CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este artigo versa acerca da exigibilidade do depósito antecipado previsto no art. 65 da Lei complementar nº 109, de 19 de maio de 2001, tendo em vista a edição da súmula vinculante nº 21, do Supremo Tribunal Federal, publicada no Diário Oficial da União no dia 10 de novembro de 2009.
A referida súmula vinculante do STF trata da inconstitucionalidade de exigência de depósito ou arrolamento prévio em dinheiro para admissibilidade de recurso administrativo.
DA CRIAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE E SUA RAZÃO TELEOLÓGICA
Para melhor compreensão do tema, achamos por bem trazer à baila a razão teleológica da criação do instituto da súmula vinculante. Esta foi criada com o intuito de evitar o acúmulo de processos nos Tribunais do país que versam sobre as mesmas questões.
Dessa forma, não são recebidas ações e recursos sobre assunto já sumulado. Tal instituto está reduzindo o volume de processos e dará mais celeridade aos Tribunais de todo país, surgindo como solução para a sobrecarga do trabalho repetitivo nos Tribunais.
Com efeito, a Administração Pública é parte na maioria das ações em curso no judiciário brasileiro. Muitas vezes em casos repetitivos que, o próprio Supremo Tribunal Federal, já teve a oportunidade de se manifestar e julgar.
Para evitar, justamente, este acúmulo de processos e impedir que a Administração Pública repita os atos já declarados inconstitucionais pelo STF, foi criado o instituto da súmula vinculante.
Nesse sentido transcrevemos o voto do Excelentíssimo, ex-Advogado-Geral da União, e, atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, na discussão da proposta da súmula vinculante nº 21, ora em questão, in verbis:
"Senhor Presidente, voto pela aprovação da súmula e registro que ela é bastante relevante e está a demonstrar a grande importância de se ter a existência do instituto da súmula vinculante com efeito no tocante à administração pública, que volta e meia procura estabelecer – por meio de decretos, resoluções ou decisões – a necessidade de depósito prévio para que o cidadão possa apresentar o seu recurso administrativo.
Tive oportunidade de, muitas vezes, já tendo precedente desta Corte quando oficiava na Advocacia-Geral da União, evitar que saíssem atos normativos, atos administrativos, neste sentido.
Essa súmula mostra o caráter extremamente pedagógico, para o Estado brasileiro e para a administração pública, da utilidade da súmula vinculante contra a administração pública; grande relevo, pois alcança a defesa da cidadania e da Constituição, que busca garantir o exercício do recurso, independentemente da necessidade de depósito prévio.
Neste sentido, voto favoravelmente à súmula nos termos propostos pelo Ministro Cezar Peluso."
Pedimos vênia, também, para transcrever o voto da Eminente Ministra Carmem Lúcia, na mesma sessão plenária:
"Senhor Presidente, quero apenas enfatizar que, na forma dos precedentes, quando se utiliza uma norma no singular, no caso da súmula, todo e qualquer recurso administrativo, portanto, ainda que não seja de entidades da administração direta, mas também das indiretas, - chamo a atenção, por exemplo, do caso do DETRAN, que normalmente exige que em qualquer penalidade para qualquer processo se faça o depósito -, neste caso, nós estamos exatamente dando vinculação aos efeitos do que foi decidido.
Eu não só aprovo, como acho que, na esteira do que disse o Ministro Dias Toffoli, é exatamente para que se extingua uma determinada prática, que é essa da exigência para se discutir."
A súmula vinculante nº 21, do Supremo Tribunal Federal, publicada no Diário Oficial da União no dia 10 de novembro de 2009 assim reza, in verbis:
"É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo".
A súmula vinculante não está restrita aos julgamentos que lhe deram origem. Está disposta de modo, até genérico, para alcançar o maior número de processos possível.
Fazendo a construção interpretativa da citada súmula com o comando constitucional do art. 103-A, chegamos à conclusão que estão abrangidos todas as espécies de processos administrativos, de todas as esferas da administração pública (Federal, Estadual e Municipal).
DA OBRIGATORIEDADE DO CUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MESMO EM CONFRONTO COM O ART. 65 DA LC 109/2001
O artigo 65 da Lei Complementar nº 109/2001 assim dispõe:
Art. 65. A infração de qualquer disposição desta Lei Complementar ou de seu regulamento, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita a pessoa física ou jurídica responsável, conforme o caso e a gravidade da infração, às seguintes penalidades administrativas, observado o disposto em regulamento:
I – (omissis);
II - (omissis);
III - (omissis); e
IV - (omissis).
§ 1º (omissis).
§ 2º Das decisões do órgão fiscalizador caberá recurso, no prazo de quinze dias, com efeito suspensivo, ao órgão competente.
§ 3º O recurso a que se refere o parágrafo anterior, na hipótese do inciso IV deste artigo, somente será conhecido se for comprovado pelo requerente o pagamento antecipado, em favor do órgão fiscalizador, de trinta por cento do valor da multa aplicada. (Grifos nossos)
§ 4º (omissis).
Por sua vez o artigo nº 103-A, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, assim reza:
"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei." Grifos Nossos.
Entendemos que o texto constitucional é claro. Não restam dúvidas acerca do alcance da súmula vinculante em relação à Administração Pública Federal. Toda a Administração Pública é obrigada, pelo comando Constitucional, a respeitar a abrangência e o efeito vinculante da Súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas, diante de um comando expresso de uma Lei Complementar, votada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, como deve a Administração Pública proceder?
Ora, a Lei Complementar, por mais forte que seja, não tem o condão de enfrentar a Constituição Federal. Explico. A súmula vinculante extrai sua força da Lei Maior, qual seja, a Constituição.
Ir de encontro à Súmula vinculante é ir de encontro à Constituição. Ou seja, batalha perdida. A Constituição Federal é soberana, não é chamada de Lei Maior à toa.
Como também, vale ressaltar, o editor da Súmula é o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do judiciário brasileiro, e, também chamado de guardião da Constituição. A Lei Complementar há de se curvar à súmula como se curva à Constituição.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, apesar de o artigo 65, da Lei Complementar nº 109/01, exigir o pagamento de trinta por cento do valor da multa aplicada, para conhecimento do recurso administrativo, este dispositivo não tem força de confrontar o artigo nº 103-A, da Constituição Federal, que dá o suporte constitucional e disciplina a abrangência do instituto da súmula vinculante.
Assim, se o teor de uma súmula vinculante vai de encontro ao dispositivo de uma Lei, o fundamento constitucional da súmula vinculante prevalece sobre a lei.