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Da possibilidade de efetivação do direito fundamental à moradia por meio das Zonas Especiais de Interesse Social

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A especulação imobiliária é um dos obstáculos à efetivação do direito à moradia. O novo Plano Diretor de Fortaleza apresenta o conceito de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).

RESUMO

Analisa em que consiste o Direito à Moradia, e perquire acerca da problemática urbana que interfere na sua não-efetivação nas cidades brasileiras. Aborda a ilicitude da especulação imobiliária, prática que consiste em um dos obstáculos para a efetivação do direito à moradia. Como possível instrumento para a efetivação deste direito, as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – são objeto central deste trabalho. É apresentado o conceito deste instrumento, sua origem histórica e a disposição que o novo Plano Diretor de Fortaleza traz acerca destas Zonas Especiais. Após a análise do que traz a lei, é discutida a situação atual das ZEIS, bem como alguns dos possíveis obstáculos à sua implementação.

Palavras-chave: Direito à Moradia; Plano Diretor; Zonas Especiais de Interesse Social.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA. 1.1 A Questão Urbana. 1.2 O que é o Direito Fundamental à Moradia?. 1.2.1 Breves considerações acerca dos Direitos Humanos. 1.2.2 Conteúdo material do Direito Fundamental à Moradia. 1.2.3 O importante papel do Poder Judiciário no Brasil. 1.3 O problema da segregação sócio-espacial como produtor da ilegalidade urbana. 1.3.1 A especulação imobiliária como obstáculo à efetivação do direito à moradia. 2 ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL. 2.1 Conceito e caracterização das ZEIS. 2.1.1 Contexto em Fortaleza. 2.1.2 A experiência do Lagamar. 2.1.3 Como as ZEIS podem realmente contribuir para a efetivação do direito à moradia? .2.2 Breve relato da experiência de Recife. 2.3 O novo Plano Diretor Participativo de Fortaleza e as ZEIS. 2.3.2. A IMPLEMENTAÇÃO DAS ZEIS E OS OBSTÁCULOS À EFETIVAÇÃO 3.DO DIREITO À MORADIA. 3.1. Medidas Urbanísticas em Fortaleza. 3.2 Possíveis obstáculos à implementação das ZEIS. 3.3 O risco de impacto das grandes obras. 3.3.1 O Estaleiro. 3.3.1.1 A divergência inicial dos posicionamentos do Governo do Estado e da Prefeitura de Fortaleza. 3.3.1.2 A opinião dos técnicos e estudiosos da área. 3.3.1.3 A resistência do Serviluz e as audiências públicas. 3.3.1.4 A mudança de postura da Prefeitura de Fortaleza e um novo impasse. 3.3.2 A Copa de 2014. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. ANEXO A. ANEXO B.


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objeto as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS [01], e as contribuições que este instrumento pode dar para a efetivação do direito à moradia, que no Brasil é um dos mais desrespeitados e constitui um dos direitos fundamentais sem os quais é impossível que se possa viver com dignidade. Além disso, o direito à moradia está relacionado diretamente com outros direitos também fundamentais, razão pela qual a sua negativa normalmente implica a de vários outros direitos, aprofundando assim a situação de extrema pobreza em que vivem milhares de pessoas em Fortaleza.

Observa-se que de acordo com a legislação brasileira, em especial a Constituição Federal de 1988, há um direito de igualdade genérico segundo o qual "todos são iguais perante a lei". Entende-se que essa propalada igualdade nos termos da Constituição deve ser sobretudo uma isonomia de possibilidades, garantindo-se minimamente que aos brasileiros em geral sejam dadas iguais chances de estudar, trabalhar e morar, por exemplo.

Muito embora, segundo a Constituição, todos tenham direito à saúde, moradia, trabalho, educação, lazer - dentre outros -, a grande maioria da população nacional sofre da ausência dos elementos mínimos necessários para sua própria subsistência. Não é difícil perceber o descompasso da legislação com a realidade brasileira em um contexto de desigualdade social gritante, principalmente no que diz respeito ao direito à moradia.

No contexto da cidade, muito se tem dito que a maior parte dos problemas decorre de uma falta de planejamento urbano, ou mesmo da completa ausência estatal. Não se nega que este é um dos fatores relevantes – o absenteísmo do Estado -, mas neste trabalho se pretende analisar que as origens e as razões desta ausência e ineficiência das políticas públicas vão muito além de simples inércia dos governantes.

O mercado imobiliário e os interesses privados têm um poder muito forte na correlação de forças exercida na disputa pelo espaço urbano. O modelo de desenvolvimento excludente, individualista, patrimonialista – que se diz "desenvolvimentista" e põe índices de crescimento puramente econômicos acima do desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas – é um dos maiores obstáculos à real efetivação de direitos fundamentais por parte da maioria da população na cidade. Um dos reflexos mais visíveis deste modelo de desenvolvimento, no contexto da cidade, é a especulação imobiliária, da qual falaremos amiúde neste trabalho.

A concretização do direito à moradia constitui uma garantia básica para que se possa viver de forma digna. O direito à moradia, é importante que se diga, não expressa apenas a necessidade de um teto para se morar, de uma casa simplesmente. O abrigo seguro, em condições de saúde e habitabilidade adequadas é um dos pontos centrais inseridos neste direito, mas não é o único.

Diante da mais basilar noção do que seja este direito, facilmente se conclui que é abissal a distância entre o discurso legal e a realidade nas cidades. Apesar da notoriedade deste descompasso e da relevância do tema, poucos são os estudos que a Academia produz sobre o direito à moradia, sobretudo em nível de graduação. A necessidade de produção de conhecimento acerca da temática é inegável, sobretudo um conhecimento que não se pretenda isolado da realidade social ou que se apresente como supostamente neutro.

O tema sobre o qual discorrerá o presente trabalho revela sua importância por ser o direito à moradia uma garantia essencial para o respeito à dignidade da pessoa humana e também por guardar relação com outros direitos fundamentais que via de regra são desrespeitados em virtude da não-efetivação do direito à moradia.

Dessa forma, as contribuições a que se pretende este trabalho consistem na reflexão acerca da necessidade premente de efetivação do direito à moradia; na instigação a que o Direito seja visto como fenômeno social que é, importante instrumento para manutenção ou alteração das estruturas sociais; bem como a produção de conhecimento crítico sobre o que podem realmente alterar na problemática urbana os novos instrumentos urbanísticos a exemplo das Zonas Especiais de Interesse Social.

A realização do trabalho se deu por meio de levantamento bibliográfico de obras relacionadas ao direito à moradia e o urbanismo no Brasil, em especial alguns estudos recentes sobre a cidade de Fortaleza, realizados pelo Observatório das Metrópoles. Além da metodologia bibliográfica, utilizou-se como referência a recente legislação urbanística municipal em Fortaleza, para estudar de forma esmiuçada as ZEIS.

No primeiro capítulo, foi feito um sinótico panorama sobre a Questão Urbana brasileira, e em seguida foi apresentado o direito à moradia, sua conceituação e as normas que o instituem e regulamentam, tanto em âmbito internacional quanto nacional. Ainda neste capítulo discorreu-se sobre a segregação sócio-espacial observada nas cidades em virtude da atuação da especulação imobiliária, por compreender-se que a especulação é um dos obstáculos centrais à efetivação do direito à moradia no Brasil.

No segundo capítulo, foram abordadas a importância do planejamento urbanístico e a inovação do instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS, sua origem histórica e sua significação. Neste capítulo estudou-se de forma detalhada o que o Novo Plano Diretor dispôs com relação às ZEIS, expondo os avanços à legislação e ainda tecendo algumas críticas com relação aos retrocessos.

No terceiro e último capítulo deste trabalho foi feito um breve histórico do urbanismo em Fortaleza, bem como foram expostos alguns possíveis obstáculos à implementação das ZEIS. Por derradeiro, foi dado enfoque sobre os possíveis impactos negativos de duas das grandes obras previstas para serem realizadas em Fortaleza, quais sejam: o Estaleiro e as intervenções para a Copa de 2014.


1.O DIREITO À MORADIA

1.1.A Questão Urbana

Na análise a que se pretende este trabalho monográfico, qual seja a de compreender a realidade de efetivação ou não do direito à moradia, é primordial que se entenda as origens da problemática habitacional das cidades brasileiras.

Neste contexto, é preciso considerar fatores como: o crescimento acelerado e desorganizado das cidades; as desigualdades sociais, econômicas e políticas existentes entre as classes sociais; e a insuficiência de políticas públicas que tenham por finalidade a diminuição destas desigualdades e o fornecimento de moradia adequada para boa parte da população brasileira, impossibilitada de acessar o mercado formal de habitação.

Inicialmente, parte-se do pressuposto de que é impossível se pensar e analisar a questão da moradia nas cidades sem compreender o que seja a chamada Questão Urbana, esclarecendo que não é pretensão desta monografia esgotar o tema.

Impende destacar que por "questão" se entende um problema de dimensão prática e teórica para o qual a busca por uma solução é premente, pois, diante da continuação daquele problema, é impossível a manutenção da existência nas mesmas bases em que ela se dava anteriormente. Conforme nos lembra Pádua (1988), trata-se de um problema de tal modo crucial que inviabiliza qualquer tentativa de recusa ao enfrentamento.

