5.Conclusão
A título de conclusão merecem ser destacados alguns aspectos.
A recente "reforma" ocorrida no Estado brasileiro introduziu na ordem jurídica pátria a possibilidade de criação de entes regulatórios. Porém a Constituição Federal de 1988 não dispôs de forma clara, à luz de uma visão clássica, a sua atuação e forma de legitimação. No entanto, temos que atentar que a dogmática jurídica implica a mutação constitucional em razão das mudanças ocorridas no seio da sociedade.
Nesse sentido, com a adoção do atual modelo estatal, é premente a necessidade de regulação (atuação indireta) da atividade econômica (em sentido amplo), haja vista que esta foi deixada à livre atuação dos particulares (parágrafo único do art. 170 c/c art. 173 da Constituição Federal), só atuando diretamente o Poder Público quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse público (art. 173 da Constituição Federal).
Nesse sentido, o Poder Público, por não mais estar presente diretamente na economia, tem que se valer da sua atuação na forma como lhe é constitucionalmente permitido, qual seja, agindo como agente normativo e regulador. E, como a Constituição Federal de 1988 não deixou de forma clara o modo de legitimação do poder normativo dos entes aqui tratados (o que consiste em sua finalidade), é papel da doutrina suprir essa lacuna jurídica.
No âmago desse cenário, conclui-se que não há qualquer inconstitucionalidade na atuação das agências [126]; sendo necessário fazer uma interpretação sistemática do ordenamento, levando em consideração a natural evolução do Estado (pelo fenômeno da mutação constitucional), mas sem transgredir valores e princípios consagrados constitucionalmente.
Dessa forma, não obstante a argumentação de que o poder normativo das agências reguladoras possua um déficit democrático [127], concluímos que tal defesa se dá com bases em uma democracia representativa, que concebemos cadente e insuficiente em sociedades eminentemente plurais e complexas como a nossa.
No processo normativo das agências reguladoras, a legitimidade será auferida a partir da legalidade, em razão desses entes fazerem parte do Poder Executivo, produzindo um ato administrativo, e a sua competência ser atribuída por lei. Por conseguinte, será auferida primeiramente a legalidade para depois, a legitimidade. Contudo, a legitimidade não decorre apenas da legalidade; sendo imprescindível que haja a participação popular nos procedimentos de criação da norma.
Assim, não haverá qualquer inconstitucionalidade na previsão de mecanismos que possibilitem a participação da sociedade no processo de elaboração da norma. Afinal qualquer instituto que devolva o poder ao povo será não só desejável mas também benéfico.
A legitimação (ou heterolegitimação) na seara do processo normativo das agências reguladoras não possui déficit de justificação democrática, desde que haja uma real participação dos particulares (democracia participativa); o que consistirá no próprio dever das agências: incentivar a efetiva participação dos membros da sociedade.
A necessidade de participação social é conseqüência, dentre outras coisas, do chamado Estado-rede – próprio do modelo Regulador -, no qual há uma descentralização das atividades estatais, objetivando uma maior eficiência dos serviços prestados e evitar a crise de legitimação decorrente do Estado Social que decorreu da desconfiança dos cidadãos e da ineficiência do Estado. Tal forma de ente público pressupõe o pluralismo político e a participação popular. Isso se dá em razão de uma divisão em vários centros do poder e, consequentemente, de uma carência de democracia representativa, que, por conseguinte, deve ser sanada, e também fortificada, através da participação dos particulares no processo de produção normativa, no qual as decisões sejam tomadas de forma mais próxima ao cidadão (princípio da subsidiariedade).
A participação popular nos procedimentos discursivos possibilita ao Estado acolher, detectar, processar e atender as demandas plurais da sociedade, escolhendo, com vista ao interesse público, quais os valores, dentre aqueles gerados no debate público, devem ser institucionalizados.
Com foco no ordenamento jurídico brasileiro, a participação popular decorre do princípio democrático (parágrafo único do art. 1° da CF), e é expressão da cidadania e do pluralismo político, ambos fundamentos da República (respectivamente art. 1°, inc. V e II, da CF), assim como da consciência nacional. Sob outro ponto de vista, o princípio ora em comento consiste em uma evolução na gestão da coisa pública (princípio da República), no momento em que concede aos cidadãos a possibilidade de atuar na sua gestão.
A democracia procedimental (ou participativa) requer uma observância às regras do jogo, que também pode ser entendida como as normas de um sistema (ordenamento) que foram selecionadas e institucionalizadas a partir de uma gama de expectativas. Assim, na legitimação processual é necessária a observância do devido processo legal (principio consagrado no art. 5°, LIV, CF).
Por outro lado, essa forma de democracia participativa procedimental é complementada pela moral, o que, no cenário brasileiro, tem extrema importância; haja vista a positivação do princípio da moralidade (art. 37, caput, CF), que deve ser atendido tanto pela administração pública direta quanto indireta.
Dessa forma, concluímos que, na seara das agências reguladoras, o seu poder normativo é legitimado através de procedimentos consensuais sobre as regras do jogo que possibilitem a participação social.
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