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O direito material ao pagamento parcelado

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Resumo:


  • A tese propõe a existência de um direito material ao pagamento parcelado, fundamentado nos princípios da boa-fé objetiva e da função social.

  • O direito subjetivo e material ao pagamento parcelado pode ser exercido tanto na ação de execução como em ação própria de consignação em pagamento ou em defesa em ação de cobrança.

  • O exercício desse direito ao pagamento parcelado exige a concorrência de pressupostos específicos, como a justificação plausível do não adimplemento da prestação no momento adequado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito material ao pagamento parcelado pode ser exercitado tanto na ação de execução como em ação própria de consignação em pagamento ou em defesa em ação de cobrança, como corolário dos princípios da boa-fé objetiva e da função social.

SUMÁRIO: 1. Introdução e tese 2. A Obrigação Civil: definição, elementos e espécies. 3. O adimplemento e as formas de pagamento 4. O Inadimplemento, os ônus de mora e a purgação da mora 5. O direito subjetivo e material ao pagamento parcelado e seus fundamentos 6. Pressupostos 7. Formas de exercício 8. Hipóteses de inaplicabilidade 9. Conclusão 10. Bibliografia.

Resumo: A tese aqui apresentada propõe a existência de um direito material ao pagamento parcelado, cujo exercício pode se dar tanto na ação de execução como em ação própria de consignação em pagamento ou em defesa em ação de cobrança, como corolário da aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social à relação obrigacional.

Riassunto: La tesi qui presentata propone l’esistenza di um diritto materiale al pagamento rateale, di cui l’esercizio si può dare tanto nell’azione d’esecuzione come nella azione stessa della spedizione in pagamento o in difesa in azione di raccolta, come corollario della aplicazione dei principi della buona fede obiettiva e della funzione sociale allá relazione obbligazionale.

Palavras-chave: Pagamento parcelado – direito material – boa-fé objetiva.

Parole chiave: Pagamento rateale – diritto materiale – buona fede obiettiva.


1. Introdução e tese

A tese a ser apresentada rompe um antigo dogma do direito civil obrigacional, qual seja, "ninguém é obrigado a receber parcelado, se o ajuste foi o pagamento único", corolário do princípio burguês-liberal do pacta sunt servanda, que velava pela intangibilidade das convenções privadas. Aliás, um de seus aspectos restou positivado pelo Código Civil, segundo o qual "não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou" (artigo 314).

Ocorre que, por questão de política civil legislativa, a regra acima exposta passa a comportar uma importante exceção. De fato, o artigo 745-A do Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 11.382/2006, criou, além de uma faculdade processual, um verdadeiro direito subjetivo e material ao devedor inadimplente de saldar seu débito de forma parcelada, cujo exercício pode se dar tanto no bojo da execução ou do cumprimento de sentença, como também por meio de ação de consignação em pagamento ou como forma de purgação da mora em ação de despejo por falta de pagamento e em ação de busca e apreensão no contrato de alienação fiduciária, cujos pressupostos serão abaixo examinados, tudo em contemplação aos novos princípios da boa-fé objetiva e da função social que passaram a reger as relações privadas.

Em outros termos, com o advento da Lei nº 11.382/2006, o devedor inadimplente de boa-fé, que reconhecer o débito e justificar a mora, poderá purgá-la de forma fracionada, evitando o agravamento de suas conseqüências gerais, como juros, correções monetárias, cláusulas penais, indenizações, bem como de seus efeitos específicos como rescisão do contrato de locação, a consolidação da propriedade ao credor fiduciário e a interrupção de serviços públicos essenciais como o fornecimento de água e energia elétrica.

No entanto, a adequada compreensão da questão exige a análise de alguns conceitos basilares de Direito das Obrigações.


2.A Obrigação Civil: definição, elementos e espécies.