Assim, a Questão Urbana assume uma importância central nos dias atuais, tendo em vista que não se nos afigura possível ignorar os dilemas e as perguntas acerca da problemática urbana que clamam por soluções profundas, a exemplo da questão habitacional no Brasil.

Um dos principais fatores em cena na Questão Urbana é a chamada urbanização, que hodiernamente se observa em âmbito mundial. Urbanização, segundo define Silva (2006, p. 26), é "o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana."

A realidade da concentração de grandes contingentes populacionais nas áreas urbanas é um acontecimento complexo, com causas variadas e que acarreta uma série de problemas sociais. Os motivos que levam à urbanização e ao pico populacional das grandes cidades são diversos, destacadamente as migrações decorrentes do êxodo rural e da busca de emprego e melhores condições de vida por parte de pessoas oriundas do campo, mas não são as únicas variáveis a serem consideradas.

Além da expulsão das populações do campo por motivos sócio-econômicos (a concentração de terras, por exemplo) e também climáticos (as secas, no caso do Ceará), a industrialização e a implantação de ferrovias e rodovias como facilitador do contato entre as regiões podem ser apontados como fatores que favoreceram a urbanização no Brasil. Impende destacar que a atração que exercem as "cidades grandes" a exemplo de Fortaleza muitas vezes se deve à ausência de dinamismo nos núcleos do interior.

Apesar da importância de maior detalhamento acerca dos fatores que levaram à urbanização, sobretudo em Fortaleza, esclarecemos que estes fatores, per si, em virtude do espaço limitado desta pesquisa, não serão objeto central do presente trabalho. No entanto, apesar deste estudo não se deter nas causas da urbanização, é importante compreender a sua dimensão.

Destacam-se os esclarecimentos de Milton Santos acerca desta mudança da configuração habitacional em termos mundiais. Conforme o célebre geógrafo, em seu livro "Metamorfoses do espaço habitado":

A aceleração da expansão demográfica é cumulativa. Entre a época neolítica, quando houve a grande revolução que gerou o homo sapiens, até os inícios da cristandade, um período que se conta em milênios (três? cinco?), a população do planeta apenas dobra, passando de cem ou 120 milhões a 250 milhões de habitantes. Para que a população dobrasse outra vez, foram necessários quase quinze séculos, entre a época romana e o reinado de Luís XIV, quando os efetivos humanos somavam quinhentos milhões, para alcançar 545 milhões em 1750. (...). Desde a fase em que Bismarck e Cavour constroem a unidade da Alemanha e da Itália até o fim da Segunda Guerra, a população mundial duplica de novo, chegando a dois bilhões e quatrocentos milhões em 1950. Daí para cá, a aceleração se torna prodigiosa. Quinze anos depois, em 1965, contamos três bilhões e meio de criaturas sobre a face da terra. Somos, hoje, quase cinco bilhões e admite-se que na virada do século a sociedade humana estará formada por quase seis bilhões e quinhentos milhões de viventes. (SANTOS, 2008, p. 35)

As expectativas numéricas estavam corretas. Dessa forma, observa-se que a população mundial vem crescendo em números espantosos, e a concentração urbana é uma realidade paralela a esta. De fato a população mundial já ultrapassou o número de 6 bilhões prognosticados por Milton Santos. Ainda segundo ele, a porcentagem da população urbana mundial no início do século XIX era por volta de 1,7%. Já em 1950, o percentual era de 21%. Apenas dez anos depois, em 1960, o número era de 25% e em 1980 alcançou 45%.

A realidade brasileira segue essa tendência e pode-se constatar esse dado, por exemplo, observando-se que a população urbana no Brasil em 1940 era de 31% e em 2000 passou para 81,2%. Ou seja, em 60 anos, o percentual de pessoas vivendo em cidades mais que duplicou, quase triplicou. Uma mudança vertiginosa e, consideradas as realidades históricas, num espaço de tempo muito curto. E, é claro, este crescimento dificilmente foi acompanhado do correto planejamento urbano, na tentativa de evitar as grandes desigualdades e as mazelas sociais.

Já Fortaleza, entre os anos 1940 e 1950, cresceu em contingente populacional o percentual de 49,9%. Na década seguinte, o crescimento foi ainda maior, acima de 90%. Dessa forma, a população fortalezense quase dobrou nos anos 50. Este crescimento em específico de Fortaleza não se deveu a nenhum pico industrial, que geralmente foi fator importante na urbanização de outros grandes municípios brasileiros.

Na verdade, a urbanização em Fortaleza esteve bastante relacionada ao êxodo rural provocado pelas secas no interior do estado. Bessa (2003) aponta que a todo grave período de seca no Ceará seguiu-se um aumento significativo do êxodo rural para Fortaleza, fator que influenciou diretamente o aumento das ocupações ilegais na capital.

Houve um salto populacional urbano, e em poucas décadas a população brasileira mudou vertiginosamente de predominância rural para urbana. Este configurou, conforme assevera Rolnik (2007), um dos movimentos sócio-territoriais mais rápidos e intensos da história da humanidade. A face mais cruel deste crescimento é que ele ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano que, de acordo com a autora, privou as classes de menor renda da urbanidade, ou seja, da inserção efetiva na cidade.

A autora aponta ainda que o referido modelo de urbanização brasileiro além de excludente foi também concentrador: 60% da população urbana vive em 224 municípios com mais de 100 mil habitantes, dos quais 94 pertencem a aglomerados urbanos e regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes.

Sobre a concentração do crescimento urbano em algumas cidades específicas, sabe-se que em geral a urbanização se dá de forma mais expressiva ainda nas áreas que já correspondem às maiores cidades. Comprovando tal realidade, Pequeno (2009) verifica a situação de macrocefalia da Região Metropolitana de Fortaleza - RMF: dos 184 municípios, apenas 6 apresentam população superior a 100 mil habitantes, e três destes são da RMF, quais sejam Fortaleza, Caucaia e Maracanaú. Somente Fortaleza concentra 71% do total da população da RMF, o que demonstra a concentração a que se referiram Rolnik e Pequeno.

Neste sentido, na maioria das cidades brasileiras, o que se observou foi um crescimento acelerado e sem contrapartida dos governos, que pouco ou nada fizeram para garantir que, paralelamente à urbanização acelerada, fossem tomadas medidas que amenizassem os impactos deste supercrescimento.

Conforme dados do IBGE de 2007, no Brasil cerca de 17 milhões de pessoas viviam em domicílios superlotados e 35% da população total não possuíam tratamento de esgoto. Acresce-se a isso o número assustador do déficit habitacional brasileiro, à época de 7,2 milhões de moradias .

Paralelamente ao crescimento das cidades individualmente consideradas, Segawa (2000) mostra-nos que surgiram e se fortaleceram as regiões metropolitanas enquanto realidade de concentração urbana:

(...) A população brasileira vem tendendo a se concentrar nas aglomerações de maior porte – regiões metropolitanas, metrópoles regionais e cidades médias- enquanto as cidades de menor porte permanecem praticamente inalteradas. Em 1960 apenas duas metrópoles, Rio de Janeiro e São Paulo, possuíam mais de um milhão de habitantes (contavam então com mais de três milhões). Em 1970 tínhamos cinco e em 1980 nove regiões metropolitanas e Brasília com mais de um milhão que, em conjunto, acolhiam mais de 35 milhões de habitantes. Nos mesmos intervalos, o número de cidades com mais de 100 mil habitantes passou de 31 para 60 e 95, respectivamente, e as com mais de 50 mil, de 68 para 115 e 198. Em 1980 as nove regiões metropolitanas (excluindo-se Brasília, portanto) absorviam 29% da população total do país e 42% de sua população urbana. [SEGAWA, 2000, p.23]

O grande número de pessoas morando em zona urbana gerou um gigantesco movimento de construção da cidade, nos dizeres de Maricato (1997, p.16). E embora a cidade não tenha oferecido a satisfação a todas as necessidades dessas pessoas, "o território foi ocupado e foram construídas as condições para viver nesse espaço. Bem ou mal, de algum modo, improvisado ou não, todos os 138 milhões de habitantes moram em cidades".

De acordo com as pesquisas referenciadas neste estudo, bem como autores como Milton Santos, não resta dúvidas que o fator da urbanização como crescimento desenfreado das cidades é primordial para se entender a segregação e a exclusão de milhares de pessoas do direito à moradia. Não se entenda, no entanto, que essa urbanização é o único dos fatores da exclusão ora estudada.

Ainda sobre a Questão Urbana, um problema transversal que deve perpassar toda a discussão sobre os problemas da cidade é a desigualdade social gritante no Brasil. A desigualdade é fator que não pode ser desconsiderado de forma alguma, haja vista que a própria formação das cidades denuncia a existência de espaços para os ricos e espaços (que sobram) para os pobres.

Sobre a desigualdade social no Brasil, Costa (2009b) lembra os dados do PNAD de 2003, que concluíram que o grupo de 10% dos trabalhadores de melhor remuneração concentrava 45,3% da total dos salários, chamado de massa salarial. Em contraponto, os 10% de salários mais baixos recebiam, juntos, menos de 1% desta mesma totalidade da massa salarial. Estes dados são bastante representativos no que concerne à concentração de renda no Brasil, e certamente esta desigualdade é refletida na organização do espaço urbano.

