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O direito material ao pagamento parcelado

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6.Pressupostos

No entanto, o exercício desse direito exige a concorrência de alguns pressupostos. De fato, o próprio artigo 745-A do Código de Processo Civil requer o prévio reconhecimento do crédito pelo executado, o depósito inicial de 30% do valor cobrado e o pedido expresso de parcelamento do restante devido em até 6 (seis) parcelas mensais, no prazo para os embargos. [40]

Ressalte-se que esta faculdade, embora prevista na parte do Código de Processo Civil que regulamenta a ação de execução de título extrajudicial, alterada pela Lei nº 11.382/06, também se aplica ao cumprimento de título executivo judicial, estabelecido pela Lei nº 11.232/05, nos artigos 475-I e seguintes do Código de Processo Civil, uma vez que a lei não veda essa aplicação e não há motivos para justificar qualquer impedimento.

Porém, se o exercício desse direito ocorrer por meio de ação própria de consignação em pagamento, ou como forma de defesa em ação de despejo por falta de pagamento ou em ação de busca e apreensão em alienação fiduciária, exige-se, além dos requisitos gerais, a inadimplência e, conseqüentemente, a incidência dos ônus moratórios, como juros, correção monetária, cláusulas penais e eventuais perdas e danos, para compensar o benefício concedido ao devedor. Ou seja, não se admite que este possa, antes do vencimento da prestação, pagar em parcelas, sem a incidência dos ônus de mora, o que fora convencionado pagar de forma una. Isso é inaceitável.

Requer também, como corolário da boa-fé objetiva, uma justificativa plausível acerca do não adimplemento da prestação no momento adequado, pois, caso contrário, estaríamos admitindo a má-fé e legitimando o "direito ao calote". Portanto, o devedor, ao apresentar a proposta de parcelamento deve justificar os motivos do não pagamento no tempo inicialmente fixado pelas partes, cabendo ao magistrado apreciar o pleito, segundo os critérios da razoabilidade e verossimilhança das alegações, juízo semelhante ao realizado pelo juiz na execução de prestações alimentícias regida pelo rito do artigo 733 do Código de Processo Civil, após a defesa do executado alimentante.

Vale frisar que essa justificativa não é necessária no bojo da ação de execução ou do cumprimento de sentença, uma vez que a lei nada diz a esse respeito, mas somente na ação de consignação em pagamento e como forma de defesa nas ações acima citadas.


7.Formas de exercício

Como dissemos acima, o direito ao pagamento parcelado pode ser exercido nas seguintes hipóteses: no prazo para embargos no bojo da ação de execução de título extrajudicial ou no prazo para impugnação na fase de cumprimento de sentença; em ação própria de consignação em pagamento (artigos 891 e seguintes do CPC); em defesa na ação de despejo por falta de pagamento nas locações urbanas, visando o locatário devedor à manutenção do contrato (artigo 62, II, da Lei nº 8.245/91); e em defesa na ação de busca e apreensão nos contratos de alienação fiduciária, com o fim de evitar que o credor fiduciário consolide sua propriedade sobre o bem, objeto da avença (artigo 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69).


8.Hipóteses de inaplicabilidade

No entanto, este direito material ao pagamento fracionado não se aplica nas execuções de prestações alimentícias referentes aos três últimos meses e nas execuções contra a Fazenda Pública.

A primeira hipótese a inaplicabilidade decorre na natureza essencial e emergencial das prestações alimentícias recentes, cuja execução possui um rito próprio, que prevê inclusive a prisão civil do devedor alimentante. [41] É dizer, em um juízo de ponderação de valores, o direito aos alimentos deve prevalecer sobre o direito ao pagamento parcelado.

Na segunda exceção, não se aplica o pagamento parcelado, uma vez que a execução contra a Fazenda Pública possui procedimento próprio de pagamento por ordem de precatórios, regido pelo artigo 100 da Constituição Federal e artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil. Ademais, eventual parcelamento, neste caso, poderá afrontar o disposto no artigo 100, parágrafo quarto, da Constituição Federal, que veda seu fracionamento. [42] Além disso, o pagamento dos precatórios possui um sistema próprio de moratória. [43]


9.Conclusão

Em resumo, a tese aqui apresentada propõe a possibilidade da purgação da mora em parcelas não apenas no bojo da ação de execução, mas também no cumprimento de sentença e através de ação própria de consignação em pagamento ou como meio de defesa em ação de despejo por falta de pagamento e em ação de busca e apreensão em alienação fiduciária, como corolário da aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social à relação obrigacional, seguindo a trilha da moderna doutrina civilista da necessária constitucionalização do direito privado, salvo nas execuções de prestações alimentícias recentes e nas execuções em face da Fazenda Pública.


Bibliografia

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Notas

  1. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – v 2, Teoria geral das obrigações. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.03.
  2. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – v 2, Teoria geral das obrigações. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 07/08.
  3. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – obrigações. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 17.
  4. ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204.
  5. Artigos 233 a 242 do Código Civil.
  6. Consiste, portanto, "na modalidade de execução obrigacional que importa a entrega de quantia de dinheiro pelo devedor ao credor, com liberação daquele. É um modo de pagamento que deve realizar-se, em princípio, em moeda corrente, no lugar do cumprimento da obrigação, onde esta deverá cumprir-se, segundo o art. 947 do CC." AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 9 ed. São Paulo, RT, 2001, p. 132. Observação: o artigo citado refere-se ao artigo 315 do Código Civil vigente.
  7. Artigo 243 do Código Civil.
  8. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – obrigações. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 48.
  9. Artigos 247 e seguintes do Código Civil. Este facere, excepcionalmente, pode constituir-se de uma prestação perssonalíssima, em que apenas o devedor pode cumprí-la, pois está vinculada às suas características pessoais. Nesse caso, a prestação é denominada infungível, pois não é possível sua delegação para que outrem a realize, pois apenas o devedor poderá fazê-la.
  10. No sentido inverso, portanto, as obrigações de fazer serão fungíveis, quando não demandarem cumprimento pelo próprio devedor, dando-se por adimplidas quando realizada a prestação, sendo irrelevante quem a realizou. Nesse sentido, merecem destaque as palavras do mestre Caio Mário da Silva Pereira quando prescreve que: "O exame das normas autoriza afirmar que a regra é a fungibilidade da prestação, e a infungibilidade a exceção, que ocorre quando o título o estabeleça, ou se induza das circunstâncias." (Instituições de direito civil – v 2, Teoria geral das obrigações. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 69).

