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Poder diretivo do empregador X direitos da personalidade do empregado

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26/10/2010 às 09:05
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Introdução

A relação de emprego é marcada pelo antagonismo entre as partes contratantes. De um lado, o empregador, proprietário dos meios de produção, pautado no poder hierárquico, controla e determina o modo de prestação do trabalho. No pólo oposto, o empregado aliena sua mão-de-obra em troca de salário.

O empregador possui o poder diretivo para a execução do trabalho e, com fundamento nele, exige do trabalhador que o serviço seja prestado da maneira como prescreve. No entanto, o poder diretivo do empregador não é um direito absoluto.

Ao lado do princípio da proteção do trabalhador, os direitos da personalidade do empregado imprimem certas restrições ao exercício do poder diretivo do empregador, para que o serviço seja prestado respeitando-se a dignidade da pessoa humana.

A contenda entre poder diretivo e direitos da personalidade está presente em várias situações do trato cotidiano da prestação do trabalho. Ambos precisam ser respeitados, mas, por serem antagônicos por essência, criam controvérsias acerca da extensão da proteção a ser conferida a cada um deles, a cada situação de divergência verificada.


Subordinação na relação de emprego e poder diretivo

O poder diretivo do empregador, também chamado poder organizativo ou poder de comando, é conseqüência natural do vínculo empregatício, decorrente da subordinação jurídica e estrutural do empregado.

A CLT dispõe em seu artigo 2º que o empregador, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

Amauri Mascaro Nascimento ensina que

"na relação de emprego a subordinação é um lado, o poder diretivo é o outro lado da moeda, de modo que sendo o empregado um trabalhador subordinado, o empregador tem direitos não sobre a sua pessoa, mas sobre o modo como a sua atividade é exercida." [01]

O poder diretivo confere ao empregador a possibilidade de fiscalizar, comandar e estabelecer a disciplina que reputar necessária para o desenvolvimento do trabalho contratado.

A importância desse poder é de tal monta que em outros segmentos do ordenamento jurídico o Estado tomou para si o monopólio de punir aquele que infringe as regras; no entanto, o poder diretivo permanece conferindo ao empregador o poder de aplicar penalidades e sanções aos empregados faltosos.

Segundo Alice Monteiro de Barros há duas correntes doutrinárias que procuram definir a natureza jurídica do poder diretivo [02]. Uma primeira corrente o conceitua como um direito potestativo, visto que o empregador teria o poder de determinar o conteúdo da relação de emprego, podendo modificá-lo conforme sua vontade. Na outra vertente, há a corrente que vê no poder diretivo um direito função, já que o empregador impõe o exercício de um serviço a alguém, mas com isto também assume obrigações.

O poder diretivo tem como fundamento o direito de propriedade previsto no artigo 5º, inciso XXII da Constituição da República. Significa não apenas poder seu titular usar, gozar e fruir daquilo que lhe pertence, mas também proteger, fiscalizar, decidir, dentro dos parâmetros legais, a destinação daquilo que é seu.

No entanto, como sói acontecer com todos os direitos, o direito à propriedade não é absoluto. A própria Constituição da República o limitou ao ressaltar que a propriedade possui uma função social.

"Dessa forma, a propriedade privada não se destina apenas a atender aos interesses do seu detentor, mas também, e principalmente, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social." [03]

No exercício desse poder diretivo o empregador pode entrar em conflito com direitos indisponíveis do trabalhador, denominados direitos da personalidade. Dessa situação resulta o objeto do presente estudo, demonstrando a delimitação do poder diretivo do empregador para que ele não infrinja a esfera dos direitos da personalidade de seus empregados.


Direitos da personalidade

O empregado, enquanto ser humano, é detentor de uma vasta gama de direitos fundamentais previstos na Constituição da República e em todo o ordenamento jurídico.

Há na Carta Magna a previsão da proteção da propriedade privada, privilegiando a posição do empregador. Porém, do lado do empregado, elencado como fundamento do Estado Democrático de Direito, está o princípio da dignidade da pessoa humana, base de todos os direitos humanos e, por conseqüência, dos direitos da personalidade. Em que pese a reconhecida hipossuficiência do empregado, ele não é inferior ao patrão, mas sim merecedor de proteção legal que lhe assegura igualdade jurídica.

