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A instituição do júri no Brasil Império

24/09/2010 às 18:29
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Era 18 de junho de 1822 quando o príncipe regente D. Pedro de Alcântara, por Decreto Imperial, instituiu o Tribunal do Júri no Brasil. A finalidade do órgão era eleger juízes para julgamento de casos relacionados ao abuso à liberdade de imprensa.

Heráclito Antônio Mossin, em observações feitas por João Mendes de Almeida Júnior, discorre sobre a declaração feita pelo príncipe regente, quando da publicação do Decreto, da seguinte maneira:

Procurando ligar a bondade, a justiça e a salvação pública sem ofender à liberdade bem entendida da imprensa, que desejo sustentar e conservar a que tantos bens tem feito à causa sagrada da liberdade brasileira. [...] o júri será composto por vinte e quatro cidadãos [...] homens bons, honrados, inteligentes e patriotas, nomeados pelo Corregedor do Crime da Costa e Casa, que por esse decreto fosse nomeado juiz de direito nas causas de abuso de liberdade de imprensa; nas províncias, que tivessem Relação, seriam nomeados pelo ouvidor do crime e pelo comarca nas que a não tivessem. Os réus poderiam destes vinte e quatro recusar dezesseis; os oito restantes seriam suficientes para compor o conselho de julgamento acomodando-se sempre às formas mais liberais e admitindo-se o réu à justa defesa. E porque dizia o príncipe "as leias antigas a semelhante respeito são muito duras e impróprias das idéias liberais dos tempos que vivemos [...]." [01]

Além dos atributos de bondade, honra, inteligência e patriotismo, só podiam ser eleitos para o Júri os cidadãos que participava da vida política da nação. Paulo Rangel descreve que essa participação se dava por uma minoria branca e mestiça, já que os escravos eram excluídos por não serem considerados cidadãos, e sim tratados como coisa, bem como os economicamente menos favorecidos, uma vez que era preciso ter uma renda igual ou superior à estabelecida pelo Imperador. [02]

A Carta de Lei de 1824, promulgada pelo imperado D. Pedro I, em seu art. 151 preceituava que "O Poder Judicial é independente, e será composto por juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível, como no crime nos casos, e pelo modo, que os Códigos determinarem." Ampliava-se aqui o rol de casos a serem apreciados pelo povo. [03] Segundo Heráclito Antônio Mossin, ao criar tal dispositivo, D. Pedro I "não só conferiu ao Poder Judiciário independência para julgar, bem como fez nascer a figura do jurado, que até existe nos lindes da legislação processual penal pátria." [04]

O art. 152 do Diploma Constitucional em comento estatuiu, também, que "os jurados pronunciam sobre o fato, os juízes aplicam a lei." Tal sistemática processual ainda vigora na legislação nacional. [05]

A lei de 20 de setembro de 1830 trouxe ao júri uma organização mais exclusiva, sendo estabelecido o Júri de Acusação e o Júri de Julgação [06] (arts. 20 e 24). Os jurados, também, passariam a discutir sobre os fatos em sala apartada (art. 33). Previu, ainda, a recorribilidade dos julgados.

Assim, caberia apelação quando o julgamento não se desse em conformidade com o estipulado ou quando o "juiz de direito não se conformar com a decisão dos juízes de facto, ou não impozer a pena decreta na lei" (art. 70). O recurso de apelação deveria ser por meio de revista ao Tribunal competente.

Ao julgar procedente o pedido, se este estivesse em desacordo com as normas prescritas em lei, seria formado um novo processo e o réu seria conduzido a outro julgamento, só que desta vez os fatos seriam apreciados e a decisão se daria por novos jurados. Caso o Tribunal superior considerasse a pena inadequada, esta era modificada (arts. 71 e 73).

O Código Criminal do Imperial só foi consolidado em 16 de dezembro de 1830. E, em 29 de novembro de 1832 veio a lume o Código de Processo Criminal do Império – CPCI, sintetizando, na visão de José Frederico Marques, "os anseios humanitários e liberais que palpitavam no seio do povo e da nação." [07] A partir do CPCI, o Tribunal Popular ampliou sua alçada, sendo competente para julgar, também, diversas infrações penais.

O CPCI prescrevia que somente os cidadãos eleitores e possuidores de bom senso e probidade poderiam compor o rol de jurados do Tribunal Popular. O novel diploma manteve a divisão entre Júri de acusação e Júri de julgamento. Propôs, ainda, que o Júri de acusação seria composto por vinte e três jurados, sorteados por um menino que retiraria seus nomes de uma urna contendo sessenta nomes, e que estes decidiriam sobre a admissibilidade ou não da acusação.

