma processual civil, como se vê pela leitura da atual redação do seu art. 273.

Mas, se poderia questionar o porquê da necessidade da tutela antecipada, se já há todo um procedimento comum ordinário e alguns até mesmo sumários ou sumaríssimos previstos no nosso ordenamento para conceder as tutelas jurisdicionais fundadas não em um mero juízo de probabilidade, mas em um juízo de certeza? Em uma palavra, poderíamos responder dizendo: TEMPO. É de amplo conhecimento que normalmente os procedimentos previstos no Código de Processo Civil são demorados [02], e o tempo muitas vezes corre contra a necessária prestação da tutela jurisdicional. Há um brocardo que diz "justiça tardia é injustiça"... tanto o é, que o próprio Constituinte derivado, por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, acresceu ao rol dos direitos e garantias fundamentais inciso específico acerca do tempo razoável para a duração do processo, verbis: "Art. 5º omissis. (...) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

Mas a tutela antecipada deve ser aplicada à Fazenda Pública? Uma medida jurisdicional decida em sede cognição sumária deve prevalecer contra o Estado sempre e nas mesmas situações que pode ser aplicada ao particular? Essas são as questões que trazem certa inquietude aos que labutam na seara jurídica contra ou a favor do Estado.

Leonardo José Carneiro da Cunha [03] traz interessante registro acerca dos posicionamentos doutrinários em torno deste tema:

"Questiona-se se esses provimentos de urgência podem ser concedidos contra o Poder Público. Muito se discutiu sobre a admissibilidade da antecipação de tutela em ações propostas contra a Fazenda Pública, havendo quem se posicionasse contrário ao seu cabimento [nessa corrente o autor cita Antônio Raphael Silva Salvador e José Joaquim Calmon de Passos], sustentando não ser compatível a antecipação da tutela com a regra do reexame necessário (CPC, art. 475), nem com a sistemática do precatório (CF, art. 100). É que, se a sentença não produz efeitos enquanto não confirmada pelo tribunal, a tutela antecipada, a fortiori, não poderia ser concedida, senão depois de reexaminada pela instância superior. Ademais, as ordens de pagamento devem submeter-se, forçosamente, à disciplina dos precatórios, sendo questionável se a parte autora deva efetivamente obter, de logo, o valor respectivo.

Após acirradas discussões, chegou-se a um concenso: não se sujeitam ao reexame necessário as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública. Como bem lembrado por Renato Luís Benucci, no processo de mandado de segurança há reexame necessário e, nem por isso, está vedada a concessão da liminar. De igual modo, a simples existência do reexame necessário não é fator necessário e suficiente para impedir a concessão de provimentos antecipatórios contra a Fazenda Pública."

Conclui o referido autor, que esse debate já se encontra superado, ou seja, é cabível a tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Mas uma pergunta permanece: em que situações?

Antes de respondermos ao questionamento, mister indicarmos, en passant, os requisitos para a concessão das tutelas antecipadas ou de urgência, in litteris:

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

(...)

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

(...)

§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso."

De início percebe-se que a tutela antecipada não segue os mesmos requisitos das liminares previstas na legislação esparsa, nem os requisitos das cautelares. Na tutela antecipada há uma seleção mais rigorosa quanto às hipóteses em que será deferida, não é suficiente, por exemplo, início de prova, mas prova inequívoca e verossimilhança das alegações. Além disso, cumulativamente, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, noutro turno, se caracterize o abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu.

Não preenchidos esses requisitos as tutelas antecipadas, seja contra a Fazenda Pública, seja contra o particular, não serão concedidas.

O § 6º do art. 273 também prevê a possibilidade da concessão da referida tutela quando um mais dos pedidos, cumulados ou em parte, mostrarem-se incontroversos. A esse respeito, roga-se vênia para transcrever, mais uma vez, lição de Alexandre Freitas Câmara [04]:

"Trata-se de dispositivo mal escrito, o que deve levar o intérprete a uma interpretação necessariamente extensiva da regra. Isto porque o texto da lei gera a falsa impressão de que este parágrafo só pode ser aplicado nos casos em que tenha havido cumulação de demandas, o que não é verdade. Na realidade, este § 6º quer significar que toda vez que uma parcela do objeto do processo (...) se tornar incontroverso, deverá o juiz, com relação a tal parcela, proferir imediata decisão, prosseguindo o feito apenas em relação ao que ainda é controvertido.

Observe-se, em primeiro lugar, que se todo o objeto do processo se torna incontroverso não é caso de se pensar em tutela antecipada, mas em julgamento imediato de todo o mérito (arts. 329 e 330 do CPC). (...).

