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Caso Eliza Samudio: uma análise sobre o papel da imprensa

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1. Introdução

O caso policial mais conhecido e discutido no momento é o de Eliza Samudio, jovem que desapareceu em Minas Gerais, e que, segundo a polícia, foi supostamente assassinada a mando do jogador de futebol Bruno, ídolo do mais famoso time de futebol do país.

O caso invadiu as manchetes dos meios de comunicação, e diariamente a sociedade tem sido bombardeada por novos fatos ou versões dos acontecimentos relacionados ao suposto crime levados a conhecimento pelos mais diversos órgãos de imprensa.

Mas qual é o papel da imprensa na divulgação de um fato tão relevante no meio social, que revela um clamor público tão grande pela sua elucidação e pelo julgamento dos supostos culpados pelo seu cometimento?

Por certo, a imprensa tem o dever ético e moral de informar acerca dos acontecimentos de repercussão social, entretanto, diante do poder que exerce sobre a sociedade, a imprensa tem um verdadeiro compromisso na divulgação dos fatos com a maior isenção e imparcialidade possível, tendo por fito preservar os envolvidos e seus direitos.

Tomando como base o caso, pretende-se aqui discutir acerca do papel da imprensa na condução dos fatos relacionados a acontecimentos que envolvem grande clamor popular.

Ressalte-se que não se pretende aqui analisar a conduta dos envolvidos no caso, ou fazer qualquer juízo de valor acerca dos acontecimentos relacionados ao suposto crime, o exame feito no presente artigo passa sim pelo papel da imprensa como verdadeiro partícipe ativo da apuração dos fatos.


2. Papel da imprensa: responsabilidade e limites

A imprensa, atualmente, desempenha papel preponderante na sociedade; não raramente é intitulada de 4º poder, tamanha a influência que exerce na formação da opinião pública. Sob esse aspecto, atesta Darcy Arruda Miranda:

Dentro da grei humana, a sua importância é tal que já se lhe atribui a categoria de 4º Poder do Estado, em virtude do seu índice de penetração na massa popular e imensa facilidade em construir ou destruir reputações, em estruturar ou desintegrar a sociedade, em edificar ou debilitar os povos, pelo domínio das consciências, através de noticiários e comentários honestos ou tendeciosos. [01]

O nosso país é um grande exemplo de como a liberdade de imprensa é essencial na formação de uma nação, sobretudo através da valorização de seu povo. É inquestionável a atuação da imprensa como verdadeiro fiscal do poder público, e garantidor dos direitos fundamentais, assegurados constitucionalmente.

O exercício da atividade de imprensa é imprescindível no Estado Democrático de Direito, como corolário da liberdade de informação em seu mútiplo aspecto. Não se concebe uma sociedade democrática onde não haja uma imprensa livre, capaz de criar formadores de opinião conscientes de seu papel na estrutura social.

Numa sociedade democrática, no entanto, os direitos dos entes sociais devem conviver da maneira mais harmônica possível, daí a necessidade de se impor limites, pois a falta desses limites ensejaria na aniquilação de um direito sobre o outro, e na desordem total do mundo social. Portanto, toda a liberdade deve ter limites.

A questão fundamental é saber onde colocar os limites. É certo que não existe liberdade absoluta; a liberdade de cada um, numa democracia, deve ser exercida até o ponto em que não cerceie, atinja, constranja a liberdade do outro. Esta é a exata noção de liberdade de imprensa com responsabilidade.

A liberdade de imprensa com responsabilidade implica o respeito a princípios éticos fundamentais: da veracidade dos fatos, da dignidade da pessoa humana e do direito à informação, que se baseia, sobretudo, no interesse público da notícia.

