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O paradigma da mínima influência estatal no divórcio e o uso do nome

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A ciência jurídica brasileira, no tocante ao divórcio, vem seguindo, hodiernamente, o paradigma da minimização da influência estatal. Exemplo disso são os adventos da Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que possibilita o divórcio consensual por via administrativa, e da Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010, que extingue a figura da separação judicial no Brasil.

Num passado recente, que antecede a Emenda Constitucional em tela, o divórcio decorria necessariamente da separação. Esta, por sua vez, condicionava-se a requisitos formais ou motivacionais, expostos no art. 1.572 do Código Civil:

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§ 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.

Com o surgimento da Nova Emenda do Divórcio, resta superada a figura jurídica da separação judicial. Infere-se, com isso, que o dispositivo supracitado se encontra implicitamente revogado. Verifica-se, portanto, que a atribuição de culpa na ocasião da ruptura do casamento tornou-se absolutamente prescindível.

O divórcio passou a ser fundamentalmente um direito potestativo extintivo exigível a qualquer tempo. Dessa forma, a culpabilidade no divórcio foi suprimida pelo paradigma da mínima influência do Estado.

Ocorre que essa nova matriz serve não só para o rompimento do vínculo matrimonial, mas também para as relações afetadas pelo fim do casamento [01], a exemplo do uso do nome.

Entende-se que, com o fim da análise do cometimento de conduta desonrosa ou de violação do dever conjugal, extingue-se o interesse estatal em interferir no uso do nome de casado. Logo, cabe somente ao titular do mesmo o poder de controlá-lo.

Observe-se que as normas que proíbem o uso do nome (caput e os incisos do art. 1.578 do CC [02]) fundamentam-se na culpabilidade. Por tal razão, encontram-se tacitamente revogadas. Vale colacioná-las:

Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

(...)

Destaque-se que, segundo uma interpretação sistemático-teleológica do ordenamento jurídico vigente, o §2º do artigo 1.571 do Código Civil expressa uma regra geral, segundo a qual, dissolvido o casamento, o cônjuge pode optar pela conservação do nome de casado. In verbis:

Art. 1.571. (...)

§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial. (grifos nossos)

Os §§ 1º e 2º  do art. 1.578 do Código Civil ratificam o entendimento de que a regra geral seja a ampla liberdade quanto ao uso do nome. Na literalidade:

Art. 1.578. (...)

§ 1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.

§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.

O caput do art. 1.578, cumpre ressaltar, tratava de uma exceção à regra, em que se vedava o uso do nome. De acordo com essa exceção, o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perderia o direito de manutenção do nome.

Os incisos do mesmo artigo, por sua vez, aventavam exceções a essa exceção. Eram elas: evidente prejuízo para a sua identificação; manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; dano grave reconhecido na decisão judicial.

Antes da Nova Emenda do Divórcio, destarte, o cônjuge inocente já possuía total discricionariedade para decidir se permanecia ou não com seu nome de casado. O cônjuge culpado, por seu turno, não gozava desse direito, salvo nas hipóteses aventadas nos incisos do art. 1.578 do CC.

Vale evidenciar que, mesmo antes da promulgação da retromencionada emenda, alguns tribunais já se alinhavam ao paradigma moderno, manifestando-se contra a interferência estatal no uso do nome de casado, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão na Apelação Cível nº 0001450-39.2001.8.19.0001 (2001.001.16815), cuja ementa comporta transcrição:

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O excessivo rigor e o formalismo exagerado não se coadunam com a Justiça. Ao reverso, causam prejuízo às partes e exibem inútil inflexibilidade. [03]

Nesse mesmo sentido, a Apelação Cível nº 599400298, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que assim dispõe: descabe impor na sentença do divórcio o retomo ao nome de solteira, contra expressa vontade da mulher [04].

A partir da adoção do sobrenome do outro cônjuge, esse passa a integrar o nome do indivíduo, tornando-se um aspecto constitutivo da sua identidade e configurando-se como um dos seus direitos da personalidade.

O uso do nome se vincula de forma indissociável à dignidade do homem, sendo uma qualidade necessária para o desenvolvimento das suas potencialidades psíquicas e morais. Segundo Rolf Madaleno, o sobrenome individualiza o sujeito dentro da sociedade e o aponta para sua posição social' [05].

Conclui-se, portanto, que sem afetar o direito dos que desejam abdicar do nome de casado, a Nova Emenda do Divórcio veio amparar também aqueles que, por qualquer motivo, almejem conservá-lo. Entende-se, inclusive, que entraves ao uso do nome podem vir a ensejar danos ao patrimônio moral.

Trata-se de um avanço. Diante das inúmeras perdas inerentes ao divórcio, como o desgaste psicológico, a divisão patrimonial, a quebra da velha rotina e a diminuição do tempo de convivência com os filhos, não se precisa mesmo somar, de forma impositiva, a perda do nome.


REFERÊNCIAS:

Tribunal de Justiça do RJ. Décima Quinta Câmara Cível. Apelação Cível nº 0001450-39.2001.8.19.0001 (2001.001.16815). Relator: JOSE PIMENTEL MARQUES. Julgamento: 03/10/2001. Ementa. Acesso em: 1º/10/2010. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/

Tribunal de Justiça do RS. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível Nº 599400298. Relatora: Maria Berenice Dias. Julgamento: 08/09/1999. Ementa. Acesso em: 1º/10/2010. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris

Madaleno, Rolf Hanssen. Direito de família – Aspectos polêmicos. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998, p. 155.

Gagliano, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. Editora Saraiva, 1.ª edição, 2010.


Notas

  1. A guarda compartilhada dos filhos, instituída pela Lei 11.698, de 13 de junho de 2008, por exemplo, segue esse padrão de maior autonomia dos cônjuges.
  2. Os incisos do art. 1578 do CC encontram-se inexoravelmente ligados ao caput do mesmo.
  3. Apelação Cível nº 0001450-39.2001.8.19.0001 (2001.001.16815). Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RJ. Relator: JOSE PIMENTEL MARQUES. Julgamento: 03/10/2001. Ementa. Acesso em: 1º/10/2010. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/
  4. Apelação Cível Nº 599400298. Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relatora: Maria Berenice Dias. Julgamento: 08/09/1999. Ementa. Acesso em: 1º/10/2010. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris
  5. Madaleno, Rolf Hanssen. Direito de família – Aspectos polêmicos.Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998, p. 155.
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Sobre a autora
Jacqueline Bittencourt Marques

Advogada. Assessora e Consultora Jurídica de Licitações e Contratos Administrativos na Defensoria Pública de Mato Grosso - DPMT. Formada em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Pós graduada em Direito do Estado e Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, Jacqueline Marques. O paradigma da mínima influência estatal no divórcio e o uso do nome. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2652, 5 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17558. Acesso em: 28 mar. 2024.

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