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Poder de polícia e atribuições das Guardas Municipais

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14/10/2010 às 16:11

Resumo:


  • A Lei 10.826/2003 e suas alterações estabelecem condições para o porte de arma de fogo por guardas municipais, variando conforme o tamanho da população do município.

  • As guardas municipais têm como função primordial proteger os bens, serviços e instalações municipais, podendo atuar preventivamente e repressivamente diante de ilícitos.

  • A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece a legitimidade da atuação das guardas municipais na prisão em flagrante e na apreensão de objetos ligados ao crime, mesmo em municípios com populações inferiores a 500.000 habitantes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7. Poder de polícia e guardas municipais

O poder de polícia, no dizer da Profa. Di Pietro, é "a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público [16]" A definição legal de poder de polícia, em nosso ordenamento, encontra-se no art. 78 do Código Tributário Nacional: "considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos."

O entendimento que esposamos é que, no exercício de uma parcela do poder de polícia estatal, as guardas municipais tem o poder e o dever de abraçar a definição legal citada, agindo como uma força em prol da segurança e da tranqüilidade pública, zelando para preservar e respeitar a propriedade e os direitos individuais e coletivos. Portanto, nessa atuação, às guardas podem ser outorgadas por lei poderes e deveres compatíveis com suas funções, de forma a atuar nos parâmetros dos demais órgãos de segurança constitucionais, no que não invadir as atribuições exclusivas destas.

Em outro texto, o autor Bismael Moraes faz interessante observação sobre a atuação das guardas municipais, digna de transcrição:

"Agora, faz-se oportuna uma pergunta: Qual é a atividade, por exemplo, exercida por um membro da Guarda Municipal, servidor público do Município, concursado, que cuida da segurança de uma escola, de um posto de saúde, de um teatro, de uma secretaria pública, ou de uma rua, avenida ou praça? Claro está que, nesse instante, identificado pelo uniforme, esse guarda municipal exerce o poder de polícia, que, no caso, é o poder da Administração Pública Municipal. Qualquer irregularidade contra o bem público ou infração penal aí praticado, o guarda municipal é o agente do Poder Público a quem o munícipe deve recorrer, para as providências legais: o agente levará o fato a conhecimento da autoridade policial (que não poderá negar-se a registrar a ocorrência ou a autuar em flagrante o eventual infrator penal, sob a alegação de que o referido guarda municipal não tem poder de polícia; exceto se essa autoridade policial tiver feito um deficiente Curso de direito)" [17].

O mesmo autor cita nesse texto trecho de um parecer do ilustre Prof. José Cretella Júnior, que tomamos a liberdade de reproduzir:

"A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos; é poder-dever das guardas municipais zelar pela segurança pública dos munícipes e de todas as pessoas que, mesmo transitoriamente, transitem pela comuna; a fortiori, o combate ao crime é também da competência das guardas municipais, a tal ponto que se o organismo se omitir, em um caso concreto, será responsabilizado pela omissão, tendo culpa in ommitendo; (...) é de peculiar interesse do Município a proteção de pessoas, de bens, de serviços e de instalações, no âmbito local, porque tais providências se inscrevem no campo da segurança pública e da própria defesa do Estado, pois quem defende a parte defende o todo; e , enfim, como as ruas, praças e logradouros são bens públicos do Município, a Guarda Municipal deve proteger tais bens. Circunstancialmente, e na hipótese de algum malfeitor atuar nas ruas do Município, pode o guarda municipal encetar todos os meios de que dispuser para deter a atividade criminosa".

Em que pese nosso entendimento, a jurisprudência, especialmente no Estado de São Paulo, não tem sido complacente com a atuação das guardas municipais, conforme decisões apuradas pelo então major da PM/SP José Hermínio Rodrigues [18]. Destaco a decisão na Apelação 124.787-3/5 (Americana/SP), em que o E. Tribunal de Justiça paulista absolveu dois acusados da prática de atentado violento ao pudor (Código Penal – Art. 214), pois haviam sido detidos por guardas municipais, que, orientados por Delegado de Polícia, submeteram os réus à diligências e coletaram provas para a instrução dos autos. Os réus foram absolvidos principalmente por falta de provas e por faltar representação para a ação, pública condicionada, mas o acórdão deixou consignado uma advertência para que o juízo de Americana, que julgou o feito em primeira instância, controlasse a atividade da guarda municipal, para que esta não desbordasse de sua missão constitucional.

