RESUMO
Este trabalho pretende examinar a nova disciplina do cumprimento de sentença relativa à obrigação de pagar quantia certa, para estabelecer o termo inicial do prazo para incidência da multa de dez por cento decorrente do não adimplemento espontâneo pelo devedor, imposta pelo art. 475-J do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.232/05. Inicia-se com um breve retrospecto das reformas do Código de Processo Civil e considerações sobre o novo paradigma do processo sincrético para os procedimentos executórios. Feitas considerações iniciais sobre a liquidação de sentença e as formas de execução, promove-se uma análise dos posicionamentos de três correntes na literatura jurídica, bem como demonstra-se a uniformização do entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. Conclui-se que o termo inicial do prazo é a intimação do devedor, na pessoa do seu advogado, observadas as regras gerais dos arts. 184 e 241, do CPC, e também pela possibilidade de o juiz, de ofício, determinar aquela intimação.
Palavras-chave: Cumprimento de sentença. Art. 475-J do CPC. Prazo. Termo inicial.
ABSTRACT
This article intends to examine the new discipline about the execution of judicial sentence related to the obligation of a fixed amount payment, in order to establish the initial deadline to the application of a ten percent charge due to a not spontaneous accomplishment of payment by the debtor, imposed by the article 475-J of the Civil Procedural Code, added by the Law 11.232/05. It begins with a short retrospect of the reforms done in the Civil Procedural Code and considerations about the recent paradigm of syncretic procedure to the execution process. Made these first considerations about judicial sentence liquidation and the forms of execution, it promotes an analysis of the three main positions in the judicial literature, as well as it demonstrates the uniformity of understanding by the Superior Justice Tribunal about the matter. It concludes that the deadline’s initial term is the debtor’s summons, in the person of his or her lawyer, observed the general rules of the articles 184 and 241, of the Civil Procedural Code, and also the possibility of the judge, on his or her own, determines that summons.
Keywords: Execution of judicial sentence. Article 475-J of the Civil Procedural Code. Deadline. Initial term.
1 INTRODUÇÃO
A morosidade da prestação jurisdicional e a crise do Poder Judiciário são temas recorrentes em matérias nos meios de comunicação, bem como em estudos científicos.
O crescente número de demandas, a ampliação de acesso à justiça com a criação dos Juizados Especiais, o número insuficiente de magistrados e de funcionários, problemas orçamentários do Poder Judiciário, a lentidão do processo, a formalidade e a complexidade dos procedimentos, a previsão de um vasto sistema recursal são exemplos dos problemas que geram o quadro negativo da Justiça perante a sociedade e os meios de comunicação.
As inovações legislativas têm procurado solucionar o problema da morosidade do processo, principalmente, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, assegurando a razoável duração do processo e os meios adequados que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), bem como a efetividade da prestação jurisdicional com a satisfação do direito tutelado.
Criaram-se mecanismos para acelerar o andamento do feito, seja através de tutelas de urgência, seja com procedimentos diferenciados para determinadas questões. Suprimiram-se artifícios processuais utilizados para protelar o feito. Instituiu-se o processo coletivo, além de se reforçar as conciliações e formas de solução extrajudicial, como a arbitragem.
O presente trabalho objetiva analisar uma das inovações processuais que buscam dar celeridade aos feitos e efetividade ao provimento jurisdicional instituída pela Lei nº 11.232/05, qual seja, o procedimento executivo para o cumprimento da sentença relativa à obrigação de pagar quantia certa e o prazo de quinze dias para pagamento espontâneo pelo devedor, cuja inobservância acarretará o acréscimo da da multa de dez por cento sobre o valor do débito.
A relevância do estudo científico fica evidenciada por se tratar da última alteração quanto ao rito da execução de sentença no Código de Processo Civil, que também promoveu e continua promovendo discussões forenses com teses diferenciadas, em especial, no que diz respeito ao termo inicial do prazo previsto em seu art. 475-J. Aliás, qualifica-se o estudo em virtude de as discussões terem sido objeto de recursos junto aos Tribunais Superiores, havendo decisões divergentes nas turmas do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que somente uniformizou seu entendimento, em votação majoritária, em 07 de abril de 2010, através de sua Corte Especial.