A concentração desigual de renda é comprovada também na Região Metropolitana de Fortaleza – RMF, em que a autora aponta que, em 2000, da totalidade das 805.133 famílias, 206.157 tinham renda familiar mensal per capita de meio a um salário mínimo, o que correspondia a 25% das famílias. No outro extremo estavam apenas 65.179 famílias, cuja renda familiar ultrapassava 10 salários mínimos. (COSTA, 2009b, p. 148)

No Brasil, o desenvolvimento socioeconômico desigual, a forte concentração da renda e da posse da terra, o gradual empobrecimento da população e a fragilidade da regulação da expansão das metrópoles brasileiras favoreceram a formação de espaços contraditórios, que se expressam na paisagem. A paisagem urbana é marcada não só pela desigualdade econômica como também pela diversidade natural e cultural. (COSTA, 2009b, p. 143)

A autora afirma ainda que a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) é um exemplo clássico de desenvolvimento concentrador e excludente, o que se demonstra pela existência de algumas áreas com elevadíssimo padrão de vida, ao lado de outras que coexistem em situação de pobreza extrema. Obviamente este tipo de "desenvolvimento da desigualdade" gera a deterioração das condições de vida desta parte da população que se encontra à margem, em especial no que diz respeito à situação da moradia destas famílias.

Ainda que as origens da desigualdade social no Brasil remontem ao início da colonização e a repartição do país em sesmarias, o marco histórico e legal que consolidou e possibilitou a perpetuação da desigualdade foi a promulgação da Lei de Terras em 1850. A privatização da terra por conta da citada lei deu início a um processo de expulsão dos habitantes do campo, pois só poderia ser proprietário aquele que tivesse como adquirir a terra.

De acordo com Ermínia Maricato, é em virtude da decretação da Lei de Terras em 1850 que ocorre a instituição da propriedade fundiária no Brasil, tendo reflexos no campo e na cidade, haja vista que a terra passa a ser mercadoria, que somente pode ser adquirida mediante compra e venda.

Foi ainda neste momento histórico que a Inglaterra pressionou pelo fim do tráfico negreiro, para que pudesse ter início o "trabalho livre" no Brasil.

As conseqüências disso logo se mostrariam, ao inserir no mercado um grande número de trabalhadores, ex-escravos e imigrantes, eventualmente interessados em adquirir terras para produzir. Os grandes latifundiários do país dividiram a propriedade de terra entre aqueles que já as detinham ou eram suficientemente afortunados para comprá-las. (MARICATO apud FERREIRA, 2007, p.38)

Desde 1850, portanto, o acesso à terra passa a ser fechado para todos aqueles que não possuem meios de adquirir a mercadoria-terra. Somente pode ser proprietário aquele que tiver como comprar a terra e, desta forma, a partir da promulgação da Lei de Terras, a posse deixou de ter a importância que anteriormente tinha, conforme aponta Miguel Baldez (1986).

Trata-se de uma contradição apontada por Baldez, pois, com a instituição deste novo marco legal, a propriedade privada da terra passa a ser protegida contra as ocupações, e até aquele momento, de 1822 a 1850, a posse por meio de ocupação era o meio legítimo para obter as terras. Bruscamente, portanto, o paradigma passa a ser outro, com a finalidade clara de privilegiar quem já possuía bens e fechar o acesso aos demais habitantes do país.

A Lei de Terras foi, de fato, a decretação da concentração de terras no Brasil, concentração esta que se mantém até hoje, com conseqüências cruéis de manutenção do status quo e das desigualdades sociais.

O problema da concentração de terras é observado não só no Brasil, mas em muitos países da América Latina. Conforme nos alerta Letícia Osório, destacam-se na América Latina os altíssimos percentuais de concentração de renda por meio da desigual distribuição de terras. A concentração de renda, assim, constitui um dos maiores problemas dos países latino-americanos e importante fator gerador da crise urbana atual.

De acordo com autora:

a desigual distribuição de terras na América Latina é um dos fatores responsáveis pelo exacerbamento da marginalização dos segmentos mais vulneráveis da população. Nas regiões não urbanizadas, a desigualdade no acesso à terra e aos serviços essenciais de infra-estrutura tem contribuído para a proliferação dos assentamentos precários e irregulares em áreas inadequadas ou impróprias à moradia. (OSÓRIO, 2006, p.18)

Sob esta perspectiva, compreende-se ser impossível analisar a questão do direito à moradia de forma dissociada da falta de acesso à terra pelas populações pobres da América Latina, resultado da concentração de renda, da especulação imobiliária e da ausência das reformas agrária e urbana na maioria dos países, como é o caso do Brasil.

As mazelas sociais, dentre elas a existência de milhares de brasileiros sem ter onde morar, são conseqüências de um modelo de desenvolvimento que não se preocupa com a maioria da população. As diretrizes econômicas e políticas dos governos brasileiros, conforme observou-se na História, poucas vezes foram formuladas para a efetivação dos direitos fundamentais dos menos favorecidos, que constituem a maioria da população brasileira.

Neste sentido, em recente monografia sobre o tema, afirma Maria Gabriela Sá Lima:

A desigualdade no acesso à terra urbana e, conseqüentemente, à moradia não é por acaso ou simples decorrência da desorganização causada pelo crescimento desenfreado das cidades. Faz parte de um modelo econômico e político que se volta para o beneficio das elites em detrimento das necessidades básicas da maioria da população, que reflete também a exacerbada proteção à propriedade privada, como se direito absoluto fosse, sobrepondo-se, muitas vezes, ao direito à moradia. (LIMA, 2009, p. 13)

Quer-se com isso dizer que seria reducionista entender que a questão determinante da problemática urbana é a falta de planejamento urbanístico atento ao fato da urbanização. O considerável déficit habitacional brasileiro sem dúvida guarda correlação com a urbanização, mas não se deve somente a isto, como aduzido acima.

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Endossando o entendimento de que o problema das cidades brasileiras não se resume à falta de planejamento está Maricato:

Apesar da histórica comprovada falta de respeito, durante décadas, em relação aos Planos Diretores Municipais, esse tema retorna em grande estilo no texto da Constituição de 1988, que estabelece a obrigatoriedade de sua execução em todas as cidades com mais de 20.000 habitantes, restabelecendo seu prestígio e fortalecendo a idéia, muito comum na imprensa, de que nossas cidades são um caos porque não têm planejamento urbano, o que não é verdade. Especialmente nos anos 1970, a produção de Planos Municipais foi muito significativa. (MARICATO, 2000, p. 144)

Compreende-se que o planejamento se revela imprescindível e se apresenta como um instrumento que pode auxiliar e muito a efetivação do direito à moradia, se corretamente instituído e sobretudo concretizado. No entanto, entende-se que no cenário principal está a disputa política pelo espaço urbano e a opção consciente ou omissa dos governos brasileiros em privilegiar o mercado imobiliário em detrimento da maioria da população.

1.2 O que é o Direito Fundamental à Moradia?

Apesar do reconhecimento formal do Direito à Moradia no âmbito internacional ter se dado há bastante tempo, a inclusão expressa deste direito no rol dos direitos fundamentais elencados pela Constituição se deu apenas em 2000, quando da Emenda Constitucional nº 26. Muito embora nos anos 80 a reivindicação de muitos dos movimentos sociais urbanos em torno da Reforma Urbana tenha sido bastante forte, o direito à moradia não foi incluído a princípio na Constituição Federal de 1988.

O não-reconhecimento deste direito enquanto direito social (ou seja, um Direito Fundamental a exigir a prestação positiva do Estado) à época da promulgação da Constituição não se deu por acaso, e sim por uma forte resistência à positivação deste direito no Brasil. Os setores conservadores estavam receosos do que a inclusão do direito à moradia na Constituição pudesse acarretar, apesar de ser notório que há um grande caminho a percorrer entre a positivação e a efetivação de direitos no Brasil – sobretudo os direitos dos menos favorecidos.

No âmbito nacional, portanto, o reconhecimento do direito à moradia como direito fundamental se deu apenas em 2000, muito tempo depois da previsão em legislação internacional. Neste sentido, várias Declarações e Convenções internacionais já haviam expressamente declarado o direito à moradia enquanto direito fundamental, e a primeira delas foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta reconheceu um núcleo de direitos do homem que, posteriormente, foram dispostos com maior especificidade e força nos tratados internacionais sobre direitos humanos supervenientes.

Sobre a vigência dos direitos humanos independentemente de sua declaração em normas, assevera Comparato:

Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. (COMPARATO, 2005, p. 227)

Assim, ainda que inexistisse tratados e constituições garantindo o direito à moradia, ele não deixaria de ser um direito humano vigente, por constituir uma exigência básica para a existência humana digna. Trata-se de um entendimento com o qual concordamos, mas ressalte-se que quanto a isto não é necessário maiores polêmicas, uma vez que o direito à moradia já está formalmente positivado no Brasil.