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. [04]

Atualmente reconhecida, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais impõe que tais direitos sejam respeitados não apenas pelo Estado, mas também pelos particulares em suas relações privadas, protegendo-se, assim, a liberdade, a autonomia e a privacidade do homem no trato cotidiano.

No entanto, "o modo pelo qual se opera a aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre os particulares não é uniforme, reclamando soluções diferenciadas." [05]

Conforme assinala Flávia Moreira Guimarães Pessoa "quanto mais o bem envolvido na relação jurídica em discussão for considerado essencial para a vida humana, maior será a proteção do direito fundamental em jogo e menor a tutela da autonomia privada." [06]

A Constituição da República determina que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, consoante previsão do inciso X do art. 5º.

Referida previsão constitucional está em consonância com o art. 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem que assevera que ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na família, no seu lar ou em sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem o direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques [07]. No mesmo sentido, o Pacto de São José da Costa Rica assegura que ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação. [08]

Os direitos da personalidade são intrínsecos a todo ser humano; fazem parte da proteção mínima necessária para que toda pessoa possa viver com dignidade e desenvolver plenamente sua personalidade humana.

Segundo Amauri Mascaro Nascimento, direitos da personalidade

são prerrogativas de toda pessoa humana pela sua própria condição, referentes aos seus atributos essenciais em suas emanações e prolongamentos, são direitos absolutos, implicam num dever geral de abstenção para sua defesa e salvaguarda, são indisponíveis, intransmissíveis, irrenunciáveis e de difícil estimação pecuniária. [09]

Há dois posicionamentos jurídicos divergentes que tentam explicar o fundamento jurídico dos direitos da personalidade.

Para a corrente positivista, direitos da personalidade são apenas aqueles reconhecidos pelo Estado por meio de normas legisladas. Já a corrente jusnaturalista defende que esses direitos são inatos ao homem, sendo as normas postas apenas uma forma de reconhecê-los.

Os direitos da personalidade não representam um rol taxativo; por serem inerentes ao homem, a cada período, a cada realidade instaurada, são reconhecidos certos direitos que fazem parte da própria essência do homem. São direitos em constante expansão, sempre respeitado o mínimo já consagrado.

Ao lado do princípio da proteção do empregado, os direitos da personalidade servem de limitadores do poder outrora absoluto do empregador.

Tanto o direito de propriedade como o da dignidade da pessoa humana (e, por conseqüência, os direitos da personalidade) são direitos fundamentais, não havendo, portanto, hierarquia entre eles. Ambos não são absolutos. Em caso de colisão ou antinomia entre eles a solução não será aniquilar um em detrimento do outro, mas sim ponderá-los.


Limitação do poder diretivo pelos direitos da personalidade do empregado

O cerne do embate ora analisado é saber como conciliar o direito de propriedade do empregador em relação ao local de trabalho e todos os instrumentos nele alocados, inclusive a produção, e os direitos da personalidade do trabalhador.

Algumas atitudes do empregador, restritivas da privacidade dos empregados, podem ser consideradas lícitas, desde que sejam realizadas na exata medida necessária para a execução do trabalho e fiscalização da propriedade, tendo relação com o trabalho desenvolvido.

"À combinação de ameaças à privacidade de dados, de invasão crescente da intimidade física e de maior vigilância de pessoal, a OIT atribui a denominação química da intrusão". [10]

Intromissões do empregador na esfera privada do empregado, tais como, monitoramento de mensagens enviadas pelo computador (emails, messanger, etc.), revista íntima do obreiro, instalação de equipamentos de filmagem e escuta no ambiente de trabalho devem ser minuciosamente analisadas para que se constate se são ou não necessárias e em que medida essa invasão pode ser tolerada.

Qualquer análise que envolva o poder diretivo do empregador e os direitos da personalidade do empregado deve estar pautada no princípio da proporcionalidade.