A imprensa livre não é aquela que leva a cabo todo tipo de notícia, mas sim, aquela que antes observa a veracidade dos fatos noticiados. Se é lícito à imprensa divulgar notícias que tenham relevância para a sociedade, é um verdadeiro dever do jornalista a incansável busca pela verdade dos fatos, posto que os meios de informação tem uma precípua função social de levar a informação ao homem. Nesse sentido discorre Edilsom Pereira de Farias:

O limite interno da veracidade, aplicado ao direito à informação, refere-se à verdade subjetiva e não à verdade objetiva. Vale dizer: no Estado democrático de direito, o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja contactada a fonte dos fatos noticiáveis e verificada a seriedade ou idoneidade da notícia antes de qualquer divulgação. [02]

No entanto, muitas vezes, o que observa é que no afã de um "furo jornalístico", a imprensa esquece do dever de procurar a verdade, e acaba por comprometer todo o seu papel, conforme preleciona L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho:

É certo que, nos casos concretos, torna-se difícil estabelecer o que é verdade e o que é falsidade. Qualquer que seja o critério adotado há que se levar em conta essa dificuldade e há que ser flexível. O que se deve exigir dos órgãos de informação é a diligência em apurar a verdade; o que se deve evitar é a despreocupação e a irresponsabilidade em publicar ou divulgar algo que não resista a uma simples aferição. [03]

O princípio da dignidade da pessoa humana se materializa no respeito aos direitos da personalidade do homem, servindo como verdadeiras balizas na sinalização dos limites à liberdade de imprensa. Ora, o ser humano deve ser respeitado em sua integridade, não devendo a informação, levada a cabo pela imprensa, denegri-lo em sua imagem, honra, nem tampouco violar sua intimidade e privacidade, descambando no sensacionalismo e na exposição do homem a papel ridículo.

A liberdade de imprensa repousa, ainda, no direito à informação, direito coletivo de ser informado. Por ser importante instrumento de formação da opinião pública, a imprensa tem verdadeira função social, qual seja levar a sociedade notícias e informações baseadas na verdade e que sejam do interesse público.

Na verdade, o interesse público é um conceito bastante relativo em matéria de imprensa, posto que a sociedade não é homogênea, variando a concepção do que seja interesse público para cada indivíduo.

No entanto, sob o manto da responsabilidade social, a imprensa deve encontrar parâmetros para aquilo que seja o interesse público da sociedade, e o que seja deformidade desse interesse. Sobre este aspecto afirma José Afonso da Silva que:

O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvarziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação. [04]

Assim, agasalhado nas lições de Manuel da Costa Andrade, pode-se afirmar com segurança que:

(...) só a imprensa livre emerge como instância de actualização da opinião pública e, para além disso, como salvaguarda da dignidade humana. Isto na medida em que esta reclama, já o vimos, a possibilidade de participação livre e esclarecida nas decisões sobre a coisa pública. [05]

A Constituição brasileira, sob a égide dos princípios democráticos, assegura a total liberdade de imprensa, ressalvando os limites necessários para a harmonização dos direitos, baseada no art. 5º, inciso IV, onde preceitua que é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato; o inciso V, que assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, no sentido de coibir abusos, obrigando os meios de comunicação a respeitarem o princípio da veracidade; o inciso XIV, que assegura o acesso às informações; e o inciso XXXIII, que trata do acesso à informação nos órgãos públicos para os cidadãos e a imprensa.

No capítulo destinado à Comunicação Social, no art. 220, dispõe-se que a imprensa não sofrerá qualquer restrição, o parágrafo 1º afirma que nenhuma lei conterá dispositivo que constitua embaraço à plena liberdade de informação jornalística, salvo as restrições impostas pela própria Constituição, o parágrafo 2º veda toda e qualquer censura.


3. Papel da imprensa: o caso Eliza Samudio

O caso aglutina uma série de peculiaridades que proporciona maior destaque e interesse da sociedade: a maneira bárbara como parece ter sido cometido o crime; o suposto criminoso, figura pública em ascensão no futebol, esporte mais importante, e de um dos clubes mais idolatrados do país; e o motivo torpe para o seu cometimento, a batalha pelo reconhecimento da paternidade de uma criança.

Não resta dúvida que no caso Eliza Samudio está configurada a existência de um crime, ainda, que não se possa falar com certeza acerca da ocorrência de um homicídio, diante da ausência do corpo da vítima, no entanto, no mínimo pode-se falar da existência dos crimes de seqüestro e cárcere privado.