As relações jurídicas regidas pelo direito obrigacional possuem natureza essencialmente pessoal, pois têm como objeto o vínculo subjetivo existente entre credor e devedor voltado à satisfação de uma prestação. [01]

A conceituação de obrigação civil tem sofrido muitas variações históricas, mas mantém, em geral, os seguintes elementos básicos: os sujeitos, o objeto e o vínculo. Para Caio Mário da Silva Pereira a obrigação é definida como "o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável". [02]

Desta feita, de acordo com a definição esboçada acima, observa-se que, para o aperfeiçoamento da obrigação, são necessários os seguintes elementos: subjetivo, composto de sujeito passivo ou devedor e sujeito ativo ou credor; objetivo, caracterizado pela prestação, que dentre outros aspectos deverá ser passível de aferição monetária, além da existência de um elemento ideal, o vínculo jurídico, consubstanciado no binômio débito (schuld) e responsabilidade (haftung). [03]

Em outros termos, a obrigação consiste numa relação plurissubjetiva, pela qual uma das partes se compromete a realizar determinada conduta em satisfação aos interesses da outra, cujo objeto denomina-se prestação, que deverá ser dotada de certos atributos como realizabilidade, economicidade, executibilidade e dinamicidade. Pelo primeiro, a prestação deve ser realizável no mundo real. Pela economicidade, se exige que a prestação seja dotada de valor econômico, e não meramente moral ou abstrato. O pressuposto da executibilidade requer que a prestação possa ser exigível do devedor, seja por meio da execução específica ou da execução genérica. A dinamicidade é a moderna característica da obrigação, segundo a qual a relação obrigacional deve se desenvolver como um processo, com atos dispostos em uma seqüência lógica, voltados à realização da prestação.

Realmente, "a obrigação é tida como um processo, uma série de atos relacionados entre si, que desde o início encaminha a uma finalidade: a satisfação do interesse na prestação. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. (...) O bem comum na relação obrigacional traduz solidariamente mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade do credor e devedor". [04]

O sistema obrigacional adotado pelo Código Civil permite variadas classificações das obrigações, conforme seja o critério metodológico adotado. Desta feita, as obrigações apreciadas segundo o tipo de prestação podem ser positivas ou negativas. Quando positivas, serão de dar (coisa certa ou incerta) ou fazer e, quando negativas serão apenas de não fazer.

Nas obrigações de dar coisa certa o devedor obriga-se a entregar ou restituir coisa determinada, individualizada, móvel ou imóvel, cujas peculiaridades foram previamente definidas. [05] Dentre essas, merecem especial destaque as obrigações de dar dinheiro ou obrigações pecuniárias. Tais obrigações caracterizam-se pela entrega de valor em dinheiro, pelo sujeito passivo ao sujeito ativo da obrigação, de acordo com o que previamente avençado entre eles. [06]

As obrigações de dar coisa incerta são aquelas cuja prestação consiste na entrega de coisa especificada apenas pelo gênero e pela quantidade. [07] São denominadas obrigações genéricas, cuja indeterminabilidade perdurará até o momento em que o devedor (regra geral) ou o credor (excepcionalmente) efetuar a escolha, que representa a concentração do débito ou concentração da prestação devida, [08] momento a partir do qual seguem-se as normas relativas às obrigações de dar coisa certa.

Além dessas, as obrigações positivas podem ter por objeto uma atitude comissiva do devedor, ou seja, que ele aja no sentido de satisfazer a prestação. São as obrigações de fazer. [09]

Como vimos acima, a obrigação poderá ser negativa, caso em que temos a obrigação de não fazer, [10] que se caracteriza pelo comprometimento do devedor em abster-se de praticar alguma conduta juridicamente relevante. O descumprimento de tal obrigação, ao revés, dar-se-á pela prática do ato que se comprometeu a não realizar, momento em que se observa o inadimplemento.

Outra classificação das obrigações, relevante para a compreensão da tese ora proposta, é quanto sua divisibilidade do objeto. A obrigação é divisível quando a prestação pode ser cumprida em partes, de forma fracionada. Será ela indivisível, porém, quando não se admitir esse fracionamento. Em regra, ainda que o objeto da prestação seja divisível, a obrigação deve ser adimplida de forma una, salvo previsão negocial [11] ou legal [12] em sentido diverso.


3.O adimplemento e as formas de pagamento.

A relação jurídica obrigacional desenvolve-se no tempo como um processo, pressupondo duas fases, a do nascimento e desenvolvimento dos deveres e a do adimplemento, sendo que este é a finalidade primordial deste processo. [13]

Assim, o adimplemento consiste no término da relação obrigacional, e pode se dar através do pagamento direto ou indireto. O pagamento direto é o fim almejado pelas partes que, de boa-fé, celebram a avença. Objetiva-se que o devedor (solvens) da prestação realize-a exatamente como pactuada com o credor (accipiens), de acordo, inclusive, com o tempo e o local combinados.

