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Tombamento e desapropriação.

A intervenção do Estado na revitalização da região portuária do Rio de Janeiro

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Revitalização da Zona Portuária

O Projeto de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, denominado Porto Maravilha (PMRJ), se mantém, praticamente, fiel a perspectiva de revitalização, valorização e incremento sociocultural elaborada para a região em 1992.

A região se caracteriza por três bairros completos (Santo Cristo, Gamboa e Saúde); e 3 setores de bairros (São Cristovão, Centro e Cidade Nova), com 5 Milhões de m² de área total e 22 mil habitantes, IDH: 0,775 - um dos menores do Rio, 24º lugar no ranking das 33 regiões administrativas . Possui em seu entorno e proximidades os principais modais de transporte, tais como: a Rodoviária Novo Rio, o Aeroporto Internacional, o Porto Operacional, o Terminal marítimo de passageiros, a Central do Brasil, o Aeroporto Santos Dumond, a futura Estação do Metrô e o futuro terminal do Trem de Alta Velocidade além de terminais de Ônibus. Encontram-se na região empresas de grande porte, por exemplo: Triunfo, Multiterminais, Libra, Moinho Fluminense, Xerox do Brasil, INT, Lojas Americanas, Píer Mauá S.A., INPI, Cia. Docas do Rio, Metrô Rio, Embratel, Light e Socicam e outras.

Os objetivos do Projeto são a revitalização completa da região, a ser financiada na 1ª fase com recursos públicos e, na 2ª fase, com recursos privados oriundos de uma Operação Urbana Consorciada, compreendendo as seguintes demandas: habitação; cultura e entretenimento; comércio e indústria; recuperação completa da infraestrutura urbana, de transportes e do meio ambiente da região, de acordo com os novos usos do solo previstos; preservação e melhoria do meio ambiente, com arborização de calçadas (aprox. 40km c/ 11 mil árvores), novas praças e parques, e limpeza do canal do mangue, criando aproximadamente, 20 mil empregos diretos durante as fases 1 e 2 com Investimentos previstos na ordem de 3 bilhões de reais; melhoria das condições habitacionais da população existente e atração de novos moradores para a região projetando-se um crescimento de moradores na região de 20 mil para 100 mil (~30 mil casas); recuperação do casario através do programa novas alternativas; e instalação de unidade de polícia pacificadora (UPP) no Morro da Providência.

A ocupação do porto será priorizada através do reforço das vocações já existentes em cada setor, tais como: turismo e entretenimento; universidades e ensino; turismo / cultural e comercial; habitação de interesse social e comercial.

Encontra-se em andamento os projetos do Píer Mauá; Museu do Amanhã (Guggenheim); Pinacoteca do Rio; novo prédio da Polícia Federal; AquaRio; nova sede do Banco Central; Escola Técnica de Audiovisual e Restauro; reurbanização do Bairro da Saúde e Morro da Conceição; restauro da Igreja de São Francisco da Prainha; recuperação e retrofit no edifício "A Noite"; garagem subterrânea; unidade de Polícia Pacificadora da Providência e a nova estação do Metrô – Cidade Nova.

Em relação ao meio ambiente o projeto prevê a implantação de sistema de tratamento de água em tempo seco para o Canal do Mangue, Rio Comprido e Rio Maracanã; criação do corredor verde, com a implantação de 11 mil árvores na região e novas praças e parques; reurbanização de aproximadamente 40km de vias (pavimentação, drenagem, sinalização, iluminação, arborização de calçadas e canteiros) e implantação de novas vias e trechos de ciclovias; implantação de novas redes de esgotamento sanitário, abastecimento de água, energia elétrica, telefonia e gás encanado, melhoria da qualidade das águas do Canal do Mangue e da via de mão dupla interna, paralela à Rodrigues Alves (Binário do Porto); demolição do Elevado da Perimetral no trecho entre a Pça Mauá e a Av. Francisco Bicalho; .construção de túnel entre a Pça. Mauá e a Av. Rodrigues Alves (na altura do Armazém 5) com aproximadamente 2,0 km de comprimento (dois sentidos); construção de duas rampas ligando o viaduto do Gasômetro ao Santo Cristo; ampliação do atual túnel ferroviário sob o Morro da Providência para receber tráfego de automóveis e a implantação de mobiliário urbano, tais como: abrigos para automóveis, pontos de ônibus, lixeiras, totens, painéis informativos, bicicletários, etc.

O Projeto é complexo, demandou uma série de estudos e análises sobre a região como um todo e ainda é objeto de reavaliações tendo em vista a escolha da Cidade para sediar os jogos olímpicos em 2016, o que traz conseqüências diretas ao planejamento inicial, pela proposta de incorporar a Vila Olímpica a Zona Portuária.

A revitalização da Zona Portuária foi objeto de programa de outros governos como se observa no discurso de posse do presidente Rodrigues Alves, em 1902, quando declarou: "O meu programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase que exclusivamente a duas coisas: o saneamento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro." O Porto do Rio foi objeto de reformas há exatos 100 anos (julho/1910 – 2010).