A notícia sobre crime, por sua própria natureza, não passa nem pelo exame da verificação da existência do interesse público para sua divulgação, o interesse público resta configurado e subentendido pelo simples fato de ser crime, assim mais do que uma opção, é dever da imprensa noticiá-lo,"o crime não pertence à esfera da privacidade/intimidade, estando a sua investigação e divulgação abertas ao exercício da liberdade de imprensa" [06].

Entretanto, ainda que se tenha em mente tal aspecto, deve a imprensa se resguardar dos cuidados necessários na divulgação do crime, não sendo, portanto a sua divulgação despida de qualquer limite ou baliza, sobretudo, tendo em vista que ao relatar um crime, tem-se ao menos uma pessoa envolvida, o suposto criminoso, que deve ter seus direitos minimamente respeitados.

Assim, deve a imprensa ter cuidado na divulgação dos fatos relacionados ao crime, como a divulgação do nome, imagem, entrevista do acusado. Ora, é cediço que se torna impossível a divulgação de crime e de suas conseqüências, se for impossibilitada a exposição do acusado e suas características pessoais, o que se quer aqui estabelecer é a correlação direta entre a divulgação de tais fatos com a ocorrência do crime, para que não ocorra prejuízo ao suposto criminoso com a repercussão dos fatos, tanto na esfera de sua defesa processual, como no seu aspecto humano.

Sobre tal perspectiva, teve oportunidade de se manifestar o Tribunal de Justiça de São Paulo, através da Apelação n° 530.300-4/4 [07] ao analisar o caso de médico que pleiteava indenização por danos morais em face de empresa jornalística pela divulgação de denúncia oferecida pelo Ministério Público:

A matéria se refere ao fato do autor, médico, ter sido denunciado criminalmente em razão da morte de paciente.

Basta cotejar os termos da reportagem e da denúncia criminal (fls. 312/313) para concluir que a notícia se baseou exclusivamente no teor daquela peça oferecida pelo Promotor de Justiça. É, na verdade, um extrato da denúncia, contendo alguns trechos relevantes.

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Reconhece-se que a matéria deixou de transcrever trechos do laudo pericial, ou de outras peças de informação do inquérito policial, e nem disso havia necessidade (v. fls. 23/segs., 126/segs. e 241/segs.).

Perfeitamente lícito que a reportagem se ampare na denúncia criminal, que contém, em termos didáticos e claros, o resumo dos fatos existentes no inquérito policial. É bom destacar que tanto o inquérito como a ação penal não corriam em segredo de justiça, de modo que a jornalista teve inteiro acesso aos autos e fundou a matéria na principal peça então existente, ou seja, a denúncia.

A matéria veiculada no jornal Diário da Região noticiou fato de manifesto interesse público, qual seja, a denúncia apresentada contra o médico, em razão dos fatos verificados.

A notícia era verdadeira na essência, até porque reproduziu quase que na integralidade o teor da denúncia do Promotor de Justiça.

Assim, pelo fato de reproduzir fielmente o disposto em denúncia efetuada pelo Ministério Público entendeu aquele Tribunal que não houve a ocorrência de abuso na divulgação da informação pelo meio de imprensa.

Além do que, cabe aqui salientar, diante do papel da mídia na formação da opinião pública, o cuidado que a imprensa deve ter ao atribuir o cometimento de um crime a determinada pessoa, amparada numa investigação jornalística, que nem sempre se baseia numa análise profunda e detalhada do caso, no afã de conseguir um "furo jornalísitico" [08], conforme atesta Claudio Luiz Bueno de Godoy:

De outra parte, ainda nesta matéria, é preciso ter presente o princípio constitucional da inocência, que impõe maior cautela à atividade de imprensa quando ligada à divulgação de fatos penais não totalmente apurados, sobretudo quando imputados a certa pessoa, afinal não julgada.

(...)

Explica-se. Como já antes salientado, o jornalista, no desempenho da atividade de imprensa, deve ser reto e veraz, cuidando para que a divulgação, cuja iniciativa lhe está afeta, seja de fatos de procedência apurada, tudo de modo a garantir a preservação do caráter institucional de que se reveste seu mister. [09]

Assim, em sentido oposto ao do acórdão citado acima, o mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo se manifestou pela procedência do pedido em caso de pessoa que foi acusada de pratica de crime sexual contra adolescente, pelo fato de que a notícia foi veiculada de maneira sensacionalista, e sem apuração do mínimo da veracidade dos fatos (Apelação Cível n° 635.649.4/1-00) [10]:

A matéria jornalística foi veiculada com descrição pormenorizada dos fatos, contendo declarações da vítima e de seus genitores. Tem razão o MM. Juiz, ao fixar em sua sentença que a impressão geral da reportagem tomou a versão da vítima como verdadeira, embora o caso ainda estivesse sob investigação policial.

Do corpo da matéria (fls. 146/156) se extrai que a fotografia do autor foi levada ao ar de modo temerário, diante da fragilidade da imputação, sustentada por adolescente de doze anos que padece de nítidos problemas de comportamento e mantivera atrito recente contra o autor, por conta de subtração de dinheiro.

Embora em certos momentos o apresentador ressalvasse que o caso ainda estava sob investigação policial, em outras passagens nitidamente conferiu dose de certeza à imputação e violou a honra do autor.

O inquérito policial (fls. 100/139) foi arquivado, por insuficiência de provas. O laudo de exame de corpo de delito resultou negativo e o suposto autor do delito demonstrou que na data dos fatos se encontrava em cidade diversa.

Parece evidente que, diante das circunstâncias do caso, a matéria jornalística deveria ter sido veiculada em outro tom. Foi prematura a divulgação da fotografia e dos dados completos do autor, sem certeza mínima da real ocorrência dos fatos.

Pecou a matéria, mais, por seu tom nitidamente sensacionalista e por não ouvir previamente o autor, colhendo a sua versão dos fatos. (grifo e negrito nosso)

É comum que a imprensa se valendo da narração dos fatos, que tenha conhecimento através da investigação criminal, produza manchetes e chamadas de cunho sensacionalista, ampliando, e muitas vezes, deturpando os fatos ocorridos.

Além do que, não raras vezes, a imprensa, a partir dos fatos conhecidos através da investigação, passa a realizar sua própria "investigação particular", despida de qualquer imparcialidade, e sem qualquer comprometimento com uma análise séria e apurada dos fatos, divulgando-os como se o crime tivesse sido já desvendado.

Sobre tal aspecto teve o Superior Tribunal de Justiça oportunidade de se manifestar através do voto condutor do Min. Jorge Scartezzini no REsp818.764 – ES [11], que tratava de ação de dano moral proposta por pessoa envolvida em lista de supostos indiciados pela Procuradoria da República do Espírito Santo:

"É certo que a atividade jornalística deve ser livre para exercer, de fato, seu mister, qual seja, informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, ajudando a formar opiniões críticas, em observância ao princípio constitucional consagrador do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF/88); contudo, o direito de informação não é absoluto, devendo os profissionais da mídia se acautelar com vistas a impedir a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).

In casu, o Excelso Tribunal a quo, com base em exaustiva e soberana apreciação das circunstâncias fático-probatórias, mantendo a condenação do ora recorrente, entendeu pela configuração do dano moral diante da ausência de certificação da veracidade dos fatos constantes da notícia veiculada pela revista. Assim, assentou, de modo incontroverso que o recorrente abusou do direito de transmitir informações através da imprensa, porquanto o recorrido não possuiria qualquer mácula em sua vida, tanto sob o aspecto pessoal como profissional."

No caso supracitado restou caracterizada a clara negligência na apuração da verdade dos fatos por parte da empresa jornalística, que culminou por apresentar fatos em dissonância com a realidade. Nesse sentido são os ensinamentos de Luis Roberto Barroso:

A informação que goza de proteção constitucional é a informação verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento do direito da personalidade de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade. [12]

Assim, a busca pela verdade deve ser entendida como um norte a ser perseguido pelo jornalista no seu mister de divulgar as notícias, traduzindo-se num dever de cuidado do jornalista na apuração dos fatos, entretanto "isso não impede que a liberdade seja reconhecida quando a informação é desmentida, mas houve objetivo propósito de narrar a verdade – o que se dá quando o órgão comete erro não intencional." [13]

Deve, ainda, ter relevância o fato de que um dos suspeitos de participação no crime, inclusive na qualidade de mandante, é figura pública amplamente conhecida, devido ao fato de ser jogador de futebol de um dos maiores clubes do Brasil.