Acerca da lista de sessenta nomes para sorteio dos jurados, desta forma relata José Frederico Marques sua composição:

A lista dos cidadãos aptos para serem jurados era feita, em cada distrito, por uma junta, composta do juiz de paz, do pároco e do presidente da câmara municipal, ou, na falta deste, de um vereador, ou de "um homem bom", nomeado por aqueles. A lista devia ser afixada à porta da paróquia, ou publicada na imprensa onde a houvesse, remetendo-se uma cópia às câmaras municipais e ficando outra em poder do juiz, para revisão a ser procedida no dia primeiro de janeiro de cada ano, pelo mesmo processo. Na revisão, seriam incluídas as pessoas omitidas e as que tivessem adquirido a qualidade de eleitor, eliminando-se os falecidos, os que tivessem perdido a qualidade de eleitor e os que tivessem mudado do distrito. [08]

Uma vez que somente poderiam ser jurados aqueles que eram eleitores, pode-se afirmar que apenas uma pequena parcela da população, possuidora de boa situação econômica, poderia participar da composição do Júri, haja vista que, para ser um ativo participante na tomada de decisões da nação, o cidadão deveria ter renda igual ou superior à preestabelecida. Os menos favorecidos geralmente não eram eleitores, por fazerem parte das camadas mais baixas da sociedade. [09]

Sorteados os jurados, estes se reuniam em sala particular para discutirem sobre os fatos, a fim de pronunciarem ou não o réu; [10] bem como escolher o juiz presidente e o secretário da sessão, se o acusado fosse para julgamento em plenário. As escolhas se davam por intermédio de voto secreto.

J. C. Mendes De Almeida e José Frederico Marques, assim ponderam a respeito das atividades do Júri prescritas no CPCI:

No dia do Júri de acusação, eram sorteados sessenta juízes de fato. O juiz de paz do distrito da sede apresentava os processos de todos os distritos do termo, remetidos pelos demais juízes de paz, e, preenchidas certas formalidades legais, o juiz de direito, dirigindo a sessão, encaminhava os jurados, com os autos, para a sala secreta, onde procediam a confirmação ou revogação das pronúncias e impronúncias.

[...]

Constituíam, assim, os jurados, o conselho de acusação. Só depois de sua decisão, podiam os réus ser acusados perante o conselho de sentença. Formavam este segundo Júri doze jurados tirados à sorte: à medida que o nome do sorteado fosse sendo lido pelo juiz de direito, podiam acusador e acusado ou acusados fazer recusações imotivadas, em número de doze, fora os impedidos. [11]

Composto por 12 jurados, estava então formado o Conselho de Sentença. Na próxima fase, o réu era submetido a interrogatório, o escrivão fazia uma leitura de todo o processo e apresentava ao acusado o dispositivo legal que consubstanciava sua acusação. Lia-se também, o libelo acusatório, as provas juntadas, as respostas e depoimentos dados pelas testemunhas, seja de acusação ou defesa, e pelo próprio acusado. Ao defensor era dada a oportunidade de sustentar a inocência do réu (arts. 259; 260; 261; 262; 264).

Findada a querela, o juiz fazia um claro resumo das matérias de acusação e defesa e formulava alguns quesitos que os jurados precisariam responder. Após, os jurados reuniam-se uma sala e discutia os fatos do processo e, às portas fechadas, realizavam a votação. Era necessário resultados unânimes ou de 2/3 para condenação ou absolvição. Para pena de morte, o resultado deveria ser unânime.

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Ao analisar o CPCI com o código de processo penal vigente, chega-se à conclusão de que aquele era bem adiantado à época, tendo suas raízes influenciado a atual legislação processual penal.

O período de 1830 a 1840 foi marcado por grandes movimentos revolucionários em busca da queda da monarquia e instauração de um governo republicano. Diante dos acontecimentos, a monarquia reagiu promulgando a Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, que golpeava abruptamente a instituição do Júri no Brasil.

O Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, também ocasionou severas alterações no cenário do Júri que, dentre outros, extinguiu o Júri de acusação, e mudou toda a disposição judiciária nacional.

Entre as disposições da Lei nº 261/1841, estava a questão da apelação que, fora mantida dentro de outros moldes, como bem narra Reinaldo Mudim Lobo Rezende:

[...] manteve a apelação de ofício, feita pelo juiz de direito perante a Relação (equivalente aos atuais Tribunais de Justiça). O recurso era facultado ao juiz, quando este entendesse que a decisão foi contrária à prova dos autos. Se provido o apelo Pela Relação era ordenado novo júri com outro corpo de jurados. Como curiosidade, anote-se que essa lei ainda acabou com a necessidade de uma unanimidade para a aplicação da pena de morte, bastando dois terços dos votos, e, para as demais deliberações, contentar-se-ia com a maioria absoluta dos votos. Em caso de empate operava o favor rei, pro reu. [12]

Outras mudanças se deram no cenário da competência do Tribunal Popular. Os delitos de contrabando em flagrante e de responsabilidade dos empregados públicos seriam julgados por juízes municipais ou de direitos, todos escolhidos pelo Imperador.

