A dignidade da pessoa humana é valor
22. Os fundamentos (ou princípios fundamentais) da República Federativa do Brasil incluem, dentre eles, a dignidade da pessoa humana. Esta deve ser preservada por muitas ações metajurídicas, não apenas por discriminações positivas normativas. Aliás, não me canso de citar Luís Barroso para dizer que a maioria das soluções da sociedade complexa é metajurídica. [15]
23. Não me parece que o argumento em prol da dignidade da pessoa se esgote apenas em discussões jurídicas. A dignidade da pessoa humana, após ampla pesquisa que fiz, [16] pode ser conceituada como o valor de cada pessoa humana poder se firmar com sua própria personalidade e liberdade de ser ela própria, titular de direitos e obrigações que permitam uma vida com padrões mínimos de razoabilidade e aceitabilidade em um Estado de Direito.
24. O problema é que encontramos brasileiros em situação de completa miséria, isso independe da cor da pele. Então, emerge o seguinte discurso:
"A situação de pobreza, e mesmo de indigência em que se encontra grande parte da população brasileira constitui-se, por si só, num mecanismo de inferiorização individual, e conduz a formas de dependências e subordinação pessoal, suficientes para explicar certas condutas discriminatórias. Se tais condutas podem ser observadas em relação a não-negros, isso ajuda ainda mais a dissimular o racismo, do ponto de vista das ações individuais". [17]
25. O Ministério da Educação reconhece que as ações para combate ao racismo precisam ser enfrentadas a partir de múltiplas propostas, inclusive modificação de postura no ensino fundamental, sendo inúmeras as alterações que precisam ser feitas em tal nível, não apenas pelo pretenso racialismo. [18]
26. Thales Azevedo ensina que a Bahia conserva muito da cultura africana e que podemos falar de cultura "afro-brasileira", o que não pode ser dito de "cultura afro-americana". [19] Com efeito, a apresentação feita pela Secretária de Educação Superior, Dr.ª Maria Paula Dallari Bucci, não convence, uma vez que sempre ficou ao critério dos entrevistados (nas pesquisas de campo) dizer sobre o conceito de raça e, sem exceção, os especialistas e o IBGE relatam que apenas uma pequena parcela da população se identifica como negra.
Não se tutela direito fundamental por meio da política adotada pela UnB
27. Devo esclarecer que fiquei com este processo por um ano. Fiz isso porque fiquei em dúvida e decidi fazer um esforço para tentar encontrar um critério razoável para estabelecimento de critérios seguros para dizer qual é o fenótipo do negro. A minha preocupação foi publicada na rede mundial de computadores, in verbis:
"O CESPE/UnB fez uma consulta sobre procedimento de seleção dos candidatos à reserva de cotas raciais, sendo que tenho muitas dúvidas sobre o assunto, estando pesquisando o mesmo, até porque a UnB tem critério puramente racial (as demais universidades preferem sócio-racial).
Pesquisei na página do STF, em face da consulta pública realizada ali, e fiquei surpreso ao ver que o notável Professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho foi quem inaugurou a apresentação do tema. A surpresa se deve ao fato de conhecer a notoriedade do mesmo em relação ao índio, não ao negro. Isso ficou evidente na apresentação do tema, eis que o culto pesquisador tratou da inclusão de índios, pouco mencionando negros (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico =processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa. Acesso em: 18.3.2009, às 9h).
Em uma rara referência aos negros, o referido professor disse:
‘É de se notar que atualmente não há nenhuma Universidade nacional que adote cotas para as populações indígenas, mas há muitos convênios firmados para a participação de indígenas em programas de Universidades, inclusive de pós graduação. Este fato reforça a necessidade ainda mais a necessidade de cotas para negros, tendo em vista que a busca da igualdade por meio de leis e políticas públicas, como se viu é muito mais efetiva e ampla em relação aos povos indígenas, e muito mais restritiva em relação a negros’.
Essa afirmação causa a minha inquietação, exigindo estudo, até porque não posso me contentar com o conhecimento vulgar. Somente com base em método de estudo poderei desenvolver um texto científico sobre o assunto". [20]
28. Eduardo Rabenhorst sustenta que não é razoável refutar a discriminação positiva (ação afirmativa) sob o fundamento de não ser ela científica porque pode ocorrer da ciência vir a apresentar uma real distinção entre as pessoas de origens diversas, o que esvaziará todos argumentos contrários a ela. [21]Data venia, conforme exposto anteriormente, é melhor a adoção de teoria científica do que de qualquer teoria não-científica porque esta é menos segura. Daí buscar conhecer os dados que se apresentam.
