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A disciplina da prescrição no processo administrativo disciplinar contra membro do Ministério Público da União

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6. Prescrição no caso de cassação de aposentadoria

José Armando da Costa anota que, no regime da Lei federal n. 8.112/1990, o prazo de cinco anos para a imposição de penalidade disciplinar de cassação de aposentadoria é contado da data da prática, em atividade, do ato irregular, e não da concessão do benefício previdenciário, de sorte que, apesar de distar apenas um ano o ato de deferimento da inatividade remunerada, considera-se prescrito o direito de punir o servidor aposentado se o fato foi cometido quatro anos antes da aposentação, todavia refere o divergente entendimento do extinto DASP, que considerava renovado o prazo qüinqüenal a partir do dia de afastamento do serviço ativo no antigo regime da Lei 1.711/52. [103]

Realmente ditava a Formulação n. 44 do antigo DASP: "Com a superveniência da inatividade, o prazo prescricional em curso deixa de correr e inicia-se o de que trata o art. 213, II, b, do Estatuto dos Funcionários".

Cumpre esclarecer-se. A Lei n. 8.112/1990 enuncia que "será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão" (art. 134).

O diploma legal não capitulou nenhuma regra especial de contagem da prescrição para essa penalidade, expressamente incluída nas regras gerais do art. 142 do estatuto do funcionalismo, com o prazo extintivo do direito de punir em cinco anos (art. 142, I, Lei federal n. 8.112/1990), aplicando-se-lhe as demais regras para a contagem do lapso temporal, de modo que o prazo de prescrição da penalidade começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido pela Administração Pública, no caso de a conduta passível de demissão cometida pelo servidor aposentado constituir infração estritamente disciplinar (art. 142, § 1º, Lei n. 8.112/1990), ou da data de consumação do crime funcional (transgressão administrativa classificada também como ilícito criminal) e segundo os prazos prescricionais e parâmetros de aferição do Código Penal (art. 142, § 2º, Lei n. 8.112/1990).

Assim sendo, como os prazos prescricionais para que seja imposta a reprimenda de cassação de aposentadoria não foram excepcionados na Lei n. 8.112/1990, aplicam-se as normas gerais do art. 142, haja vista a máxima de hermenêutica jurídica: onde a lei não distingue, ao intérprete não é dado distinguir.

Então, cumpre explicitar: como a penalidade em apreço (revocatória como é do direito à inatividade remunerada) tem por pressuposto a prática pelo servidor aposentado, quando ainda estava em atividade, de falta sujeita à demissão, a contagem dos limites temporais da prescrição serão diferentes, conforme se trate de transgressão exclusivamente disciplinar, quando o prazo será qüinqüenal e iniciado a partir da ciência do fato pela Administração Pública (art. 142, I, Lei n. 8.112/1990), ou se o delito funcional também constitui crime, hipótese em que incidirão os prazos previstos na lei penal (art. 142, § 2º, Lei n. 8.112/1990), que passarão a fluir da respectiva consumação do fato, além das demais hipóteses capituladas no Estatuto Repressivo quanto à prescrição anterior ou posterior à sentença (arts. 109 e 110, Código Penal).

Vinque-se, contudo, que o servidor público não tem mais responsabilidade disciplinar por fato ocorrido depois da aposentadoria.

Em relação aos membros do Ministério Público da União, a contagem do prazo prescricional de cassação de aposentadoria obedece ao marco de quatro anos, fixado no art. 244, III, da Lei Complementar Federal n. 75/1993, contados da data do fato (art. 245, I, LC 75/1993).


7. Prescrição em caso de anulação total do primeiro processo administrativo disciplinar instaurado contra membro do Ministério Público da União

Problema relevante é sobre o efeito interruptivo do prazo prescricional no caso de total anulação do processo administrativo disciplinar originário.

Trata-se de caso especial de prescrição pela data do fato, na medida em que, anulado o primeiro feito, inclusive o seu ato de instauração, perde validade jurídica a anterior interrupção do prazo prescricional determinada pela abertura do processo (art. 245, par. único, Lei Complementar Federal n. 75/1993).

Enunciou o Superior Tribunal de Justiça:

1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, havendo anulação de anterior processo disciplinar, porque sua declaração determina a exclusão do mundo jurídico do ato viciado, o prazo prescricional da pretensão punitiva volta a ser contado da ciência, pela Administração, da prática do suposto ilícito administrativo. 2. Hipótese em que a Administração teve ciência das supostas irregularidades funcionais em 4⁄7⁄00. Abriu 2 (dois) processos administrativos disciplinares, em 2001 e 2004, que remanesceram anulados. No entanto, instaurou aquele que culminou na aplicação da pena de cassação de aposentadoria do impetrante por meio de portaria publicada em 8⁄5⁄06, quando já havia transcorrido integralmente o prazo de 5 (cinco) anos, segundo o art. 142 da Lei 8.112⁄90.(MANDADO DE SEGURANÇA Nº 12.994 – DF, RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, 3ª SEÇÃO, Julgamento: 24/09/2008).