A elaboração deste artigo utilizou os métodos dedutivo e comparativo, além da técnica de pesquisa bibliográfica, dividindo-se em cinco seções.
Após um breve retrospecto das reformas do Código de Processo Civil que trouxe um novo paradigma através do processo sincrético para o procedimento executório, são feitas considerações sobre a liquidação de sentença e as formas de execução.
Ao analisar o atual procedimento para o cumprimento da sentença relativa à obrigação de pagar quantia certa e suas inovações, são apresentados os posicionamentos de três correntes na literatura jurídica e do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Enfrentar-se-ão as controvérsias acerca do termo inicial do prazo do art. 475-J do CPC, bem como demonstrar-se-á a uniformização do entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
2 REFORMAS PROCESSUAIS
As reformas do Processo Civil brasileiro realizadas nos últimos anos objetivaram criar novos mecanismos para a efetividade processual, associada à maior celeridade, em especial, à satisfação do direito reconhecido judicialmente com a observância dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 deu nova redação ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, assegurando a razoável duração do processo e os meios adequados que garantam a celeridade de sua tramitação. Esse princípio inovador não se limita apenas ao processo ou à fase de conhecimento, devendo abranger a satisfação do direito reconhecido por sentença judicial para lhe conferir a efetividade necessária à atividade jurisdicional.
O ordenamento jurídico prevê para a execução de títulos judiciais normas específicas a depender do tipo da obrigação: de fazer ou não fazer; de entrega de coisa e de pagar [01]. Todas elas sofreram mudanças nas sucessivas reformas processuais para alcançar os objetivos já citados.
Há que se registrar a experiência com o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), quanto à tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer. Em 1994, a Lei nº 8.952 alterou o art. 461, do CPC, ampliando a disciplina do rito executório próprio das obrigações de fazer ou não fazer. Em 2002, a Lei nº 10.444 acrescentou o art. 461-A, versando sobre a realização concreta do título executivo de obrigação de entrega de coisa [02] que não seja dinheiro [03].
As mencionadas inovações legislativas simplificaram o procedimento para a execução das sentenças que determinam obrigação de fazer ou não fazer, bem como de entrega de coisa, denominada aquela sentença de mandamental e esta de executiva lato sensu [04], a exemplo do que já ocorria com mandado de segurança e ações possessórias e despejo [05].
Em 2005, a Lei nº 11.232 manteve inalteradas as regras próprias daquelas execuções de títulos judiciais (art. 461 e 461-A, do CPC), segundo previsão expressa do art. 475-I, do CPC. Por outro lado, a mesma lei promoveu significativa reforma do cumprimento da sentença quanto à obrigação de pagar quantia certa, com a realocação de seus dispositivos no CPC, a mudança conceitual de seus institutos e alterando algumas de suas expressões, estabelecendo-se um novo paradigma procedimental [06].
Percebe-se que, embora persistam as regras específicas para a execução de cada tipo de obrigação, as gradativas mudanças trouxeram uma característica comum, a saber, o processo sincrético, antes restrito às execuções por desapossamento e transformação [07].
3 PROCESSO SINCRÉTICO
A busca do legislador reformista pela efetividade, satisfação concreta do direito reconhecido e simplificação dos ritos impôs uma mudança de paradigma da tutela jurisdicional executiva, abandonando o princípio da autonomia para adotar o princípio do sincretismo [08].
A literatura jurídica tradicionalmente considerava que a atividade jurisdicional executiva demandava um "processo" autônomo, chamado de "processo de execução", diverso dos demais tipos de "processo", principalmente o "de conhecimento" [09].
O Código de Processo Civil reflete aquele pensamento por estar dividido em livros identificados pelos respectivos processos: I – processo de conhecimento; II – processo de execução; III processo cautelar e IV – procedimentos especiais, sendo o V dedicado às disposições finais e transitórias [10].
O princípio do sincretismo se opõe à idéia do princípio da autonomia, desde quando permite que um só processo realize a atividade de conhecimento e sua execução de forma contínua. As atividades de reconhecimento do direito e de sua realização concreta representam etapas ou fases de um mesmo processo.