Embora o Direito do Trabalho no Brasil (CLT) não fizesse menção aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécie dos ‘direitos da personalidade’ consagrados na Constituição, já eram oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis. [11]

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio fundamental trabalhista da proteção do empregado são as bases do sistema protetivo do obreiro. Ressalte-se que não só o empregado strictu senso é merecedor de tal proteção, mas sim todos os trabalhadores, enquanto seres humanos, detentores da irrenunciável e inalienável garantia da dignidade da pessoa humana.

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A proteção ao trabalhador suplantou patamares pecuniários e que a sociedade está preocupada com o meio ambiente do trabalho e com um dos direitos mais importantes da personalidade da humanidade, que é o direito à dignidade da pessoa do trabalhador. [12]

Vejamos algumas situações específicas do conflito entre poder diretivo e direitos da personalidade.

Atos pré-contratuais. Atos de violação dos direitos da personalidade do trabalhador podem acontecer já na fase pré-contratual, nas tratativas para formação da relação de emprego. Cite-se, por exemplo, a indagação sobre opiniões políticas, religiosas, sindicais, alheias ao vínculo laboral que se pretende formar, bem como a exigência de exames médicos não relacionados à função que será exercida.

Nas entrevistas para emprego as perguntas do empregador devem ficar restritas às exigências técnicas do emprego que será exercido.

O inc. IV do art. 373-A da CLT veda a exigência de atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego.

Causa polêmica a exigência de atestado de bons antecedentes aos candidatos a emprego, por sua clara natureza discriminatória.

Em recente decisão o Tribunal Superior do Trabalho manteve acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região que decidiu ser razoável a exigência de atestado de antecedentes criminais aos empregados de empresa de instalação de telefonia residencial, em virtude da singularidade do serviço. Considerou ser um ato de precaução do empregador, buscando evitar possíveis ilícitos que poderiam ser cometidos por seus trabalhadores nas casas de seus clientes. [13]

Gravação ambiental. A fiscalização das atividades desempenhadas pelos empregados por meio de filmagem ou circuito interno de televisão no ambiente de trabalho é largamente admitida na jurisprudência pátria. [14] Embora possa restringir a liberdade dos empregados, o benefício da segurança desses e do próprio empregador é maior que o desconforto causado pela gravação.

Em locais de trabalho nos quais a gravação do ambiente seja para a segurança da propriedade do empregador, a gravação deve ser feita apenas nos ambientes em que a atividade laboral é realizada, não devendo haver gravação nas demais áreas utilizadas para descanso, refeição ou higiene do trabalhador. [15]

Seja qual for a finalidade da gravação, é imprescindível que os empregados tenham ciência de que estão sendo gravados e em quais locais isso ocorre.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região [16] considerou ilícito o ato de um empregador, prestador de serviços, que disponibilizava na internet para seus clientes imagens em tempo real de seus empregados, durante o horário de trabalho. Considerou-se ser ilegal o uso da imagem dos trabalhadores, pois isso feriria a privacidade deles e não estaria a exposição da imagem dentro das atribuições naturais das funções exercidas pelos empregados.

Revista Pessoal. Embora houvesse previsão constitucional assegurando o direito à intimidade de todos os cidadãos, inclusive enquanto empregados, não havia até a década de 90 nenhuma legislação a respeito da legalidade ou não de qualquer tipo de revista nos trabalhadores.

Nesse cenário, segundo Alice Monteiro de Barros [17], a jurisprudência trabalhista pátria era favorável à revista pessoal do empregado, especialmente quando tal revista estava prevista no regulamento da empresa, com o intuito de proteger a propriedade do empregador.

Depois desse período foram editadas algumas leis municipais de questionável constitucionalidade que disciplinavam a matéria, como por exemplo, a Lei nº 7.451/98 de Belo Horizonte e a Lei nº 4.603/98 de Vitória [18].

Somente anos mais tarde foi acrescentado o art. 373-A à CLT, o qual disciplina em parte a questão, conforme será visto adiante.

Revista íntima. O art. 373-A da CLT estabelece que é proibido ao empregador ou ao seu preposto proceder a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. Considerando o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres, a referida norma celetista deve ser também aplicada para proteger a privacidade do trabalhador homem.