Com efeito, a conseqüência é que, para os fins de direito, se anulado o ato de instauração processual originária, não terá sido interrompido efetivamente o fluxo do prazo prescricional, iniciado desde a data do fato (art. 245, I, Lei Complementar Federal n. 75/1993), de sorte que, se ultrapassados os limites temporais previstos nos incisos I a III do art. 244 do Estatuto do Ministério Público da União, não mais será possível abrir novo processo administrativo disciplinar, porque já prescrito o direito de punir.

O Superior Tribunal de Justiça anulou pena de suspensão aplicada a servidores públicos, porque resultante de processo administrativo disciplinar instaurado mais de dois anos após a ciência do fato pela Administração, tendo ficado, ainda, que

havendo anulação da sindicância, porque sua declaração determina a exclusão do mundo jurídico do ato viciado, o prazo prescricional da pretensão punitiva volta a ser contado da ciência, pela Administração, da prática do suposto ilícito administrativo. [104]

A efetiva data de interrupção real do lapso prescricional, se não prescrito o jus puniendi administrativo, será a de publicação da portaria ou decreto de instauração do segundo feito disciplinar.

Nesse sentido, sufragou o Superior Tribunal de Justiça:

O reconhecimento da nulidade do processo administrativo implica a desconstituição de todos os seus atos, inclusive o de instauração da comissão disciplinar, o que resulta na inexistência do ato interruptivo da prescrição, que deve ser contada, conseqüentemente, desde o conhecimento do fato lesivo até a instauração do segundo processo disciplinar. In casu, entre o conhecimento do fato, que se deu em dezembro de 1997, e a instauração do procedimento disciplinar válido, ocorrida em julho de 1998, exauriu-se o prazo prescricional de 180 (cento e oitenta) dias previsto no inciso III do art. 142 da Lei n. 8.112/1990 para as infrações apenadas com advertência.

Também decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

Ante vícios insanáveis não observados pela comissão processante, foi instaurado novo procedimento cujo deslinde resultou na aplicação da pena de advertência. Os efeitos decorrentes da anulação do primeiro processo disciplinar retroagiram à data de sua propositura, inclusive a prescrição. Não havia embasamento legal para a instauração de um segundo PAD, pois o direito de punir já havia sido fulminado pelo tempo transcorrido entre a data de apuração do fato (19.12.1997) e a instauração do segundo processo disciplinar (09.07.1998), ultrapassando os 180 (cento e oitenta) dias previstos para a aplicação da pena de advertência. [105]

O Supremo Tribunal Federal fincou, em trecho do voto do eminente Ministro Moreira Alves:

Em se tratando de processo cuja nulidade total ou parcial foi declarada pela autoridade julgadora, e, em conseqüência, por força do disposto no artigo 169, caput, da mesma lei, teve de ser constituída nova comissão, para a instauração de novo processo, ainda que essa nova Comissão ratifique os atos do processo primitivo que não foram atingidos pela declaração de nulidade parcial, o que é certo é que, declarado nulo o processo primitivo, desaparece a causa da interrupção da prescrição decorrente de sua instauração, e a prescrição volta a aferir-se do período entre a data em que o fato se tornou conhecido e a instauração do novo processo. [106]


8. Prescrição e sua interrupção no caso de ordem judicial liminar que impeça o exercício do Poder Disciplinar da Administração Pública

O direito não se presta a perplexidades e incongruências, nem obriga ninguém a fazer o que não pode, menos ainda institui prejuízos para quem deixou de fazer o que não lhe era possível. Ad impossibilia nemo tenetur. Ninguém está obrigado a fazer o impossível.

Daí que não se defere ao servidor público acusado invocar a prescrição da pretensão punitiva, se o processo administrativo disciplinar não pôde ser instaurado em virtude de ordem judicial expressamente proferida nesse sentido (até julgamento, por exemplo, da tese de trancamento ventilada pelo servidor acusado autor da ação perante o juízo competente), ou se a Justiça, de forma direta, determina à autoridade administrativa que paralise as atividades processuais na instância disciplinar até julgamento de mérito do processo judicial.

Isso porque o próprio conceito de prescrição pressupõe uma inércia do titular quanto ao exercício do seu direito, que vem a extinguir-se depois do decurso do prazo capitulado pelo ordenamento jurídico.

Ora, se a Administração Pública não instaura processo administrativo disciplinar, ou não conclui sua respectiva instrução ou julgamento, por força de ordem judicial expressa nesse sentido, não se poderia falar de negligência ou inércia estatal no uso do seu poder de punir o servidor faltoso acusado.

Não, antes se verificou uma ação do próprio interessado para obter decreto judicial determinante da paralisação do feito administrativo apenador, de imperiosa observância pelo Poder Público, o qual, por isso, não poderia ser punido com a extinção do seu jus puniendi, por causa de prescrição, se estava absolutamente impedido de exercer sua prerrogativa sancionadora enquanto em vigor o decreto judicial.

Tanto que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que, enquanto em vigor liminar, fica concomitantemente suspenso o prazo prescricional contra a Administração Pública:

4. Ocorre que, considerando-se que o qüinqüênio prescricional voltou a fluir por inteiro em 6-5-99, houve nova hipótese de paralisação do lapso prescricional, em face da concessão de medida liminar judicial em 6-11-2000, em favor do servidor, de sorte que, durante a sua vigência (de 6-11-2000 a 27-4-2006 -data da cassação do ato por este Tribunal), oreferido lapso de tempo esteve suspenso, por motivo que não pode ser imputado à Administração, somente tendo voltado a correr a partir da cassação da liminar, tendo a finalização do procedimento ocorrido em 11-12-2007, com a expedição da Portaria Demissória, quando não havia transcorrido o lapso superior a cinco anos, não tendo se consumado, portanto, a prescrição. 5. Apesar de a Lei nº 8.112/90 só prever como finalizar o julgamento do procedimento em face de decisão judicial.(AC - Apelação Civel – 457416, 3ª Turma, decisão: 18/12/2008).

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Esse juízo foi referendado pelo Superior Tribunal de Justiça:

I - O deferimento de provimento judicial liminar que determina a autoridade administrativa que se abstenha de concluir procedimento administrativo disciplinar suspende o curso do prazo prescricional da pretensão punitiva administrativa.(MS 13385/DF, 3ª SEÇÃO, Julgamento:10/06/2009).

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal entendeu (em caso concreto no qual deferida pela Justiça liminar em ação cautelar, proposta por servidora pública processada por abandono de cargo, em cujos termos ordenado que o DF continuasse a pagar os vencimentos relativos ao cargo da acusada e a mantivesse em gozo de licença por motivo de saúde até julgamento final do processo judicial) que não haveria que se falar da prescrição intercorrente do direito de demitir a funcionária enquanto vigorasse o comando judiciário, porquanto o DF, por absurdo, sofreria os efeitos jurídicos da prescrição de seu jus puniendi por uma ação que lhe era impossível, visto que obstada por ordem judicial expressa, o que não se pode convir como razoável.

Seria exigir da Administração Pública distrital fazer o impossível, que é aplicar pena demissória à servidora pública, por abandono de cargo, quando existente direta decisão judicial proibitiva. Mais, o Chefe do Poder Executivo, competente para demitir servidor público, seria forçado a cometer crime de responsabilidade para expulsar funcionário em desrespeito à decisão judicial em sentido contrário (art. 85, VII, Constituição Federal de 1988; art. 101, VII, Lei Orgânica do Distrito Federal), o que seria absurda conclusão.

À luz dos parâmetros da justiça e da razoabilidade imanentes ao direito, deve prevalecer o raciocínio de que a ordem judicial, enquanto válida, tolhe ao Estado o exercício do seu direito de punir e, por conseguinte, suspende a prescrição, visto que não se cuida de inércia da Administração Pública em exercitar sua prerrogativa, mas de provimento judicial inibitório. O processo administrativo disciplinar poderá ser retomado tão-logo cessem os efeitos do decreto judicial. A partir de então retoma seu fluxo a contagem do prazo prescricional.

O Superior Tribunal de Justiça, referendando esse ponto de vista, julgou que não se pode ter como prescrita a pretensão punitiva da Administração Pública se o processo administrativo disciplinar instaurado fôra suspenso por ordem judicial, haja vista que as atividades processuais não foram paralisadas por culpa nem inércia administrativa, mas devido ao decreto da Justiça: "Não ocorre a prescrição da ação disciplinar se o prazo foi interrompido em razão da instauração de processo administrativo que esteve paralisado, em razão de concessão de liminar em mandado de segurança". [107] (destaque não original)

Mas somente se poderá argüir a interrupção do fluxo do prazo prescricional quando a ordem judicial expressamente determinar a suspensão do processo instaurado e respectivos atos pertinentes, ou ordenar que não seja aberto feito disciplinar até a decisão final pela Justiça.

Não se poderá falar de interrupção da prescrição, contudo, se a Justiça apenas determina a repetição de ato processual, porque viciado por cerceamento de defesa ou outra falha imputável à própria Administração Pública, às autoridades administrativas instauradora e julgadora ou ao colegiado processante, visto que, nessa hipótese, o Estado, tendo violado direito ou garantia formal do servidor acusado, não pode colher o benefício de interromper o lapso temporal de prescrição, protaindo no tempo seu direito de punir, em prejuízo direto do funcionário, o qual, já lesado pela conduta ilícita estatal, ainda seria agravado na sua garantia de segurança jurídica quanto aos limites cronológicos para a aplicação de penalidades disciplinares, como lhe assegura o ordenamento jurídico.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que,

diante do fato de que a Administração restou impedida de aplicar a pena de demissão ao impetrante até o trânsito em julgado do acórdão em referência, que reformou a sentença concessiva da segurança, não há falar em ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado. [108]

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A disciplina da prescrição no processo administrativo disciplinar contra membro do Ministério Público da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2573, 18 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16967. Acesso em: 19 dez. 2024.

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