Artigo Destaque dos editores

Da possibilidade de efetivação do direito fundamental à moradia por meio das Zonas Especiais de Interesse Social

Exibindo página 2 de 5
Leia nesta página:

2 ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL

Inicialmente cabe indagar se, para a resolução do déficit habitacional urbano, o investimento massivo do Estado na construção de habitações populares seria suficiente. Esta pergunta não se faz ao acaso, e sim considerando que durante décadas a principal atividade governamental nesta seara da Questão Urbana foi no sentido da construção de conjuntos habitacionais.

Exemplo deste direcionamento estatal foi a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH, na década de 1960. O que se observou, no entanto, para além do número insuficiente de unidades habitacionais disponibilizadas, foi que boa parte destas obras não chegou a ser concluída. Ademais, as obras que foram terminadas não eram dotadas de formas de integração à urbe, de modo que ficaram um tanto quanto à margem da cidade.

No Brasil o Estado sempre foi bastante tímido com relação ao que poderia ser realizado de fato em prol da efetivação do direito à moradia. Sobretudo porque é habitual se pensar que política pública para moradia é apenas a instituição de conjuntos habitacionais, convênios e parcerias público-privadas para financiamento de casas. Tal ideário característico do senso comum permeava e permeia ainda o pensamento de muitos dos administradores públicos, responsáveis por executar estas políticas.

Conforme afirma Maricato (1997), os governos geralmente não avançaram as políticas públicas para além da criação de conjuntos habitacionais "populares". Os conjuntos habitacionais não combatiam nem sequer colocavam em questão a problemática fundiária urbana. Além disso, boa parte dos conjuntos habitacionais privilegiou as classes médias e às vezes as classes altas, ou seja, deixando novamente à deriva as classes mais necessitadas, por conta da impossibilidade delas de arcar com as prestações de financiamento que não levavam em consideração seu poder aquisitivo.

O que se observou após alguns anos de início do BNH foi que o mercado imobiliário não se abriu e não foram criadas alternativas para a maior parte da população que buscava moradia nas cidades. O acesso das classes médias e altas foi priorizado, e hoje isto não é diferente.

Esta realidade de insuficiência e inadequação das políticas públicas brasileiras acerca do direito à moradia decorre da complexidade do problema e muitas vezes do despreparo das instituições para lidar com ele. Ora despreparo, ora desinteresse em alterar ainda que minimamente as estruturas sociais. Ocorre que, por ser mais complexo, o problema do direito à moradia não se esgota na obtenção de um teto sob o qual se viver – muito embora essa seja uma das maiores necessidades da população.

Caso não seja resolvido o problema da segregação/integração, a exclusão sócio-econômica desta parte da população será perpetuada, ainda que solucionado o problema da obtenção da casa. Boa parte desta exclusão social, é preciso que se diga, decorre da postura mínima ou inexistente dos governos com relação à segregação sócio-espacial. Hoje a necessidade de moradias é ainda maior, em virtude da crescente demanda por conta do crescimento da população, bem como das desigualdades sociais no país – que sempre dificultaram o acesso de milhares de famílias ao direito de morar dignamente.

Não se pode olvidar que a moradia, antes de um direito, é uma necessidade humana. Mesmo que não fosse direito positivado, como se poderia argumentar que uma pessoa prescinde de morar? É na realização do "morar" que as cidades se formam, ordenadamente ou não, daí a necessidade de se analisar essa questão, bem como pensar possíveis soluções para a efetivação deste direito.

É neste contexto que se impõe a necessidade de repensar a cidade, de formular soluções que de alguma forma venham a dirimir a triste realidade que é, para tantas pessoas, morar em situação de risco, ou sequer ter onde morar. Um instrumento que se apresenta como possível alternativa para dar efetividade ao direito à moradia é a Zona Especial de Interesse Social – ZEIS.

Importa destacar que uma das dificuldades encontradas para elaboração desta monografia foi o fato de existirem pouquíssimos trabalhos publicados sobre as ZEIS. As obras de Direito Urbanístico, em geral, não abordam as Zonas Especiais de Interesse Social e, se o fazem, normalmente não é de uma forma muito aprofundada.

A escassez teórica, sobretudo em virtude de ser relativamente recente a aplicação deste instituto, constituiu um dos desafios para a realização do presente estudo, razão pela qual boa parte das considerações sobre as ZEIS são extraídas da legislação e das observações da autora.

2.1. Conceito e caracterização das ZEIS

As Zonas Especiais de Interesse Social, doravante denominadas de ZEIS, estão inseridas na técnica de zoneamento urbano, que pode ser entendida como a repartição do espaço urbano em zonas ou áreas, em que cada uma delas deve obedecer a usos determinados ou a parâmetros de construção diferentes ou ainda, o que é mais comum, à combinação de usos e parâmetros diferenciados, segundo uma lei municipal de ocupação do solo.

Através do zoneamento, cada zona corresponde a uma área do Município relativamente homogênea, em que são devidos usos específicos e parâmetros próprios de construção. Por meio do novo PDPFOR, de que falaremos amiúde em momento oportuno, a legislação urbanística municipal prevê a divisão do Município de Fortaleza em várias macrozonas, que são áreas de grande extensão, com parâmetros de urbanização mais genéricos. O Plano Diretor prevê ainda a criação de zonas especiais situadas dentro das macrozonas, mas dotadas de critérios específicos, como é o caso das Zonas Especiais de Interesse Social, por exemplo.

O zoneamento é bastante relacionado ao Direito Administrativo e ao Direito Urbanístico, uma vez que estabelece por meio de normas estatais as condições em que deve ser exercido o uso da propriedade, bem como utiliza o Poder de Polícia estatal para criar deveres e obrigações para os proprietários. Segundo José Afonso da Silva:

O zoneamento constitui, pois, um procedimento urbanístico, que tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população. Ele serve para encontrar lugar para todos os usos essenciais do solo e dos edifícios na comunidade e colocar cada coisa em seu lugar adequado, inclusive as atividades incômodas. (...) Não é meio de segregação racial ou social. Não terá por objetivo satisfazer interesses particulares nem de determinados grupos. Não será um sistema de realizar discriminação de qualquer tipo. Para ser legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida das populações. (SILVA, 2008, p. 124)

A experiência pioneira de zoneamento urbano se deu em Frankfurt, na Alemanha, e logo em seguida este procedimento foi aplicado em Nova York e em outras cidades americanas. Apesar de, segundo Silva, o zoneamento não ser meio de realizar discriminação, muitas vezes foi exatamente para isso que este instituto serviu.

Em Nova York, por exemplo, a implantação do zoneamento no início do século XX foi bastante reclamada pelo comércio de luxo da Fifth Avenue, como forma de "evitar atividades indesejadas" no local, para além do uso que eles praticavam. Neste caso, a pressão dos comerciantes ricos foi para instituir o zoneamento que só permitisse que eles lá permanecessem, fazendo com que um interesse individual de uma classe tomasse ares de necessidade geral da cidade e dos cidadãos.

Desta forma, se observa que o zoneamento pode ser utilizado como instrumento das classes altas para a construção e a manutenção da segregação, na medida em que aquelas exigem a implantação de parâmetros diferenciados que só permitam a ocupação e o uso do solo valorizado para si. Este é um dos motivos que gerou muitas críticas ao zoneamento - a sua origem e potencial elitista -, mas se observa que o instituto pode ser utilizado com outras finalidades, como é o caso das Zonas Especiais de Interesse Social, das quais passaremos a falar mais especificamente.

As ZEIS foram previstas no Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001, representando ao mesmo tempo o reconhecimento da multiplicidade de formas de ocupação do espaço urbano e a possibilidade de legalizar assentamentos e ocupações informais dentro da cidade.

Consistem as ZEIS em áreas onde há o reconhecimento de padrões específicos de habitação, com índices e coeficientes urbanísticos diferenciados dentro da cidade. Como questionamento central desta pesquisa, indagar-se-á sobre quais contribuições as ZEIS podem trazer para a realidade brasileira no que tange à democratização do espaço urbano, ao enfrentamento da segregação sócio-espacial e à garantia do direito à cidade aos munícipes que normalmente são excluídos simbólica e politicamente da urbe.

As ZEIS estão inseridas na realidade do planejamento urbanístico, e são dispostas no novo Plano Diretor de Fortaleza. Este plano dividiu a cidade em 20 zonas, determinando para cada parte da cidade certo grau de habitabilidade e específicos parâmetros de construção. Assim, conforme o PDPFOR, por exemplo, são estabelecidas Zonas de Ocupação Preferencial (ZOP´s) e Zonas de Ocupação Restrita (ZOR´s), e nelas serão diferentemente positivados parâmetros dispondo, respectivamente, da prioridade habitacional, e da não-habitabilidade nas áreas em que o Plano entende que inexistem condições para moradia.

Sobre o zoneamento instituído pelo novo plano diretor, pode-se dizer que o princípio que foi observado por essa nova divisão foi o crescimento da cidade em direção às áreas já dotadas de infra-estrutura. As Zonas de Ocupação Preferencial, por exemplo, são concentradas na área central da parte norte da cidade, que é dotada de infra-estrutura e onde existem muitos imóveis não utilizados.

Neste sentido, dentro de cada uma dessas zonas determinadas pelo PDPFOR, serão criados critérios de altura, permeabilidade [06] e ocupação diferenciados. As ZEIS existem para diferenciar um certo espaço - de ocupação prioritariamente de famílias baixa renda - , reconhecendo que dentro das ZEIS os parâmetros têm de ser específicos, e não os critérios gerais daquela área maior na qual se insere a ZEIS.

Este instituto permite a agilização dos processos de regularização fundiária, ao admitir no referido zoneamento especial a definição de parâmetros técnicos diferenciados, flexibilizando padrões em atendimento do interesse público, especialmente quanto à construção de habitações de interesse social.

Como objetivos das ZEIS pode-se apontar: o aumento da oferta de terrenos para a habitação popular; a inclusão social por meio do enfrentamento à segregação sócio-espacial; a ampliação do alcance da infra-estrutura urbana para além das fronteiras da cidade legal; e a vinculação de investimentos públicos em urbanização para estas áreas de habitação popular. Desta forma, ao ser reconhecida como ZEIS, a comunidade passa a ter prioridade de investimentos públicos, o que corresponde a uma das maiores conquistas advindas das ZEIS. Além disto, a instituição das ZEIS pode servir como regulador do conjunto de terras urbanas, no intuito de reduzir o preço das terras.

Conforme estudo do Ministério das Cidades, para implementação do seu Banco de Experiências:

A ZEIS cumpre, dentre outras, duas importantes funções, a primeira de permitir a flexibilização de parâmetros sem que isso signifique redução dos padrões de moradia digna. O segundo é que a ZEIS pode funcionar como um inibidor da transferência dessa unidade habitacional, construída com recursos públicos subsidiados, para uma camada da população mais abastada. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, grifo nosso)

Com o advento do Estatuto da Cidade, as ZEIS foram pela primeira vez previstas em legislação federal, possibilitando a institucionalização de determinadas áreas como ZEIS. No Estatuto (Lei Federal nº 10.257/2001), as ZEIS estão previstas no artigo 4º:

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

(...)

V – institutos jurídicos e políticos:

(...)