Nesse sentido foi formulado o Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho que em sua segunda parte dispõe [19]:

II- Revista íntima. Vedação a ambos os sexos. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscritas no art. 5º, inc. I, da Constituição da República.

Há atividades empresariais nas quais se pode até cogitar a existência de revista, tais como trabalho com drogas lícitas, armamentos, etc. No entanto, é preciso ter bastante cuidado para estabelecer um procedimento de revista que não agrida a intimidade dos trabalhadores, sendo inviável qualquer inspeção que exija a nudez do trabalhador, mesmo que perante outro funcionário do mesmo sexo.

As decisões do Tribunal Superior do Trabalho também não destoam desse entendimento, conforme se verifica, por exemplo, no seguinte julgado:

Constitui fundamento do Estado brasileiro o respeito à dignidade da pessoa humana, cuja observância deve ocorrer na relação contratual trabalhista; o estado de subordinação do empregado e o poder diretivo e fiscalizador conferidos ao empregador se encontram em linha de tensão, o que não pode levar à possibilidade de invasão da intimidade e desrespeito ao pudor do trabalhador. A comercialização, pela empresa, de produtos que lhe exijam maior vigilância dos estoques, apesar de ensejar a adoção de revista do empregado, ao término da jornada, não afasta o dever de que ela seja feita segundo meios razoáveis, de modo a não causar constrangimentos ou humilhação, cuja ocorrência configura dano moral a ser reparado. [20]

Há posição doutrinária que afirma que o art. 373-A da CLT, ao vedar a realização de revista íntima, permitiu, implicitamente e a contrario sensu, a realização de outras revistas que não tenham conotação íntima. [21]

Em qualquer situação é imperioso que haja a concordância e ciência prévia dos trabalhadores, preferencialmente representados por seu sindicato.

Também é preciso considerar que se houver qualquer outro meio eficaz para a proteção do patrimônio do empregador, a utilização da revista íntima pode significar abuso de poder.

A proteção de seu patrimônio faz parte do risco assumido pelo empregador ao desenvolver sua atividade, devendo buscar os meios menos gravosos ao empregado para que essa proteção ocorra.

Revista em pertences. Além da revista pessoal, também é preciso analisar a revista de pertences dos empregados sob o prisma dos direitos da personalidade.

O Ministério Público do Trabalho vem atuando, em âmbito nacional, para exigir que não sejam realizadas revistas íntimas nos empregados e nem qualquer outro tipo de revista em seus pertences.

Isso porque o MPT vem entendendo que todo e qualquer procedimento de revista pautar-se-ia em presunção de culpabilidade dos empregados, o que violaria o princípio do Direito Penal de inocência até prova em contrário e sentença condenatória transitada em julgado... [22]

Observa-se que não há unanimidade na doutrina em relação à licitude da revista pessoal ou nos pertences dos empregados. Há corrente que reputa ilícita qualquer forma de revista, feita por qualquer tipo de procedimento. Nesse sentido é a primeira parte do Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, citado alhures:

I- Revista. Ilicitude. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.

Alguns Tribunais Regionais do Trabalho possuem decisões nas quais afirmam a ilicitude de qualquer procedimento de revista. Como exemplo, cite-se decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região:

Restou evidenciado nos autos que, diariamente a reclamada submetia seus empregados a constantes constrangimentos morais quando, imotivadamente, determinava revistas, individuais ou coletivas, de seus empregados. Tal prática ofende frontalmente o direito constitucional da inviolabilidade à intimidade, esculpido no inciso X, art. 5º da Constituição Federal de 1988, portanto, passível de reparação. [23]

Nesse sentido também há posicionamento doutrinário que assevera que

a revista pessoal não é imprescindível na proteção do patrimônio do empregador, mas, se realizada, viola, por si só, o direito à vida privada do trabalhador. Portanto, não temos dúvidas em afirmar que, na ponderação entre os valores em jogo _ propriedade e vida privada _ sempre prevalecerá o segundo, motivo pelo qual entendemos ser incabível tal atividade em qualquer hipótese. [24]

Do outro lado, encontra-se a corrente que reputa válida a revista do empregado (pessoal ou de seus pertences), desde que feita respeitando alguns limites. Nesse sentido, colaciona-se posicionamento de Américo Plá Rodrigues para quem as revistas devem efetuar-se de maneira adequada e reservada e por pessoas do mesmo sexo; além disso não devem ser feitas de forma discriminatória, tendente a fazer recair as suspeitas sobre determinadas pessoas. Devem estender-se a todo pessoal, a não ser que se aplique algum sistema de sorteio ou turnos de distribuição igualitária, segundo o qual se repartam equitativamente entre todos os empregados as possibilidades da medida. [25]

Ponderando as duas correntes, situa-se o posicionamento que entende possível a realização da revista, mas apenas em situações excepcionais e cercada de cuidados para não ferir a intimidade do trabalhador para além do mínimo necessário.

A revista, a rigor, vem sendo considerada, com acerto, como verdadeira atividade de polícia privada. Logo, só poderá ocorrer de forma geral, não discricionária e apenas em circunstâncias excepcionais, respeitando-se ao máximo a esfera de privacidade do empregado, que se projeta sobre bolsos, carteiras, papéis e espaços a ele reservados. (...) Em face das peculiaridades que envolvem o assunto e para limitar esse poder de fiscalização do empregador, recomenda-se que tais revistas ocorram, preferencialmente, na saída do trabalho, por meio de critério objetivo (sorteio, numeração, etc.), não seletivo, mediante certas garantias, como a presença de um representante dos empregados, ou, na ausência deste, de um colega de trabalho, para impedir abusos. [26]

No Tribunal Superior do Trabalho há decisão em ambos os sentidos, dependendo das peculiaridades do caso concreto:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA EM BOLSAS E ARMÁRIOS DA EMPRESA UTILIZADOS PARA GUARDA DE BENS PESSOAIS. CONFIGURAÇÃO. Se é induvidoso que a bolsa portada pela empregada é uma expressão de sua intimidade, um locus em que se guardam os seus guardados íntimos, o tratamento a ela dispensado deve ser, rigorosamente, aquele mesmo que se dispensa à bolsa da cliente da loja, ou das transeuntes enfim. O poder empresarial não pode menoscabar o balizamento constitucional no âmbito da relação de emprego. No caso em apreço, a revista dos pertences da empregada caracteriza dano moral, dando ensejo à indenização vindicada. [27]

DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. O constrangimento causado pela empregadora ao reclamante, em decorrência de revista íntima diante de seus colegas, autoriza o deferimento de indenização por dano moral. A empresa pode utilizar todos os meios necessários à fiscalização eficaz de seu patrimônio, exceto aqueles que avancem sobre a intimidade dos empregados. O regular exercício do direito (poder de direção, art. 2º da CLT) não se confunde com o exercício abusivo do direito (187 do CCB/2002), assim considerado aquele que vai além da prática normal pertinente à relação de trabalho. No caso dos autos, também se constatou que o procedimento adotado pela empresa nem sequer era de fato necessário, vindo a ser abandonado posteriormente, já que dispunha de câmeras de segurança, que se mostravam eficazes. [28]

REVISTA VISUAL. DANO MORAL. AUSÊNCIA. O exercício do poder diretivo não constituirá abuso de direito, quando não evidenciados excessos praticados pelo empregador ou seus prepostos. A tipificação do dano, em tal caso, exigirá a adoção, por parte da empresa, de procedimentos que levem o trabalhador a sofrimentos superiores aos que a situação posta em exame, sob condições razoáveis, provocaria. A moderada revista, quando não acompanhada de atitudes que exponham a intimidade do empregado ou que venham a ofender publicamente o seu direito à privacidade, não induz à caracterização de dano moral. [29]

A revista realizada com moderação e razoabilidade não caracteriza abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, na realidade, exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder diretivo e de fiscalização. Dessa forma, a revista em bolsas, sacolas ou mochilas de todos os empregados, sem que se proceda à revista íntima e sem contato corporal, mas apenas visual do vistoriador, e em caráter geral relativamente aos empregados de mesmo nível hierárquico, não denuncia excesso do empregador, inabilitando o reclamante à percepção da indenização por danos morais. [30]

Assim, conclui-se que a revista do empregado pode ser pessoal, desde que não seja íntima e não apresente qualquer contato físico. Nesse mesmo sentido, a revista de pertences do empregado poderá ocorrer desde que seja genérica, impessoal e com ciência prévia dos empregados.