29. Acerca da minha preocupação com o tema, considero importante outro texto que disponibilizei na rede mundial de computadores, in verbis:
"Estou deveras inquieto com o assunto relativo às cotas raciais. Os argumentos do Ministério da Educação, sustentados perante o STF pela Professora Dr.ª Maria Paula Dallari Bucci, por si mesmos, não me convencem.
(...) não sei até que ponto se pode afirmar: ‘As ações afirmativas não afastam nem prejudicam o mérito estudantil e acadêmico’, ou ainda ‘Na Universidade Estadual de Londrina/UEL, estudos demonstram que os cotistas "pretos ou pardos, oriundos de escola pública tem apresentado melhores resultados no tocante a desistência/evasão’.
As ações afirmativas com cotas raciais se iniciaram neste século (a UnB foi a primeira a inserir o sistema de cotas no vestibular, em Jun/2004), mas a representante do Ministério da Educação (MEC), acima nominada, sustentou:
‘Em 1997, cerca de 3% dos jovens brancos com mais de 16 anos frequentavam o ensino superior; entre os jovens negros este percentual estava em torno de 1%;
Em 2007, 5,6% dos jovens brancos frequentavam o ensino superior, e 2,8% dos jovens negros com 16 anos ou mais estavam nesta condição’.
A ação afirmativa não tem produzido resultado positivo? Tomando só tais dados por base, poderia afirmar que as cotas raciais não tem produzido os efeitos esperados porque o acesso de ‘pretos e pardos’ (feia a denominação usada pelo MEC. Porém, pior é ‘afrodescendente’ também utilizada na exposição pública daquele ministério), depois do início do programa de inclusão de negros no ensino superior, continua a mesma de 1.997". [22]
30. José Afonso da Silva tem razão ao demonstrar uma situação notória, visto que o Brasil tem instituições públicas de ensino superior que seleciona alunos que tem origem nas classes mais elevadas da sociedade, sendo que os mais pobres estudam em faculdades privadas. [23] O pretenso racialismo proposto pela UnB, data venia, tende a privilegiar negros e pardos de classes sociais mais elevadas, visto que desprezado qualquer outro critério.
31. Uma discussão que se faz oportuna, refere-se às distorções numéricas nas apresentações das estatísticas, sobre o que já me manifestei alhures:
"Tenho lido atentamente os textos do Prof. Dr. José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da UnB, isso porque não estou convencido sobre o acerto da ação afirmativa tendente à reserva de cotas nas universidades, mediante critério puramente racial.
A literatura especializada afirma, à unanimidade, que as estatísticas criminais não são confiáveis, sempre haverá certa margem de insegurança porque existirão ‘as cifras negras’. No entanto, o Prof. José Jorge afirma:
‘O lado mais brutal dessa suposta cordialidade racial aparece nas nossas estatísticas oficiais: o número de negros assassinados no Brasil por serem negros (ou seja, crimes de racismo) nas últimas décadas não é menor que os assassinatos equivalentes na África do Sul e nos Estados Unidos. De 1966 para cá, assistimos a grandes transformações nas sociedades da África do Sul e dos Estados Unidos e pelo menos uma parte da violência racial que as caracterizava foi pacificada". (Dia Internacional contra a Discriminação Racial: seu significado para o Brasil em 2010.’ (Disponível em: http://www.unb.br/ noticias/unbagencia/a rtigo.php?id=245. Acesso em 21.3.2010, às 8h).
Matar por motivação racial, em que se pretenda eliminar um grupo no todo em parte, será genocídio (Lei n. 2.889, de 1.10.1956), sendo que não está demonstrada a estatística que sustente a afirmação do douto docente.
Há um texto muito mencionado na rede mundial de computadores, o qual teria sido publicado no Jornal O Globo de 27.12.2004. Pesquisei e não o localizei na página eletrônica ‘Globo’. Porém, reproduzo o texto porque extremamente coerente:
‘Está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatística. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólogos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu desde 1940 que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. A não ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica. Restam Europa e África.