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

O Estatuto aponta, assim, as ZEIS como um dos institutos possíveis de serem aplicados para consecução dos objetivos da política urbana brasileira. No entanto, antes mesmo da previsão no Estatuto das Cidades, as ZEIS já podiam ser implementadas nos municípios que assim dispusessem, como foi o caso de Recife, de que falaremos em seguida.

As ZEIS são instrumentos de que há muito se tem notícia no Direito Urbanístico, mas que, contraditoriamente, poucas vezes foram realmente efetivadas. E quando o foram, tal se deu somente por pressão popular, como é o caso do Município de Recife. Nesta pesquisa, a maior parte das informações de que dispomos sobre ZEIS advém da implementação das mesmas em Recife e no Estado de São Paulo.

O reconhecimento de padrões específicos de urbanização por meio das ZEIS é bastante importante porque na cidade a distribuição dos espaços é desigual, bem como a sua ocupação, observando-se dentro do espaço urbano uma infinidade de construções e usos diferenciados. Estas diversidades se distribuem dentro da chamada "cidade legal", mas também na "cidade ilegal", não-normatizada e fora dos padrões legais e urbanísticos. Ocorre que a "cidade à margem da cidade" corresponde às habitações das classes populares, que sequer são consideradas enquanto habitação e tendem a permanecer na ilegalidade e no esquecimento.

Dessa forma, Rolnik (1997) assevera que são criadas duas cidadanias dentro da cidade: a cidadania plena, aos habitantes da legalidade, e a cidadania limitada, aos que moram na ilegalidade, na dita cidade ilegal. É justamente para combater essa segregação e negação de cidadania à maior parte dos habitantes que surgem as Zonas Especiais de Interesse Social, pois elas possibilitam a legalização de habitações que, anteriormente, não possuíam segurança alguma.

Assim, um bairro popular formado de habitações "irregulares" há várias décadas, tido como marginalizado e ilegal por conta do desrespeito às normas urbanísticas, por exemplo, se vem a ser incluído como ZEIS e passa a ser de fato Zona Especial, terá reconhecida a ocupação diferenciada, e os níveis e parâmetros de construção, ali, serão particulares àquela área.

Como é tradicional das normas urbanísticas nacionais, estas se concentram apenas em definir padrões desejáveis de ocupação para determinadas áreas da cidade, conforme nos lembra Rolnik. Ocorre que o estabelecimento destas normas gerais de habitabilidade sequer considera a maior parte da população das cidades, que não consegue acessar o mercado formal de habitação, e faz o espaço urbano se tornar cada vez mais caro e menos acessível a estas pessoas. Assim, porque não podem integrar a cidade formal e a habitação "legalizada", buscam formas alternativas de moradia, que quase sempre são loteamentos clandestinos, ocupações ou favelas.

É dessa forma que avançam as habitações irregulares, e bairros inteiros que são ignorados pelas políticas públicas, por serem, desde sua formação, ilegais. Daí a importância de institutos jurídico-urbanísticos como as ZEIS, que tornem possível a legalização a essas áreas, possibilitando aos seus habitantes a segurança jurídica da posse, bem como o acesso à infra-estrutura urbana e a prioridade dos investimentos públicos naquelas áreas.

2.1.1 Contexto em Fortaleza

Com o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), Fortaleza é obrigada a atualizar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU - pelo menos a cada dez anos, mas somente em 2009 foi atualizado o plano anterior, que, com 16 anos de vigência, já estava bastante defasado. Desde 2002 havia a necessidade legal de revisar o plano, senão reformulá-lo completamente, mas a primeira proposta (2000-2005) foi rejeitada por dois erros óbvios: 1) não considerava a cidade em suas realidades específicas, zona a zona; 2) não houve participação popular.

Por estes motivos, outra proposta foi elaborada por técnicos e analistas contratados pela Prefeitura em conjunto com a população através da realização de várias audiências públicas. Assim, o novo Plano Diretor Participativo de Fortaleza - PDPFOR (Lei Complementar Municipal nº 62/2009) foi aprovado em dezembro de 2008, publicado no Diário Oficial do Município em 13 de março de 2009 e entrou em vigor 60 (sessenta) dias após a sua publicação.

Este Plano deverá ser respeitado para o desenvolvimento urbano de Fortaleza para os próximos dez anos, de acordo com o Estatuto da Cidade. É com o Plano Diretor que o Município define quais as áreas de ocupação mínima, ocupação prioritária, quais as zonas ambiental e culturalmente protegidas, e também quais as áreas destinadas à habitação popular. A altura dos prédios, a porcentagem de edificação dos terrenos, a especulação imobiliária, sistema de transportes, saneamento básico, tudo isso são temas do Plano Diretor e nada pode passar despercebido da população de Fortaleza, vez que as implicações do que estiver disposto no Plano são inúmeras.

No decorrer das audiências públicas para discussão e aprovação do Novo Plano Diretor, algumas das maiores polêmicas giravam em torno das ZEIS. De um lado, o Campo Popular [07], pleiteando a inclusão das zonas especiais; de outro, o mercado imobiliário representado fortemente pelas construtoras, imobiliárias e pelo Sinduscon-CE [08], tencionando a não-inclusão ou, no mínimo, a inserção de limitações que, na prática, inviabilizassem as ZEIS.

O ano de 2008 foi o mais conturbado em termos das últimas discussões para aprovação do Plano, em que várias emendas estavam sendo propostas em relação ao texto original. As propostas, importante que se esclareça, eram oriundas tanto dos movimentos populares quanto dos setores empresariais, e a disputa permaneceu, para saber quais das proposições de emendas iriam ser vitoriosas.

No final de 2008, a Câmara Municipal de Fortaleza acenou para a possibilidade de votar o Novo Plano somente em 2009. Diante disso, em 23 de Outubro de 2008 foi realizado um ato popular em frente à Câmara Municipal cujo objetivo foi sensibilizar os vereadores e a população, através da mídia, a respeito da importância de o Plano Diretor ser votado ainda em 2008. Até a realização do referido ato, a Câmara encontrava-se debatendo sobre a possibilidade ou não da votação do Plano ainda naquele ano.

O Campo Popular entendeu que quanto mais se retardasse a votação, maior o risco de que as questões polêmicas, a exemplo das ZEIS, ficassem relegadas à matéria de Lei Complementar a serem aprovadas somente após o plano diretor. Após o ato, os vereadores que chefiavam a comissão responsável pela votação do Plano deram declarações no sentido de a votação ocorrer ainda em 2008.

Para além disto, a metodologia de votação das emendas propostas foi muito questionada pelos movimentos populares. Naquele momento, a Câmara votava as propostas das emendas ditas "consensuais", tendo feito a opção de votar as emendas "polêmicas" no final dos trabalhos. O risco identificado daquela escolha foi votar como "consensual" algo que não era verdadeiramente pacífico, e sobretudo postergar as matérias mais importantes, a exemplo das ZEIS.

Ao fim, a votação ocorreu de fato em 2008 e o Novo Plano foi sancionado e publicado em 2009, contendo a previsão expressa de mais de 20 áreas de ZEIS distribuídas de forma esparsa pela cidade. Algumas áreas são bem extensas, a exemplo da ZEIS do Bom Jardim e da Praia do Futuro, por exemplo. Já outras não são tão grandes, como a do Passaré, conforme se observa do mapa constante do Anexo B.

Uma perda significativa nesse momento da aprovação do Plano foi a não-inclusão da ZEIS do Lagamar, comunidade que participou durante todo o processo de discussão do PDPFOR. O temor de que fossem necessárias leis complementares ao plano diretor se concretizou: o Lagamar só foi incluído no PDPFOR como ZEIS por conta de uma lei complementar de 2010. [09]

Sabe-se que, após a aprovação do Plano, muita coisa ainda resta por ser feita, sobretudo com relação às ZEIS. O PDPFOR trouxe a previsão de várias ZEIS, o que foi uma conquista significativa dos movimentos populares, mas ao mesmo tempo foram dispostas na nova legislação uma série de restrições que quase inviabilizam, por exemplo, as ZEIS de vazio, que são talvez as ZEIS mais importantes.

Acerca das limitações às ZEIS de vazio, bem como das especificidades do instituto jurídico das ZEIS em Fortaleza e da caracterização dos tipos de ZEIS previstos na nova legislação municipal, falaremos na seção 2.3.

Para além dos obstáculos estritamente legais, vários outros podem ser apontados, a exemplo da não delimitação do Plano Diretor acerca dos Conselhos Gestores das ZEIS. A instituição do formato destes conselhos está aguardando a elaboração de decreto previsto no PDPFOR.

Para complementar o PDPFOR os dois instrumentos legais mais aguardados até então, sobretudo pelas comunidades habitantes das ZEIS, são: o decreto que irá regulamentar o funcionamento dos Conselhos Gestores e a lei de uso e ocupação do solo, que ainda precisa ser atualizada.

Atualmente, todas as áreas previstas como ZEIS no PDPFOR aguardam a elaboração de decretos específicos que devem elaborar os planos urbanísticos próprios de cada área, conforme será explanado na seção 2.3.

Em 26 de maio de 2010 foi realizado o Encontro das Comunidades pela Efetivação das ZEIS em Fortaleza, na ONG Cearah Periferia. Neste encontro, moradores das ZEIS debateram o que este instrumento realmente significa, bem como a necessidade de articulação das várias comunidades que são ZEIS, para cobrar do Poder Público a efetivação das conquistas do PDPFOR. Uma das intenções deste encontro foi apresentar e debater propostas das áreas para a próxima audiência pública a ocorrer na Câmara Municipal de Fortaleza, em 09 de junho de 2010.

Paralelamente às audiências públicas que estão sendo realizadas e à mobilização interna de cada área, as comunidades estão tentando formar um Fórum integrado das ZEIS de Fortaleza. O Fórum seria uma forma a integrar e intensificar as lutas pelas conquistas das ZEIS, e pressionar nas próximas audiências e manifestações públicas para que os instrumentos legais tomem realidade e se afastem do mero discurso formalista.

2.1.2 A experiência do Lagamar

A comunidade do Lagamar é uma das mais antigas de Fortaleza, datando da década de 30 a chegada das primeiras famílias àquela área. Foi na década de 50, em decorrência de outra grande seca no interior do Ceará, que a população do Lagamar teve um expressivo crescimento. Por conta da antiguidade e de um histórico de mobilização popular, o Lagamar ficou conhecido em Fortaleza, sobretudo pelos setores governamentais e os demais movimentos populares.

Na década de 80, houve uma intensa mobilização pela urbanização da área do Lagamar, paralelamente à resistência das famílias às remoções que eram intentadas pelo Governo, para a construção de grandes obras como a Avenida Borges de Melo. Apesar dos vários obstáculos, a ocupação no Lagamar resistiu e permaneceu naquela área. Mais recentemente, desde 2005, a luta do Lagamar vem sendo pela sua inclusão no Plano Diretor enquanto Zona Especial de Interesse Social.

A partir de 2005, alguns moradores do Lagamar passaram a participar de várias instâncias de deliberação popular sobre a cidade, como é o caso do Orçamento Participativo. Estiveram presentes ainda desde as primeiras audiências públicas para elaboração do Plano Diretor, e compuseram a articulação do Campo Popular para discutir um a um os artigos propostos para o PDPFOR. Havia um compromisso por parte da Prefeitura de Fortaleza de que o Lagamar, quando da aprovação do PDPFOR, seria incluído como ZEIS. Diante desse compromisso firmado e da participação constante da comunidade no processo de criação e aprovação do novo Plano, havia por parte da comunidade uma convicção de que o Lagamar seria uma ZEIS reconhecida pelo Plano Diretor.

Ocorre que o conteúdo do PDPFOR que foi aprovado na Câmara Municipal de Fortaleza, ao revés do que a comunidade acreditava, não trouxe o Lagamar reconhecido como ZEIS. O Lagamar não constava no plano nem nos mapas das ZEIS, de forma que não foi reconhecido o grande empenho do Lagamar nas discussões pelo Plano Diretor. O Lagamar esteve presente nos debates e nas audiências públicas, razão por que não se compreende porque essa inclusão não aconteceu.

Diante de mais este obstáculo, foi necessária a mobilização do Lagamar para que fosse corrigido esse engano, por meio de uma Lei Complementar ao PDPFOR. Durante os meses de janeiro a junho de 2009 o Lagamar representado por alguns moradores, lideranças comunitárias e entidades não-governamentais, tentou se reunir com a Prefeitura para discutir essa questão. Durante esses meses, a comunidade também buscou apoio de outros movimentos populares e de setores da Universidade que dessem suporte à mobilização e à divulgação das demandas do Lagamar.

Ainda por conta da inércia governamental, de julho a novembro de 2009 foram realizadas várias atividades culturais e de mobilização no Lagamar, para chamar a atenção dos moradores, sobretudo dos jovens, a respeito da necessidade da inclusão da área como ZEIS. Um papel importante nesse momento foi realizado pela Fundação Marcos de Brüin, organização não-governamental existente no Lagamar, com a participação de três projetos de extensão da UFC: o Núcleo de Psicologia Comunitária – NUCOM -, o Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC – e o Centro de Assessoria Jurídica Universitária - CAJU.

Houve a divisão do bairro em 8 grandes quarteirões, e durante quatro meses foram desenvolvidas as atividades, que por meio do teatro, da música e do cinema propiciaram o debate sobre a cidade e especificamente sobre o Lagamar, para fomentar a participação dos moradores na discussão e na pressão política pelas ZEIS. Foram elaborados pela comunidade poemas e hinos sobre o Lagamar, a exemplo deste:

Com um dos objetivos dessas atividades estava a realização de uma Grande Marcha a se realizar em 17 de novembro de 2009, com destino à Câmara Municipal de Fortaleza, para cobrar a elaboração da Lei Complementar que incluiria a ZEIS do Lagamar no PDPFOR. Esse esforço da comunidade resultou numa caminhada de quase quinhentas pessoas, entre moradores e apoiadores, indo à Câmara para pressionar que o processo de inclusão fosse agilizado.

O projeto de Lei Complementar foi elaborado, mas nele a Prefeitura quis incluir, no artigo 5º, um dispositivo que autorizava que qualquer obra com relação à Copa de 2014 fosse realizada, a despeito de a área ser ZEIS. Houve resistência do Lagamar, por meio de reuniões com a Prefeitura e também da realização de uma nova marcha, desta vez em direção ao Gabinete da Prefeita, em 17 de dezembro de 2009.

A intenção do Lagamar era retirar o artigo 5º do Projeto de Lei. No entanto isso não ocorreu, tendo sido acordado somente que tais obras referentes à Copa terão de ser aprovadas pelo Conselho Gestor, de acordo com o artigo 4º do mesmo projeto de lei. Apesar de terem requerido a exclusão do artigo 5º, a Prefeitura não aceitou, e o aprovado foi essa aparente proposta conciliadora. Assim, a comunidade do Lagamar tem alguma segurança porque haverá participação popular (obrigatória) no Conselho Gestor, de forma que diante de qualquer obra que traga prejuízos os moradores representantes no Conselho poderão se opor. Ao mesmo tempo, a manutenção do artigo 5º é um contra-senso porque é quase como dizer-se que ali é uma ZEIS que não é ZEIS, que pode ter a prioridade habitacional relegada a segundo plano caso haja uma obra da Copa. Deste modo, esse artigo fere a própria natureza das ZEIS, mas permaneceu.

Este projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal no último dia de votação de 2009, e não pôde ser votado naquele dia porque também estava sendo aprovada a Lei do IPTU. Assim, somente em 09 de fevereiro de 2010, primeiro dia da nova sessão legislativa, foi que ocorreu a votação com 21 vereadores, o mínimo necessário para a aprovação. A Lei Complementar que inseriu a ZEIS do Lagamar no PDPFOR foi sancionada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza em 16/03/2010, mas ainda não foi publicada.

Compreende-se que a experiência do Lagamar foi importante para a comunidade, mas também para as demais ZEIS, porque representou a possibilidade de mobilização pelo direito à cidade. De uma certa forma, após essa experiência de mobilização e pressão popular, o Lagamar está sendo encarado como uma espécie de referência para as demais áreas, que também estão tentando se organizar e animar os habitantes de cada área para participar do debate sobre as ZEIS.

Recentemente, em 1º de maio de 2010, o Lagamar organizou o 1º Encontro Comunitário das ZEIS do Lagamar, reunindo 260 moradores para discutir sobre as ZEIS do Lagamar, sobretudo como fazer para pressionar e agilizar as conquistas na área, bem como debater projetos necessários para o Lagamar. Neste Encontro, os moradores elegeram 34 pessoas para compor o Fórum Comunitário das ZEIS do Lagamar, e elaboraram sugestões acerca do Conselho Gestor da área. Quinzenalmente estão sendo realizadas reuniões sobre a temática, no intuito de manter a mobilização e a participação do maior número de moradores.

2.1.3 Como as ZEIS podem realmente contribuir para a efetivação do direito à moradia?

Inicialmente, as ZEIS significam a reserva de um espaço urbano prioritário para habitação popular, o que usualmente não ocorre. Vigorando unicamente a lei de mercado, é comprovado que as classes populares não conseguem acessar a habitação formal, por conta dos elevadíssimos preços da terra urbana. Não conseguem sequer ter acesso a áreas com alguma infra-estrutura mínima para habitação.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A instituição das ZEIS, portanto, logo em um primeiro plano constitui uma disposição legal, ou seja, uma garantia positivada de que tais áreas da cidade devem ser destinadas, prioritariamente, para a habitação popular. Reconhece-se, no entanto, que em muitos casos a distância entre o discurso legal e a realidade pode tornar letra morta muitas das garantias conquistadas, a exemplo das ZEIS. Neste sentido, apesar de as ZEIS determinarem que em suas áreas a prioridade seja a habitação popular, tal objetivo será cumprido de forma mais efetiva conforme maior for a pressão social.

O reconhecimento de áreas como destinadas para este tipo de habitação implica dizer que é assegurado às comunidades habitantes das ZEIS que a finalidade-mor da área é a habitação, e não a construção de grandes obras, por exemplo. A criação de uma ZEIS implica a responsabilidade do Poder Público em fornecer garantias para que a finalidade habitacional seja cumprida e, de fato, mantida. Deve haver a garantia contra a remoção das populações, sobretudo porque com a instituição das ZEIS o que é intentado pela população é justamente a segurança jurídica da posse e as melhorias urbanísticas nas áreas previstas. Este, portanto, é um dos benefícios nucleares que as ZEIS podem trazer.

Novamente chama-se atenção para o fato de que a garantia é legal, mas muitas vezes é o próprio Poder Público que tenta ignorar, alterar ou "passar por cima" das garantias legais. Tal vem sendo o caso da ZEIS do Serviluz, em que o Governo do Estado insiste em construir naquela área, apesar de ser uma ZEIS, o Estaleiro de Fortaleza. Especificamente sobre este ponto, deter-se-á na seção 3.3.

Além disto, para algumas áreas atender aos parâmetros que o Plano Diretor especifica é impossível, sobretudo pelo caráter de habitação popular. Esse é um dos motivos principais da luta dos movimentos urbanos pela aprovação das ZEIS: porque as ZEIS têm parâmetros próprios, diferentes das zonas maiores em que estão inseridas.

Caso essas áreas não estejam em ZEIS, serão consideradas zonas irregulares, e a legalização da documentação dos imóveis é impossibilitada. Nesse sentido, são várias as contribuições que este instituto pode trazer.

O que de mais essencial trazem as ZEIS enquanto benefício para as populações que habitam "irregularmente" na cidade é o reconhecimento da diversidade de ocupações, uma vez que as ZEIS reconhecem parâmetros específicos de ocupação e habitabilidade. Dessa forma, este instituto possibilita o reconhecimento legal e social de que outras formas de construção são possíveis, de que outros desenhos de bairros podem ser aceitos, e não apenas os que existem nas "áreas ricas" da cidade. É uma forma de enfrentamento do estigma da comunidade ilegal, uma vez que as ZEIS trazem consigo a chance da legalidade.

Este reconhecimento extravasa o âmbito do impacto jurídico, pois se reverte no reconhecimento da dignidade de todas as famílias que estavam morando irregularmente. Com as ZEIS, passa a existir a possibilidade da legalidade nos assentamentos, além do que a instituição de uma ZEIS gera a obrigatoriedade de o Poder Público investir na infra-estrutura da área enquanto política prioritária, gerando qualificação e regularização fundiária.

O reconhecimento de padrões específicos de habitação dentro das ZEIS permite que nelas sejam realizadas as melhorias urbanísticas necessárias, que antes eram impossibilitadas pelo discurso formalista de que primeiro era necessária a legalização da área. Dessa forma, as ZEIS são forte instrumento para agilizar a regularização fundiária.

Boa parte das áreas que são reconhecidas como ZEIS são de ocupações irregulares desprovidas de serviços públicos, a exemplo das ZEIS 1 e 2 de que se falará adiante. Essa carência de serviços é justificada pelo Poder Público e pelas suas concessionárias exatamente por conta dessa irregularidade, sob a escusa comum de que, por serem ilegais, os serviços de água e luz, por exemplo, não podem ser instalados. Com a instituição das ZEIS, a legalidade determina que estes desrespeitos institucionais aos direitos das pessoas cessem, gerando a qualificação das áreas, o que é claro ocorre mais rapidamente conforme seja maior a pressão da população lá residente.

Com as ZEIS, ocorre também a democratização do espaço urbano na medida em que os assentamentos irregulares passam a fazer parte da cidade, e não constituir o "à - margem" da cidade e da cidadania. E se a ZEIS for do tipo 3, ou seja, ZEIS de vazio, isso importa dizer que houve a criação de um espaço prioritário para habitação popular onde antes era um vazio urbano.

Dessa forma, é dada uma função social aos vazios urbanos, democratizando o espaço da cidade que usualmente era utilizado para especulação. Se corretamente previstas e implantadas, as ZEIS de vazio podem ser as mais importantes e com maiores impactos para a efetivação do direito à moradia.

À medida que o espaço urbano for democratizado, a segregação sócio-espacial vai sendo enfrentada em suas bases, uma vez que passa a ser possibilitado o acesso de todos à cidade. Considerando-se que é a segregação uma das mais cruéis faces da crise urbana atual, e cujos prejuízos maiores recaem sobre os mais pobres, entende-se uma das grandes contribuições que as ZEIS trazem é o combate à segregação sócio-espacial.

Conclui-se, assim, que as ZEIS tem um forte potencial para a efetivação do direito à moradia, se enfrentados os obstáculos que certamente surgirão para a sua aplicação. As ZEIS podem ser utilizadas para que o Direito à cidade realmente se concretize, possibilitando que a cidade seja de todos, e que o acesso aos bens e serviços ocorra igualmente para os munícipes que normalmente são excluídos simbólica e politicamente da urbe.

2.2.Breve relato das experiências de Recife

No tocante às ZEIS, Recife teve uma experiência pioneira, haja vista que há várias décadas este instituto foi criado na capital pernambucana. De acordo com dados da Prefeitura de Recife, o município reconhece a existência de 66 Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS, disseminadas pelo espaço urbano. Diante da existência de cerca de 490 favelas, representando 15% da área total do município e 25% da área ocupada, hoje as ZEIS agregam cerca de 80% delas.

A mobilização em Recife a respeito das ZEIS remonta ao início da década de 80, e foi por meio do Decreto Municipal nº 11.670 que 26 comunidades foram reconhecidas como áreas especiais. Um importante marco legal para isto foi a Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS - de 1983. Nesta lei, as ZEIS foram reconhecidas enquanto instrumento importante da ordenação urbanística de Recife, e houve previsão da sua implantação em 26 áreas da cidade (mas à época a cidade já contava com mais de 200 favelas) sem, no entanto, apontar mecanismos para isto.

A LUOS de 1983 estabeleceu o zoneamento de Recife, criando a divisão em zonas: Residenciais; Industriais; Verdes; de Atividades Múltiplas; Institucionais e Especiais. Por meio da LUOS, as 26 comunidades anteriormente reconhecidas como áreas especiais foram transformadas em Zonas Especiais de Interesse Social. Esta foi uma grande conquista, pois o Poder Público costumava ignorar essa parte da cidade, que não constava nos programas de urbanização anteriormente, quase como se não existisse. Apesar desta previsão das áreas enquanto ZEIS, inexistia ainda regulamentação específica que dispusesse como as ZEIS seriam concretizadas.

A regulamentação específica das ZEIS em Recife se deu com o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS, em 1987, que consistiu uma peculiaridade do caso recifense. A aprovação da lei do PREZEIS (Lei Municipal nº 14.947/87) possibilitou a criação de um sistema participativo de gestão das ZEIS, bem como a previsão normativa de um conjunto de instrumentos e procedimentos que viabilizassem a regularização fundiária e urbanística das ZEIS. Uma das maiores inovações do PREZEIS foi a criação de espaços de debate e, portanto, de gestão democrática das ZEIS, dando possibilidade para que se discutisse os investimentos e recursos públicos a serem destinados para as ZEIS.

O sistema de gestão trazido pelo PREZEIS apresenta as seguintes instâncias: as COMUL´s (Comissões de Urbanização e Legalização) e o Fórum Permanente do PREZEIS (Decreto Municipal nº 14.539/88). A COMUL consiste em uma comissão que possui poder deliberativo, sendo responsável por formular, coordenar, e fiscalizar os planos de urbanização e regularização fundiária de cada ZEIS. Já o Fórum Permanente constitui uma espécie de articEIS, no intuito de debater os problemas das ZEIS e deliberar as estratégias para o conjunto das áreas, bem como da integração das ZEIS com a cidade.

Em 1995, a lei foi revisada e foi aprovada a Nova Lei do PREZEIS, (Lei Municipal nº 16.113/95). Aparentemente a criação do PREZEIS gerou uma obrigatoriedade maior do Poder Público, bem como um empoderamento por parte dos movimentos populares urbanos na busca pela implementação das Zonas Especiais de Interesse Social. Tal se deu ainda em virtude de a lei do PREZEIS ter estipulado as responsabilidades e direitos de todos os representantes do sistema gestor das ZEIS – tanto poder público quanto comunidades.

Segundo a Prefeitura de Recife, as ZEIS são:

Art. 17 - As Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS - são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária.

O conceito dado pela Prefeitura de Recife está em consonância com o apresentado por José Afonso da Silva, em seu livro Direito Urbanístico Brasileiro. O instrumento das ZEIS tem a finalidade de dar maior efetividade ao direito à moradia, promovendo a valorização da função social da propriedade em um contexto em que se dê prioridade do direito de moradia sobre o direito de propriedade, se esta propriedade estiver descumprindo a função social, no caso das ZEIS de vazio (ZEIS 3).

É fato que a nossa Constituição, diferentemente da Constituição Portuguesa, não define especificamente qual o conceito de moradia digna, mas é notória a existência de dispositivos que declaram o direito de todos à habitação digna. Destacamos a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Emenda Constitucional 26/2000, que inclui o direito à moradia no rol dos direitos sociais e institui o poder-dever do Poder Público em satisfazer esse direito, colocado por José Afonso da Silva como direito-necessidade.

No entanto, a efetivação do direito à moradia não é simples, sobretudo em cidades, a exemplo de Recife e Fortaleza, em que a especulação imobiliária reina, e existem vários grupos lutando pela supressão dos instrumentos populares que o Plano Diretor prevê. Não por acaso poucos Municípios conseguiram implementar as ZEIS, como é o caso de Recife, que ora relatamos.

Observamos que são vários os requisitos para o reconhecimento das ZEIS, o que confere maior segurança ao instituto, bem como fornece uma definição bem precisa do que ele é, no intuito de tornar mais claro ao Poder Público se determinada área pode ou não ser reconhecida enquanto ZEIS.

No Plano de Governo da atual gestão da Prefeitura de Recife encontrou-se um dos pontos-prioridade, juntamente com Educação e Saúde, qual seja o programa de requalificação das ZEIS:

Esse programa visa a melhoria da qualidade de vida da população residente nas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), mediante a legalização da posse da terra, a definição dos parâmetros urbanísticos e edificantes especiais e a implementação de projetos de urbanização visando a sua integração à estrutura urbana da cidade, preservando a sua tipologia e garantindo a permanência da população nessas áreas. São parceiros nessa ação: BID, União (OGU - Orçamento Geral da União) PREZEIS, e Prefeitura do Recife.

Recife, segundo estatísticas do próprio Município, conta hoje com 66 ZEIS (uma população de cerca de 600 mil pessoas), o que a torna uma cidade pioneira e em estágio avançado da legislação urbanística municipal. Enquanto cidades como Fortaleza apenas recentemente conseguiram a inserção do instituto no Plano Diretor, Recife há muito já as tinha previsto e implementado, contando agora com programas de requalificação. No entanto, dificuldades inúmeras passa a cidade de Recife com relação às ZEIS, no que tange aos avanços de qualificação urbana nas áreas. As reclamações das classes populares persistem, certamente por conta de diversos problemas por que passa a cidade, mas, em virtude do espaço limitado deste estudo, não será abordada detidamente a realidade recifense.

Interessante para o Município de Fortaleza seria estudar os programas e intervenções urbanísticas de Recife, através de seminários entre as prefeituras, por exemplo, no intuito de discutir experiências e fomentar políticas públicas exitosas. Sobretudo no que concerne à experiência da lei do PREZEIS e da criação de instâncias de participação popular, certamente a troca de conhecimentos entre os governos parece importante, diante da atual e premente necessidade da instituição dos Conselhos Gestores nas ZEIS em Fortaleza.

2.3 O novo Plano Diretor Participativo de Fortaleza e as ZEIS

O novo Plano Diretor Participativo de Fortaleza - PDPFOR - inovou sobremaneira no que se refere ao planejamento da cidade, trazendo o macrozoneamento urbano e, em específico, as ZEIS. Neste ponto, faremos uma análise do que o PDPFOR dispôs sobre as ZEIS, sem, contudo, pretender esgotar o tema.

Conforme se observa da análise do PDPFOR no que diz respeito às ZEIS, de acordo com o mapa constante do Anexo B, são várias as áreas reconhecidas enquanto Zonas Especiais de Interesse Social. As áreas em vermelho correspondem às ZEIS tipo 1, as de cor marrom são as ZEIS tipo 2 e as de cor laranja são as ZEIS tipo 3 também chamadas de ZEIS de vazio. Em Fortaleza, a maior parte das ZEIS reconhecidas pelo PDPFOR foram as ZEIS 1 e 3. As espécies de ZEIS serão detalhadas e caracterizadas nos próximos pontos.

Observa-se no supracitado mapa que existem algumas ZEIS que são áreas extensas, a maioria delas são ZEIS 1 e ZEIS 3. Neste sentido, cita-se a ZEIS 1 do Grande Pirambu, que corresponde à maior área vermelha do mapa, abrangendo os bairros do Pirambu, do Cristo Redentor e parte da Barra do Ceará. Esta ZEIS é a maior não somente em tamanho, mas também em densidade populacional. Pode-se citar ainda outras ZEIS 1 de tamanho expressivo, que são: Bom Jardim, Planalto Pici e Mucuripe. Já com relação às ZEIS de tipo 3, as maiores em Fortaleza são: Praia do Futuro, Sapiranga, Papicu e Álvaro Weyne.

A maioria das ZEIS, no entanto, corresponde a algumas áreas intermédias em extensão territorial, não sendo correto afirmar que as grandes áreas de ZEIS são o padrão em Fortaleza. Como exemplo destas ZEIS médias, são as seguintes áreas: Moura Brasil, Praia de Iracema e Caça e Pesca (ZEIS 1); Manoel Sátiro e Siqueira (ZEIS 2); bem como Parque Dois Irmãos, Passaré e Vila União, todos estes ZEIS 3.

2.3.1. Diretrizes gerais do Plano

Antes mesmo de mencionar as Zonas Especiais de Interesse Social, o novo PDPFOR em seu artigo 2º afirma que as disposições nele contidas são aplicáveis a todo o território municipal e determina que devam "o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei anual do orçamento municipal orientar-se pelos princípios fundamentais, objetivos gerais e ações estratégicas prioritárias nele contidas". Tal disposição é de importância ímpar para as ZEIS, porque está dito no artigo 2º que os objetivos, princípios e estratégias do PDPFOR devem ser contemplados nas leis orçamentárias.

Uma vez que as ZEIS são dispostas como estratégia prioritária da política urbana municipal, é de suma importância que a lei de diretrizes orçamentárias e a lei anual do orçamento municipal prevejam investimentos constantes nas Zonas Especiais de Interesse Social. A efetivação e a manutenção das ZEIS dependem da previsão contínua de recursos públicos destinados a elas, sob pena de serem apenas mais um instituto sem efetividade na política urbanística municipal. Enfatiza-se esta questão por se entender que é prioritário que o Estado cumpra essa disposição normativa e que os movimentos populares e as comunidades inseridas em ZEIS reivindiquem anualmente as disposições orçamentárias para as ZEIS, para que de fato as melhorias urbanísticas e sociais possam ocorrer.

Logo adiante, o PDPFOR em seus princípios e objetivos coloca expressamente que uma das diretrizes da política urbana municipal é garantir o direito à cidade e a função social da propriedade, coibindo a especulação imobiliária. Conforme os artigos 3º e 4º:

Art. 3º São princípios da Política Urbana:

(...)

II — a função social da propriedade;

(...)

§ 2º A função social da propriedade é cumprida mediante o pleno desenvolvimento da sua função socioambiental.

§ 3° A propriedade cumpre sua função socioambiental quando, cumulativamente:

I — for utilizada em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental;

II — atenda às exigências fundamentais deste Plano Diretor;

(...)

VI — não for utilizada para a retenção especulativa de imóvel.

Art. 4º São objetivos deste Plano Diretor:

V — combater a especulação imobiliária;

(grifos nossos)

A respeito da especulação imobiliária, observe-se a leitura da seção 1.3 do presente trabalho.

Ainda no artigo 3º, o Plano prevê o respeito às diferenças entre as pessoas e os grupos sociais, de acordo com o Princípio da Equidade. A instituição das ZEIS contempla a finalidade desta disposição, uma vez que este instrumento possibilita o reconhecimento dos diversos tipos de ocupação na cidade, bem como a possibilidade do tratamento diferenciado a cada uma delas.

Diz ainda o PDPFOR que outro dos princípios fundamentais da política urbana é reduzir as desigualdades sociais, de acordo com os §5º e §6º do artigo 3º:

§ 5º O princípio da equidade será cumprido quando as diferenças entre as pessoas e os grupos sociais forem respeitadas e, na implementação da política urbana, todas as disposições legais forem interpretadas e aplicadas de forma a reduzir as desigualdades socioeconômicas no uso e na ocupação do solo do Município de Fortaleza, devendo atender aos seguintes objetivos:

§ 6º O Município deverá dispor de legislações, políticas públicas e programas específicos voltados para a redução da desigualdade social, que objetivem:

I — a garantia de condições dignas de habitabilidade para a população de baixa renda;

Enquanto objetivos elencados pelo Plano Diretor, além de combater a especulação imobiliária, o artigo 4º fala da ampliação da oferta de áreas para habitação de interesse social (VIII); da promoção de urbanização e regularização fundiária de áreas irregulares ocupadas por população de baixa renda (IX); da indução da utilização de imóveis não edificados, inutilizados ou subutilizados (X) e ainda da distribuição equitativa dos equipamentos sociais básicos (XI).

Nesta primeira parte do PDPFOR, são estabelecidas as diretrizes de acordo com as quais deve ser aplicado o Plano, guardando assim correlação direta com a aplicação das ZEIS, que também deve observar os objetivos e princípios dispostos no Plano Diretor.

A primeira vez em que as ZEIS são citadas expressamente no PDPFOR é no artigo 6º, in verbis:

Art. 6º São ações estratégicas prioritárias da política habitacional e de regularização fundiária:

VIII — instituir as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), segundo os critérios e procedimentos estabelecidos pelo Plano Diretor;

(grifo nosso)

Observa-se, assim, que a instituição das ZEIS é descrita como ação prioritária da política habitacional. A disposição expressa no artigo 6° pode e deve ser utilizada como cobrança ao Poder Público para a implementação do instituto às áreas que já foram previstas no Plano para serem ZEIS, bem como para as demais áreas que, no futuro, possam vir a ser Zonas Especiais. De acordo com este artigo, as ZEIS não são meramente um dos instrumentos possíveis de serem aplicados na ordem urbanística municipal. Pelo contrário: sua instituição trata-se de estratégia prioritária, e como tal deve ser cobrada e efetivada.

Ainda sobre as ZEIS em termos gerais, disposição importante é trazida no artigo 51:

Art. 51. São ações estratégicas da política de desenvolvimento econômico:

IV — desenvolver cooperativas sociais e arranjos de economia solidária para o segmento de pessoas em situação de desvantagem social, em especial nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS);

Esse artigo 51, em específico, lembra uma questão central no debate sobre as Zonas Especiais de Interesse Social, que é a importância da formulação de políticas públicas dentro das ZEIS. Ou seja, pouco adianta a previsão legislativa de uma ZEIS em determinada área e sua posterior implementação, por meio dos planos específicos que são necessários, se logo após isso o Poder Público esquece aquela ZEIS.

É preciso garantir que os moradores lá permaneçam, e isso só ocorre quando são criadas as condições para tanto. A exigência da infra-estrutura na área, por meio da presença dos serviços básicos como água, energia e saneamento, é indiscutível e prevista no Plano Diretor. A natureza, o conceito e a positivação das ZEIS determinam que, uma vez instituídas, o Poder Público é obrigado a instalar nelas os serviços essenciais, gerando a qualificação ou a requalificação urbana.

O que o artigo 51 aponta é que, para além da infra-estrutura, é necessário gerar e desenvolver alternativas de emprego e renda para a população, possibilitando a melhoria da qualidade de vida.

As ZEIS aparecem ainda no PDPFOR em vários outros dispositivos, a exemplo dos que abordam a macrozona de proteção ambiental em Fortaleza. A regularização fundiária das ZEIS, assim, é disposta como objetivo das Zonas de Recuperação Ambiental (ZRA), no artigo 68, V e das Zonas de Interesse Ambiental (ZIA), artigo 73, VII.

Para as ZEIS localizadas em alguma área da Macrozona Ambiental, aliás, o artigo 270, §3º, estipula que o plano integrado de regularização fundiária da ZEIS deve prever critérios e parâmetros que visem à proteção da área, em virtude da fragilidade ambiental. É necessário considerar, para estas áreas, a necessidade de redução das construções e taxas maiores de permeabilidade, conforme dispõe o §3º.

O PDPFOR determina que sejam aplicados às Zonas de Ocupação Preferencial 1 e 2 (ZOP 1 e ZOP 2), especialmente, alguns institutos, e dentre eles estão as ZEIS, nos artigos 82, XI e 86, XII, respectivamente. Quanto às Zonas de Ocupação Consolidas, no artigo 90, XI também está prevista a aplicação das ZEIS.

Nas Zonas de Requalificação Urbana (ZRU´s) há disposição acerca das ZEIS. Nos artigos 94, X e 98, X, respectivamente, as ZEIS estão também previstas para serem aplicadas.

Nas Zonas de Ocupação Moderada (ZOM) 1 e 2 da mesma forma, artigo 102, XII e 106, XII. Mesmo nas chamadas Zonas de Ocupação Restrita (ZOR), no artigo 110 do PDPFOR as ZEIS são trazidas como instrumentos a serem aplicados, no inciso V. Também nas Zonas de Orla (ZO), no artigo 121, X.

Assim, nas mais diversas grandes áreas estabelecidas pelo macrozoneamento municipal, como se pôde observar, as ZEIS estão sendo sempre citadas como instrumentos prioritários, dignas da maior atenção, não importando a macrozona em que estejam inseridas.

No plano diretor, as ZEIS são expressamente elencadas como instrumentos de regularização fundiária, conforme se observa do artigo 256, inciso VI, o que contempla as diretrizes urbanísticas municipais:

Art. 256. São instrumentos de regularização fundiária:

(...)

VI — zonas especiais de interesse social (ZEIS);

(grifo nosso)

As ZEIS podem e devem ser utilizadas como institutos que auxiliem a regularização fundiária das áreas de habitação popular, e a disposição expressa do artigo 256 é bastante importante neste sentido.

2.3.2 Seções dedicadas às ZEIS

A definição de ZEIS é feita no Plano Diretor no artigo 123, contemplando as características de que falamos acima, na seção 2.1. No citado artigo, as ZEIS são conceituadas e é dito que a sua destinação é a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda.

Art. 123. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo.

É importante destacar-se que existem três tipos de ZEIS, que são dispostas no artigo 124 como: ZEIS 1, ZEIS 2 e ZEIS 3, das quais falar-se-á amiúde posteriormente.

Acerca do mecanismo de instituição das ZEIS, este é previsto no artigo 125, que estabelece que a sua criação deve se dar por meio de lei municipal específica, conforme se observa:

Art. 125. A instituição de novas ZEIS 1, 2 e 3 deverá ser feita através de lei municipal específica, respeitando os critérios estabelecidos nesta Lei, considerando as demandas oriundas da comunidade.

§ 1º A iniciativa legislativa para o reconhecimento e instituição de novas ZEIS 1, 2 e 3 é do chefe do Poder Executivo Municipal, condicionada ao atendimento dos critérios estabelecidos nesta seção, podendo também ser objeto de iniciativa popular na forma da Lei Orgânica e legislação pertinente.

§ 2º A criação de novas ZEIS 1, 2 e 3 poderá ainda ser proposta por associações representativas dos vários segmentos da comunidade ou pelo proprietário da área, através de requerimento encaminhado ao órgão municipal competente.

§ 3º Aprovadas pelo órgão municipal competente, as propostas de novas delimitações das ZEIS 1, 2 e 3 serão encaminhadas para a Câmara Municipal, através de projeto de lei, com a respectiva delimitação de seus perímetros.

O interessante é que, apesar de somente a lei municipal específica poder instituir as ZEIS, a proposta poderá ser dada por associações ou pelo proprietário da área. Essa última, gerada pelo proprietário, poderia vir a ser uma destinação social dada para cumprimento da função social da propriedade, quando esta não esteja sendo respeitada. No entanto, compreende-se que a possibilidade desta hipótese ocorrer é bastante remota, tendo em vista os interesses individualistas dos proprietários que, podendo optar entre dar destinação social ou valorizar o terreno por meio da especulação, normalmente reproduzem a retenção especulativa do imóvel, conforme abordado no capítulo 1.

As ZEIS estabelecidas no PDPFOR são de 3 tipos, e o primeiro tipo trazido no Plano é a ZEIS de tipo 1. Estas podem ser definidas como áreas de ocupação de população de baixa renda, em que geralmente aquela se deu de forma desordenada. Normalmente ocorrem espontaneamente, mas nada obsta que a ocupação da área tenha sido organizada.

Art. 126. As Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1) são compostas por assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental.

Uma das características da ZEIS 1 é que os moradores encontram-se na irregularidade por não possuírem relação jurídica/legal com o dono do terreno. A ocupação se dá de forma abstraída das normas legais, e seus ocupantes chegaram nestes terrenos em virtude da necessidade de moradia e por não encontrarem outros locais onde habitar. Normalmente estes terrenos não possuíam destinação alguma, caracterizando descumprimento da função social da propriedade por conta do abandono do imóvel.

Outra característica das ZEIS de tipo 1 é a falta de infra-estrutura urbana. São áreas carentes do ponto de vista urbanístico, em que é comum a inexistência de serviços públicos básicos como esgotamento. Também se observa a falta de espaços públicos para convivência e lazer da comunidade. A carência habitacional também é visível na estrutura das habitações, normalmente constituída de barracos e casas de lona, em que a falta de ventilação e de banheiros é latente.

Por estes motivos, são destinadas à Regularização Fundiária, Urbanística e Ambiental. São exemplos de ZEIS 1 o Pirambu, o Serviluz e o Bom Jardim, conforme se observa do Mapa no Anexo B. O plano diretor aborda as ZEIS 1 nos artigos 126 a 128, onde são dispostos os objetivos da ZEIS 1 e os instrumentos que nela podem ser utilizados. Estas normas estão dispostas no Anexo A.

Já as ZEIS de tipo 2 englobam duas modalidades de assentamentos. Os primeiros são os loteamentos clandestinos e irregulares, constituindo amplos terrenos que são divididos em ruas e lotes, que desrespeitam a legislação e, por isto, têm impossibilitada a regularização. Por conta da irregularidade destes loteamentos, o acesso a eles é opção para as classes populares em virtude do preço mais baratos. Os casos mais comuns dessas áreas são loteamentos que formalmente existem, mas jamais foram efetivados, muitas vezes inexistindo inclusive arruamento e serviços básicos.

O segundo tipo de assentamento que compõe as ZEIS 2 é o conjunto habitacional, que pode ser público ou privado. São projetos de construção de casas que não foram feitos de acordo com a lei e precisam ser regularizados. Os dois tipos são destinados à Regularização Fundiária e Urbanística. Existe um número considerável de conjuntos habitacionais irregulares em Fortaleza, sendo contabilizados pelo HABITAFOR mais de 50 destes conjuntos construídos até a época da Gestão Juracy Magalhães.

São exemplos de ZEIS 2 os conjuntos habitacionais construídos pela Prefeitura, principalmente os de mutirão. Algumas destas ZEIS estão localizadas nos bairros Alagadiço Novo, Curió e Manoel Sátiro, conforme o Mapa constante no Anexo B. O PDPFOR aborda as ZEIS 2 nos artigos 129 a 131, constantes também do Anexo A.

Art. 129. As Zonas Especiais de Interesse Social 2 (ZEIS 2) são compostas por loteamentos clandestinos ou irregulares e conjuntos habitacionais, públicos ou privados, que estejam parcialmente urbanizados, ocupados por população de baixa renda, destinados à regularização fundiária e urbanística.

Os critérios de reconhecimento das áreas enquanto ZEIS 1 e 2 são elencados no artigo 132, que se segue:

Art. 132. São critérios para o reconhecimento de uma área como ZEIS 1 e 2:

I — ser a ocupação predominantemente de população de baixa renda;

II — estar a ocupação consolidada há, no mínimo, 5 (cinco) anos, contados até a publicação desta Lei;

III — ter uso predominantemente residencial;

IV — ser passível de regularização fundiária e urbanística, observado o disposto no art. 265 desta Lei.

§ 1º Considerar-se-ão como população de baixa renda as famílias com renda média não superior a 3 (três) salários mínimos.

§ 2º Fica vedado o remembramento de lotes, que resulte em área maior que 150 em ZEIS 1 e 2, para o uso residencial unifamiliar.

(grifos nossos)

Estes critérios foram bastante discutidos nas audiências públicas que deliberaram sobre o Novo PDPFOR. O inciso I foi o menos polêmico, tendo em vista a própria destinação social das ZEIS, determinando que as classes populares sejam prioritariamente beneficiadas por elas. Já o inciso II consistiu no maior absurdo positivado no artigo 132, uma vez que foi a criação de uma das maiores barreiras para o reconhecimento de ZEIS no futuro.

Segundo o inciso II, somente podem ser reconhecidas como ZEIS as áreas que estivessem ocupadas, de forma consolidada, a pelo menos 5 (cinco) anos da publicação da Lei do PPDU. Ou seja, se a lei foi publicada em 2009, somente poderia ser ZEIS a área que fosse de ocupação consolidada até 2004. As áreas que constituíssem ocupação consolidada de 2005 em diante, por exemplo, estariam impossibilitadas de serem ZEIS, ainda que cumprissem todos os demais requisitos para sê-lo.

Por este motivo, uma das principais bandeiras dos movimentos populares nesse momento foi pela retirada desse inciso da proposta, para que ele não fosse aprovado no Plano, por ser um verdadeiro despropósito, que não encontrava justificativa alguma que não fosse simplesmente limitar a instituição das ZEIS, o que correspondia ao interesse do mercado imobiliário. No entanto, apesar da pressão popular, este inciso passou na votação e foi incluído no projeto que foi aprovado e publicado.

Em virtude da pressão exercida contrariamente a este artigo, que continuou mesmo depois da aprovação do plano, ainda em abril de 2009, foi enviado pela Prefeitura de Fortaleza à Câmara Municipal projeto de lei complementar que emenda o Plano Diretor para a reforma do inciso II do artigo 132. A referida Lei Complementar foi aprovada em 22/04/2010, sendo, portanto, bastante recente.

A redação do artigo 132 no inciso II foi alterada por esta lei complementar, determinando que os 5 anos devem ser anteriores ao projeto de lei que institui a área como ZEIS, o que felizmente corrigiu o despropósito da redação anterior. Assim, se o projeto de lei que institui determina ZEIS for de 2012, é necessário que a ocupação esteja consolidada em 2008, no mínimo. O "período de consolidação" de uma ocupação, segundo esta disposição legal, é de 5 anos. Após este tempo é que pode a referida ocupação pleitear a inclusão como ZEIS.

O uso predominantemente residencial (art. 132, III) também é característico das ZEIS, não só no plano diretor de Fortaleza, mas também no de Recife. Entende-se que a expressão "predominantemente" deve ser entendida como regra que comporta exceções, como é bastante comum o comércio familiar dentro da própria residência. Compreende-se que esse tipo de comércio, que constitui muitas vezes a única fonte de renda da família, deve ser respeitado, uma vez que não caracteriza descumprimento do artigo 132.

Uma das proibições relevantes trazidas para as habitações incluídas em ZEIS é a constante do §2º do artigo 132, que é a proibição do remembramento de lotes. O remembramento é proibido no intuito de garantir a permanência das famílias nos lotes, evitando que o mercado imobiliário se insira dentro das ZEIS, adquirindo os lotes e alterando-os, conforme for do interesse do comprador. É das maiores preocupações do PDPFOR que a permanência seja estimulada, e que o mercado não entre nas ZEIS, pois isso faria subir o preço dos imóveis e fechar novamente o acesso das classes populares àquelas áreas.

A última e talvez mais importante das Zonas Especiais de Interesse Social é a ZEIS de tipo 3, pois constituem os chamados terrenos vazios. Apesar de vazios, esses terrenos normalmente são dotados de infra-estrutura (saneamento, água, asfaltamento, energia), e, no entanto, são descumpridores de sua função social. A instituição de ZEIS nestes terrenos possibilita que eles passem a cumprir a função social e sejam direcionados para a construção de habitação de interesse social.

O PDPFOR descreve as ZEIS 3 no artigo 133:

Art. 133. As Zonas Especiais de Interesse Social 3 – ZEIS 3 – são compostas de áreas dotadas de infra-estrutura, com concentração de terrenos não edificados ou imóveis subutilizados ou não utilizados, devendo ser destinadas à implementação de empreendimentos habitacionais de interesse social, bem como aos demais usos válidos para a Zona onde estiverem localizadas, a partir de elaboração de plano específico.

Assim, as ZEIS 3 são um mecanismo bastante interessante para que os imóveis vazios que não vêm sendo utilizados passem a ser destinados para a população de baixa renda, proporcionando a toda a população o acesso à moradia. É preciso a elaboração de um plano específico para cada uma dessas ZEIS. No Plano Diretor de Fortaleza são reconhecidas como ZEIS 3 áreas na Francisco Sá, na Praia do Futuro e no Papicu (vide Mapa no Anexo B).

Especificamente sobre as ZEIS 3 o PDPFOR traz os artigos 133 e 138, todos constantes do Anexo A desta monografia. Destacam-se, no entanto, as disposições dos seguintes artigos:

Art. 134. São objetivos das Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS 3):

I — ampliar a oferta de moradia para a população de baixa renda;

II — combater o déficit habitacional do Município;

III — induzir os proprietários de terrenos vazios a investir em programas habitacionais de interesse social.

(grifos nossos)

Observa-se que os objetivos das ZEIS 3 são um tanto diferentes dos objetivos das ZEIS 1 e 2, pois está prevista a indução do proprietário da área vazia a investir nos programas habitacionais. Dessa forma, combate-se tanto o número de imóveis vazios na cidade, o que é um combate direto à especulação imobiliária, quanto se obriga o proprietário a investir na área, com finalidade de auxiliar na efetivação do direito à moradia.

As ZEIS 3, diferentemente das ZEIS 1 e 2, não são voltadas para a regularização fundiária, pois nelas inexiste ocupação irregular. São áreas vazias que contraditoriamente são dotadas de toda a infra-estrutura urbana. Por conta destas características, o objetivo central destas ZEIS é prover moradia popular, determinando a obrigatoriedade de o Poder Público proporcionar essas construções seja por iniciativa pública ou por convênios com particulares.

As chamadas ZEIS de vazio servem para assegurar a destinação de terras bem localizadas e com infra-estrutura para as classes populares, no intuito da criação de uma reserva de mercado de terras para a habitação de interesse social. A instituição das ZEIS 3 amplia a oferta de terras urbanizadas e bem localizadas para a população de baixa renda, além de aumentar a capacidade de negociação da prefeitura com os proprietários de terras bem localizadas.

Outra observação acerca das normas especificamente sobre as ZEIS 3, é a nítida preocupação maior do PDPFOR em detalhar. O número de artigos, portanto, que discorrem sobre as ZEIS 3 é bem maior do que o das demais ZEIS, conforme se depreende da análise do Anexo A. A existência de um maior número de artigos não é surpresa, nem se dá ao acaso. Uma vez que com relação a elas se está interferindo de forma mais incisiva nas propriedades vazias na cidade, é interesse do mercado imobiliário que existam limitações maiores para a instituição da ZEIS 3. As referidas limitações serão abordadas logo a seguir.

O artigo 136 determina os critérios para estabelecimento de novas ZEIS 3:

Art. 136. São critérios para demarcação de novas ZEIS 3:

I — ser área dotada de infraestrutura urbana;

II — existência de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que permita a implantação de empreendimentos habitacionais de interesse social e de mercado popular;

III — não estar localizada em áreas de risco;

IV — estar integralmente localizada na macrozona de ocupação urbana.

Os incisos I e II são concernentes ao próprio conceito de ZEIS 3, qual seja de área vazia urbana dotada de infra-estrutura que permita a implantação de habitação popular, razão pela qual dispensam maiores comentários. Já o inciso III aponta que as ZEIS 3 não podem estar localizadas em áreas de risco, o que é ao mesmo tempo uma limitação e uma garantia. Limitação porque veda que sejam criadas ZEIS 3 em áreas de risco, e garantia porque, por meio do inciso III, se estabelece que o Poder Público não poderá buscar o caminho mais fácil, que normalmente foi de destinar para as classes populares somente as áreas socioambientalmente mais frágeis.

Compreende-se, assim, que o inciso III do artigo 136 é muito mais uma garantia para a população de que, ao ser estabelecida uma ZEIS 3, ela será dotada de segurança e infra-estrutura urbana. A exigência de infra-estrutura, aliás, é descrita no inciso I e, portanto, destinar uma área que não comportasse infra-estrutura – como é o caso da área de risco – já seria uma impossibilidade flagrante.

Ainda no artigo 136, o inciso IV diz que as ZEIS 3 devem estar totalmente dentro do perímetro da macrozona estipulada para ocupação urbana.

Em seguida, diz o artigo 137 que os empreendimentos habitacionais populares necessitam de parâmetros definidos por lei municipal específica. Novamente, trata-se de uma norma que pode ser entendida tanto como garantia, quanto limitação ou burocracia que irá impedir ou dificultar a instituição de novas ZEIS.

O artigo 138 traz o que anteriormente foi dito como sendo a limitação maior ao estabelecimento das ZEIS 3. Conforme o seu teor:

Art. 138. São inválidas e sem eficácia como áreas de Zona Especial de Interesse Social 3 (ZEIS 3) as áreas que, embora situadas dentro dos limites de ZEIS 3, sejam áreas de:

I — logradouros públicos (ruas, avenidas, praças e parques);

II — imóvel edificado com índice de aproveitamento igual ou maior que o índice de aproveitamento mínimo estabelecido para a Zona em que esteja inserido o imóvel.