A revista deve ser ainda única durante a jornada de trabalho, sendo excepcionais os casos em que se possa justificar a realização de várias revistas ao longo do mesmo dia de trabalho.

Nesse ponto é interessante observar decisão do Tribunal Superior do Trabalho que restou assim ementada:

DANO MORAL. EMPRESA DE CONFECÇÃO – REVISTA ÍNTIMA. Como expressão do poder diretivo reconhecido ao empregador e ainda com o propósito de compatibilizar os comandos constitucionais de proteção à propriedade e à honra e dignidade do trabalhador, a jurisprudência majoritária tem admitido a possibilidade de o empregador promover, consideradas as características e peculiaridades da atividade comercial explorada, a revista visual de objetos pessoais de seus empregados, ao final do expediente, desde que não ocorram excessos e exposições vexatórias que comprometem a honra e a imagem desses trabalhadores. Nesse cenário, ao realizar revistas íntimas que consistiam em determinar a exposição do sutiã, da calcinha e da meia de suas empregadas, para verificar a eventual ocorrência de furtos dessas peças no interior do estabelecimento, atua o empregador à margem dos parâmetros razoáveis, invadindo esfera indevassável de intimidade e incidindo em abuso que deve ser reparado (CC, arts. 187 e 927). [31]

Email. Dentro da proteção à intimidade do trabalhador insere-se a discussão sobre a inviolabilidade do email.

Em relação ao email particular do empregado, utilizado para sua comunicação social, não há dúvidas de que é vedada ao empregador qualquer tentativa de conhecimento do conteúdo desse email, pois ele faz parte da intimidade do trabalhador. Dentro do poder diretivo do empregador, porém, pode ele proibir que os computadores da empresa sejam usados para acessar emails pessoais ou páginas da internet não relacionadas com o trabalho realizado.

De outro turno, predomina na jurisprudência o entendimento de que se o email for fornecido pelo empregador, email corporativo, com a ciência do trabalhador de que essa ferramenta só pode ser utilizada para fins profissionais, é lícito o monitoramento do conteúdo do email, incluído também nessa situação o monitoramento dos sites acessados no computador da empresa.

Isso se justifica pelo fato do endereço de email está atrelado ao nome do empregador, sendo que o mau uso daquele pode ferir a honra objetiva da empresa. Esse email é propriedade da própria empresa e, como tal, pode ser por ela fiscalizado.

Em importante julgamento proferido recentemente pelo C. Tribunal Superior do Trabalho (RR n.° 613/00.7), o ilustre Ministro João Oreste Dalazen esclareceu brilhantemente em seu voto que os direitos do empregado à privacidade e ao sigilo de correspondência concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual, ressaltando que apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado desfruta da proteção constitucional, o que não ocorre com o email corporativo, por se tratar de endereço eletrônico que lhe é disponibilizado pela empresa, visando a transmissão de mensagens de cunho estritamente profissional, ostentando natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço.

A disparidade de tratamento jurídico, conforme as lições do próprio Ministro João Oreste Dalazen, decorre do fato de ser o email corporativo destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, envolvendo o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar a rede mundial de computadores (internet) e sobre o próprio provedor, levando-se em conta também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (art. 932, III, CC), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional.
Evidente que o empregado, ao receber uma caixa de email de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, podendo o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, o que não se justifica em se tratando de email particular, pois nesta hipótese o direito à intimidade protege a vida privada do empregado, salvaguardando um espaço íntimo não passível de intromissões ilícitas externas (art. 5º, X, CF), inclusive por parte de seu empregador. [32]

Não se pode olvidar que o uso indevido dos meios de informática pelo empregado durante o horário de trabalho, como email e navegação pela internet, pode comprometer boa parte do horário em que ele deveria estar somente exercendo o serviço para o qual foi contratado.