O problema da cor ou raça persegue nossos demógrafos e estatísticos desde 1849. Haddock Lobo, organizador do censo do Rio de Janeiro desse ano, rejeitou o item cor por considerar essa classificação odiosa, além de inconfiável pela ‘infidelidade com que cada indivíduo faria de si próprio a necessária declaração’. O primeiro censo nacional, feito em 1872, enfrentou o problema e dividiu as raças (não se diferenciava raça de cor) em branca, preta, parda e cabocla (indígena). Os responsáveis pelo censo de 1890 substituíram pardo por mestiço, argumentando, corretamente, que a cor parda ‘só exprime o produto do casamento do branco com o preto’. O censo de 1920 eliminou o item raça porque ‘as respostas ocultavam em grande parte a verdade’, sobretudo as respostas dos mestiços. O registro de cor foi reintroduzido no censo em 1940, quando voltaram os pardos e se estabeleceu o padrão atual, com a única diferença que hoje se separam amarelos (asiáticos) e indígenas.
Retrocedeu-se a 1872, ignorado o alerta feito em 1890. Os descendentes de indígenas ficaram embutidos na classificação de pardos, da qual são agora definitivamente enxotados. Ora, é óbvio para qualquer um que os 39% de pardos do censo de 2000 se compõem em boa parte de descendentes de indígenas. Aí está, aliás, a razão de ser do tribunal racial da Universidade de Brasília, destinado a apontar entre os pardos os afro-descendentes. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, de 1998, mostrou que as pessoas classificadas como pardas pelos critérios impostos, quando deixadas livres para se autoclassificarem se disseram morenas e morenas claras em 60% dos casos. Apenas 34% dos pardos concordaram com essa classificação e apenas 2% se disseram mulatos. Pesquisa feita na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1997 revelou que 50% dos que foram classificados de pardos pelos entrevistadores se disseram morenos ou brancos. Outra pesquisa no Rio, de 2000, mostrou que 48% dos pardos diziam ter antecedentes indígenas. Nos estados do Norte, onde foi fraca a presença da escravidão africana, os descendentes de indígenas formam sem dúvida a grande maioria dos pardos.
A inspiração do genocídio vem naturalmente dos Estados Unidos. Mas a operação é falaciosa. Para corrigir os males de uma sociedade em preto e branco, os americanos começaram a valorizar todas as etnias. Como se sabe, não existem mais americanos. Lá, as pessoas são euro, afro, latino, nativo, asiático-americanas. Professores brasileiros quando vão dar aulas por lá têm que se autoclassificar racialmente. Eu sou latino. Importou-se essa valorização das etnias. A falácia consiste em ter sido ela importada não para acabar com a polarização, mas para implantá-la num país em que ela não existia. Valorizam-se duas cores, raças, etnias, seja lá o que for, com exclusão das outras. Viramos um país em preto e branco, ou melhor, em negro e branco.
Deixados livres para definir sua cor, os brasileiros exibem enorme variedade e grande ambigüidade. Essa riqueza foi aprisionada no leito de Procusto das cinco categorias pré-codificadas do IBGE. Os americanizantes querem mutilá-la ainda mais, reduzindo-a a polarização branco-negro. Se for para valorizar as etnias, vamos copiar direito os americanos. Vamos incluir todas as etnias, sem esquecer a dos primitivos habitantes do país, instaurando entre nós a sociedade hifenizada. Para isso, nenhuma das opções dos censos, de 1872 a 2000, é satisfatória’. (Genocídio racial estatístico. Disponível em: http://www.academia.org.brabl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm? infoid=1493&sid=396&tpl=printerview. Acesso em: 21.3.2010, às 8h30).
No meu Execução Criminal: Teoria e Prática (6. ed. São Paulo: Atlas, 2010) procuro destruir certos mitos, dentre eles a idéia de que prisão é lugar dos ‘Três P's’, até porque as estatísticas prisionais vem apresentando maior número de brancos.
O assunto precisa ser examinado de forma mais profunda, bem como devemos ter maior cuidado com estatísticas. Não vejo acusações no foro por genocídio racial de branco contra negro, o que me leva a ver com certo cuidado a afirmação do docente que mais defende as cotas raciais na UnB." [24]
32. As "cifras negras" constituem a criminalidade não elucidada ou não revelada. [25] Elas nos dão uma falsa percepção da efetiva criminalidade, sendo que fico perplexo ao verificar acadêmicos renomados, docentes experientes, tratando de estatísticas criminais com certezas profundas, mormente sem uma expertise no assunto.