Para a obtenção do sucesso esperado, o projeto vem promovendo uma verdadeira construção de parcerias através de um consórcio, entre os atores engajados no processo, órgãos públicos das 3 esferas, investidores e incorporadores, administradores, moradores e grupos socioculturais locais e para tal se encontra amparado no Estatuto da Cidade

De acordo com o Estatuto da Cidade, uma Operação Urbana Consorciada deve delimitar um perímetro de abrangência, ser objeto de leis específicas, estipular um estoque de área adicional a ser comercializado, estabelecer, programa de investimentos e utilizar todos os recursos arrecadados na realização do programa estabelecido na lei.

Art. 32, §1º Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

O Projeto prevê uma estimativa de arrecadação de impostos na ordem de R$ 200 milhões, através da criação do novo Pólo Turístico com a recuperação do patrimônio histórico e cultural já existente e a implantação de novos equipamentos culturais e de entretenimento e pela atração de sedes de grandes empresas, empresas de tecnologia e inovação, modernização e incremento da atividade portuária de carga e do turismo marítimo.

Conservar as referências culturais, valorizar os conhecimentos adquiridos e afirmar suas ambições, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida, são os corolários indispensáveis a qualquer projeto de desenvolvimento de cidades portuárias.

Programas e planos dessa natureza só podem ter sucesso se forem apoiados pelos atores que decidem os usos da cidade e que possuem os instrumentos apropriados para a implementação dos planos.

Transformar os conflitos em cooperação para construir as soluções socioambientais e econômicas para a complexa realidade dos portos é uma tarefa desafiadora, porém fundamental para os diversos segmentos produtivos que têm operações portuárias como atividade.

Espera-se que a melhoria da infraestrutura existente e a requalificação dos espaços públicos aumentem os índices de qualidade de vida dos habitantes da Saúde, Gamboa e do Santo Cristo, permitindo a inserção de novos extratos sociais sem, contudo expulsar a população local. Os galpões tombados e reciclados acrescidos da grande extensão de áreas verdes projetadas ao longo do antigo cais transformarão a área pela implantação de atividades turísticas, alavancando o desenvolvimento econômico da cidade, e permitindo a visibilidade para o mar.


Conclusão

A revitalização é polêmica e provoca debates entre a população no que tange aos verdadeiros interesses e quais necessidades estariam atendendo, tendo em vista que parte das propriedades desapropriadas retornarão ao uso residencial após recuperação e adequação através de alienação.

Os portos são objeto recente de atenção especial da política ambiental brasileira, cujas atividades têm dado origem a inúmeros conflitos. As áreas portuárias sofrem com o desafio de se adequarem às necessidades da globalização. Entretanto, apesar dos conflitos que permeiam esta relação, o desgaste poderá ser produtivo se desenvolver estratégias e reunir esforços para atender aos interesses comuns.

O porto do Rio de Janeiro possui atenção especial pelo potencial turístico da Cidade. Pela análise da proposta, pressupõe-se que foram realizados levantamento de dados ambientais; diagnóstico de potencialidades e limitações; avaliação dos impactos; e proposições de medidas. Como escopo se verifica uma análise de oferta, ou seja, uma avaliação das composições entre aptidões e usos do território e levantamentos em diferentes células básicas (localização estratégica; modais de transporte; empresas instaladas na região e pólo turístico) resultando na conjugação de parâmetros ambientais.

O desafio do Poder Público ao priorizar o Projeto é transformar a Zona Portuária num pólo multifuncional com enfoque na cultura, lazer e turismo, com uso de alta tecnologia, criando novas habitações e integrando-o a dinâmica do núcleo central da cidade, estabelecendo propostas e direcionamentos para o desenvolvimento local dos habitantes estabelecidos e daqueles que têm a área como local de trabalho: empresas de navegação, sindicatos, associações, comércio local, escolas, igrejas, hospitais entre outros.

Os tombamentos e as desapropriações decorrentes do projeto derivam de manifestação expressa do poder público para garantir o interesse público sobre o privado através de ato administrativo, revestido pelos pressupostos do interesse social e utilidade pública em cumprimento da máxima da função social. O mérito do poder público residirá no benefício sociocultural, econômico e ambiental que poderá trazer para a cidade, integrando um espaço em estado de degradação e estagnação a um novo contexto social, dando novas utilidades aos prédios antigos e atendendo as necessidades básicas da região, ampliando as redes de saneamento e infraestruturas, dando suporte às novas construções que se deslumbram, justificando a sua intervenção direta naquele espaço.


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Sobre a autora
Márcia Regina Martins Lima Dias

Advogada, Especialista em Direito Imobiliário (UGF), Análise Ambiental e Gestão Territorial (ENCE) e Docência no Ensino Superior. Coordenação de Projetos e Consultoria.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Márcia Regina Martins Lima. Tombamento e desapropriação.: A intervenção do Estado na revitalização da região portuária do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2605, 19 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17223. Acesso em: 24 abr. 2024.

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