Todavia, existem outros meios de pagamento, denominados indiretos ou especiais, [14] que buscam, de outra maneira que não a originariamente convencionada, extinguir a obrigação, são eles: a consignação em pagamento, a imputação do pagamento, a sub-rogação legal (que são, na verdade, regras especiais de pagamento, são atos unilaterais), a sub-rogação convencional, a dação em pagamento, a novação, a compensação, a confusão, a remissão (formas de pagamento indireto propriamente dito, são atos bilaterais), a transação e o compromisso (que são contratos que geram a extinção da obrigação, e são atos bilaterais). [15]

Dentre as espécies acima elencadas, merece destaque no presente trabalho a consignção em pagamento que se refere ao modo por meio do qual o devedor exonera-se da relação obrigacional entregando a coisa devida através de depósito judicial ou bancário. Constitui um modo excepcional de cumprimento da obrigação, permitido apenas nas hipóteses taxativamente previstas em lei. [16] Em outras palavras, pode o devedor, seja para evitar a mora, na prestação ainda não vencida, ou para impedir o agravamento de seus efeitos, nas prestações vencidas, depositar o valor devido, somando-se os valores relativos aos ônus moratórios incidentes até então, no segundo caso, liberando-o do vínculo obrigacional. [17] Vale frisar ainda, que o sistema brasileiro admite a consignação de prestações periódicas no mesmo processo judicial. [18]

Portanto, o adimplemento, seja pelo pagamento direto ou indireto, é modo voluntário e natural de extinção das obrigações, em que o solvens satisfaz de alguma forma o crédito do accipiens, operando-se a solutio, ou seja, extinguindo-se a obrigação.

Porém, a extinção da obrigação pode se dar ainda de forma compulsória, através da ação invasiva do Estado pelo Poder Judiciário em processo autônomo de execução (título extrajudicial) ou em cumprimento de sentença (título judicial), ou ainda pela total impossibilidade da prestação, que gera conseqüências diferentes, a depender da presença ou não da culpa do devedor. [19]

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4.O Inadimplemento, os ônus de mora e a purgação da mora

O inadimplemento é o não cumprimento da prestação nos termos previamente pactuados, ou seja, no lugar, tempo e forma devidos. O inadimplemento é, a princípio, um ato ilícito imputável a quem lhe deu causa, salvo se ocorrer algumas da causas excludentes da ilicitude previstas no artigo 393 do Código Civil.

Essa imputação atribui ao responsável algumas conseqüências, como perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários advocatícios, caso houve ação judicial, que variam conforme a espécie de inadimplemento ocorrida.

No inadimplemento absoluto as conseqüências são mais gravosas, uma vez que têm natureza compensatória. Nesse caso, há a extinção da obrigação inicial sem satisfação do credor, que terá a faculdade legal de fazer nascer uma nova obrigação, cuja prestação será pecuniária, por meio do instituto da responsabilidade contratual, havendo, portanto, uma satisfação postergada.

O inadimplemento absoluto ocorre quando a prestação se torna impossível ou inútil ao credor, que poderá enjeitá-la. [20] Porém, essa inutilidade deve ser aferida de forma objetiva, não conforme a mera conveniência do devedor. De fato, "a inutilidade da prestação, que autoriza a recusa da prestação por parte do credor, deve ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor". [21]

O inadimplemento relativo ou a mora propriamente dita ocorre quando há a inexecução da prestação nos termos inicialmente fixados, mas a prestação se mantém possível e útil. Ela pode se dar por conduta do devedor (mora solvendi, debendi) ou do credor (mora accipiendi, credendi). [22] Pode ocorrer, inclusive, a mora inicial do devedor sucedida pela mora do credor.

Cada modalidade de mora gera conseqüências diferentes. O devedor em mora, desde que o atraso seja imputável a ele, responde pelos prejuízos do atraso, além dos juros, correção monetária e honorários advocatícios. [23] Vale frisar que são os mesmos efeitos do inadimplemento absoluto, porém menos onerosos, pois, aqui, têm natureza meramente moratória, salvo se houver uma impossibilidade superveniente da prestação, que os transformam em compensatórios. [24] O credor em mora, por sua vez, ainda que não tenha culpa, pode ser acionado em ação de consignação em pagamento proposta pelo devedor que pretender se desincumbir da obrigação, além de outros efeitos previstos na lei civil. [25]

O responsável pela mora pode purgá-la ou fazer cessá-la, visando impedir a perpetuação de seus efeitos. Assim, pode o devedor oferecer a prestação, incluindo os ônus da mora, bem como está autorizado ao credor oferecer a receber o pagamento que lhe é devido. [26]

