Artigo Destaque dos editores

Efeitos da sanção administrativa suspensão de licitar prevista pela lei nº 8.666/93

21/10/2010 às 16:07
Leia nesta página:

INTRODUÇÃO

Tema que ainda hoje causa alguma confusão no âmbito administrativo está relacionado aos efeitos da sanção de suspensão, prevista no inciso III do artigo 87 da Lei nº 8.666/93. A correta compreensão dos efeitos pode ser um fator determinante na participação ou não de empresas "suspensas" em certames públicos, o que vem exigindo certa orientação jurídica, para evitar restrições indevidas à competitividade.

Conforme será visto adiante, há frontal divergência de entendimentos sobre o assunto, entre o Tribunal de Contas da União e o Superior Tribunal de Justiça. Nesse pequeno artigo, buscaremos analisar essa temática, expondo as teses existentes e apontando nossa opinião, para auxílio àqueles que estudam o problema.

Importante observar que a sanção de suspensão prevista pelo artigo 87 da Lei nº 8.666/93 não se equipara à sanção de impedimento de licitar descrita pelo artigo 7º da Lei nº 10.520/2002. São penalidades distintas, com características específicas, o que exige cautela para evitar certa confusão no presente estudo. Nessa feita, firmamos que a sanção que será aqui tratada é a "suspensão" constante no inciso III do artigo 87 da Lei Geral de Licitações.


2. O REGRAMENTO DISPOSTO PELA LEI Nº 8.666/93

Vejamos o regramento dado pela Lei nº 8.666/93:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

O regramento sobre o sancionamento administrativo disposto pela Lei nº 8.666/93 se manteve assemelhado ao outrora disposto pelo Decreto-Lei nº 2.300/86. Já naquele diploma, a advertência, a multa, a suspensão temporária e a declaração de inidoneidade eram apresentadas como sanções aplicáveis às situações de inexecução total ou parcial do contrato. Esse regramento, repetido pelo estatuto de licitações, manteve a disposição de regular as sanções, apenas, para o ambiente da relação contratual, [01] desprezando sua aplicação em razão de irregularidades praticadas no certame, pela empresa licitante.

O modelo tradicional também se caracteriza por uma falta de tipicidade específica, inexistindo minuciosa descrição legal do fato indicado para a imputação da respectiva sanção. Isso permite que a aplicação seja relegada ao juízo de valor do administrador, de acordo com a prescrição editalícia. Tal situação pode gerar preocupações, por permitir proteções, influências e perseguições políticas indevidas, na aplicação da penalidade, além de tolher a segurança jurídica, criando empecilhos à participação de interessados no certame. Essa nuance tem exigido que a aplicação de sanções seja sempre devidamente calcada na proporcionalidade.

Na verdade, pouca diferença há entre o regramento disposto pelo artigo 87 da Lei nº 8.666/93 e o outrora estipulado pelo artigo 73 do Decreto-Lei nº 2.300/86. Vale o registro de que o caput dos dispositivos é quase idêntico. Eles se diferenciam pela garantia de prévia defesa acrescentada no artigo 87 do novo estatuto licitatório, nuance natural ao regime constitucional vigente. Outra sutil diferença tem relação com a possibilidade de aplicação conjunta da sanção de advertência e de multa, ignorada na redação anterior, dada pelo referido Decreto-Lei.

Com relação ao regramento do artigo 87 da Lei nº 8.666/93, embora seu caput indique que a Administração "poderá" aplicar sanções, tal atitude não se apresenta como uma livre faculdade do administrador. Este tem o poder-dever de apurar eventuais práticas sancionáveis e aplicar as punições exigíveis, no interesse do serviço público, resguardando sempre a prévia defesa do contratado, que deverá ser ampla, com possibilidade de produção de prova. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União já tem admoestado órgãos que se eximem de aplicar as penalidades devidas. [02]

Além de se impor como obrigatória, para impedir tolerâncias que prejudiquem o interesse público, a aplicação das sanções administrativas se apresenta como instrumento de regulação do ambiente licitatório, retirando empresas inidôneas, fraudulentas ou irresponsáveis que comprometam a eficácia das contratações administrativas.