Parágrafo único. A regulamentação das ZEIS especificará regras em imóveis situados nos alinhamentos de vias públicas que limitem hotéis, postos de combustível, depósitos de gasolina, depósitos de gás, depósitos de explosivos, depósitos de cimento, subestações rebaixadoras de tensão da COELCE, rotatórias de trânsito de veículos, pontes e viadutos e imóveis não edificados que não atendam aos critérios estabelecidos nesta Lei, para serem parte de ZEIS 3, incluídos os demarcadores descritos, respectivamente, nos mapas e anexos desta Lei.

(grifos nossos)

Este artigo criou uma série de limitações para a instituição de novas ZEIS 3, o que certamente não se deu por acaso, e sim por forte pressão dos setores imobiliários. Conforme se observa, diz o parágrafo único do artigo 138 que devem ser criadas regras específicas para as ZEIS 3 em áreas próximas a hotéis e postos de combustível, bem como vários tipos de depósitos, subestações de energia ou pontes e viadutos. O estabelecimento destes limites é, de forma clara, uma medida desarrazoada, pois pouquíssimas devem ser as áreas urbanas que não sejam vizinhas ou muito próximas de postos de combustível, hotéis, depósitos ou viadutos, por exemplo. O parágrafo único, desta forma, traz limites que diminuem sensivelmente as áreas possíveis de serem estabelecidas como ZEIS.

Ademais, as limitações não se justificam nem de forma ética nem legal. Ainda que se possa pensar que alguns dos itens são para segurança da própria ZEIS, como é o caso da restrição às ZEIS próximas de estações de energia e postos de combustíveis, não se pode esquecer que a elaboração destas normas está inserida no contexto de disputa do espaço urbano, de que falamos no capítulo 1.

Não se compreende porque não pode haver ZEIS 3 próximo a hotéis, por exemplo. A imposição desta limitação é do interesse unicamente do setor hoteleiro, para isolar os pobres da proximidade dos hotéis e tirá-los do campo de visão dos turistas, o que não se conforma de forma alguma com o interesse público existente no PDPFOR e na política habitacional municipal. O interesse particular, neste momento, sobrepôs-se ao interesse público, pois prevaleceu a vontade dos hotéis sobre a necessidade de moradia.

Houve forte disputa com relação a este artigo, e várias propostas de alterá-lo ou mesmo retirá-lo foram dadas pelo Campo Popular. No projeto de lei complementar enviado em 14/04/2009 para a Câmara Municipal de Fortaleza, a Prefeitura também propôs alteração a este artigo 138, segundo a Prefeitura para "garantir maior segurança para instalações de áreas de habitação popular". No entanto, a única alteração realizada neste artigo foi com relação ao inciso II, cuja redação passou a ser: "imóvel edificado com índice de aproveitamento igual ou maior que o índice de aproveitamento mínimo estabelecido para a Zona que esteja inserido o imóvel, exceto se o mesmo estiver desocupado e sem utilidade a mais de um ano."

Ou seja, não foi o artigo 138 alterado substancialmente, uma vez que mantém o parágrafo único com a redação original. Permanece, portanto, um dos piores dispositivos com relação à resolução da demanda por moradia da população, pois será com certeza um obstáculo para a efetivação das ZEIS.

Ainda com relação às disposições específicas sobre ZEIS, o Plano Diretor, no Capítulo X (Da regularização fundiária), estabelece em toda a Seção III um rol de dispositivos abordando os planos necessários para a efetiva regularização fundiária das áreas inseridas como ZEIS. A Seção III está integralmente disposta no Anexo B.

Art. 264. O Município promoverá a regularização fundiária nas Zonas Especiais de Interesse Social 1 e 2 – ZEIS 1 e 2, atendidas as exigências dos arts. 129 e 132.

O artigo 265 traz a disposição de que o loteador tem a obrigação de regularizar os terrenos, ainda que haja o reconhecimento como ZEIS, tratando-se de norma que autoriza a responsabilização do loteador que não proceda corretamente, como determina a legislação. O estabelecimento das ZEIS não pode servir de escusa para que o proprietário do loteamento continue praticando os atos ilícitos ou as omissões anteriores.

Art. 265. O reconhecimento como ZEIS de loteamentos irregulares ou clandestinos não eximirá os loteadores das obrigações e responsabilidades civis, administrativas e penais previstas em lei.

Parágrafo único. O Município, a partir da constatação da irregularidade ou clandestinidade, oficiará ao Ministério Público, a fim de que seja apurada a responsabilidade penal dos infratores.

Já o artigo 266 traz expressamente quais são as áreas em que não pode ser realizada regularização fundiária e urbanística, caso elas estejam integralmente localizadas, por exemplo: em pontes e viadutos (inciso I); sob redes de alta tensão (inciso III); em Zonas de Preservação Ambiental – ZPA (inciso V) ou áreas de risco (inciso VI).

Estas limitações se dão em virtude de impossibilidades materiais, vez que não se pode regularizar uma área de risco, por exemplo, em que sazonalmente as casas são inundadas por algum rio. Muitas vezes, em virtude da própria vulnerabilidade das áreas, o mais acertado a fazer é o Poder Público dialogar com a comunidade residente, pensando conjuntamente quais seriam as melhores alternativas para aquela situação. Se realmente inexistir possibilidade de solução, há casos em que o recomendável é a remoção, mas ressaltando-se a responsabilidade governamental de realocação imediata das famílias em áreas estruturadas e próximas aonde elas residiam anteriormente.

A este respeito, a garantia de que, em caso de remoção, esta se dará prioritariamente para áreas próximas está nos artigos 5º e 277 do Plano Diretor:

Art. 5º São diretrizes da política de habitação e regularização fundiária:

(...)

XVI — garantia de alternativas habitacionais para a população removida das áreas de risco ou decorrentes de programas de recuperação e preservação ambiental e intervenções urbanísticas, com a participação das famílias na tomada de decisões e reassentamento prioritário em locais próximos às áreas de origem do assentamento.

Art. 277. As famílias que ocupam imóveis localizados em áreas de risco e Zona de Preservação Ambiental (ZPA), situados dentro das ZEIS 1 e 2, serão reassentadas, preferencialmente, em local próximo à área anteriormente ocupada, necessariamente dotada de infra-estrutura urbana, garantido o direito à moradia digna.

(grifo nosso)

Em continuidade ao que dispõe o PDPFOR sobre os planos necessários para a regularização urbanística das ZEIS, estabelece o artigo 267:

Art. 267. Para as Zonas Especiais de Interesse Social 1 e 2 – ZEIS 1 e 2 – será elaborado um plano integrado de regularização fundiária, entendido como um conjunto de ações integradas que visam ao desenvolvimento global da área, elaborado em parceria entre o Município e os ocupantes da área, abrangendo aspectos urbanísticos, socioeconômicos, de infra-estrutura, jurídicos, ambientais e de mobilidade e acessibilidade urbana.

(grifo nosso)

Este plano integrado de regularização fundiária, conforme é disposto no PDPFOR, deve corresponder a um conjunto de intervenções públicas ordenadas (integradas) com a finalidade de regularizar as áreas previstas como ZEIS. É importante frisar-se que a integração é intuito maior deste plano, tendo como objetivo evitar as ações desordenadas e pontuais do Poder Público, muitas vezes em completa falta de diálogo das ações estaduais e municipais, por exemplo.

A falta de integração ocorre muitas vezes entre órgãos da própria Prefeitura, em virtude de não serem pensadas ações conjuntas, mesmo por órgãos que não se concebe trabalharem isoladamente. Foi para evitar este tipo de equívoco que o Plano Diretor foi bastante expresso, determinando a elaboração do plano integrado de regularização fundiária.

A natureza do plano integrado de regularização fundiária é múltipla, podendo se reconhecer os vieses vários deste instrumento: jurídico, urbanístico, sócio-ambiental, econômico e territorial. O objetivo do plano integrado é promover as intervenções urbanísticas, jurídicas e sócio-ambientais necessárias de forma integrada, visando à melhoria do ambiente urbano, à regularização fundiária e à ampliação da cidadania e da qualidade de vida dos habitantes das ZEIS.

O artigo 268 é um dos mais relevantes desta Seção, vez que dispõe sobre os Conselhos Gestores, conforme se observa:

Art. 268. Deverão ser constituídos, em todas as ZEIS 1 e 2, Conselhos Gestores compostos por representantes dos atuais moradores e do Município, que deverão participar de todas as etapas de elaboração, implementação e monitoramento dos planos integrados de regularização fundiária.

A participação popular é uma das diretrizes determinadas pelo PDPFOR para o plano integrado de regularização fundiária. Compreende-se que a existência destes conselhos será crucial para fomentar a participação das pessoas na gestão das ZEIS, mas uma enorme dificuldade se apresenta com relação a isto: o PDPFOR não dispôs como se dará a instituição dos Conselhos. Ao contrário, por meio do parágrafo único do artigo 268, disse que as atribuições, as formas de funcionamento e os modos de representação da comunidade e do governo deverão ser estabelecidos por meio de decreto municipal. Conforme veremos, a não regulamentação desta questão pelo PDPFOR pode configurar um dos grandes obstáculos para a efetivação das ZEIS.

As diretrizes do plano integrado são dispostas no artigo 269, e é de vital importância que elas sejam observadas, para a correta criação e manutenção das ZEIS:

Art. 269. São diretrizes dos planos integrados de regularização fundiária:

I — a integração dos assentamentos informais à cidade formal;

II — a integração do traçado viário das ZEIS com o sistema viário do seu entorno;

III — a inclusão social, com atenção especial aos grupos sociais vulneráveis;

IV — a promoção do desenvolvimento humano e comunitário, com a redução das desigualdades de renda e respeito à diversidade de gênero, orientação sexual, raça, idade e condição física;

V — a articulação das políticas públicas para a promoção humana;

VI — a qualidade ambiental dos assentamentos;

VII — o controle do uso e ocupação do solo;

VIII — o planejamento e a gestão democráticos, com efetiva participação da população diretamente beneficiária;

IX — o respeito à cultura local e às características de cada assentamento na definição das intervenções específicas.

(grifos nossos)

O plano integrado deve, desta forma, visar à integração dos assentamentos informais à urbe e à articulação das políticas públicas, conforme explanado anteriormente. Não se olvide ainda que uma das diretrizes nucleares é a inclusão social e o desenvolvimento humano das comunidades habitantes das ZEIS, tendo em vista que o maior objetivo das Zonas Especiais de Interesse Social é promover a dignidade e a melhoria de vida das pessoas, no intuito da redução das desigualdades sociais, não sendo este um instrumento urbanístico formalista, que se preocupa apenas com parâmetros técnicos sobre a cidade.

Uma diretriz das mais importantes é prevista no inciso VIII (art. 269), qual seja a participação e a gestão democrática do plano integrado, que deve ser exercida com a instituição dos Conselhos Gestores, a respeito dos quais se falou acima. É importantíssimo que estes Conselhos cheguem a existir, contando com forte representatividade da comunidade local. É necessário que os Conselhos se reúnam e sejam atuantes, instigando a população a participar e cobrar a efetivação das disposições do plano integrado. Ainda sobre os Conselhos Gestores, o artigo 270, §1º também afirma que o plano integrado de regularização fundiária deve ser elaborado com efetiva participação da população envolvida.