Em situações como essa, o papel da imprensa na divulgação dos fatos relacionados ao crime ganha contornos ainda maiores.

Ora, não se pode considerar na mesma amplitude de proteção os direito de pessoa dita comum, e aqueles que desfrutam de certa notoriedade pública, quer seja pelo cargo que ocupa, quer seja pela própria natureza das funções que desempenha, quer seja por características peculiares que lhe dão visibilidade e projeção social, como atletas, modelos, atores e etc.

De fato, as pessoas comuns gozam de um círculo maior de proteção dos seus direitos, portanto a publicação de notícias acerca de crime nesses casos deve se relacionar diretamente com a natureza dos fatos de interesse público social, não se permite a invasão em outras esferas da vida do indivíduo não relacionadas e que não tem importância na constituição do fato, conforme atesta Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

Sucede, porém, que a restrição a direitos da personalidade dessas pessoas se coloca apenas com relação àqueles fatos notórios. Não se autoriza sua equiparação às pessoas que são públicas em virtude de sua própria condição. Essas pessoas da história de seu tempo em sentido relativo são, afinal, pessoas comuns.

Por isso que os fatos que não se relacionam com o acontecimento, com o evento especifico que deu notoriedade àquelas pessoas comuns, ou que sirvam apenas para identificá-las, a apresentá-las, não devem ser devassados, sem seu consentimento. São fatos despidos de qualquer interesse à comunidade. [14]

Existem pessoas que por certas características próprias se destacam em determinadas áreas e atividades desempenhadas pelo homem, diante de tais características ganham notoriedade, passando a se tornar amplamente conhecidas, despertando a curiosidade e o interesse da sociedade, nas palavras de Manuel da Costa Andrade são "pessoas da história do seu tempo em sentido absoluto" [15].

Assim, em decorrência dessa notoriedade alcançada, aumentando o interesse da sociedade sobre a vida das mesmas, o âmbito de proteção dos seus direitos é diminuído, inclusive referente ao seu relacionamento familiar. Sobre tal aspecto atesta Paulo José da Costa Júnior:

Se se tratar de pessoa notória, o âmbito de sua vida privada haverá que reduzir-se, de forma sensível. E isto porque, no tocante às pessoas célebres, a coletividade tem maior interesse em conhecer-lhes a vida íntima, as reações que experimentam e as peculiaridades que oferecem. E tal interesse será ainda mais legítimo quando aquele episódio íntimo tiver desempenhado papel relevante na formação da personalidade notória. As personalidades em evidência pertencem literalmente ao público, pois como que alienaram a própria existência privada. Em razão do status social do indivíduo, o seu papel – que é o aspecto dinâmico do próprio status – é o de exibir a sua pessoa e atrair para si o interesse popular. [16][17]

No entanto, ainda que se refira a pessoas notórias, não se pode esquecer que existe um núcleo essencial do direito revestido de proteção constitucional, assim não se pode olvidar que existe um mínimo de proteção dos direitos dessa pessoa, sobretudo levando em conta a veracidade do fato relacionado ao suposto crime.

Entretanto, deve-se ter em mente que a divulgação da notícia acerca de crime que tenha como partícipe pessoa pública deve pautar-se pelo interesse público relacionado à condição ostentada pelas mesmas no caso, não se pode admitir, sob o fundamento da liberdade de imprensa, a divulgação de notícias a respeito de tais pessoas, de maneira sensacionalista, inescrupulosa ou de maneira jocosa, pois em tais situações, mesmo se tratando de pessoas públicas, por certo estar-se-á diante de abuso consubstanciado através da imprensa, numa clara violação de sua finalidade institucional.

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Sobre a autora
Priscila Coelho de Barros Almeida

Procuradora Federal. Pós - graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Priscila Coelho Barros. Caso Eliza Samudio: uma análise sobre o papel da imprensa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17047. Acesso em: 21 nov. 2024.

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