Na hipótese de locação de imóvel urbano, pode o locatário devedor purgar a mora, no prazo da contestação da ação de despejo por falta de pagamento, para fins de evitar a rescisão da avença, depositando os aluguéis e acessórios que se vencerem até a data da purgação, acrescidos das multas e penalidades contratuais, juros moratórios, custas e honorários advocatícios de 10% sobre o montante devido, salvo disposição contrária. [27]

Outro contexto de purgação de mora ocorre no bojo das ações de busca e apreensão de bens, objetos de contrato de alienação fiduciária, prevista no artigo 3º, parágrafo segundo, do Decreto-lei nº 911/69, alterado pela Lei nº 10.931/04, que permite ao devedor fiduciante o pagamento do débito, que evitará a consolidação da propriedade ao credor fiduciário, quando terá a restituição do bem livre do ônus que lhe gravava, faculdade esta que está em harmonia com o disposto no artigo 54, parágrafo segundo, do Código de Defesa do Consumidor. [28]

Ressalte-se ainda que a purgação da mora gera efeitos ex nunc, não afastando seus ônus produzidos até então e imputáveis àqueles que lhes deram causa.


5. O direito subjetivo e material ao pagamento parcelado e seus fundamentos

O artigo 475-A do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei nº 11.382/06, autoriza o devedor executado, no prazo para os embargos à execução, reconhecendo o crédito e depositando a quantia inicial de 30% do valor executado, incluindo as custas e honorários advocatícios, a pagar o restante do débito em 6 (seis) parcelas mensais, com correção monetária e juros de 1% ao mês. Tal proposta será apreciada pelo juiz que poderá deferi-la ou indeferi-la (§ 1º). O não pagamento das prestações implicará em vencimento antecipado do débito, incidindo multa de 10% sobre as prestações não pagas, vedada a apresentação de embargos (§ 2º).

Nestes termos, o legislador criou um verdadeiro direito subjetivo do devedor ao pagamento parcelado, cujo exercício independe da anuência do credor. Ao juiz, por sua vez, somente lhe cabe averiguar se presentes estão os requisitos ao exercício dessa faculdade, não podendo indeferi-la injustificadamente. De fato, é "a melhor interpretação ao artigo 475-A a de entender a iniciativa do executado como vinculante para o exeqüente e para o próprio juiz, é dizer: desde que sejam observados os pressupostos da lei, não há como o exeqüente não aceitar a moratória que não poderá ser recusada pelo juízo, que deverá ser deferida. Não se trata de impor um ‘acordo’ ao exeqüente. Trata-se, bem diferentemente, de um direito que a lei reconhece, diante de seus respectivos pressupostos, não pode ser afastado por mera vontade pessoal. A atividade a ser prestada no caso concreto é eminentemente jurisdicional." [29]

Ocorre que, conforme a tese ora apresentada, a faculdade acima descrita não é meramente processual, mas constitui um verdadeiro direito subjetivo material. Assim, entendemos autorizado ao devedor inadimplente saldar seu débito de forma parcelada, cujo exercício pode se dar tanto no bojo da ação de execução ou do cumprimento de sentença, como também por meio de ação de consignação em pagamento ou como forma de purgação da mora em ação de despejo por falta de pagamento (artigo 62, II, da Lei nº 8.245/1991) e em ação de busca e apreensão no contrato de alienação fiduciária (artigo 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/1969), cujos pressupostos serão abaixo examinados, tudo em contemplação aos novos princípios da boa-fé objetiva e da função social que passaram a reger as relações privadas.

Em outras palavras, com o advento da Lei nº 11.382/2006, o devedor inadimplente de boa-fé, que reconhecer o débito e justificar a mora, poderá purgá-la de forma fracionada, evitando o agravamento de suas conseqüências.

Vale a pena frisar ainda que tal direito poderá ser exercido inclusive por terceiro, interessado ou não na quitação do débito, que utilizará de todos os meios para tal finalidade, desde que presentes os pressupostos abaixo analisados. [30]

Aliás, esse direito material goza de amplo amparo jurídico. De fato, atualmente, a doutrina civilista moderna elenca como os dois principais pilares do direito privado os princípios da boa-fé objetiva e da função social, sendo indiscutível a compatibilidade da presente tese com tal principiologia.