33. A criminologia tem associado a maior criminalidade entre as pessoas de pele preta ou parda, em face de uma tradição cultural, de aspectos sociais e educacionais. Aliás, em Alessandro Baratta encontraremos o próprio sistema punitivo estatal contribuindo para o crescimento da criminalidade. [26] De qualquer modo, posso afirmar que os presídios brasileiros não são dotados, dominantemente, de pessoas negras (pretas e pardas). [27]
34. Diz-se que os números apresentados em favor do sistema de cotas raciais não são falseados. Todavia, Thales Azevedo ensina que a Bahia conserva muito da cultura africana e que podemos falar de cultura "afro-brasileira", o que não pode ser dito de "cultura afro-americana". [28] Isso evidencia que há uma diferença suficiente para rechaçar modelos e teorias provindas dos Estados Unidos da América em favor do estabelecimento de um racialismo tendente a estabelecer uma cultura bicolor, em pretos e brancos.
35. O exposto me leva a não admitir a exposição da Secretária de Educação Superior (item 24), baseada em equivocadas premissas, dados não comprovados, até porque, ratifica-se, sempre foram os entrevistados quem disseram as suas cores, havendo notória preferência pela declaração de que não é preto ou pardo.
36. Devo concordar com a Professora Yvonne Maggie, que expõe:
"Fica evidente que o movimento pró-cotas raciais não está interessado em promover a justiça social e muito menos em diminuir as desigualdades. Seu objetivo é produzir identidades raciais bem delimitadas fazendo os brasileiros optarem pelo mesmo sistema dos países que adotaram leis raciais como os EUA, Ruanda e África do Sul. E não se iludam os que pensam que as leis raciais serão temporárias. Elas virão para ficar e irão se espalhar, como erva daninha, em todas as instituições, na mente e no coração dos brasileiros transformados em cidadãos diversos e legalmente definidos pela cor de sua pele". [29]
37. Conforme exposto anteriormente, toda igualdade material tenderá a equivaler situações desiguais, tornar efetiva a igualdade formal, mas isso não importa em discriminar positivamente pretos e pardos ricos em desfavor de brancos pobres. Esse racialismo não tenderá à igualdade, mas em uma insuportável distinção violadora do art. 5º, caput, da Constituição Federal.
38. A idéia de que o valor fundamental da fraternidade é essencial para equiparar forças diferentes, precisa ser examinada cientificamente. Com efeito, as incoerências mencionadas pelo Min. Gilmar Ferreira Mendes em sua decisão interlocutória (item 4), evidenciam a ausência de critério seguro para o que se propõe.
39. Boaventura de Sousa Santos fez um artigo sucinto em defesa das cotas raciais, instituidas pela UnB, mencionando, inclusive a questão judicializada pelo DEM. [30] Não me parece ser o momento adequado para nos quedarmos ao argumento de autoridade, nem à idéia de um revanchismo ou de dívida com os descendentes de escravos. Correta é a proposição da Comissão Diretora do Senado Federal, que em seu Parecer n. 923 propôs um olhar para frente, pois um projeto ou programa a ser instituido pode examinar o passado, mas deve ter em vista o futuro.
40. Seria mais fácil defender o sistema de cotas da UnB se ela apresentasse critérios mais seguros. A UERJ, por exemplo, apresenta o seguinte histórico em seu sistema de cotas:
"A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira instituição de ensino superior brasileira a reservar vagas em seu vestibular. A iniciativa foi do então Governador do Estado, Anthony Garotinho, que em 2002 estabeleceu reserva de 50% das vagas nos vestibulares das universidades estaduais — UERJ e Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em Campos — para alunos egressos de escolas públicas do estado.
Na ocasião, o vestibular 2003 já estava em curso e teve que acontecer dividido em dois: o SADE (Sistema de Acompanhamento de Desempenho dos Estudantes do Ensino Médio), para a reserva de vagas, e o chamado vestibular estadual, sem cotas. Foram dois vestibulares distintos, com grau de dificuldade similar.
No mesmo ano, a Assembléia Legislativa (Alerj) aprovou uma lei estabelecendo 40% das vagas das universidades estaduais para negros, com o critério da autodeclaração. Tal percentual era aplicado primeiro sobre a cota de 50% para escolas públicas (SADE) e em seguida sobre as vagas não reservadas do vestibular estadual.
No ano seguinte, a UERJ propôs sugestões ao projeto, como a unificação das duas modalidades de cotas. O vestibular 2004, então, reservou 20% das vagas para alunos de escolas públicas, 20% para negros e 5% para deficientes físicos e minorias étnicas. Os candidatos às cotas só concorriam por uma das modalidades e tinham que comprovar carência financeira: renda máxima de R$ 300,00 líquidos por pessoa da família.
Em 2004, a Universidade manteve os mesmos percentuais para o vestibular 2005 mas reformulou o critério da carência financeira, que passou para R$ 520,00 brutos por pessoa da família.
Em 2005, as alterações votadas pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da UERJ para o vestibular 2006 foram: estabelecimento de nota mínima de 20 pontos em 100 pontos e, na segunda fase, supressão de uma das três provas discursivas sobre matérias específicas para cada carreira, sendo Língua Portuguesa obrigatória para todas as áreas. Tais modificações são válidas para todos os candidatos do vestibular, cotistas e não cotistas.
No ano de 2007, o Governador do Estado, Sérgio Cabral Filho, sancionou lei que incluiu os filhos de policiais, bombeiros e agentes penitenciários mortos em serviço, no percentual de 5% das vagas já reservadas para deficientes físicos e minorias étnicas.
Atualmente, a UERJ possui cerca de nove mil alunos cotistas.
O limite de renda em vigor para estudantes que pretendem concorrer às vagas de cotas é de R$ 630,00 brutos por pessoa da família". [31]
41. A declaração racial é livre, tanto na UERJ quanto na UnB. Complicado é dizer qual é o critério fenotípico a ser adotado pela comissão de seleção, a fim de admitir ou rejeitar os candidatos que optarem pelo sistema de cotas, sendo que não me parece razoável a simples entrevista pessoal, visto que não é razoável estabelecer quais são os traços que autorizam dizer o fenótipo do negro, eis que, conforme enuncia o Parecer n. 923, apenas um mínimo percentual dos gens humanos se referem às cores da pele, dos cabelos e dos olhos.
42. Desmascarado o conceito de raça, é mister verificar se a fraternidade tendente à igualdade não deve passar por critérios sociais mais seguros, antes da análise da "raça" (esta inexistente, visto que só há uma raça humana) ou da cor da pele e outros traços fenotípicos, próprios do conhecimento vulgar e alheios ao científico.
43. A margem de possibilidade de parcialidade na escolha do candidato, em face da entrevista pessoal, será presente como em toda prova oral, sendo que somente este risco não será causa de nulidade do certame. O problema é anterior, visto que a isonomia constitucional exigirá mecanismos seguros e científicos para a igualdade material.
44. Ainda que refutemos a idéia da democracia racial, temos de concordar com Thales de Azevedo, anteriormente citado, no sentido de que o Brasil não vive sequer um ambiente próximo do norte americano, não se podendo pretender dizer que não há preservação da cultura oriunda dos povos africanos que vieram para o Brasil, eis que há o axé, a capoeira e a arte africana em todas as regiões brasileiras, mais acentuadamente na Bahia.
45. Yvonne Maggie também expõe sua experiência educacional, em que as escolhas de parceiros e amigos não passa por uma seleção prévia de cor da pele, o que evidencia ser necessário repensar o critério puramente "racial", até porque não há como definir quem é negro ou pardo apenas pelo fenótipo.
46. A decisão interlocutória do Min. Gilmar Mendes não pode ser interpretada de maneira equivocada. Ela não induz a um mérito favorável ao sistema de cotas instituido pela UnB, sendo que o indeferimento da liminar se deu, fundamentalmente porque a ação foi proposta após as inscrições para o vestibular que procurava impugnar, mas apresenta elementos consistentes para julgar procedente ou improcedente o pedido.
47. Não há como falar cientificamente em preconceito racial se o conceito de "raça" é vago e decorrente do conhecimento vulgar, uma vez que a ciência já o destruiu. O racialismo pretendido pela UnB esbarra na ausência de critérios seguros para estabelecimento dos fenótipos a serem identificados.
48. Não se pretende aqui dizer que ser desnecessária e inoportuna a discriminação positiva. O que se pretende é ver critérios seguros, sendo que ser afro-descendente, ter cútis preta ou parda, não serão elementos suficientes para propiciar igualdade material. Com efeito, as ações afirmativas estão previstas na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (art. 4º, § 1º), bem como no Projeto de Lei n. 213/2003, aprovado pelo Senado Federal para constituir o Estatuto da Igualdade Racial. Não se olvide, no entanto, que este último retirou a previsão do estabelecimento de cotas raciais.
49. É oportuno lembrar que, conforme expôs o Min. Gilmar Mendes em sua decisão interlocutória, as cotas em universidades não são as únicas formas de discriminação positiva, mas apenas uma delas.
50. O simbolismo das cotas raciais é notório. Com efeito, os números contidos na ADPF n. 186 evidenciam que o Brasil tem pequeno percentual que concluiu curso superior. Esse percentual é muito menor, se considerados apenas os graduados em universidades públicas. Portanto, um percentual mínimo, considerado o universo de alunos universitários brasileiros, será admitido pelo sistema de cotas raciais (20% dos ingressos na UnB), representando um privilégio para uns poucos candidatos de pele preta ou parda que tenham bom nível social, uma vez que o sistema de cotas da UnB desconsidera qualquer origem social dos candidatos.
51. O percentual de 20% é singelo, mas equivocado porque não está atendo para desigualdades materiais entre pretos e pardos ricos e "brancos" pobres. Destarte, ao contrário de fomentar a igualdade, o sistema de cotas da UnB a desequilibra ainda mais.
52. Não tenho como dizer quais são os traços fenotípicos dos candidatos a serem considerados pelos membros da comissão de seleção, eis que quaisquer critérios "racialistas" não seriam científicos e, portanto, falhos.
53. Sobre o artigo de Boaventura de Sousa Santos, anteriormente citado, devo dizer que se trata de texto evidentemente encomendado e que não apresenta dados ou fundamentos concretos que lhe sustente. É uma construção teórica desenvolvida após a proposição da ADPF 186, servindo de puro argumento de autoridade, sobre o qual é oportuno expor:
"Sempre se usou nas lides judiciárias, com excessiva frequência, bombardear o adversário com as letras de arestos e nomes de autores, como se foram argumentos.
O Direito é ciência de raciocínio; curvando-se ante a razão, não perante o prestígio profissional de quem quer que seja. O dever do jurisconsulto é submeter a exame os conceitos de qualquer autoridade, tanto a dos grandes nomes que ilustram a ciência, como as altas corporações judiciárias. Estas e aqueles mudam frequentemente de parecer, e alguns tem a nobre coragem de o confessar; logo seria insânia acompanhá-los sem inquirir dos fundamentos dos seus assertos, como se ele foram infalíveis. Nullius addictus jurare in verba magistri (ninguém está obrigado a jurar nas palavras de mestre algum)". [32]
54. Esclareça-se que os números estatísticos não são críveis. Os estudos estipulam claramente uma categoria de "negros", quando se verifica que poucos brasileiros se classificam como tais perante o censo do IBGE. Outrossim, deve-se levar em conta o art. 208, inc. V, da Constituição Federal, que consagra o mérito como critério para acesso aos níveis mais elevados de ensino.
55. Há certos modismos que incomodam, dentre eles, a vasta divulgação do pensamento de Ronald Dworkin, como se plenamente válido e plenamente aplicável à situação jurídica brasileira. Todavia, não se pode negar ser o referido jurisconsulto partidário de tese extremamente conformista, o qual, tratando das polêmicas raciais e o sistema de cotas nos Estados Unidos da América, afirma que "o leitor deve reservar seus julgamentos políticos gerais às carreiras dos juízes que conhece melhor". [33]
56. Ali Kamel, ao meu sentir, tem total razão ao dizer que as políticas que se tentam instituir desde o governo Fernando Henrique Cardoso, as quais retratam o pensamento do político em questão, tendem a instituir um país bicolor, deturpando um ambiente social que não guarda racismo. [34]
57. Ainda que haja alguma rejeição em função da cor, não há comprovação científica da sua ocorrência, visto que a análise empírica feita por algumas autoridades não são suficientes para efetiva comprovação de que a rejeição não decorre de outros fatores, notadamente os relativos à pobreza e ao baixo nível educacional (este último pode resultar de uma cultura tendente a não buscar o desenvolvimento intelectual).
58. Neste momento, é razoável verificar que vários aspectos estão a impossibilitar uma resposta positiva ao CESPE, uma vez que não há como estabelecer critérios científicos para seleção de candidatos ao sistema de cota "racial", unicamente com base no fenótipo, a ser verificado pela história étnica a ser consignada com traços físicos.