  11. Artigos 250 e 251 do Código Civil.
  12. Artigo 314 do Código Civil.
  13. Artigo 475-A do Código de Processo Civil com a interpretação feita no presente estudo.
  14. COUTO e SILVA, Clóvis. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 44.
  15. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – v 2, Teoria geral das obrigações. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 248.
  16. TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito das obrigações e responsabilidade civil. v 02, São Paulo: Método, 2008, p. 165.
  17. Artigo 334 do Código Civil: Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.
  18. "O pagamento por consignação é instrumento de direito material destinado à solução de obrigações que têm por objeto prestações já vencidas e ainda pendentes de satisfação, pouco importando se essa pendência decorre de causa atribuível ao credor ou resulta de outra circunstância obstativa do pagamento por parte do devedor; e este vale-se de tal instrumento para liberar-se do vínculo que o submete ao accipiens e livrar-se, em consequência, dos ônus e dos riscos decorrentes dessa submissão." (MARCATO, Antônio Carlos. Ação de consignação em pagamento. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 16).
  19. Artigo 892 do Código de Processo Civil.
  20. Para Caio Mário, a obrigação pode se extinguir das seguintes formas: "a) pela execução forçada, seja em forma específica, seja pela conversão da coisa devida no seu equivalente; b) pela satisfação direta ou indireta do credor, por exemplo, na compensação; c) pela extinção sem caráter satisfatório, como na impossibilidade da prestação sem culpa do devedor, ou na remissão da dívida". (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – v 2, Teoria geral das obrigações. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 192).
  21. Artigo 395, parágrafo único, do Código Civil: "Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos".
  22. Enunciado 132 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
  23. Artigo 394 do Código Civil.
  24. Artigos 393, 395 e 396 do Código Civil.
  25. Artigo 399 do Código Civil.
  26. Artigo 400 do Código Civil.
  27. Artigo 401 do Código Civil.
  28. Artigo 62, II, da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locação).
  29. "Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor (...)". Em outros termos, a lei outorga ao consumidor a faculdade de manter o contrato, ainda que não o tenha cumprido no tempo estipulado, lembrando que a cláusula resolutória é aquela que autoriza a extinção do contrato por inexecução da parte.
  30. A propósito, assim entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo: "Agravo de instrumento – Alienação fiduciária - Purgação da mora. Faculdade não excluída pelas inovações introduzidas no Decreto-lei nº 911/69, pela Lei nº 10.931/04. Normas que devem ser interpretadas em conjunto com o artigo 54, §2º do CDC. Recurso improvido." (Ag.Inst. 869850-0).

  31. BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – v 3. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 306.
  32. Artigo 304 do Código Civil.
  33. Artigo 422 do Código Civil: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé".
  34. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 394.
  35. "Com a Constituição Federal de 1988, síntese do pluralismo social e cultural que define a sociedade brasileira contemporânea, consagra-se uma nova tábua axiológica, alterando o fundamento de validade de institutos tradicionais do Direito Civil. A dignidade da pessoa humana, a cidadania e a igualdade substancial tornaram-se fundamentos da República, ao mesmo tempo em que os valores inerentes a pessoa humana e um expressivo conjunto de direitos sociais são elevados ao vértice do ordenamento. A partir de então, todas as relações de Direito Civil, antes circunscritas à esfera privada, hão de ser revisitadas, funcionalizadas aos valores definidos pelo texto maior. Configura-se uma nova ordem pública, a convocar os juristas a um processo interpretativo que, longe de minimizar o espaço tradicionalmente reservado ao Direito Civil, determina, ao revés, a sua expansão e revigoramento, oferecendo novas funções e horizontes a institutos antes confinados ao alvedrio individual e a um mero controle formal de validade". TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3 ed. São Paulo: Renovar, 2004, p. 15.
  36. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil - v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 57.
  37. Artigo 421 do Código Civil: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."
  38. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código civil interpretado conforme a Constituição da República, v 2. São Paulo: Renovar, 2006, p. 8.
  39. Artigo 620 do Código de Processo Civil.
  40. Artigo 5º, LIV, da Constituição Federal.
  41. Artigo 42 do CDC.
  42. O artigo 738 do CPC define o prazo e o seu termo inicial para a apresentação dos embargos do devedor.
  43. Artigo 733 do CPC e Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça: "O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo".
  44. "São vedados a expedição de precatórios complementar ou suplementar de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no §3º deste artigo e, em parte, mediante a expedição de precatório".
  45. Artigos 33, 78 e 86 do Ato das disposições constitucionais transitórias.
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Sobre os autores
Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré

Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da DPESP. Autor do livro "A responsabilidade civil como um sistema aberto" (Editora Lemos e Cruz, 2007) e de vários artigos.

Daniela Furquim Baqueta

Advogada e especilaita em Direito Privado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri ; BAQUETA, Daniela Furquim. O direito material ao pagamento parcelado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2557, 2 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15134. Acesso em: 10 mai. 2024.

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