3. DISCUSSÃO SOBRE OS EFEITOS DA SANÇÃO SUSPENSÃO TEMPORÁRIA

Sobre a sanção administrativa descrita no inciso III do artigo 87, denominada "suspensão temporária", é conhecida a discussão acerca da amplitude de seus efeitos.

Para uma corrente, tal amplitude seria semelhante à da declaração de inidoneidade, envolvendo todos os órgãos da Administração. Segundo os que assim pensam, a diferença entre os efeitos das duas sanções estaria no prazo da punição. No caso da suspensão, o limite temporal seria de dois anos, conquanto na declaração de inidoneidade o prazo poderia perdurar sem limite definido. Na inidoneidade, ultrapassado o prazo mínimo de dois anos, a sanção duraria enquanto persistissem os motivos da punição ou até que fosse o particular reabilitado pela própria autoridade que aplicou a penalidade, mediante o ressarcimento da Administração, pelos prejuízos causados.

O Superior Tribunal de Justiça tem abraçado essa tese. Em vários acórdãos, o Tribunal tem dado maior amplitude à penalidade suspensão, o que impediria a participação da empresa suspensa em qualquer outro certame feito pela Administração Pública. Segundo o STJ, a Administração Pública é una, sendo, apenas, descentralizado o exercício de suas funções. [03] Para aquele Tribunal, os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. [04] Vejamos alguns de seus julgados:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. SANÇÃOIMPOSTA A PARTICULAR. INIDONEIDADE. SUSPENSÃO A TODOS OS CERTAMES DELICITAÇÃO PROMOVIDOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE É UNA.LEGALIDADE. ART. 87, INC. II, DA LEI 8.666/93. RECURSO IMPROVIDO.

I - A Administração Pública é una, sendo, apenas, descentralizada o exercício de suas funções.

II - A Recorrente não pode participar de licitação promovida pela Administração Pública, enquanto persistir a sanção executiva, em virtude de atos ilícitos por ela praticados (art. 88, inc. III, da Lei n.º 8.666/93). Exige-se, para a habilitação, a idoneidade, ou seja, a capacidade plena da concorrente de se responsabilizar pelos seus atos.

III - Não há direito líqüido e certo da Recorrente, porquanto o ato impetrado é perfeitamente legal.

IV - Recurso improvido. (STJ - RMS 9707 / PR – Relatora: Ministra LAURITA VAZ - SEGUNDA TURMA - DJ 20.05.2002 p. 115

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.

- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.

- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.

- A limitação dos efeitos da "suspensão de participação de licitação" não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.

- Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp 151567 / RJ – Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS - SEGUNDA TURMA - DJ 14.04.2003 p. 208)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Para outra corrente deve haver uma incidência mais amena dos efeitos da suspensão, o que gera uma diferença no âmbito de sua aplicação. Para os que assim pensam, enquanto a declaração de inidoneidade impediria a participação de certames realizados por toda a Administração Pública, na suspensão tal prejuízo apenas ocorreria em relação aos certames realizados pelo órgão sancionador.

Esse pensamento tem por base a análise sistemática do estatuto. É que a Lei nº 8.666/93, quando trata da suspensão, faz alusão à "Administração"; já quando discorre sobre a declaração de inidoneidade, faz alusão à "Administração Pública". Tal diferença, que parece despropositada, ganha maior relevância quando se identifica que o próprio estatuto licitatório dá conceitos diferentes às duas expressões.

Vejamos o que dizem os incisos XI e XII do artigo 6º da referida Lei:

Art. 6º  Para os fins desta Lei, considera-se:

XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;

XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;

Assim, o estatuto estaria estipulando que, no caso da suspensão, a penalidade deveria ter seus efeitos restritos ao órgão ou unidade Administrativa que a aplicou. Tal entendimento permite que a empresa penalizada participe de certames realizados por outros órgãos, mesmo no prazo de dois anos.

