3 CONCLUSÃO
Decorridos quase cinco séculos da realização do debate de Valladolid é interessante constatar a sua contemporaneidade e universalidade, o que pode ser atribuído à influência que as idéias de Sepúlveda e Las Casas exerceram nos séculos seguintes, mas também à complexidade e riqueza dos temas ali tratados. Conforme Gomes
[...] os argumentos de Sepúlveda sobre o domínio que os homens superiores devem exercer sobre os inferiores inspirou o desenvolvimento de teorias colonialistas que, justificadas na superioridade de um povo sobre outro, perduraram por séculos. A sociedade colonial concebida por Sepúlveda, na qual os "homúnculos americanos" deveriam se submeter permanentemente aos espanhóis, homens superiores em sabedoria, prudência e virtude, serviu de exemplo para os modelos colonialistas europeus na América Latina e na África, vigentes até poucas décadas atrás. (GOMES, 2006, p. 107-108)
Se num primeiro momento o debate gira em torno da questão da justiça da guerra movida contra os índios, e traz como conseqüência imediata a formulação de teorias colonialistas exploratórias, uma leitura mais atenta revela contornos muito mais profundos, pois os argumentos de Las Casas em favor do nativo americano trouxe uma novidade para o tempo e para o debate: a defesa dos direitos individuais de todo e qualquer ser humano.
Para o dominicano, os homens são livres em virtude de sua natureza racional e também do princípio cristão segundo o qual todos os homens são iguais. Logo, partindo desses pressupostos, é forçoso concluir que toda pessoa humana é sujeito de direito, independentemente de religião, cultura, etnia, sexo, organização político-social ou qualquer outro fator.
Percebe-se que a pauta de discussões de Valladolid é válida ainda em pleno século XXI, pois as guerras e disputas por motivação religiosa, ou por diferenças étnicas e culturais continuam a ocorrer em todo o mundo, a despeito das modernas declarações dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
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Notas
- Sepúlveda iniciou sua exposição com a leitura de um amplo resumo da obra Demócrates Segundo ou das Justas Causas da Guerra contra os índios, cuja publicação também foi proibida em toda a Europa, a que chamou de Apologia.
- Sugere-se a leitura do Livro I da Política.