Dentre as diversas declarações e tratados internacionais que versam sobre o direito à moradia e das quais o Brasil é signatário podemos destacar: o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais - PIDESC (1966); a Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver (1976); a Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e a Agenda Habitat (1996). Por exemplo, pelo artigo 11 do PIDESC o Estado Brasileiro se compromete a "utilizar todos os meios apropriados para promover e defender o direito à moradia e proteger contra os despejos forçados".

Na legislação nacional, conforme já observado, foi com a Emenda Constitucional nº 26/2000 que houve o reconhecimento expresso do direito à moradia como Direito Social, o que importa não apenas dizer que se trata de um direito fundamental, mas implicar ao Estado um papel importante na sua efetivação. O direito à moradia, assim, está inserido no rol de direitos sociais fundamentais do artigo 6º, tendo, portanto, natureza constitucional.

A natureza constitucional do direito à moradia gera, não só para o Estado, a obrigatoriedade do reconhecimento da sua importância e mesmo da sua primazia quando em situações de conflitos com outros direitos. Não só para o Estado justamente porque este deve ser o principal garantidor da efetivação deste direito, mas não o único, pois os particulares também estão sujeitos à obediência da primazia dos direitos fundamentais.

Uma vez que o direito à moradia compõe o núcleo dos direitos fundamentais garantidores do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – um dos princípios fundamentais da República Brasileira -, este direito é dotado de uma exigibilidade muito maior, haja vista que é corolário do princípio da dignidade. Ressalte-se que a busca por dignidade passa pela efetivação de uma série de direitos fundamentais, boa parte deles expressos na Carta Constitucional.

O primeiro passo para a garantia de um direito é o reconhecimento legal, é a positivação das necessidades básicas das pessoas, razão pela qual a disposição expressa em normas é considerada fundamental para a efetivação de direitos. No caso do direito à moradia, a normatização constitucional foi uma grande conquista, mas não realizou de pronto as necessidades de moradia da população. É necessário garantir a aplicabilidade das normas fundamentais, exigindo-se do Estado os meios que possibilitem a efetivação dos direitos fundamentais, a exemplo do direito à moradia.

Além das previsões internacionais, nos tratados e declarações supracitados, este direito constitucionalmente assegurado no artigo 6º da Constituição Federal é ainda referido em diversos dispositivos esparsos na Carta Magna.

Assim, pode-se apontar o artigo 7º, inciso IV, em que é disposto que o salário mínimo deverá atender às necessidades vitais básicas do trabalhador, dentre elas a moradia. A Constituição, desta forma, antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 26, reconhecia a moradia enquanto necessidade vital. Não poderia ser diferente, sobretudo considerando-se os vários documentos internacionais de que o Brasil é signatário, onde se reconhece há várias décadas o direito à moradia como direito humano fundamental.

Além do artigo 7º, a declaração no artigo 3º de que um dos objetivos fundamentais da República Brasileira é a erradicação da pobreza e da marginalização também gera para o Brasil a obrigatoriedade de políticas que visem construir, de fato, uma sociedade livre, justa e solidária. Para a construção desta sociedade preconizada no citado artigo, é fundamental o reconhecimento e a efetividade do direito à moradia para a população nacional.

1.2.1 Breves considerações acerca dos Direitos Humanos

Inicialmente, cabe fazer algumas considerações sobre a conceituação do direito à moradia. Nas pesquisas para elaboração deste trabalho, foram encontrados vários livros e artigos em que os autores, ao conceituar este direito, basicamente elencavam o rol de Declarações, Convenções e demais normas em que o direito à moradia foi positivado.

Entende-se que o conhecimento dos instrumentos que dispõem sobre o direito é deveras importante para a cobrança da efetivação do mesmo, no entanto não se pode confundir o objeto a ser protegido com o instrumento (norma) que o protege. Conforme preconiza Joaquin Herrera Flores, em seu livro "A reinvenção dos direitos humanos":

Apesar da enorme importância das normas que buscam garantir a efetividade dos direitos no âmbito internacional, os direitos não podem reduzir-se às normas. Tal redução supõe, em primeiro lugar, uma falsa concepção da natureza do jurídico e, em segundo lugar, uma tautologia lógica de graves conseqüências sociais, econômicas, culturais e políticas. O direito, nacional ou internacional, não é mais que uma técnica procedimental que estabelece formas para ter acesso aos bens por parte da sociedade. É óbvio que essas formas não são neutras nem assépticas. Os sistemas de valores dominantes e os processos de divisão do fazer humano (que colocam indivíduos e grupos em situações de desigualdade em relação a tais acessos) impõem "condições" às normas jurídicas, sacralizando ou deslegitimando as posições que uns e outros ocupam nos sistemas sociais. O direito não é, conseqüentemente, uma técnica neutra que funciona por si mesma. (HERRERA FLORES, 2009, p.23)

De acordo com o citado autor, compreende-se que os direitos humanos estão previstos em várias normas internacionais, mas com ele não são coincidentes. Sob este ponto de vista, os direitos humanos são uma realidade fora do âmbito do direito internacional, pois existem numa esfera anterior à normatização. A norma que os regula, no entanto, não perde importância por conta disto. O que não é possível, de maneira alguma, é compreender que as normas preconizadoras dos direitos humanos coincidem com estes mesmos direitos.

O seguinte trecho de Herrera Flores sintetiza o alerta que nos faz o autor:

(...) se não sabemos distinguir entre os sistemas de garantias e aquilo que deve ser garantido, o objeto das normas jurídicas internacionais desaparece e a única coisa que parece existir são essas normas. Se tal perspectiva se generaliza, tais normas podem ser submetidas a análises lógico/formais cada vez mais sistemáticas, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais abstraídas dos contextos e das finalidades que, em teoria, deveriam assumir. (HERRERA FLORES, 2009, p. 25)

Trata-se de uma análise interessante e indispensável aos que se dedicam ao estudo e à efetivação dos direitos humanos a compreensão de que estes não existem em função das normas, e sim que as normas existiram e existem em função dos direitos: para garanti-los e possibilitar a sua implementação.

Herrera Flores, no trecho supracitado, alerta para o fato de que as normas possuem contextos e finalidades, e estes não podem ser esquecidos em análises puramente formais. Esse tipo de interpretação e aplicação normativa pode acontecer quando se entende como coincidentes a norma sobre direito à moradia e o direito em si. Feito o esclarecimento, passa-se à análise do conceito do Direito à Moradia.

1.2.2 Conteúdo material do Direito Fundamental à Moradia

Na tentativa da elaboração de um conceito próprio, entende-se que existem algumas condições mínimas para a concretização do direito à moradia. Neste sentido, destaca-se que o direito à moradia é também um dos direitos correlatos ao direito à cidade, e quer-se com isso dizer que para a concretização do direito à moradia, ao contrário do que muitos pensam, não basta somente ter acesso a uma casa.

É necessário que esta casa seja dotada de condições reais de ser habitada, respeitada a salubridade de suas instalações internas, mas não somente internas. Compreende-se, assim, a necessidade da inserção da moradia em um contexto de acesso aos serviços básicos como água, energia, coleta de lixo, acesso à saúde e transporte.

Importante esclarecimento nos faz Raquel Rolnik [02] (informação verbal) ao dizer que a nomenclatura correta deste direito não é "direito à moradia", e sim "direito fundamental à moradia adequada como condição da dignidade humana". Assim, não se reporta somente à obtenção de uma casa. Moradia, dessa forma, não pode ser entendida como produto imobiliário, e nem ser assunto para a indústria de construção civil, conforme alerta da própria Raquel Rolnik, ora Relatora Especial da ONU para o Direito à Moradia.

Em continuidade ao que foi disposto no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais elaborou dois relevantes Comentários Gerais a respeito do direito à moradia adequada, quais sejam o Comentário Geral nº 4 (de 1991) e nº 7 (de 1997), que se concentra mais no tema dos despejos forçados.

Nestes Comentários Gerais, foram reconhecidos alguns dos elementos que caracterizam o direito fundamental à moradia. Dentre eles destacam-se:

a) Segurança jurídica da posse, que corresponde à garantia de morar em um lugar sem ameaça de remoção, despejos e ameaças as mais variadas com relação à posse da habitação;

b) Acesso à educação, saúde, lazer, transporte público, emprego e vários outros serviços básicos, que corresponde à acessibilidade;

c) Disponibilidade de serviços coletivos e de infra-estrutura;

d) Habitabilidade, ou seja, proteção contra frio, calor, chuva, vento, incêndio ou inundações, de forma que se possa viver com salubridade, sem riscos à saúde e à vida, dentro de um meio-ambiente saudável;

e) Por fim, outro elemento caracterizador do direito à moradia é a adequação cultural, que significa que a moradia para ser adequada deve estar de acordo com os padrões culturais locais, respeitando assim a diversidade cultural.

A moradia, desta forma, é um ponto de acesso aos meios de subsistência: acesso ao emprego, saúde, educação, transporte e sociabilidade. Não tem nada a ver com depósito de gente em áreas periféricas, longínquas, isoladas, sem a menor infra-estrutura, conforme nos alerta Rolnik.

O acesso à infra-estrutura é extremamente necessário, uma vez que não se compreende respeitada a dignidade de uma família quando esta, apesar de possuir uma casa onde morar, tem uma habitação desprovida de saneamento básico, por exemplo. Ou é localizada na encosta de um morro sempre sujeito a desmoronamento, ou às margens de um rio, realidade bastante comum em Fortaleza.

Para além disto, das condições internas e externas como saneamento, drenagem e pavimentação das vias de acesso, o direito à moradia congrega ainda a existência de um sistema acessível de transporte público. Pode-se falar ainda de energia elétrica, acesso à saúde próximo da população, educação, emprego e renda, etc. Como afirmado acima, entende-se o direito à moradia como corolário do direito à cidade.

A discussão sobre a efetivação da moradia, portanto, passa por bem mais exigências do que somente a obtenção de casas por famílias consideradas hipossuficientes. Além disso, importa dizer que quando se luta pela efetivação do direito à moradia, intenta-se conseguir muito mais do que somente o direito de morar. Consideradas as condições infra-estruturais necessárias, há ainda os direitos conexos: segurança, saúde, emprego, etc. O direito à moradia ou o direito à terra é considerado, assim, um direito primeiro, cuja efetivação é necessária para a garantia dos demais direitos fundamentais.

Guardadas as devidas proporções, cite-se a questão do Movimento Indígena no Brasil, cuja reivindicação principal é o direito à terra, pelo reconhecimento de seus territórios. O acesso à terra não é a única necessidade vital dos milhares de indígenas brasileiros, mas é das mais basilares. Há necessidade de educação e saúde diferenciadas, por exemplo, mas que serão implementadas de forma bem mais adequada se forem realizadas no território indígena, reconhecido enquanto tal.

Além disso, para efetivação destes outros direitos pelo Poder Público, a própria Administração cobra que haja reconhecimento dos territórios, como se, ao não terem um reconhecimento formal (judicial), não fossem de fato uma população indígena verdadeira. Dessa forma, o direito à terra assume uma configuração central tanto em termos de necessidade básica primeira, quanto em termos políticos para a efetivação dos demais direitos fundamentais daquela população.

Para boa parte dos cidadãos de Fortaleza, por exemplo, que não tem acesso ao mercado formal de habitação, o direito à moradia adequada é por óbvio uma das maiores necessidades, que também configura uma necessidade correlata a outros direitos, conforme explanado anteriormente.

1.2.3 O importante papel do Poder Judiciário no Brasil

Para a tão almejada efetivação do direito à moradia, é imprescindível a atuação forte e contínua do Poder Público, sobretudo da Administração, mas também do Judiciário, que desempenha um papel importante tanto no reconhecimento de direitos e na cobrança pela realização dos mesmos, quanto na manutenção de situações de desigualdade de acesso ao direito à moradia.

O papel do Judiciário é algo que necessita ser bastante discutido junto à sociedade civil, para que se compreenda a importância deste Poder na estrutura social brasileira. Mostra-se mais que necessário a sociedade discutir o Judiciário com os próprios juízes, pois é preciso que se diga que as instituições judiciárias não são nem podem ser neutras, mas devem ser imparciais. O que tem sido observado é que muitas vezes o Judiciário claramente defende interesses das classes dominantes, e é sabido que quem deve advogar pelos próprios interesses são as partes, não os juízes.

A este respeito, recentemente, no dia 9 de fevereiro de 2010 [03], o Conselho Nacional de Justiça – CNJ - celebrou um acordo com a Confederação Nacional de Agricultura - CNA. Já de início a mera existência de um acordo entre essas instituições causa estranhamento, tendo em vista que a CNA está relacionada às questões agrárias que, via de regra, abarrotam o Judiciário. A CNA, desta forma, representa alguns dos maiores "movedores de processos" no Brasil, quais sejam os latifundiários. Estranho, portanto, o CNJ (órgão do Judiciário, obrigado que está à imparcialidade ínsita ao Poder Público) celebrar qualquer acordo com a Confederação Nacional de Agricultura.

Trata o referido acordo da instituição do "Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo", que faz parte do Núcleo de Pesquisas Estratégicas do Instituto CNA. Este observatório realizará um mapeamento das chamadas "ameaças ao direito de propriedade". O intuito da realização do acordo é aproximar o Conselho Nacional de Justiça da Confederação Nacional de Agricultura, vez que atuarão cada vez mais conjuntamente na perspectiva de dirimir as "ameaças à propriedade".

O absurdo é flagrante, sobretudo tendo em vista que a CNA é parte litigante em inúmeros processos que tramitam no STF, e quem presidia à época o CNJ era também o então presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Não há como se negar que este acordo fere os princípios da independência e da imparcialidade do Judiciário, e mesmo o senso comum ficou assustado diante desta notícia.

A parcialidade do Judiciário foi alvo de recente estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA -, que constatou que a maioria das decisões judiciais envolvendo grandes grupos econômicos são decididas em favor destes mesmos grupos. A citada pesquisa concluiu pela inverdade de um discurso midiático que construiu a imagem de um Judiciário que protege os movimentos sociais, muitas vezes até de forma contrária à lei. Em verdade, o que ocorre muitas vezes é o peso econômico de grandes empresários que, mesmo desrespeitando a lei, contam com um Judiciário conservador que decide usualmente em favor deles, contribuindo assim para a manutenção das desigualdades sociais.

O citado estudo [04] discute duas hipóteses, quais sejam: a da incerteza jurisdicional, que sugere que os juízes brasileiros apresentam uma certa tendência a decidir em prol das partes mais fracas; e a de que existe algum direcionamento das instituições legais, políticas e regulatórias pelos ricos e possuidores de influência política. Para discutir essas hipóteses, o IPEA analisou decisões judiciais prolatadas em 16 estados do Brasil. Algumas das conclusões da pesquisa foram:

a) Os juízes favorecem a parte mais poderosa. Uma parte com poder econômico ou político tem entre 34% e 41% mais chances de que um contrato que lhe é favorável seja mantido do que uma parte sem poder;

b) Uma parte com poder apenas local tem cerca de 38% mais chances de que uma cláusula contratual que lhe é favorável seja mantida e entre 26% e 38% mais chances de ser favorecido pela Justiça do que uma grande empresa nacional ou multinacional, um efeito batizado de subversão paroquial da justiça.

c) Nos Estados Brasileiros onde existe maior desigualdade social há também uma maior probabilidade de que uma cláusula contratual não seja mantida pelo judiciário. Passando-se, por exemplo, do grau de desigualdade de Alagoas (GINI de 0,691) para o de Santa Catarina (0,56) tem-se uma chance 210% maior de que o contrato seja mantido."

Não se defende, de forma alguma, que o Judiciário não deva adotar posturas firmes diante da sociedade, não se trata disto. O que escandaliza é o posicionamento manifesto do Judiciário a favor das elites, sem considerar o processo político que se desenvolve, as contradições sociais, a imanência dos direitos fundamentais, enfim. Sobre o novo papel a ser desenvolvido pelo Judiciário, acerca da necessidade de o juiz se afirmar enquanto sujeito ativo do processo político para a concretização de direitos fundamentais, afirma Campilongo:

(...) é no campo do Direito Constitucional que as combinações entre o interesse público e o interesse privado (...) irão consolidar a nova imagem do juiz: o sujeito ativo do processo político. Esse papel exige do julgador posturas incompatíveis com o rigor formalista. Entretanto, esse novo direito apresenta um desafio ao jurista: retomar os conceitos jurídicos num grau de abstração correspondente ao grau de abstração correspondente ao grau de complexidade alcançado pelas funções e prestações do sistema jurídico. (CAMPILONGO, 2005, p. 35, grifo nosso)

É imprescindível a atuação consciente dos juízes para a efetivação do direito à moradia, atentando para as disposições normativas que o prevêem, bem como para o contexto de grave desrespeito a este direito no Brasil.

1.3 O problema da segregação sócio-espacial como produtor da ilegalidade urbana:

Por óbvio, o crescimento sem planejamento e sem contrapartida do Poder Público faz com que todos os problemas urbanos assumam dimensões grandiosas e cada vez mais difíceis de serem contornadas. Assim, observa-se que o inchaço populacional urbano é bastante cruel na realidade brasileira, uma vez que os que mais sofrem com esta configuração habitacional são os mais pobres.

É claro que a segregação dos mais pobres dentro da cidade não ocorre somente no Brasil, e tampouco se revela uma questão gerada nos tempos atuais. Em interessante dissertação de mestrado acerca do tema, Eli Meneses Bessa assim expõe:

A problemática da existência e da segregação de partes do território urbano ocupado por moradias inadequadas de pessoas de baixa renda não é nova, e não é exclusiva do Brasil. Na realidade, as cidades sempre foram ocupadas por população pobre. No entanto, a origem do problema tal qual hoje se apresenta está na formação e desenvolvimento do sistema capitalista de produção de bens e serviços. (BESSA, 2003, p.05)

Na verdade, o autor aponta que não é de hoje que a população pobre enfrenta problemas com relação às cidades e à moradia. O que ocorre é que, hodiernamente, em função da urbanização desenfreada, a problemática enfrenta dimensões maiores, e apresenta, por óbvio, conseqüências diferenciadas e mais profundas.

No início do século XIX, com a industrialização, foi que as primeiras cidades industriais européias viram a "proliferação de moradias impróprias". Em verdade, essa proliferação configurou uma verdadeira exigência da industrialização, pois era necessário um contingente cada vez maior de mão-de-obra, e quanto mais gente em busca de emprego (de preferência a baixos custos, formando um verdadeiro exército de reserva), melhor "para o mercado". Paralelamente, o que ocorreu também foi a vinda de um contingente grande de pessoas do campo para a cidade. Dessa forma, sem planejamento urbano, a precariedade das moradias foi se observando cada vez de forma mais forte.

A localização bastante afastada e periférica das moradias dos operários data também dessa época, sobretudo porque era economicamente inviável para os operários ocupar as áreas centrais, dotadas de infra-estrutura, que eram habitadas pelas classes ricas. Essas áreas centrais e vedadas aos mais pobres possuíam alguns dos equipamentos urbanos básicos existentes à época, o que para os operários era um luxo inatingível. Foi em virtude da industrialização que tiveram origem os primeiros cortiços, típica moradia destinada a pessoas de baixa renda.

No Brasil também se observou que uma das primeiras formas populares de moradia irregular foi o cortiço, inicialmente surgindo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em seguida, com a realização das reformas higienistas, houve a expulsão das classes populares para outras áreas, tendo em vista que os antigos cortiços não atendiam às condições higiênicas mínimas apontadas pelos governos.

Desta forma, a população foi expulsa para as áreas periféricas da cidade, e começaram a surgir, assim, as favelas. É interessante notar que muitas das favelas cariocas, por exemplo, surgiram diretamente em virtude da atuação estatal de expulsar as classes populares dos cortiços. O nascimento das favelas nestes casos está intrinsecamente ligado a um processo de segregação desencadeado pelo próprio Estado.

A lógica da ordenação das cidades, hoje, não é exatamente a mesma do período inicial da industrialização, mas se observa que o resultado é sempre o mesmo: gerando uma espécie de "segregação sócio-espacial", definida por Yves Grafmeyer como "oportunidades desiguais de acesso aos bens materiais e simbólicos oferecidos pela cidade", citado por Meneses Bessa. (GRAFMEYER apud BESSA, p. 07)

Maricato (1997) define segregação sócio-espacial como sendo a concentração espacial homogênea de pessoas de uma determinada classe social, o que ocorre geralmente com os mais pobres dentro da cidade. Observa-se a situação deste tipo de segregação na análise da maioria das cidades brasileiras, em que a concentração das moradias pobres se dá nas periferias, distantes dos centros da cidade. É criado um "anel periférico", que a depender do porte das cidades pode possuir várias camadas, e é pra onde vão as famílias que chegam nas cidades, por não terem acesso à chamada "cidade formal".

Em Fortaleza, esse processo de segregação sócio-espacial começou a ficar mais visível a partir de 1930. Por conta das várias secas que ocorreram neste período, bem como do aprofundamento das desigualdades sociais em virtude da questão agrária, as migrações do interior para Fortaleza foram bastante expressivas. A população recém-chegada à cidade buscava abrigo onde podia, na maioria das vezes na faixa litorânea e nas áreas de duna, que não eram interesse das elites. Datam desta época as primeiras favelas de Fortaleza, a exemplo do Pirambu e do Mucuripe.

Assim, começava a ficar mais visível, a partir da década de trinta, o processo de diferenciação espacial e segregação residencial. A distribuição da população no espaço urbano de Fortaleza fica nitidamente determinada pelo nível de renda. (COSTA, 2009a, p. 153)

Silva (2009) lembra ainda que em Fortaleza o crescimento urbano ocorre tradicionalmente por meio da ocupação progressiva dos loteamentos existentes na periferia, por parte da população de baixa renda. A localização distante acarreta as baixas densidades destes locais, o que conseqüentemente dificulta o atendimento dos serviços básicos. A segregação é bastante nítida quando se observa que estas classes sociais, correspondentes aos estratos de renda mais baixos, geralmente estão concentradas em alguns bairros da cidade.

A formação das periferias ocorre porque a ocupação do espaço urbano encontra-se em constante disputa pelas classes sociais existentes, conforme afirma Villaça (1997). A disputa ocorre pelas localizações entendidas como as mais valiosas, em virtude dos equipamentos públicos presentes nas áreas urbanas.

Nesse sentido, a tendência das cidades brasileiras hoje é estabelecer um centro de crescimento, e nele concentrar os investimentos, deixando à margem a maior parte da cidade, que continua crescendo em direção das periferias. Villaça (1997) nos lembra as considerações de Castells:

As classes disputam a apropriação diferenciada do próprio produto do trabalho. Quanto mais centrais as localizações (dependendo aí do que se entenda por "centro") maior seu valor de uso, ou seja, melhores condições tem ela de se relacionar com o restante da cidade. (CASTELLS apud VILLAÇA, 1997)

Segundo Villaça, a segregação sócio-espacial é um processo por meio do qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em regiões gerais ou conjunto de bairros da cidade. A segregação, entretanto, não impede a presença nem o crescimento de outras classes no mesmo espaço.

A segregação sócio-espacial gera ainda a existência de "várias cidades dentro da mesma cidade": a cidade dita formal, contraposta à cidade informal ou ilegal. Uma consiste no perímetro em que existem investimentos públicos e privados para melhoramento da qualidade de vida das pessoas (e por conta destes investimentos, o valor da terra é aumentado, fazendo com que a ela só alguns possam ter acesso); e outra, a cidade ilegal, manifestada no resto da cidade (que geralmente é a maior parte da cidade, localizada à margem, nas periferias), em que se concentra a maioria da população que não possui meios de habitar na cidade formal.

A divisão da "cidade legal" em contraponto à "cidade ilegal" se dá em virtude da própria observação da dinâmica de ocupação e melhoramento dos espaços urbanos, no entanto não se diga que esta pesquisa endossa o entendimento do mito da "cidade partida em duas". Estudos recentes comprovam que esta contraposição da cidade legal à cidade ilegal não é simples nem meramente dual, na verdade a cidade encontra-se dividida em várias, conforme estudo realizado pelo Observatório das Metrópoles bastante esclarecido por Pequeno (2009).

Apesar de serem diversos os espaços observados em Fortaleza, por exemplo, é sabido que continua havendo a cidade formal e a cidade informal, decerto que distribuídos nas diversas tipologias sócio-espaciais identificadas pelos estudos acima citados.

Por conta desta segregação sócio-espacial, por meio da qual é formada a cidade "legal" - onde são realizados quase todos os investimentos em infra-estrutura e serviços públicos de qualidade -, as pessoas que não tem possibilidade de ingressarem no mercado dito formal de habitação buscam as soluções alternativas.

Assim, restam para a população de baixa renda as situações habitacionais irregulares e quase sempre muito precárias, a exemplo dos cortiços, loteamentos irregulares e áreas sócio-ambientalmente instáveis. É desta forma que cresce a chamada cidade informal ou "ilegal", que existe paralelamente à cidade legal, mas em que o Poder Público pouco ou nada investe, aprofundando progressivamente as diferenciações entre ricos e pobres. Neste sentido, a ilegalidade é um subproduto da regulação tradicional e das violações contra os direitos à terra e à moradia.

Da incapacidade de atender à demanda, decorreu a proliferação de áreas de ocupação como resposta da população excluída à redução da oferta de moradias. Assumindo a condição de verdadeiros corredores de degradação socioambiental, os rios e córregos urbanos passaram a orientar o processo de favelização, cada vez mais vistos como signos da ausência de controle urbano. (PEQUENO, 2009, p.62)

Como características da segregação sócio-espacial existem, portanto, as barreiras "reais" - a exemplo do preço da terra -, e as barreiras simbólicas. Estas simbólicas não menos reais que as outras, constituindo a negativa das elites a que os mais pobres tenham acesso aos bairros ditos nobres, por exemplo, e aos equipamentos sociais públicos e privados que entendem não serem destinados a população menos favorecida.

A existência de um grande número de imóveis sendo utilizados unicamente para valorização imobiliária e enriquecimento de seus proprietários faz com que as áreas livres na cidade fiquem cada vez mais escassas. Os terrenos que não estão ocupados efetivamente sofrem um aumento gradativo de preço, impedindo que a maioria da população possa acessá-los para fins de moradia.

Compreende-se, assim, que a urbanização no Brasil ocorreu obedecendo à lógica do mercado: os investimentos, tanto do setor privado quanto do Poder Público, se deram inicialmente em áreas centrais da cidade, com a finalidade de gerar acesso às classes média e alta. As políticas públicas de infra-estrutura e melhorias urbanas serviram para aumentar o preço das terras dotadas de serviços e bens, o que conseqüentemente gerou o enriquecimento de quem detém a propriedade, e exclusão progressiva de quem não possui meios de acessar a terra.

É imprescindível a compreensão de que o processo de segregação sócio-espacial não ocorre por acaso, e nem por conta simplesmente da expansão das cidades. A segregação sócio-espacial ocorre para dar espaço e vez ao mercado imobiliário, possibilitando a existência de áreas de enriquecimento, e para tanto é necessário garantir que os pobres não estejam nessas áreas valorizadas. Dessa forma, a segregação é um meio de manutenção das estruturas sociais e da desigualdade econômica no Brasil, que não pode ser vista como uma fatalidade ou um fato passageiro em direção ao "desenvolvimento futuro".