Data venia, tal decisão não se sustentaria se o único motivo da absolvição fosse a atuação dos guardas municipais na hipótese (faltaram provas e a representação). No caso, qualquer do povo poderia ter intervido para cessar a prática criminosa, com a prisão em flagrante. Não se pode, num caso similar, diante de um fato delituoso, exigir que os guardas municipais nada façam diante de um ilícito, deixando o criminoso até mesmo ocultar as provas de seu delito.

Nesse sentido, decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgada em 16/12/2004 e publicada em 8/08/2005, no Recurso Ordinário em habeas corpus 14.585/SP, tendo por relator o Ministro Hamilton Carvalhido, legitimou a atuação de guardas municipais na prisão em flagrante, negando o recurso, com a seguinte Ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE

ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDAS MUNICIPAIS. ABUSO DE

AUTORIDADE. INOCORRÊNCIA.

1. Não há falar em ilegalidade de prisão em flagrante, porque efetuada por guardas municipais de trânsito, se pode fazê-lo qualquer do povo (artigo 301 do Código de Processo Penal).

2. Recurso improvido.

Outra decisão do mesmo Tribunal, julgada em 15/10/1998 e publicada em 9/11/1998, também num Recurso Ordinário em habeas corpus, de nº 7.916/SP, tendo por relator o Min. Fernando Gonçalves, foi além e corroborou a atuação da guarda municipal na repressão ao ilícito e na apreensão de coisas objeto do crime. A decisão é interessante porque vai no sentido entendimento defendido nesse artigo, traçando uma linha divisória na atuação legítima da guarda municipal. Negou-se provimento ao recurso, com a seguinte Ementa:

RHC. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. APREENSÃO DE COISAS.

LEGALIDADE. DELITO PERMANENTE.

1. A guarda municipal, a teor do disposto no § 8°, do art. 144, da Constituição Federal, tem como tarefa precípua a proteção do Patrimônio do município, limitação que não exclui nem retira de seus Integrantes a condição de agentes da autoridade, legitimados, dentro do princípio de auto defesa da sociedade, a fazer cessar eventual prática criminosa, prendendo quem se encontra em flagrante delito, como de resto facultado a qualquer do povo pela norma do art. 301 do Código de Processo Penal.

2. Nestas circunstâncias, se a lei autoriza a prisão em flagrante,evidentemente que faculta – também - a apreensão de coisas, objeto do crime.

3. Apenas o auto de prisão em flagrante e o termo de apreensão serão lavrados pela autoridade policial.

4. Argüição de nulidade rejeitada, visto que os acusados, quando detidos, estavam em situação de flagrância, na prática do crime previsto no art. 12, da Lei nº 6.368/76 – modalidade guardar substância entorpecente.

5. RHC improvido.

Bom senso se faz necessário para a apreciação dessa linha divisória, tendo em mente que as guardas municipais não serão uma espécie de polícia municipal. Mas não se pode esquivar do problema da (in)segurança pública e desperdiçar o uso de um órgão já estruturado em muitos municípios Brasil afora, e que bem aproveitado pode dar uma grande parcela de contribuição para garantir a segurança dos cidadãos.


8. Armas de fogo e seu uso e porte por guardas municipais

Em se tratando do porte de armas de fogo por integrantes das guardas municipais, a Lei 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, com as alterações da Medida Provisória 157, do mesmo ano, veio a diferenciar as guardas que terão autorização para tanto, com base no tamanho da população do município a que servirem. Transcrevo excertos do art. 6º da referida Lei:

"Art. 6º - É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

(...)

III - os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV – os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;

(...)

§1º - As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI deste artigo terão direito de portar arma de fogo fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, na forma do regulamento, aplicando-se nos casos de armas de fogo de propriedade particular os dispositivos do regulamento desta Lei.

(...)

§3º - A autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais está condicionado à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei."

Em suma: I - os integrantes das guardas municipais que atuem em municípios com mais de 500.000 habitantes e nas Capitais dos Estados tem direito ao porte de arma de fogo em período integral, mesmo fora de serviço; II – nos municípios com população entre 50.000 e 500.000 habitantes os guardas só terão direito ao porte enquanto em serviço; III – e nos municípios com menos de 50.000 habitantes os guardas municipais não tem direito ao referido porte, nem mesmo em serviço.

Fácil constatar que essa proibição dirigida às guardas dos municípios com menos de 50.000 habitantes, implícita na Lei, e as limitações ao porte fora de serviço para as guardas dos municípios com população entre 50.000 e 500.000 habitantes, são de uma infelicidade e de uma inconstitucionalidade atroz. Ou alguém acredita que nos referidos municípios não existirão crimes cometidos por bandidos armados? Que os atentados aos bens e serviços municipais, nessas localidades, são cometidos por gente desarmada? Aí reside a falta de previsão do legislador, e nossa crítica ao aspecto prático da Lei.

Não obstante, é aí também que reside a inconstitucionalidade desta Lei. É violação gritante ao princípio da isonomia e da própria autonomia municipal, elegendo municípios que terão direito ao uma proteção maior e outros que serão largados a própria sorte, defendendo seus munícipes com cassetetes e apitos. Não é de se esperar que os criminosos, ao atacarem um município, perguntem se ele possui mais ou menos de 50.000 habitantes, a fim de escolher se atuarão armados ou desarmados, diante da possível oposição que terão da guarda municipal.

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A limitação a que me referi, vigente para certos municípios, restringindo o porte de arma ao período em serviço, também não colabora para o intento do legislador, que é diminuir o número de armas em circulação. Apenas ameaça o guarda municipal atuante nos municípios de médio porte com prisão inafiançável e o expõe a retaliações quando o mesmo se encontra fora do serviço. Integrantes que são de uma força de segurança pública, esses guardas sofrem injusta limitação no seu direito à auto-defesa, e ficam indefesos diante dos marginais que combatem diariamente.

Note-se também o absurdo da disposição do §3º do art. 6º do Estatuto, que dispõe que a autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais está condicionado à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento da Lei.

Quando o Estado quer efetivar um controle ou impor uma proibição deve aparelhar as instituições para tal. Autorizar que as guardas municipais possuam porte de arma somente se o Estado promover a formação dos guardas e quando puder fiscalizar e exercer o controle interno resultará na prática na negação do direito dos municípios de ter guardas armadas. Consiste em uma proibição inaplicável, pois enquanto o Estado não atuar nesse sentido em todos os municípios brasileiros que possuam ou desejem possuir guarda municipal própria não se aplicará a lei nesse ponto, sendo esta uma norma de eficácia contida.

Tal omissão do Estado, caso não haja autorização para o porte de arma de dada guarda municipal, pode ser combatida com o manejo de mandado de injunção, a fim de autorizar o porte diante da omissão estatal, ou com a impetração de habeas corpus preventivo, visando evitar a prisão dos guardas municipais armados.

O então delegado de polícia José Pedro Zaccariotto, ao comentar a Lei 9.437/97, diploma legislativo anterior ao Estatuto do Desarmamento, e que tratava do porte de armas de fogo, exarou seu entendimento nesses termos:

"Fácil, dessarte, perceber que o desarmamento, bem como, e nessa esteira, a repressão ao porte ilegal de armas colimada com a lei em voga sequer de longe teve em mira as guardas municipais, uma vez que não se pode combater a violência e a criminalidade justamente tornando inermes aqueles que, ainda que de forma limitada, algo tem a contribuir para a manutenção da ordem pública ou, ao menos, em conformidade à previsão constitucional, defender os bens, serviços e instalações comunitárias, e ainda os respectivos usuários e servidores (fim, pois, exponencialmente social, induvidosamente voltado ao bem comum)" [19].

Enfim, os dispositivos do Estatuto do Desarmamento fazem letra morta do art. 144, §8º, da CF/88, que autoriza os municípios a criarem suas guardas municipais. Ao contrário, o Estatuto ameaça com pena de reclusão e prisão inafiançável os integrantes das guardas municipais, com um rigor que não tem com muitos criminosos.

Urgente se faz uma revisão do Estatuto quanto às limitações do porte de arma. No afã de dar uma resposta fácil (e equivocada) aos reclamos da sociedade por mais segurança, o legislador federal veio a atingir gravemente uma instituição, as guardas municipais, que, estando em contato direto com a população dos municípios, tem muito a colaborar com a missão de pacificar nossas urbes, nem de longe seus integrantes devendo ser confundidos com bandidos e ameaçados de prisão por porte de arma ilegal.

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Sobre o autor
Luiz Augusto Módolo de Paula

Procurador do Município de São Paulo, ex-procurador federal, advogado, bacharel e mestre em Direito Internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Luiz Augusto Módolo. Poder de polícia e atribuições das Guardas Municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2661, 14 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17604. Acesso em: 23 dez. 2024.

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