Sérgio Pinto Martins afirma de forma veemente que

durante o horário de trabalho o empregado está à disposição do empregador. Deve produzir aquilo que o empregador lhe pede. Logo, pode ser fiscalizado para verificar se não está enviando e-mails para outras pessoas sem qualquer relação com o serviço, pois está sendo pago para trabalhar e não para se divertir. [33]

Vida privada. A vida privada do indivíduo também está incluída no arcabouço de direitos da personalidade e, como tal, merece a mesma proteção dos demais direitos já elencados.

A vida privada refere-se às relações familiares do indivíduo, alheias ao interesse público. O trabalhador, na sua vida privada, também pode vir a sofrer restrições impróprias impingidas pelo empregador.

Cite-se, por exemplo, determinação do empregador para que o empregado permaneça com bip ou celular ligado durante seu período de interjornada e que compareça para prestar serviço tão logo seja acionado, independentemente de estar em período de repouso.

O art. 10 da Lei nº 7.783/90 lista alguns serviços considerados essenciais, para os quais não pode haver interrupção [34]. Partindo-se dessa lista poder-se-ia inferir que em tais atividades seria permitido ao empregador aviltar a vida privada do empregado, na forma como mencionada acima.

Porém, nem mesmo nessas atividades é possível afirmar que, em qualquer hipótese, poderá o empregador interromper o período de descanso do obreiro. É preciso averiguar, no caso concreto, se o empregado é realmente imprescindível para a situação inesperada que precisa ser resolvida.

O só fato de trabalhar em uma atividade essencial não significa que todo e qualquer empregado tenha que está sempre à disposição, limitando sua vida privada.

Polígrafo. O polígrafo apresenta-se como mais uma das ferramentas que poderia ser utilizada pelo empregador para vigiar a conduta de seus empregados. Assegura-se que esse aparelho pode verificar a veracidade das informações de alguém que é a ele submetido, em decorrência de alterações psicológicas que ocorrem naquele que está mentindo.

Dessa forma é patente que o uso de polígrafos em empregados ou candidatos a emprego fere frontalmente o direito à intimidade da pessoa testada, além de não ser um método totalmente seguro que acabaria lançando conclusões errôneas sobre a pessoa.

Desde 1988 há uma lei nos Estados Unidos que considera ilegal a utilização de polígrafo em empregados. [35] A par dessa proibição, o polígrafo foi utilizado por empresa americana em funcionário brasileiro, tendo sido esse ato condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que considerou que

quando o empregador obriga o seu empregado a se submeter ao teste do polígrafo, equipamento de eficácia duvidosa e não adotado no ordenamento jurídico pátrio, extrapola os limites de atuação do seu poder diretivo e atinge a dignidade desse trabalhador, expondo a honra e intimidade deste e submetendo-o a um constrangimento injustificado, apto a ensejar a reparação pelos danos morais causados por essa conduta. [36]

No entanto, acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, considerando que na hipótese havia interesse superior à intimidade do empregado, julgou justificado o teste do polígrafo:

Há que se considerar que a empresa, hodiernamente e em tempos de globalização, vem se amoldando cada vez mais à dinâmica social, tem um novo papel no contexto social, eis que, como empregador, não é mais um simples empreendimento em busca de lucros para um pequeno grupo, afastando-se cada vez mais de sua antiga visão privatística, para assumir não só os riscos do negócio, mas também a responsabilidade pelos seus empregados, pelas garantias da personalidade e da dignidade humanas. A subsunção do teste do polígrafo não tem por finalidade a salvaguarda do patrimônio da empresa, mas a segurança da população em geral e clientes em particular. [37]

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Sobre a autora
Celina Gontijo Leão

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO, Celina Gontijo. Poder diretivo do empregador X direitos da personalidade do empregado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2673, 26 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17709. Acesso em: 22 dez. 2024.

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