O Egrégio Tribunal de Contas da União abraça esse entendimento, de incidência mais amena, tanto que tem determinado aos órgãos públicos que se abstenham de incluir em seus editais a vedação à participação, nas licitações promovidas, de empresas que apenadas com a suspensão do direito de licitar, exceto nos casos em que a suspensão tivesse sido imposta pelo próprio ente realizador do certame. Nesse sentido, vale a leitura do Acórdão nº 1.727/2006, da 1ª Câmara do TCU, e do Acórdão n° 842/2005, do Plenário desse Tribunal.


4. CONCLUSÃO

Acreditamos que o entendimento adotado pelo TCU é o mais correto, pois permite uma ampliação dos parâmetros de aplicação das penalidades, sem admitir exageros. Dessa forma, a suspensão pode ser aplicada em inexecuções parciais que, embora não tão absurdas, mereçam repúdio proporcional pela Administração, o que não seria alcançado pela multa ou advertência e, provavelmente, seria extrapolado com a punição ampla (equivalente à declaração de inidoneidade), por dois anos.

Isso não significa que, no regime da Lei Geral de Licitações, atitudes acintosas de inexecução restariam impunes, pois, para tais, seria possível a aplicação da declaração de inidoneidade, de efeitos amplos. Essa maior diferenciação se justifica diante do tratamento diverso dado pelo legislador a essas duas sanções.

Prova de tal dissimilitude é o regramento disposto pelo legislador às duas sanções no artigo 97 do estatuto. O dispositivo considera como crime admitir profissional ou empresa declarada inidônea, sem se reportar ao profissional ou empresa suspensa de licitar. Isso mostra o raciocínio legal de que a declaração de inidoneidade é mais grave (e por isso merece efeitos mais amplos) que a suspensão.

Diferentemente do que ocorreu em relação à declaração de inidoneidade, não foi estabelecida competência exclusiva para aplicação da sanção administrativa denominada "suspensão", motivo pelo qual esta pode ser aplicada pela autoridade responsável pela contratação.

Diante da competência exclusiva estipulada pelo legislador, para a declaração de inidoneidade, parece evidente que a lógica do Estatuto exige que sanções de efeitos amplos sejam aplicadas, apenas, por autoridades de alta hierarquia.

Em conclusão, parece-nos que a corrente defendida pelo Egrégio Tribunal de Contas da União possui maior respaldo em nosso ordenamento, motivo pelo qual os efeitos impeditivos da sanção de suspensão restringem-se ao órgão sancionador.

Contudo, cumpre observar que a adoção de posição diversa, que amplie os efeitos da sanção de suspensão, embora tenha gerado reprimenda por parte do TCU, tem sido acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça. Essa divergência gera um perigoso dilema, pois o órgão licitante que opta por atender a recomendação do TCU pode acabar tendo o edital impugnado por determinação judicial; noutro diapasão, o órgão que opta por evitar o litígio judicial, com base na jurisprudência do STJ, acaba ficando à mercê de uma repreensão por parte da Corte de Contas.

Por isso, impõe-se a uniformização do entendimento sobre o tema, buscando o convencimento, seja junto ao TCU, seja junto ao Poder Judiciário (em eventuais impugnações judiciais), referente aos efeitos adotados pelo edital, para a sanção em debate.


Notas

  1. Ao menos é o que indica o texto do artigo 87 da Lei nº 8.666/93, ao relacionar a prerrogativa da Administração de aplicação de sanções à "inexecução parcial ou total do contrato".
  2. Vide TCU - Acórdão nº 2.470/2006 - 1ª Câmara.
  3. STJ - RMS 9707 / PR – Relatora: Ministra LAURITA VAZ - SEGUNDA TURMA - DJ 20.05.2002 p. 115.
  4. STJ - REsp 151567 / RJ – Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS - SEGUNDA TURMA - DJ 14.04.2003 p. 208.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de Editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (8ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 7ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 3ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ronny Charles Lopes. Efeitos da sanção administrativa suspensão de licitar prevista pela lei nº 8.666/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2668, 21 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17663. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos