CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de ser reconhecido no âmbito internacional o direito à moradia há várias décadas e em âmbito constitucional a partir de 2000, observou-se neste estudo a situação de um enorme desrespeito a este direito no Brasil. Tal desrespeito é facilmente comprovado pelo enorme déficit habitacional na cidade de Fortaleza, com a desconsideração aos direitos fundamentais de considerável parcela da população.
A cidade não é um espaço de igual acesso para todos, ocorrendo a olhos vistos a segregação sócio-espacial como forma de solidificar a existência de espaços diferenciados de acordo com a estratificação social de quem neles habite. A especulação imobiliária é um dos fatores que obstaculiza, e muito, a efetivação do direito à moradia, contribuindo diariamente para a manutenção da segregação sócio-espacial, conforme foi abordado no início deste trabalho.
Como uma das conclusões desta pesquisa, está a necessidade de combater as bases do problema da moradia no Brasil, que não se resolve simplesmente com a construção de conjuntos habitacionais. É preciso enfrentar a especulação imobiliária, o que significa o governo se indispor com o mercado imobiliário sim, mas não se pode olvidar que a especulação configura uma prática ilícita e, como tal, deve ser combatida.
O Plano Diretor de 2009 afirmou expressamente que a prática da especulação imobiliária fere a função social da propriedade, e que esta prática deve ser combatida como um dos objetivos da política urbanística de Fortaleza. E muito embora pudesse ter avançado bem mais, o novo Plano Diretor de Fortaleza trouxe alguns instrumentos essenciais para a melhoria da cidade e da qualidade de vida dos munícipes. Um destes instrumentos foi estudado neste trabalho, qual seja a Zona Especial de Interesse Social, que pode ser utilizado como potencial inibidor da ação de especuladores.
Ocorre que as desigualdades sociais e os problemas urbanos não se devem à falta de planejamento urbano ou de legislação avançada, pois o planejamento existe, e os instrumentos a serem aplicados, também. A experiência nacional não é satisfatória no que diz respeito à legislação avançada, que normalmente leva décadas para ser aplicada. Tal é o caso das leis ambientais, em que o Brasil é reconhecido internacionalmente por ter um dos melhores ordenamentos, mas uma das piores realidades de efetivação das conquistas legais.
É diante deste quadro de contradições que se insere a conquista das Zonas Especiais de Interesse Social. Foram discutidos neste trabalho as várias contribuições que este instrumento jurídico-urbanístico pode propiciar à cidade, principalmente ao direito à moradia. A criação de parâmetros específicos de construção e habitabilidade para as áreas destinadas a habitação popular; a regularização urbanística e fundiária destas áreas; a priorização dos investimentos em infra-estrutura e serviços coletivos; a integração das comunidades habitantes em ZEIS com o conjunto da urbe, enfim, são diversos os fatores que podem ser considerados enquanto benefícios para as áreas incluídas como ZEIS no Plano Diretor.
Neste trabalho, portanto, foram analisadas as vantagens da inclusão das áreas enquanto ZEIS. No entanto, também foram considerados os possíveis obstáculos a que sejam postas em prática as conquistas advindas das ZEIS, sejam elas as limitações legais já estabelecidas no próprio Plano Diretor, ou ainda as que derivem de legislação posterior ou de demora para aprovar as normas complementares.
Outro risco considerável são as obras faraônicas características de algumas gestões públicas, conforme foi citado o exemplo do Estaleiro, que, se construído no Serviluz, estaria desconsiderando e desrespeitando uma ZEIS já prevista no plano diretor.
O direito à moradia, assim como as ZEIS, restam ameaçados diante destas situações, mas é preciso que se diga que se está avançando. A instituição das ZEIS no ordenamento urbanístico municipal foi uma vitória considerável, e resultado de uma luta antiga dos movimentos populares. Faz-se imperiosa, sim, a continuidade da pressão para aprovação das demais leis que complementam a política urbanística municipal, bem como para a criação dos instrumentos necessários para que as melhorias comecem a acontecer nas áreas previstas como ZEIS.
Esclareça-se que o debate sobre as ZEIS está apenas no começo, pois houve a positivação básica que era necessária para a implantação deste instituto, mas muitos anos ainda passarão para que se possa ver a realização dos objetivos destas ZEIS. Ademais, é preciso que a preocupação não arrefeça, pois os riscos às melhorias alcançadas sempre existirão, e as contradições do espaço urbano necessitam ser combatidas progressiva e diariamente.
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