Os jurados, além de eleitores, precisavam saber ler e escrever e possui uma renda bem maior do que a primeira estabelecida. A lista de jurados era preparada pelos delegados, e por fim avaliada pelo presidente da Câmara Municipal, que faria a constituição final dos membros que comporia o júri. O Conselho de Jurados seria composto por quarenta e oito cidadãos, sendo imprescindível a presença de 36 membros para realização da sessão.

A partir do Decreto nº 562, de 02 de julho de 1850, os juízes de direito passaram a ter competência para julgar os crimes de moeda falsa, roubo e homicídios cometidos na fronteira do império, resistência, tirada de presos e os de barracota (art, 1º e 2º).

Os anos de 1871 e 1872 trouxeram grandes reformas, dentre as quais, a devolução ao Júri da competência para julgamento dos crimes pelo Decreto nº 562/1850 atribuídos aos juízes de direito; as pronúncias que, a partir daí, seriam proferidas por juízes de direito e municipais, cabendo recurso para a Relação e ex officio, respectivamente; e a volta da necessidade de unanimidade para decisões acerca da pena de morte.


REFERÊNCIAS

  1. MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri - crimes e processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 179.
  2. RANGEL, Paulo. Tribunal do júri – visão lingüística, histórica, social e jurídica. 2. ed. ver. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 63.
  3. A opinião de João Barbalho é de que, na prática, os julgamentos cíveis e criminais pelo júri jamais ocorreu, uma vez que as causas cíveis continuaram a ser julgadas pela magistratura togada, nos termos da lei de 20 de outubro de 1823, conforme João Barbalho (Apud ALENCAR, Ana Valderez. Júri – a soberania dos veredictos. Revista de Informação Legislativa, nº 28, p. 311). Explana Firmino Whitaker que "os legisladores que procuraram desenvolver e regulamentar os preceitos da liberalíssima Cara entenderam que os juízes do povo poderiam, somente com os requisitos da integridade e critério, decidir com acerto, as questões criminais; mas que, para as cíveis, em sua maioria complexas e difíceis, além desses requisitos, eram indispensáveis o conhecimento das leis e a prática de julgar, que só os magistrados podem ter (WHITAKER, Firmino. Júri. São Paulo: Duprat, 1910, p. 06).
  4. MOSSIN, Heráclito Antônio. Op. cit., p. 179.
  5. Arrazoa Heráclito Antônio Mossin que essa sistemática, a qual informa a competência funcional horizontal por objeto do juízo, ainda vigora na legislação nacional, uma vez que os jurados decidem a matéria fática, por meio de votação dos quesitos, condenando ou absolvendo o réu, enquanto o juiz togado que preside o júri tem a função de externar a prestação jurisdicional, em conformidade com a vontade dos jurados. Assim, o magistrado declara o réu absolvido e, no caso de limite mínimo e máximo abstrativamente cominados, levando em consideração, inclusive, concurso material, formal ou crime continuado, conforme o caso; bem como determina o regime de cumprimento da sanção imposta. (Idem, p. 179-180).
  6. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997, p. 38.
  7. MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 98.
  8. Ibidem, p. 40-41.
  9. RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 65.
  10. Destarte, o grande júri exercia o papel que hoje é dado ao juiz togado na decisão interlocutória de pronuncia [...]. A sociedade é quem dizia se o réu devia ou não ir a julgamento popular. Era um mecanismo de controlo popular sobre o exercício abusivo da acusação do Estado absolutista de levar um de seus súditos ao banco dos réus, sem que houvesse o mínimo de provas autorizadoras. Decidido, pelos 23 jurados, que o réu seria julgado pelo Conselho de Sentença, este, formado por 12 outros jurados, decidiria sobre o mérito da acusação. Era o pequeno júri que decidia, debatendo o fato/caso penal entre si, a só, em um espírito bem mais democrático do que nos dias atuais. (Ibidem, p. 67).
  11. Apud MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 41.
  12. REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo.Da evolução da instituição do júri no tempo, sua atual estrutura e novas propostas de mudanças. Projeto de Lei nº 4.203/2001. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 706, 11 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6865>. Acesso em: 05 out. 2009. Interessa destacar, que esse modelo de recorribilidade de decisão por júri popular é o mesmo empregado no modelo atual.

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Ana Valderez. Júri – a soberania dos veredictos. Revista de Informação Legislativa, nº 28.

MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997.

MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri - crimes e processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

RANGEL, Paulo. Tribunal do júri – visão lingüística, histórica, social e jurídica. 2. ed. ver. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo.Da evolução da instituição do júri no tempo, sua atual estrutura e novas propostas de mudanças. Projeto de Lei nº 4.203/2001. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 706, 11 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6865>. Acesso em: 05 out. 2009.

WHITAKER, Firmino. Júri. São Paulo: Duprat, 1910.

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Sobre a autora
Alessandra Lina de Oliveira

Bacharel em direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alessandra Lina. A instituição do júri no Brasil Império. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2641, 24 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17480. Acesso em: 22 nov. 2024.

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