Villaça (1997), em seu estudo "Efeitos do espaço sobre o social na metrópole brasileira", aponta a segregação sócio-espacial como sendo uma das formas de possibilitar o controle da produção e do consumo do espaço urbano pelas classes dominantes. Para o autor, são as classes dominantes que comandam o processo de apropriação diferenciada das vantagens do espaço. Interessante é que o autor aponta que uma das vantagens centrais em disputa é a diminuição dos gastos de tempo despendido nos deslocamentos das pessoas, ou seja, a acessibilidade às diversas localizações urbanas, sobretudo o centro da cidade.

Esclarece ainda Villaça que, para realizar estes objetivos, o controle das classes dominantes por meio da segregação sócio-espacial é exercido através de três esferas:

a) Na esfera econômica: realiza-se aqui o controle do mercado imobiliário, que produz os bairros da classe dominante nos locais onde elas desejam;

b) Na esfera política: através do controle dos organismos do Estado, por meio da determinação das localizações da infra-estrutura urbana (concentrada na "cidade formal") e dos órgãos públicos (isolando-os da população pobre), bem como controlando as leis de uso e ocupação do solo;

c) Na esfera ideológica: é criada uma ideologia para facilitar a dominação na cidade, gerando a aceitação dos dominados.

É por meio destes campos que as elites e o Estado mantém o status quo, reproduzindo a segregação na cidade diariamente e tornando cada vez mais difícil quaisquer alterações nas rígidas estruturas sociais brasileiras.

Osório nos alerta ainda para o fato de que

A informalidade habitacional na América Latina tem aumentado significativamente nos últimos anos, a ponto de a taxa de crescimento da população que reside em assentamentos irregulares representar quase o dobro da taxa de crescimento total da respectiva cidade. (OSÓRIO, 2006, p. 23)

Estes dados são alarmantes e reveladores, para que se vislumbre que a problemática da ilegalidade urbana assume proporções consideráveis e não somente no Brasil.

A segregação sócio-espacial, que conforme dito trata-se de um processo notadamente não-natural, é diretamente causadora da ilegalidade urbana na exata medida em que os únicos espaços que sobram para a população mais pobre habitar são as áreas sócio-ambientalmente mais frágeis.

Assim, muitas favelas se concentram em áreas de proteção ambiental ou áreas de risco, e a "ilegalidade urbana" começa na "escolha" do lugar onde morar por parte destas famílias. É preciso destacar, no entanto, que os ricos também ocupam áreas de proteção ambiental, e em Fortaleza essa situação é muito nítida na região do entorno do Rio Cocó, por exemplo. A ocupação das classes abastadas nestas áreas conta com a omissão e permissão governamental, numa clara dualidade de discursos: para os pobres nestas áreas de proteção, a repressão e a remoção; para os ricos, a permissividade do Poder Público, perpetuando as desigualdades ora apontadas.

A ilegalidade urbana de que falamos diz respeito ao local das habitações, mas também ao tipo de construção, a existência ou não de licenciamento da Prefeitura e da regularização fundiária.

Esclareça-se que a "escolha do lugar onde morar", para boa parte da população brasileira, obviamente, não é escolha alguma, haja vista que não existem opções a serem ponderadas. As áreas ocupadas pela população mais pobre são, de fato, as que a ela ficam disponíveis, ou seja: as únicas que não são interesse (ainda) do mercado imobiliário.

Trata-se da "lógica da necessidade", a respeito da qual Alfonsin (2006) se refere. A população pobre, que não encontra espaço no mercado formal de habitação, dá início às ocupações irregulares unicamente por conta da necessidade, que é a lógica que a move. É por conta dos preços excessivamente altos da terra urbana que estas pessoas não têm acesso à moradia, constituindo uma parcela considerável da população que se encontra, inegavelmente, sem opção. A informalidade é inelutável, pois é a única possibilidade de habitar destas pessoas, daí porque se diz que a motivação das ocupações irregulares é a lógica da necessidade.

Recentemente Fortaleza tem sido palco de várias destas ocupações irregulares organizadas por movimentos populares reivindicando a efetivação do direito à moradia. Reitera-se que a prática das ocupações se dá por conta da necessidade de habitação, que, conforme vimos, é demonstrada em larga escala pelo déficit habitacional brasileiro. Dentre alguns casos recentes, pode-se citar a emblemática ocupação a um prédio público realizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) em 2009.

A ocupação citada se deu em um imóvel público inutilizado, descumpridor, portanto, de sua função social. Na ocupação organizada pelo MLB, cerca de 200 famílias permaneceram meses em protesto no prédio público no centro da cidade. As famílias, oriundas de várias áreas de risco da cidade, reivindicavam a entrega de um conjunto habitacional, o Bárbara de Alencar II, que estava prometido pela Prefeitura desde 2006. O prédio ocupado foi escolhido de forma simbólica, também porque seria a nova sede do HABITAFOR, autarquia municipal responsável pela habitação popular.

A ocupação realizada em abril de 2009 foi no intuito da garantia da moradia destas famílias, pressionando o Poder Público pela entrega do conjunto habitacional que há muito estava previsto. Neste caso, não era o objetivo da ocupação permanecer habitando no prédio, sobretudo porque inexistiam condições para tanto. O objetivo era, portanto, unicamente forçar a resposta da Administração Municipal, que tardava a ocorrer. Neste sentido, esta ocupação foi um tanto quanto diferente, pois normalmente as ocupações, espontâneas ou organizadas, ocorrem visando a habitação no local ocupado.

O Município ingressou com uma Ação de Reintegração de Posse (posse, aliás, que não havia, uma vez que o imóvel há muito estava abandonado) e conseguiu uma liminar de reintegração. Apesar das inúmeras ameaças de remoção inclusive com violência policial, as famílias conseguiram judicialmente, com assessoria do Escritório Frei Tito de Alencar de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, a prorrogação do prazo para que ficassem lá, até a entrega oficial do conjunto habitacional.

Neste caso, observou-se tanto a importância da pressão popular para a efetivação de um direito fundamental, quanto a relevância da atuação consciente do Judiciário para que se concretizem direitos no Brasil.

1.3.1 Da especulação imobiliária como obstáculo à efetivação do direito à moradia

Uma das maiores causas da segregação sócio-espacial urbana consiste na especulação imobiliária nas cidades. Para citar Fortaleza, ocorre que um número considerável de imóveis permanece inutilizado, vez que neles não é assegurada moradia de ninguém, nem tampouco se desenvolvem atividades comerciais, por exemplo. A única finalidade destes imóveis é agregar valor e, no futuro, serem vendidos a preços muito maiores do que o preço de aquisição, gerando assim enriquecimento a seus proprietários.

Estes terrenos vazios, que, conforme dissemos acima, são utilizados apenas com finalidade de agregar valor, poderiam suprir a demanda por moradias se fossem utilizados em políticas habitacionais, haja vista que em algumas cidades o número de terrenos inutilizados ou subutilizados muitas vezes é maior que o déficit habitacional.

Conforme pesquisa da Fundação João Pinheiro, em 2000 era de 77.615 unidades o déficit habitacional de Fortaleza, em contraponto ao número de 69.995 imóveis vazios na cidade. Assim, a quantidade de terrenos vazios é muitas vezes proporcional ou até maior do que a necessidade por moradias, fato que demonstra de forma cabal que a falta de moradias não é decorrente de uma escassez real de terras, e sim da concentração das mesmas.

Por meio da especulação imobiliária, os espaços vazios na cidade vão sendo ocupados por pessoas de grande poder econômico que, com a propriedade daqueles terrenos, geram cada vez mais concentração de renda e de poder. Com os espaços da cidade diminuindo por conta desta "escassez criada", da necessidade cada vez maior de terrenos que é agravada e muito pela especulação, aos pobres não sobra onde morar senão nas áreas sócio-ambientalmente frágeis.

A segregação sócio-espacial, desta forma, vai progressivamente afastando a maioria da população para as poucas áreas que não interessam ao capital imobiliário: as áreas públicas ou de proteção ambiental, onde os "empreendedores" não poderiam especular ou construir, em virtude de leis ou mesmo de impossibilidades físicas, como é o caso de encostas de morros ou margens de rios.

Ocorre que a valorização que é atribuída aos terrenos que permanecem unicamente sendo "especulados" é gerada sobretudo por conta de investimentos públicos, uma vez que o preço dos espaços aumenta conforme a área em que eles se inserem recebe equipamentos e serviços públicos. Assim, os serviços de saneamento básico e asfaltamento, por exemplo, fazem com que os terrenos em torno sejam valorizados, e tal acréscimo de valor se deu diretamente em virtude do gasto de dinheiro público. Ou seja: por meio do investimento dos tributos de todos os munícipes, algumas pessoas enriquecem simplesmente por serem donas de terrenos.

Kowarick (1979) descreve de uma maneira bastante clara o mecanismo de que se utiliza a especulação imobiliária nas cidades, de forma que vale a pena transcrever a longa citação:

A especulação imobiliária (...) adotou um método, próprio, para parcelar a terra da cidade. Tal método consistia (e consiste) no seguinte: o novo loteamento nunca era feito em continuidade imediata ao anterior, já provido de serviços públicos. Ao contrário, entre o novo e o último já equipado, deixava-se uma área de terra vazia, sem lotear. Completado o novo loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a partir do último centro equipado. Quando estendida, a linha de ônibus passa pela área não loteada, trazendo-lhe imediata valorização. O mesmo ocorreria (e ocorre) com os demais serviços públicos. (KOWARICK, 1979, p. 33, grifo nosso)

Dessa forma, as imobiliárias e construtoras sabem que os terrenos intermediários serão valorizados muitas vezes de forma exorbitante e às vezes em muito pouco tempo, o que faz com que o lucro seja certo e em certa medida rápido. O processo de especulação, portanto, é deliberado e posto em prática segundo critérios lógicos do mercado imobiliário, visando o lucro crescente de poucos e nada se importando com as necessidades coletivas da maioria da população da cidade.

Esta prática, a retenção especulativa dos imóveis urbanos, é uma forma muito clara de transferir para o valor do terreno a benfeitoria pública, e, conforme dissemos, de forma rápida e antecipada. Pode-se compreender, assim, que a realização de rodovias ou quaisquer outras melhorias urbanas irá influenciar diretamente a valorização dos terrenos do entorno, fazendo com que estes fiquem cada vez mais inacessíveis às classes populares.

É desta maneira que a tendência do crescimento das cidades é a expulsão da população pobre para as "periferias" à margem da cidade. A especulação imobiliária, assim, é um dos fatores mais relevantes na questão da segregação sócio-espacial e na periferização da cidade.

Na prática, conforme nos lembra Rolnik, a especulação é uma "enorme transferência de recursos públicos para o mercado imobiliário"(informação verbal) [05]. Este fato é mais grave ainda em razão de que essa concentração de terrenos inutilizados não é, sob nenhum aspecto, benéfica para a cidade e os cidadãos. Mesmo assim, os donos dos terrenos, sujeitos ativos da especulação, são premiados com a valorização de suas propriedades, que é gerada pelo dinheiro público.

Quer-se com isso dizer que a especulação imobiliária configura enriquecimento ilícito dos proprietários destes terrenos, e o que é pior: enriquecimento ilícito à custa dos tributos, das receitas públicas. Com a especulação imobiliária a cidade perde, portanto, em várias frentes:

a) Em termos do investimento sem retorno (porque o lucro da venda dos terrenos valorizados fica somente para os particulares);

b) Em termos da "escassez criada" de territórios, gerando assim a concentração de terras nas mãos de poucos;

c) Na falta de moradia para a maioria da população.

A visão da terra e da habitação como simples mercadorias iguais a quaisquer outras ignora que as duas estão relacionadas ao direito à moradia enquanto Direito Fundamental. A especulação imobiliária é um sistema por meio do qual a terra é vista e vendida como bem particular independente das necessidades sociais, o que é completamente desarrazoado e hoje não encontra sequer suporte legal. A propriedade é condicionada à função social, que não é um atributo da propriedade, mas sim um de seus elementos estruturantes, ou seja, necessários.

Ignorar o valor da terra enquanto possibilidade de vida é um despropósito de que nos alerta Alfonsin:

O que não se pode deixar de considerar, entretanto, é que o suporte físico de ambos, a terra, contém potencialidades indispensáveis a vida, e à vida de todas as pessoas, não somente a dos proprietários, coisa que freqüentemente escapa à cogitação dos intérpretes das leis e dos fatos.

O solo é incomensurável em seu valor, tanto para os particulares como para o povo em seu conjunto. Nele se radicam a fonte de alimentação das gentes, as riquezas criadoras dos instrumentos elementares para a satisfação das incontáveis necessidades vitais, e todo o sistema habitacional dos seres humanos. Dele se extraem as substâncias curativas e de fortalecimento, as possibilidades inesgotáveis de recreio e lazer e, sobretudo, nele se exerce, basicamente, a liberdade essencial do homem de ir e vir. O solo é toda a hipótese e possibilidade de vida. (ALFONSIN, 2003, p. 88, grifo nosso)

É para evitar o desvirtuamento da propriedade em puro benefício particular de poucos, que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIII, determina que a propriedade atenda a sua função social. Desta forma, a Constituição assevera que é obrigação do proprietário providenciar para que a propriedade atenda sua função social, ou seja: não se trata de uma faculdade, e sim de um dever do dono do imóvel.

Além do supracitado artigo 5º, ainda sobre a função social da propriedade, está o artigo 170 da Constituição, que a traz como princípio:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

Desta forma, a função social da propriedade é expressamente prevista na Constituição ao mesmo tempo como uma garantia fundamental no artigo 5º e também como princípio central da ordem econômica brasileira, no artigo 170. Não se olvida, assim, que constitui a função social em uma das instituições mais importantes do ordenamento pátrio, sem a qual a propriedade não pode existir.

Descumprida a função social, a propriedade deixa de ser resguardada pelo Direito, tendo em vista que se descaracteriza enquanto direito fundamental. O direito fundamental à propriedade está condicionado ao exercício da função social, de forma que não se pode, sob hipótese alguma, deixar de exercê-la, sob pena de estar deslegitimada a propriedade, e ser plenamente possível a desapropriação.

Sobre a política urbana brasileira, dispõe o artigo 182 da Constituição Federal:

Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

(...)

§ - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor

(grifo nosso)

Neste artigo, a Constituição diz que as diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano serão fixadas em lei. Esta lei referida na Constituição foi promulgada em 2001 com a alcunha de "Estatuto da Cidade", trata-se Lei Federal 10.257/ 2001. Depreende-se ainda do supracitado artigo que caberá ao plano diretor especificar quais as exigências para cumprimento da função social da propriedade.

Não foi à toa que o Estatuto da Cidade estabeleceu como uma das diretrizes da Política Urbana Nacional o combate à especulação imobiliária. O Estatuto da Cidade regulamenta o artigo 182, e complementa, portanto, o que a Constituição Federal diz no capítulo de Política Urbana. No artigo 2º do Estatuto se observa claramente a intenção da lei em coibir essa prática.

Dessa forma, se a lei federal que complementa a Política Urbana nacional entende que a especulação imobiliária deve ser coibida, não se entende porque esta deva ser tolerada. Além disto, no Plano Diretor Participativo de Fortaleza- PDPFOR também está disposto que é um dos objetivos a diminuição da especulação imobiliária.

Facilmente se observa, portanto, que a especulação imobiliária é trazida como prática ilícita de forma implícita pela Constituição, e de forma expressa pelo Estatuto da Cidade e ainda pelo Plano Diretor de Fortaleza.

De forma implícita, na Constituição, porque a Carta Magna não se refere diretamente à especulação, mas ao mesmo tempo diz que a propriedade deverá cumprir sua função social. Compreende-se que privar milhares de pessoas de moradia, enquanto o terreno permanece inutilizado e unicamente valorizando, beneficiando somente o especulador, é indubitavelmente descumprir a função social da propriedade. Além disso, a Constituição diz que a função social será determinada nos planos diretores, e o PDPFOR traz expressamente sobre a função social, in verbis:

Art. 3º São princípios da Política Urbana:

(...)

§ 2º A função social da propriedade é cumprida mediante o pleno desenvolvimento da sua função socioambiental.

§ 3° A propriedade cumpre sua função socioambiental quando, cumulativamente:

I — for utilizada em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental;

VI — não for utilizada para a retenção especulativa de imóvel.

(grifos nossos)

Ou seja, o Plano Diretor de Fortaleza, que, conforme a Constituição é quem define o que seja a função social para o município de Fortaleza, diz que a retenção especulativa do imóvel corresponde ao não-cumprimento da função socioambiental da propriedade.

Reitera-se, assim, que a especulação imobiliária configura uma prática a ser combatida, vez que constitui enriquecimento ilícito. Conforme exposto, tanto a Constituição, quanto o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor de Fortaleza são normas em que a especulação é tida como prática ilícita, devendo, portanto, ser coibida.

Para enfrentamento real do déficit habitacional brasileiro, que é sobretudo urbano, é necessária a proibição efetiva da especulação imobiliária, pois, como vimos, é a retenção especulativa que gera a escassez criada de terras, elevando os preços e impossibilitando o acesso da população à moradia. Não parece ser suficiente construir conjuntos habitacionais ou criar programas que financiem ou subsidiem as casas para a população.

A simples obtenção da casa por uma ou centenas de famílias, como asseveram Rolnik e Maricato, não irá combater o problema, uma vez que gerará solução para aquelas questões específicas, mas o déficit habitacional continuará. As soluções reais para a crise habitacional brasileira estão no cumprimento à legislação que já existe (a exemplo da desapropriação-sanção para os proprietários que não cumprem a função social), e no repensar a cidade de uma forma que não exclua as pessoas, independentemente de classe social.

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Sobre a autora
Marília Passos Apoliano Gomes

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Marília Passos Apoliano. Da possibilidade de efetivação do direito fundamental à moradia por meio das Zonas Especiais de Interesse Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2598, 12 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17112. Acesso em: 4 nov. 2024.

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