Há casos, todavia, em que o objeto do processo é composto (...) ou decomponível (...). Nessas hipóteses, pode acontecer de uma parcela do objeto do processo se tornar incontroversa. (...) Nestes casos, forma-se um juízo de certeza, baseado em cognição exauriente, quanto à parcela incontroversa do objeto do processo, o que deve levar o magistrado a proferir imediata decisão a respeito da mesma. Só assim estará sendo atendida a promessa constitucional de tempestividade da tutela jurisdicional, já que não demorará excessivamente a resposta à parcela incontroversa do objeto do processo."

Por fim, diz o auto:

"É de se notar que no caso previsto no § 6º, do art. 273, a decisão antecipatória é interlocutória, sendo, pois, impugnável por agravo (...). Trata-se, porém, de decisão baseada em cognição exauriente, capaz de declarar a própria existência ou inexistência do direito material, razão pela qual será tal provimento, ao se tornar irrecorrível, capaz de alcançar a autoridade de coisa julgada material. Não se trata, aqui, pois, de uma antecipação provisória, mas de uma antecipação definitiva da tutela. Há, pois, verdadeira cisão do julgamento do mérito, já que este, antes da criação do § 6º do art. 273 do CPC, tinha de ser inteiramente julgado na sentença, sendo certo que agora tal julgamento pode ser feito de forma parcelada, julgando-se no curso do processo as parcelas incontroversas do mérito e se reservando para a sentença o julgamento apenas daquilo que tenha se mantido controvertido até o fim."

Neste particular, já podemos tecer outro questionamento: o § 6º do art. 273 é aplicável à Fazenda Pública, quando a incontrovérsia for resultado a inércia do réu em contestar (total ou parcialmente da demanda)? Tal pergunta se justifica, pois a teor dos arts. 302, I e 320, II do CPC, não se aplica à Fazenda Pública o ônus da impugnação especificada dos fatos nem os efeitos da revelia, pois tais regras perdem vigência de ante de direitos indisponíveis.

Sobre o tema, imperiosa se mostra a reprodução da lição de Leonardo Cunha [05], quando afirma:

"A constatação da incontrovérsia não permite, com efeito, a resolução parcial do mérito contra a Fazenda Pública, com esteio no parágrafo 6º do art. 273 do CPC. Havendo a simples incontrovérsia, deverá o demandante, ainda assim, comprovar suas alegações, eis que a revelia não produz efeitos contra a Fazenda Pública, a qual não está igualmente sujeita ao ônus da impugnação especificada dos fatos. É preciso que, além da incontrovérsia, a matéria de mérito seja unicamente de direito ou que os fatos alegados esteja, todos eles, suficientemente comprovados por documentos.

Isso porque a hipótese encerra, como se viu, um caso de julgamento antecipado parcial da lide. Ora, não restam dúvidas de que é possível ao juiz proceder ao julgamento antecipado da lide em demanda proposta contra a Fazenda Pública. Desse modo, deve-se seguir a mesma sistemática do julgamento antecipado da lide para o caso da resollução parcial de mérito de que trata o parágrafo 6º do art. 273 do CPC. Assim, é preciso, além da incontrovérsia, que não seja necessária a produção de qualquer outra prova, além das que já tiverem sido adunadas aos autos.

Só não será possível a antecipação do julgamento permitida no referido parágrafo 6º do art. 273 do CPC, caso ainda seja necessário produzir alguma prova para comprovar os fatos alegados pelo demandante. De igual modo, não será possível a antecipação do julgamento, na forma do parágrafo 6º do art. 273 do CPC, a despeito da incontrovérsia e da dispensabilidade de novas provas, se o caso se enquadrar em uma das hipóteses de vedação de tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

É bem verdade que o parágrafo 6º do art. 273 do CPC encerra um caso de julgamento antecipado parcial da lide, não descortinando uma hipótese nova de tutela antecipada. Mesmo assim incidem, na espécie, as regras que vedam a tutela antecipada contra a Fazenda Pública. E isso porque, toda vez que se veda a concessão de tutela antecipada, o que se está vedando, em verdade, é a execução provisória do julgado, somente se admitindo a execução definitiva, ou seja, a partir do trânsito em julgado.

Então, somente será possível a resolução parcial do mérito fundada no art. 273, parágrafo 6º do CPC contra a Fazenda Pública, caso tenha havido incontrovérsia e todos os elementos de prova já estejam nos autos."

Feitos os comentários pertinentes ao § 6º, voltemos ao § 2º do art. 273 do CPC: "Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado".

A regra é simples e também aplicável tanto aos particulares quanto à Fazenda Pública: sabe-se que as tutelas antecipadas estão fundadas em juízos sumários de cognição da matéria. Embora alicerçadas, via de regra, na verossimilhança das alegações e no perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, tais decisões não raras vezes são alteradas nas sentenças. O que esse dispositivo visa prevenir é a irreversibilidade da tutela jurisdicional antecipada, pois caso se verifique na sentença, após uma cognição exauriente da demanda, que o direito não socorria ao demandante, haver-se-á provocado dano irreversível ao demandado. Tal vedação ganha ainda maior relevo se tivermos em mente que danos dessa natureza contra a Fazenda Pública lesam na verdade toda a sociedade, representada no caso pelo erário, bem público, portanto, de todos.

Entretanto, em que pese haja se falado em algumas vedações à concessão de tutelas antecipadas, as mesmas são comuns tanto aos particulares, quanto à Fazenda Pública, salvo no caso do § 6º anteriormente referido. Passemos agora a tratar das vedações específicas, previstas na nossa legislação.

De início, cumpre verificar o que dispõe a lei 9.494/97, acerca do tema proposto:

"Art. 1º

Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992." (grifo nosso)

Lei 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público:

"Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

§ 1º Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.

§ 3º Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.

§ 4º Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será imediatamente intimado.

§ 5º Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários.

(...)

Art. 3º O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.

Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas."

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Cumpre registrar que o disposto no art. 1º da lei nº 9.494/97 estende aos casos de tutela antecipada ordinária, as vedações previstas para a concessão de medidas liminares contra a Fazenda Pública em se de Mandado de Segurança. Assim, todas as hipóteses proibitórias previstas na lei nº 8.437/92 são aplicáveis às ações contra o Poder Públicos mesmo que movidas sob o rito comum do procedimento ordinário.

É de se registrar também, que a nova lei do Mandado de Segurança, lei nº 12.016/09, em seu art. 29 revogou expressamente as leis nºs 4.348/64 e 5.021/66. Todavia, entendemos que, como a referida lei nº 12.016/09 disciplinou em seu texto o que anteriormente encontrava-se "espalhado" nas duas outras leis acima mencionadas, o disposto no art. 1º da lei 9.494/97 no tocante às leis nºs 4.348/64 e 5.021/66 continua em vigor nos dispositivos encartados na lei nº 12.016/09, os quais substituíram as normas das leis revogadas.

Vejamos o que dispunham os arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, e o art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966.

Lei 4.348/64:

"Art. 5º Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.

Parágrafo único. Os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença."

"Art. 7º O recurso voluntário ou "ex officio", interposto de decisão concessiva de mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo."

Lei 5.021/66:

"Art. 1º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direita ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial:

(...)

§ 4º Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias."

A nova lei do Mandado de Segurança, por sua vez, assim dispõe sobre a matéria:

"Art. 7º. Omissis

§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores púbicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento e qualquer natureza."

"Art. 13. Omissis

§ 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial."

Vê-se, pois, que a matéria versada nos dispositivos das leis nºs 4.348/64 e 5.021/67, a que se reporta o art. 1º da lei nº 9.494/97, restou tratada, respectivamente, pelos arts. 7º, § 2º e 13, § 4º da lei nº 12.016/09, a qual, por meio do seu art. 29, expressamente revogou os diplomas legais acima referidos. Frise-se que ainda que não houvesse norma expressa revogando as mencionadas leis, por força do art. 2º, § 1º da nossa Lei de Introdução ao Código Civil, tais dispositivos seriam derrogados, uma vez que a matéria neles consignada restou completamente disciplinada por norma posterior (lex posterior derogat priori).

Por isso, entendemos que, após a entrada em vigor da lei nº 12.016/09, o art. 1º da lei nº 9.494/97 deve ser lido substituindo-se as referências aos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, e ao art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, pelos atuais dispositivos que regulam essas matérias, arts. 7º, § 2º e 13, § 4º, ambos da lei n 12.016, de 7 de agosto de 2009.

Voltando à temática central deste artigo, temos que ao se cotejar os preceitos legais dispostos no art. 1º da lei nº 9.494/97 e nos arts. 1º, 3º e 4º da lei nº 8.437/92, percebe-se que se a tutela antecipada requerida contra a Fazenda Pública abranger de forma exauriente, no todo ou em qualquer parte, o objeto da pretensão deduzida em juízo, a mesma não poderá ser concedida contra Administração Pública. De igual modo, não se poderá conceder antecipação de tutela que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários, ou que conceda a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, ou que determine a reclassificação ou equiparação de servidores púbicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento e qualquer natureza.

Essas são as principais vedações legais à concessão da tutela antecipada contra o Poder Público, ou seja, a fora as vedações legais, a tutela antecipada poderá, sim, ser concedida contra a Fazenda Pública [06].

Ademais, é de se dizer que com o julgamento da ADC-MC nº 4 pelo Supremo Tribunal Federal, a questão restou pacificada, no sentido de que o art. 1º da lei nº 9.494/97 é, sim, CONSTITUCIONAL, devendo, pois, ser plenamente observado por todos os operados do direito, mormente pelos integrantes do Poder Judiciário, em face do efeito vinculante que lhe é próprio, conforme dispõe o art. 102, §2º da Constituição, até o julgamento final da ação. Por relevante, roga-se vênia para transcrever o teor da ementa do referido julgado:

"AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI N 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR: CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO. 1. Dispõe o art. 1º da Lei nº 9.494, da 10.09.1997: "Art. 1º. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts 5º e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992." 2. Algumas instâncias ordinárias da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda Pública, argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido, reputando constitucional o dispositivo em questão. 3. Diante desse quadro, é admissível Ação Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do inciso I do art. 102 da C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a controvérsia sobre a questão prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. n 1. Art. 265, IV, do Código de Processo Civil. 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, § 2º, da C.F. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar. Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342. 6. Há plausibilidade jurídica na argüição de constitucionalidade, constante da inicial ("fumus boni iuris"). Precedente: ADIMC - 1.576-1. 7. Está igualmente atendido o requisito do "periculum in mora", em face da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que, apesar do disposto na norma impugnada, determinam a incorporação imediata de acréscimos de vencimentos, na folha de pagamento de grande número de servidores e até o pagamento imediato de diferenças atrasadas. E tudo sem o precatório exigido pelo art. 100 da Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram. 8. Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex nunc", e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10.09.97, sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já proferidas, nesse sentido." (STF. ADC-MC nº4, Relator Originário Min. Sydney Sanches, Plenário, DJ 21/05/1999) (grifo nosso)

Tal Ação Declaratória de Constitucionalidade foi recentemente julgada, em seu mérito, pelo Plenário do STF, que mantendo o entendimento da Medida Cautelar acima transcrita, asseverou (o acórdão está pendente de publicação, mas seu teor já foi divulgado pelo Informativo nº 522 do STF):

"Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 ("Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992.") — v. Informativo 167. Entendeu-se, tendo em vista a jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). O Min. Menezes Direito, acompanhando o relator, acrescentou aos seus fundamentos que a tutela antecipada é criação legal, que poderia ter vindo ao mundo jurídico com mais exigências do que veio, ou até mesmo poderia ser revogada pelo legislador ordinário. Asseverou que seria uma contradição afirmar que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas pela CF. Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a viabilidade constitucional de assim proceder. Concluiu que, no caso, o fato de o Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado, presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo. Frisou que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão." (ADC 4/DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, 1º.10.2008)

Nessa esteira, o fato é que a aplicação do art. 1º da Lei 9.494/97 (lido em consonância com os dispositivos da lei nº 12.016/09) é imposta aos demais órgãos do Poder Judiciário, ante a decisão com caráter vinculante prolatada nos autos da ADC-MC nº 4.

Assim, caso os juízos singulares ou colegiados se manifestem sobre a matéria declarando a inconstitucionalidade da referida norma ou simplesmente afastando a sua aplicação ao caso concreto, violarão, numa única "tacada", os arts. 103 c/c 102, § 2º, no primeiro caso, e, no segundo, a súmula vinculante nº 10 do STF, que em seu texto afirma: "viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Deste modo, ante o esposado, impõe-se a conclusão de que, embora possível, a tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública deve observar as vedações legais previstas no art. 1º da lei 9.494/97 (tido por CONSTITUCIONAL pela ADC nº 4), lido em conformidade com a lei nº 12.016/09, nova lei do Mandado de Segurança; sem olvidar-se da impossibilidade de aplicação do § 6º do art. 273 do CPC nos casos de inércia da Fazenda Pública, já que não está vinculada à regra da impugnação especificada dos fatos, nem poderá sofrer os efeitos da revelia, a teor dos arts. 302, I e 320, II do CPC.

Eis as nossas breves considerações, em face do panorama normativo ora exposto.


Notas

  1. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 19ª Ed., Volume I, p. 83-84.
  2. Partamos desse pressuposto como sendo verdadeiro, e todos os que um dia precisaram acionar o Judiciário o sabem que é, sem a necessidade de esmiuçarmos as suas causas, pois tal índice de detalhamento é tema para outro artigo, exclusivo.
  3. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 235-236.
  4. Op. Cit. p. 446-447.
  5. Op. Cit. p. 240.
  6. Outras não são as palavras do anteriormente citado Leonardo Cunha, verbis: "Ora, se é vedada a antecipação da tutela contra o Poder Público nos casos previstos na Lei nº 9.494/97, significa que, nas hipóteses não alcançadas pela vedação, resulta plenamente possível deferir a tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Cabível, portanto, com as ressalvas da Lei nº 9.494/97, a tutela antecipada contra a Fazenda Pública." Op. Cit. p.237.
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Sobre o autor
Filipo Bruno Silva Amorim

Procurador Federal, atualmente exercendo o cargo de Vice-Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Constitucional pela UNISUL. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. Tutela antecipada contra a Fazenda Pública.: Panorama legislativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2555, 30 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15120. Acesso em: 22 nov. 2024.

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