De fato, a boa-fé objetiva exige dos sujeitos da relação obrigacional uma postura de parceria e cooperação, dentro de um complexo de diretos e deveres voltados ao adimplemento da prestação. [31] "A concepção da obrigação como um processo e como uma totalidade concreta põe em causa o paradigma tradicional do direito das obrigações, fundado na valorização jurídica da vontade humana, e inaugura um novo paradigma para o direito obrigacional, não mais baseado exclusivamente no dogma da vontade (individual, privada ou legislativa), mas na boa-fé objetiva." [32]

Isso significa que o princípio do pacta sunt servanda, que prezava pela intangibilidade da vontade das partes, resta enfraquecido e flexibilizado [33] em contemplação ao bom desfecho do processo obrigacional, o adimplemento, dentro de um contexto complexo de direitos e deveres impostos às partes, que comportarão com parceria e cooperação. "A colaboração e a tutela da confiança, decorrentes da operatividade do princípio da boa-fé objetiva, orientam, axiologicamente, a complexidade, a dinamicidade e a potencial transformabilidade que caracterizam as obrigações duradouras, na medida em que as situações jurídicas subjetivas complexas são compostas por um dinâmico ‘todo’ de direitos, deveres, faculdades, ônus, expectativas legítimas, etc., finalisticamente interligados ou coligados", [34] sendo esta finalidade o bom desfecho da obrigação. (destaque nosso)

Portanto, conclui-se que o direito material ao pagamento parcelado, desde que razoavelmente justificada a mora pelo devedor, condiz com o ideal de parceria e cooperação entre as partes, visando à regular solução da avença, viabilizada com o pagamento fracionado da prestação.

Outro importante fundamento a endossar a tese em tela é a função social dos contratos e das obrigações. [35] É inegável que existe um interesse público ao regular adimplemento da obrigação como forma de pacificação social e prevenção de conflitos. O interesse do credor à permanência dos ônus moratórios não pode prevalecer em detrimento ao interesse público à extinção satisfativa da obrigação. "No sistema atual, a função social amplia para o domínio do contrato a noção de ordem pública. De acordo com o preceito em análise (artigo 421 do CC), a função social é considerada um fim para cuja realização ou preservação se justifica a imposição de preceitos inderrogáveis e inafastáveis pela vontade das partes. Daí a dicção contida no parágrafo único do artigo 2.035, CC, segundo a qual ‘nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos’". [36]

Como se não bastasse tais argumentos, o direito material ao pagamento fracionado tem outros respaldos jurídicos igualmente convincentes. De fato, o Direito dos Contratos abriga o princípio da máxima manutenção da avença, segundo o qual a resolução da relação contratual somente é admitida excepcionalmente, ou seja, se esgotadas todos os meios de preservação e manutenção do contrato, até sua natural extinção, com a satisfação dos interesses envolvidos.

Outrossim, a doutrina processualista civil elenca, como princípio da execução, a regra do menor ônus ao devedor, com o escopo de amenizar os efeitos da invasão estatal sobre a esfera privada. "Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor". [37] Esse dispositivo representa a aplicação do princípio da razoabilidade e proporcionalidade ao processo civil de execução que, segundo a doutrina, possui amparo constitucional, pois representa a faceta substancial do princípio do devido processo legal. [38] Nessa mesma linha, o Código de Defesa do Consumidor prevê a regra da incolumidade moral do devedor submetido à cobrança de dívidas que, considerando o princípio constitucional da dignidade de pessoa humana, não se limita às relações de consumo, mas se aplica a qualquer tipo de relação obrigacional. [39]

Por derradeiro, não podemos nos esquecer da tão almejada efetividade do processo, que atualmente figura como a principal meta da ciência processual, cujos esforços se voltam a garantir a instrumentalidade dos meios e ritos, com a supressão do excesso de formalismo, visando à efetiva realização dos direitos materiais envolvidos.

Em suma, o direito material e subjetivo ao pagamento parcelado goza de amplo amparo constitucional e legal, trilhando os ditames da moderna doutrina civilista que prega a revisitação do direito privado sob o prisma constitucional.

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Sobre os autores
Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré

Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da DPESP. Autor do livro "A responsabilidade civil como um sistema aberto" (Editora Lemos e Cruz, 2007) e de vários artigos.

Daniela Furquim Baqueta

Advogada e especilaita em Direito Privado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri ; BAQUETA, Daniela Furquim. O direito material ao pagamento parcelado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2557, 2 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15134. Acesso em: 22 dez. 2024.

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