Apesar da reconhecida relevância do princípio da autonomia para distinção entre as atividades jurisdicionais cognitiva, voltada ao reconhecimento do direito, e executiva, à realização do direito já declarado judicialmente, o momento atual do Processo Civil brasileiro não permite sua aplicação de forma estrita e rígida. Ao contrário, tornou-se cada vez mais frequente que a atividade jurisdicional de realização do direito ocorra de forma sucessiva e, algumas vezes, simultânea à de seu reconhecimento [11].
As reformas processuais já citadas apontam exatamente nesse sentido, promovendo-se a execução dos títulos judiciais através de um processo sincrético, independentemente da natureza da obrigação reconhecida [12].
Esse novo paradigma ensejou uma série de mudanças para a execução de sentença quanto à obrigação de pagar quantia certa.
A realocação de suas normas para o livro I, do Código de Processo Civil, em seu título VIII, mediante a criação do capítulo X, do cumprimento da sentença, contendo os arts. 475-I a 475-R, evidencia que os atos executórios ocorrerão no mesmo processo de conhecimento que condenou ao pagamento de quantia. O mesmo ocorreu com o procedimento de liquidação de sentença, acrescentando-se o capítulo IX, com os arts. 475-A a 475-H, por se tratar de incidente processual prévio e indispensável à execução das sentenças que não determinam o valor devido [13].
Não se tratando de outro processo, suprimiu-se a citação e os embargos à execução, comunicando-se o devedor por intimação, que poderá se defender através de impugnação à execução.
Também foram necessárias adequações das expressões utilizadas, como ocorreu no art. 269, do CPC, não mais se tratando de "extinção do processo com julgamento do mérito", mas sim "haverá resolução do mérito" [14], uma vez que o processo continuará na fase de execução após a solução judicial do litígio.
4 O NOVO RITO PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA POR QUANTIA CERTA
A Lei nº 11.232/05 introduziu um novo modelo para a execução da sentença, denominado cumprimento de sentença, como se observa no capítulo X, do título VIII, do livro I, do Código de Processo Civil.
A nova denominação do capítulo deve ser tratada como sinônima da execução [15], até porque o próprio art. 475-I, do CPC expressamente estabelece que aquele se dará por execução [16].
Diante da necessidade de se analisar o novo rito para o cumprimento da sentença por quantia certa previsto no art. 475-J do CPC e seguintes, importante a transcrição do primeiro dispositivo:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
§ 2º Caso o oficial não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.
§ 3º O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.
§ 4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.
§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, se prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte [17].
Como já foi ressaltado anteriormente, suprimiu-se a citação do devedor, ao tempo em que ficou expressamente estabelecido o prazo para o cumprimento espontâneo da sentença e o acréscimo de dez por cento após seu término. Por isso, essencial que se conheça o termo inicial e a forma de contagem daquele prazo, com breves considerações sobre a liquidação de sentença e as formas de execução.
4.1 LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Considerando que se trata de obrigação de pagar dinheiro, pressupõe-se a liquidez do valor da obrigação por ter sido determinado na sentença ou mesmo apurado no incidente de liquidação, agora disciplinada nos arts. 475-A a 475-H, do CPC.
Embora tenha havido mudança conceitual da liquidação de sentença, por representar mais uma etapa do processo sincrético, além de topográfica no CPC, com a realocação para o capítulo IX, do título VIII, do seu livro I, foram, de modo geral, mantidas as regras anteriores sobre a matéria [18].
Persiste a possibilidade de o credor promover a execução da parte líquida da sentença simultaneamente à liquidação da ilíquida (art. 475-I, do CPC). Mantiveram-se duas modalidades de liquidação: por arbitramento e por artigos (arts. 475-C e 475-F, do CPC).
No caso de a apuração do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o próprio credor elaborará a memória discriminada do cálculo, quando do requerimento da execução da sentença (art. 475-B, do CPC), dispensado o incidente de liquidação.
4.2 EXECUÇÃO DEFINITIVA E PROVISÓRIA
Assim como ocorreu com a liquidação de sentença, embora tenha havido alteração topográfica para o art. 475-I do CPC e mudança da redação da norma, continua a lógica de que a execução de sentença é definitiva quando esta é eficaz, não mais se sujeitando a recursos ordinários ou extraordinários (art. 467, do CPC).
Em contrapartida, será provisória a execução quando a sentença for impugnada por recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.
O presente trabalho adota o posicionamento de somente ser possível a imposição da multa do art. 475-J, do CPC na execução definitiva [19]. Sua imposição na execução provisória comprometeria o princípio constitucional do devido processo legal [20], diante a incompatibilidade entre a satisfação do direito estimulada pela exclusão da multa e o exercício regular a via recursal. Por isso, a abordagem dos próximos tópicos será feita em relação à execução definitiva.
4.3 O PRAZO PARA INCIDÊNCIA DA MULTA DO ART. 475-J DO CPC
Uma das principais novidades no rito do cumprimento da sentença transitada em julgado é a previsão expressa do prazo de quinze dias para que o devedor promova o pagamento espontâneo do débito.
Naturalmente, as novidades são objeto de análise de diversos estudos científicos e de discussões forenses, responsáveis pelo surgimento de correntes divergentes sobre o tema. Não foi diferente com o termo inicial daquele prazo de quinze dias, desde quando o art. 475-J do CPC não o identificou de forma direta e clara.
A discussão se qualifica ainda mais porque a inobservância do prazo acarreta o acréscimo de dez por cento sobre o débito. Consequentemente, surgiram as primeiras controvérsias entre os autores. Nos tribunais, houve divergência até mesmo no STJ, cujo posicionamento foi recentemente uniformizado, em votação majoritária, em 07 de abril de 2010, através de sua Corte Especial [21].
4.3.1 Controvérsias na literatura jurídica
Necessário expor os argumentos dos autores acerca do tema, que se repetiram nos tribunais e repercutiram no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, para concluir qual o procedimento adequado aos princípios do direito processual civil.
As interpretações verificadas na literatura jurídica podem ser condensadas em três correntes.
A primeira defende a imprescindibilidade de intimação pessoal do devedor para pagar o valor da condenação [22]. A segunda entende suficiente a intimação do advogado do devedor [23]. A terceira sustenta que o prazo corre automaticamente com o trânsito em julgado, independentemente de qualquer tipo de intimação [24].
Há também variações da primeira e da segunda correntes, ao discutir sobre a imprescindibilidade de requerimento do credor e ainda com a juntada da memória do cálculo do débito para que haja a intimação capaz de iniciar a fluência daquele prazo.
Segundo Alexandre Freitas Câmara, tornando-se eficaz a sentença com seu trânsito em julgado, necessária a intimação pessoal do devedor para, no prazo de quinze dias, pagar o valor da condenação, conforme se vê no seguinte trecho:
, segundo o qual os prazos, salvo disposição em contrário, correm da intimação. Não havendo no art. 475-J do CPC a indicação de um termo inicial para o prazo de quinze dias, é imperioso que se aplique a regra geral, por força da qual os prazos correm a partir da intimação. Além disso, é de se considerar que a intimação far-se-á pessoalmente ao devedor em razão do próprio conceito de intimação, estabelecido pelo art. 234 do CPC. Segundo esse dispositivo, a intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. É evidente, pois, que o destinatário da intimação é aquele de quem se espera um determinado comportamento processual. No caso, o comportamento esperado (pagar o valor da condenação) é da parte, e não de seu advogado, razão pela qual é aquela, e não a este, que se deve dirigir a intimação. O não-pagamento no prazo de quinze dias implicará a incidência de multa de dez por cento sobre o valor da condenação (aí incluídos o principal e eventuais acessórios, como despesas processuais e honorários advocatícios) [25] (grifou-se).Esta intimação é exigida para que corra o prazo por força do disposto no art. 240 do CPC
Marcelo Abelha Rodrigues comunga do mesmo posicionamento, inclusive, cita o autor acima no que diz respeito ao ato processual ser destinado exclusivamente à parte. Outrossim, acrescenta uma justificativa de ordem prática:
Assim, primeiro, é preciso de intimação, porque não seria sensato admitir que a parte tivesse de acompanhar o exato momento de eficácia da decisão condenatória, bastando imaginar a confusão que seria se o prazo fluísse imediatamente da publicação do acórdão que manteve em parte a condenação imposta na sentença. Como o valor da condenação havia sido alterado, então teria o advogado de buscar o seu cliente para avisá-lo do prazo de quinze dias para cumprimento da decisão sob pena de multa [26].
No mesmo sentido, Dorival Renato Pavan por se tratar de ato voluntário do devedor, que refletirá sobre a conveniência e oportunidade, além de implicar restrição ao seu direito. Argumenta ainda:
Os poderes conferidos no artigo 38 do CPC e 5º, § 2º, da Lei 8.904/94 – Estatuto do Advogado – habilita o advogado a praticar, tão-somente, os atos do processo, como são os atos destinados a, por exemplo, oferta impugnação à contestação, impugnar rol de testemunhas, recorrer, contra-arrazoar recurso interposto pela outra parte, ofertar memoriais, debates orais, e ainda oferecer impugnação à pretensão de cumprimento de sentença (art. 475-J, § 1º), dentre outros atos de idêntica carga e natureza [27] (itálicos no original).
Já o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno, embora idêntico ao de Alexandre Freitas Câmara acerca da aplicabilidade da regra geral do art. 240, do CPC, diante da omissão do art. 475-J, do mesmo diploma, diverge quanto à pessoa a ser intimada, já que não seria o próprio devedor, mas seu advogado. Merece destaque seu pensamento:
A intimação a que se referem os parágrafos anteriores deve ser feita ao advogado do devedor. Não há razão para entender que ela seja encaminhada para as partes diretamente, porque não há qualquer exigência neste sentido na lei processual civil, prevalecendo, destarte, a regra geral (v. n. 4.4.1 do Capítulo 3, da Parte I do vol. 1). Que o pagamento será feito pelo devedor e não pelo seu advogado é entendimento irrecusável, mas ocorre que importam para o art. 475-J os efeitos processuais deste pagamento e não, apenas, sua ocorrência no plano material. Por isto, é irrecusável ver, neste ato, um ato processual e, consequentemente, um ato de postulação. O advogado é, nos casos em que representa o seu constituinte em juízo, verdadeira ligação entre o que ocorre no plano material e no plano processual. Trata-se de múnus ínsito à profissão, de inspiração, por isso mesmo constitucional (v. n. 4 do Capítulo 4 da Parte II do vol 1) [28] (itálicos no original) (grifou-se).
Há que se transcrever ainda o raciocínio do mesmo autor sobre a regra geral das intimações acima referida:
As intimações são dirigidas aos advogados ou às partes, consoante o caso. A melhor interpretação é que a intimação dirigida diretamente às partes, contudo, só deve se justificar nos casos em que a lei expressamente a preveja. Assim, por exemplo, nos casos em que há abandono da prática dos atos processuais (art. 267, II e III c/c §§ 1º e 2º); nos casos de depoimento pessoal (art. 343, § 1º); ou, ainda, quando a parte não tiver advogado constituído nos autos (arts. 652, § 4º e 687, § 5º). Nas demais hipóteses, na falta de lei expressa, em sentido contrário, deve prevalecer o entendimento de que a intimação, que é ato que envolve a prática de algum ato processual, deve ser dirigida a quem detém "capacidade postulatória" (v. n. 3.2.5, supra) [29] (grifou-se).
Athos Gusmão Carneiro é representante da terceira corrente que dispensa qualquer tipo de intimação, expondo: "Com a intimação da sentença, o réu está ciente do prazo em lei pra que cumpra a decisão e pague a quantia devida. Não o fazendo, estará inadimplente, e sujeito à incidência da multa" [30].
Humberto Theodoro Júnior e Ernane Fidélis dos Santos adotam uma posição intermediária entre a segunda e a terceira correntes. Na hipótese de o trânsito em julgado ter ocorrido no primeiro grau, defendem que o prazo corre automaticamente, já que "a sentença condenatória líquida, ou a decisão de liquidação da condenação genérica, abrem, por si só, o prazo de 15 dias para o pagamento do valor da prestação devida" [31].
Por outro lado, os mesmos autores argumentam problemas de ordem prática com o retorno dos autos quando o trânsito em julgado ocorre nos tribunais em grau de recurso. Diante disso, exigem a intimação das partes, através de seu advogado, acerca do retorno dos autos para ter início aquele prazo de cumprimento espontâneo. Os trechos abaixo elucidam o posicionamento de cada um dos autores:
Vai haver, na prática, certa questão que merece a contemporização dos julgadores, quando o trânsito em julgado ocorrer nos tribunais. No comum, há certa demora e embaraços na baixa dos autos à comarca de origem, o que, principalmente para aqueles que não têm advogados acompanhando o processo em instâncias superiores, acontece com certa dificuldade no conhecimento do trânsito em julgado. Nesse caso, é de bom alvitre que o prazo de pagamento comece a correr após a descida dos autos, o que será noticiado na forma própria de intimação. Não se trata, evidentemente, de intimação para início da execução, mas apenas de notícia de que os autos baixaram e estão à disposição das partes, para os fins que entenderem necessários [32].
É do trânsito em julgado que se conta dito prazo, pois é daí que a sentença se torna exeqüível. (…). Se o trânsito em julgado ocorre em instância superior (em grau de recurso), enquanto os autos não baixarem à instância de origem, o prazo de 15 dias não correrá, por embaraço judicial. Será contado a partir da intimação às partes da chegada do processo ao juízo da causa [33].
No tocantes às duas correntes que exigem a intimação da parte ou seu advogado para ter início o prazo, alguns autores defendem que esta pode ser determinada de ofício pelo juiz [34]. Todavia, outros consideram imprescindível o requerimento do credor com memória do cálculo discriminada e atualizada do débito [35].
4.3.2 Uniformização do entendimento pelo STJ
Nos tribunais, foram debatidas as mesmas correntes da literatura jurídica quanto ao termo inicial do prazo para aplicação da multa do art. 475-J, do CPC.
O Superior Tribunal de Justiça apreciou em várias oportunidades o tema através de suas Turmas de forma divergente, até que a Terceira Turma do STJ, em 25 de setembro de 2007, afetou a matéria à Corte Especial para promover sua uniformização [36].
Ultrapassados quatro anos da promulgação da Lei nº 11.232/05 e quase dois anos e meio de discussão, em 07 de abril de 2010, a Corte Especial do STJ uniformizou seu entendimento, mediante votação majoritária, de acordo com ementa abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. LEI N. 11.232, DE 23.12.2005. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. JUÍZO COMPETENTE. ART. 475-P, INCISO II, E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO ADVOGADO PELA PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL. ART. 475-J DO CPC. MULTA. JUROS COMPENSATÓRIOS. INEXIGIBILIDADE.
1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada.
2. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa dos autos à Comarca de origem e a aposição do "cumpra-se" pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil.
3. O juízo competente para o cumprimento da sentença em execução por quantia certa será aquele em que se processou a causa no Primeiro Grau de Jurisdição (art. 475-P, II, do CPC), ou em uma das opções que o credor poderá fazer a escolha, na forma do seu parágrafo único – local onde se encontram os bens sujeitos à expropriação ou o atual domicílio do executado.
4. Os juros compensatórios não são exigíveis ante a inexistência do prévio ajuste e a ausência de fixação na sentença.
5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido [37] (grifou-se).
Todas as correntes foram devidamente expostas no item anterior.
Ressalta-se que prevaleceu o entendimento de que o termo inicial do prazo do art. 475-J, do CPC ocorre com a devida intimação do devedor, na pessoa de seu advogado.
Por outro lado, o STJ não menciona a possibilidade de o juiz determinar, de ofício, a intimação do devedor. Na realidade, sinaliza em sentido oposto, ao imputar ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente, requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada.
4.3.3 Termo inicial do prazo
A solução para todos os questionamentos e controvérsias acima sobre o termo inicial do prazo deve ser amparada nos argumentos teóricos, sem prejuízo da ratificação pelos de ordem prática, sempre de acordo com os princípios constitucionais e infraconstitucionais do direito processual civil.
O art. 475-J do CPC não identificou o termo inicial do prazo de forma clara e direta. Na ausência de regra específica do dispositivo comentado, através de uma interpretação sistemática do CPC, há que se aplicar a regra geral de que os prazos serão contados da intimação, segundo seu art. 240 [38].
Não há dúvidas da extrema celeridade que se teria com o início do prazo automaticamente após o trânsito em julgado, mas a interpretação acima não indica ter sido esta a vontade do legislador.
A intimação afasta o embaraço processual mencionado pelos autores acima quanto ao retorno dos autos após o trânsito em julgado na instância superior ou mesmo por reforma da sentença.
A possibilidade de cumprimento espontâneo da sentença transitada em julgado não é novidade. No anterior processo autônomo de execução ou mesmo no atual processo sincrético, a pretensão executiva só tem início se aquele não ocorrer. Aliás, o revogado art. 570, do CPC conferia legitimidade ao devedor para propor a execução. A inovação decorre da multa de dez por cento pelo não cumprimento espontâneo e, por se tratar de uma restrição, justifica-se a mudança de procedimento no sentido de haver, agora, a intimação.
Solucionada a necessidade de intimação, surge o questionamento de quem deve ser intimado, uma vez que o próprio CPC, no art. 234, define a intimação como o ato pelo qual se dá ciência a alguém, partes, advogados e terceiros (testemunhas, peritos e assistentes técnicos), dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Mais uma vez, diante da omissão do art. 475-J, do CPC, deve-se recorrer à disciplina da parte geral do código quanto às intimações. Em regra, as partes são intimadas dos atos processuais através de seus advogados, enquanto seus representantes legais no processo e detentores de capacidade postulatória (arts. 236 e 237, do CPC), ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na legislação [39].
Destacam-se alguns exemplos citados por Cassio Scarpinella Bueno já transcritos acima [40]: abandono da prática dos atos processuais (art. 267, II e III c/c §§ 1º e 2º); depoimento pessoal (art. 343, § 1º); ou quando a parte não tiver advogado constituído nos autos (arts. 652, § 4º, 687, § 5º e o próprio 475-J, § 1º).
O fato de a intimação objetivar o pagamento pelo devedor da quantia da condenação não é suficiente para exigir a intimação pessoal, por não ser essa a sistemática do CPC. A intimação do advogado é hábil para impor o pagamento, em caso de emenda da inicial, das custas iniciais (arts. 19 e 284), bem como das despesas processuais, como preparo de recursos e honorários periciais (art. 33).
O modelo anterior de execução da sentença justificava a necessidade de comunicação pessoal ao devedor, por se tratar exatamente de processo autônomo, o que demandava nova citação. Destarte, a intimação pessoal do devedor no modelo atual representaria mera alteração da forma de comunicação do ato, mas manteria a essência do início do rito executivo anterior, em desacordo com a intenção do legislador reformista.
Ressalva-se, porém, a hipótese de intimação pessoal do devedor, na falta de advogado constituído, a exemplo do revel que sequer constituiu advogado ou foi citado por edital. Ainda que represente o réu revel citado por edital, o curador especial não pode ser intimado para a finalidade de pagamento, já que sua atuação pressupõe, desde o início, o desconhecimento da localização da parte, que deverá ser intimada novamente por edital [41].
Relevante ainda analisar que a intimação se fará na pessoa do advogado constituído no momento da sentença, independentemente de haver renúncia ou destituição logo após sua prolação.
Ernane Fidélis dos Santos expõe:
Ao contrário da antiga execução que se formava em processo autônomo, com necessidade de formação de nova relação processual, sem razão era a intimação do advogado, sendo obrigatória, necessariamente, a citação do devedor condenado. Agora, no entanto, o cumprimento do julgado é mero apêndice, prosseguimento do processo de conhecimento. Daí, se, no momento da sentença, houver advogado constituído, ainda que haja renúncia ao mandato ou destituição do procurador, a intimação será feita só a ele, a não ser que a representação se tenha extinguido por razões de força maior ou caso fortuito, como morte do representante ou cessação de sua capacidade postulatória. Em outras palavras, se o advogado renunciar ou for destituído após a sentença, sempre será ele o intimado, nas hipóteses previstas, para a fase procedimental do cumprimento da sentença [42].
Reitera-se que o importante é que advogado esteja constituído no momento em da sentença para possibilitar sua intimação capaz de iniciar o prazo de quinze dias do art. 475-J, do CPC.
Assim, evita-se que haja renúncia, destituição ou até mesmo limitação do mandato inicial até o término da fase de conhecimento, com a finalidade exclusiva de retardar o início do prazo do art. 475-J, do CPC. Consequentemente, estimula-se a boa-fé processual nessa etapa.
4.3.4 Intimação de ofício ou requerimento do credor?
Outro ponto controvertido intrinsecamente relacionado ao prazo é sobre a possibilidade de o juiz, de ofício, determinar aquela intimação ou se é imprescindível o requerimento pelo credor [43].
A despeito da uniformização pelo Superior Tribunal de Justiça, não há prejuízo que a atividade executiva seja iniciada de ofício pelo julgador verificado o trânsito em julgado, uma vez que se trata da efetivação ou realização concreta da sentença que impõe a obrigação de pagar [44].
Nesse caso, a apuração do valor deverá ser feita pelo próprio devedor. A revogação do art. 570, do CPC, que legitimava o devedor para promover o processo de execução, em nada interfere na relação de direito material do devedor, a quem é facultada sua liberação (art. 334, do Código Civil).
A revogação do dispositivo sem norma correspondente na nova disciplina da matéria está relacionada com a simplificação do rito executório, mas não retira a iniciativa do devedor seja pelo oferecimento direto ao credor ou simples requerimento de depósito da dívida acompanhado da memória do cálculo por ele elaborado [45].
De qualquer forma, caso o cálculo elaborado pelo devedor seja inferior ao efetivamente devido, a multa recairá sobre o restante do débito, por força do art. 475-J, § 4º, do CPC.
Atente-se que o próprio art. 475-J, do CPC somente demanda requerimento do credor com memória discriminada e atualizada do cálculo para expedição do mandado de penhora e avaliação. A regra de arquivamento prevista no seu § 5º versa sobre o mesmo requerimento para se promover a penhora, o que não impede o anterior cumprimento espontâneo após intimação do devedor, ainda que determinada de ofício.
As mencionadas dificuldades do Poder Judiciário provavelmente representarão um obstáculo para a prática de tal medida, de ofício, pelo juiz antes de eventual requerimento do credor, interessado no imediato pagamento ou, não havendo, na contagem do prazo para obter o acréscimo de dez por cento pela omissão do devedor.
Por isso, recomendável que conste na própria sentença que, não havendo interposição de recurso, o advogado da parte vencida fica intimado para promover o pagamento espontâneo, no prazo de quinze dias após o trânsito em julgado, sob pena de incidência da multa de dez por cento, na forma do art. 475-J, do CPC.
Entretanto, essa medida não parece adequada para as hipóteses de interposição de recurso, uma vez que o novo julgamento poderá alterar a situação, total ou parcialmente, além de dificultar o cumprimento daquela decisão, espontaneamente ou não, enquanto os autos não retornarem da segunda instância.
Portanto, havendo recurso, devem ser intimadas as partes, através de seus advogados, acerca do retorno dos autos, ficando o devedor advertido do prazo de quinze dias para promover o pagamento espontâneo, sob pena de incidência da multa de dez por cento, na forma do art. 475-J, do CPC.
4.3.5 Início e contagem do prazo
Ocorrida a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, regra geral, pela publicação em órgão oficial. Realizada por qualquer outra forma, começa a correr o prazo na forma do art. 241, do CPC.
Em contrapartida, a contagem do prazo deverá ser realizada segundo o art. 184, do CPC, excluindo-se o dia do começo e incluindo o do vencimento, observadas as prorrogações para o dia útil seguinte quando o início ou o término coincidirem em dias sem expediente regular.