O plano integrado de regularização fundiária deve atender às demandas da região por infra-estrutura e equipamentos sociais dentro das ZEIS, de acordo com o que se depreende do artigo 272 do PDPFOR. Para atender estas demandas, o Plano Diretor aponta que o plano integrado deve conter, no mínimo (art. 272):

I — a identificação de imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados, em especial aqueles com potencial para o uso habitacional;

II — o mapeamento das áreas não passíveis de ocupação, a fim de evitar futuras situações de risco e de baixa qualidade ambiental para a população residente das ZEIS;

III — os projetos e as intervenções de caráter urbanístico necessários à recuperação física da área e à promoção da qualidade ambiental para a população residente em conformidade com o diagnóstico produzido previamente e com as demandas comunitárias;

IV — projetos de provisão habitacional, caso seja necessário, com definição dos beneficiários e área de implantação, que deverá, prioritariamente, integrar o perímetro da ZEIS ou estar localizada em área próxima;

V — ações de acompanhamento social durante o período de implantação das intervenções.

O cumprimento destes requisitos mínimos estipulados no artigo 272 é essencial para que seja possível a regularização fundiária e urbanística das ZEIS, que corresponde a um dos anseios maiores da população destas áreas. O mapeamento das áreas (inciso II) e a identificação dos imóveis não edificados ou subutilizados (inciso I), por exemplo, é vital para o conhecimento amiúde das áreas, visando à elaboração de medidas compatíveis com cada realidade local.

É imprescindível também que haja no plano integrado de regularização fundiária a previsão dos projetos e intervenções necessárias para a qualificação das áreas (inciso III do artigo 272), e que estes projetos estejam em consonância com as demandas apresentadas pela comunidade.

Além dos requisitos mínimos elencados no artigo 272, o inciso I do artigo 270 aponta como conteúdo essencial ao plano integrado: o diagnóstico da realidade local, contendo análises físico-ambiental, urbanística e fundiária; o mapeamento das áreas de risco e das demandas da comunidade; a identificação dos serviços e equipamentos públicos, bem como da infra-estrutura local; e a caracterização socioeconômica da população.

Compreende-se, desta forma, que o objetivo central do plano integrado é dispor sobre as especificidades de cada ZEIS, possibilitando o conhecimento esmiuçado da situação infra-estrutural, bem como dos problemas experimentados por aquela região. Tanto é assim que a descrição da situação local é requisito mínimo para o plano, bem como os projetos apontados como solucionadores dos problemas locais, e há a necessidade expressa de que estes projetos estejam em consonância com as demandas da comunidade.

No plano integrado de regularização fundiária deve haver ainda a normatização especial de parcelamento, edificação, uso e ocupação do solo (inciso II, artigo 270). Essa normatização especial é disposta no artigo 271 do plano diretor, onde é dito que ela precisa conter:

I — as diretrizes para a definição de índices e parâmetros urbanísticos específicos para o parcelamento, edificação, uso e ocupação do solo;

II — a definição dos índices de controle urbanístico para parcelamento, edificação, uso e ocupação do solo, de acordo com as diretrizes previamente estabelecidas;

III — a definição do lote padrão e, para os novos parcelamentos, as áreas mínimas e máximas dos lotes;

IV — as regras relativas ao remembramento de lote;

V — os tipos de uso compatíveis com o residencial e os percentuais permitidos dentro da ZEIS.

Essa normatização especial é da própria natureza das ZEIS, tendo em vista que é por meio dela que serão reconhecidos os parâmetros urbanísticos próprios de cada ZEIS. Deve ser definido o tamanho do lote padrão, bem como a área mínima e máxima para cada lote. O ordenamento do uso e ocupação do solo corresponde à definição de quais atividades e usos são compatíveis com cada área das ZEIS, e quais os percentuais permitidos dentro delas. Deve ainda ser estipulado a respeito do remembramento de lotes, e sobre o parcelamento e edificação do solo.

O PDPFOR dispõe sobre a possibilidade de o plano integrado de regularização fundiária abranger mais de uma ZEIS, mas para tanto é obrigatória a participação dos Conselhos Gestores e das populações de ambas as áreas envolvidas (artigo 270, §2º).

O plano integrado, na verdade, congrega a existência de vários outros planos, que são mais concernentes a assuntos mais específicos. Estes outros planos estão dispostos no artigo 270, e são: plano de urbanização (inciso III); plano de regularização fundiária (IV); plano de geração de trabalho e renda (V) e plano de participação comunitária e desenvolvimento social (VI).

Diz o PDPFOR no artigo 273 que o plano de regularização fundiária (artigo 270, IV) visa à legalização das ocupações existentes de forma irregular para melhorar o ambiente urbano e resgatar a cidadania daquela população. Este plano deve contar com, pelo menos: os procedimentos e instrumentos jurídicos aplicáveis para a regularização fundiária (inciso I) e ações de acompanhamento social durante o período de implantação das intervenções (inciso II).

Já o plano de geração de trabalho e renda, disposto no artigo 274:

Art. 274. O plano de geração de trabalho e renda poderá ser constituído de:

I — projetos de capacitação e aperfeiçoamento técnico;

II — ações de aproveitamento da mão-de-obra local nas intervenções previstas para a ZEIS;

III — fomento para o desenvolvimento de cooperativas, incluindo capacitações de gestão de empreendimentos e programas de créditos;

IV — ações voltadas para a formação de redes e parcerias entre os atores públicos e privados que atuam na ZEIS;

V — programas de créditos especiais para projetos individuais ou coletivos de socioeconomia solidária.

Impende destacar que o rol disposto no artigo 274 é meramente exemplificativo, sendo nítido que os incisos nele constantes são possibilidades, pois o caput anuncia que o plano "poderá ser" constituído daquelas hipóteses. Estas possibilidades são sugestões da legislação, que podem muito bem ser utilizadas genericamente para as ZEIS, mas é importantíssimo que sejam consideradas as especificidades de cada ZEIS para quem sejam formuladas as diretrizes e ações que mais sejam efetivas em cada situação.

Para cumprimento dos objetivos das ZEIS é necessário que a população residente na área não seja forçada a sair por algum motivo exterior futuro, que pode ser a pressão do mercado imobiliário querendo adentrar nas ZEIS (após as melhorias urbanísticas realizadas pelo Poder Público), ou alguma impossibilidade que se apresente para as famílias não conseguirem se manter no local. Uma impossibilidade concreta pode ser a falta de emprego próximo às ZEIS, que acabe forçando a família a se mudar para outra área. Dessa forma, a instituição do plano de geração de emprego e renda vem no intuito de efetivar o objetivo das ZEIS de gerar melhoria urbana e cidadania para os residentes na área.

É preciso bem mais que criar a ZEIS por meio de uma lei específica, de acordo com o que se observa das próprias disposições do PDPFOR. Há a necessidade de gerar condições para que os ocupantes permaneçam nas ZEIS, caso contrário este instrumento será fadado ao insucesso. É necessário atentar para o fato de que a regularização fundiária e urbanística, ou seja, a legalização, trará também ônus para a comunidade. Os gastos para as famílias irão crescer, ou devido aos impostos, ou por contas que, na ilegalidade, elas não pagavam (energia e água).

Há quem fale nos "custos da legalidade", e observa-se que, de fato, é preciso que se pense a redução dos impactos destes custos para as áreas de ZEIS, justamente para manter a comunidade no local. Pensar-se um IPTU diferenciado para as ZEIS (se os imóveis já não forem beneficiados pela isenção, por exemplo), a priori parece uma boa alternativa. Bem como a criação de taxas diferenciadas para serviços como água e energia. Com relação à energia, pelo menos, boa parte das famílias é isenta por ser consumidora de baixos níveis de energia.

A existência de um plano de geração de emprego e renda também é apontada como forte potencial de manutenção da população na área, mas para tanto é preciso que o plano seja bem estruturado e, o que é mais importante, cumprido de forma eficaz.

O último plano específico trazido para as ZEIS, componente ainda do plano integrado de regularização fundiária, é o plano de participação comunitária e desenvolvimento social. Este plano novamente reforça a importância da participação da população local em todas as etapas de instituição e desenvolvimento das ZEIS:

Art. 275. O plano de participação comunitária e desenvolvimento social será elaborado de forma a garantir a integração com as intervenções previstas nos demais planos, com o fim de promover a eficaz participação popular em todas as etapas de desenvolvimento da ZEIS.

Parágrafo único. A comunidade será capacitada, além dos temas pertinentes ao processo de regularização fundiária, nas temáticas de educação ambiental e temas afins.

Após a análise dos planos componentes do plano integrado de regularização fundiária, e uma vez que este último constitui uma exigência para a efetivação das ZEIS, a pergunta que se coloca é: qual o tempo mínimo necessário para a elaboração de todos estes planos? Parece-nos que a chance de que o procedimento de elaboração dos planos demore é bastante alta, sobretudo porque é preciso ainda prever a forma dos Conselhos Gestores e implantá-los em cada ZEIS, pois os Conselhos devem acompanhar toda a fase de elaboração e cumprimento dos planos.

Em um primeiro momento, poder-se-ia pensar que é mais interessante iniciar as obras das ZEIS sem aguardar a elaboração dos planos, mas é bastante temerário esse pensamento. Se as obras e os projetos forem iniciados sem que sejam estabelecidos as diretrizes e as especificidades de cada ZEIS, dificilmente as obras serão soluções para os problemas das áreas. A chance de equívocos é bem maior, e ainda existirá o vício da falta de participação popular, o que é gravíssimo em se tratando das ZEIS, instrumento criado para viabilizar moradia popular.

Ressalta-se a importância dos planos, por compreender que eles, antes de serem burocracia ou impedimento, são garantias que as ZEIS terão de que suas especificidades serão respeitadas. Garantias ainda de que as deliberações do Conselho Gestor devem ser seguidas, ou seja, que a voz da comunidade seja ouvida. Garantia, além do mais, de que o Poder Público não pode alterar unilateralmente as diretrizes urbanísticas das ZEIS, nem retirar a população de lá ou construir grandes obras viárias à revelia da população.

Por mais que, em um primeiro momento, o plano integrado de regularização fundiária possa parecer uma grande dificuldade, é necessário que se compreenda que a grande garantia das ZEIS será esta, se conseguir elaborar os planos com brevidade e ampla participação popular. Daí que se diga que é perigoso as comunidades abrirem mão dos planos, ainda que sob o discurso de barganha da Administração, de que "melhor é fazer logo".

De uma forma geral, estes são os dispositivos sobre as ZEIS trazidos pelo novo Plano Diretor, mas reitera-se que este é o discurso legal. Como se sabe, na maioria das vezes a distância entre o discurso e a realidade é enorme, e existem vários obstáculos para a efetivação das ZEIS na cidade de Fortaleza. Sobre os presentes e os possíveis futuros obstáculos, falar-se-á no capítulo 3.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Marília Passos Apoliano Gomes

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Marília Passos Apoliano. Da possibilidade de efetivação do direito fundamental à moradia por meio das Zonas Especiais de Interesse Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2598, 12 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17112. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos