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Coisa julgada no processo de família

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Considerações finais

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que foi derrubada a sacralização do instituto da coisa julgada. Apesar da necessidade de estabilidade e segurança nas relações jurídicas, outros vetores de igual importância passaram a ganhar relevo: como a justiça, a ética, a efetividade, a proporcionalidade e razoalibilidade das decisões judiciais.

Relativamente à investigação de parentalidade, sendo a ação considerada improcedente por insuficiência probatória ou sua procedência possua sustentáculo em decisão proferida com base em meros indícios, imperioso se permitir a relativização da coisa julgada. O direito à identidade é fundamental, garantido pela Carta Magna. Por outro lado, também não se deve impor a alguém que seja pai para sempre, se não é nem o pai biológico nem afetivo do filho que a justiça lhe impôs.

Na seara dos alimentos, deve ser afastada a idéia, erroneamente imposta pela Lei de Alimentos, de que sentença proferida na ação de alimentos não faz coisa julgada material. É mister relembrar que não cabe reexame do mérito da questão, mas sim do seu quantum, que pode ser revisto a qualquer tempo, sempre que desatendido o princípio da proporcionalidade.

Assim, pode-se dizer que a segurança, como valor intrínseco à coisa julgada e o seu manto de absolutismo e intangibilidade, são características, em tais casos, relativizáveis, tendo em vista que apenas a justiça, materializada pelo Direito justo deve ser absoluta.


Referências

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Notas

  1. Sobre a questão da segurança, assevera André Ramos que, "eis pronto a função precípua da jurisdição: solucionar de forma definitiva os litígios, através de processos instaurados por meio do exercício do direito de ação. Para que seja cumprida esta função satisfatoriamente, o ordenamento jurídico precisa conter mecanismos de estabilização das relações jurídico-processuais, permitindo que as decisões, presentes certos pressupostos, adquiram certeza e definitividade". RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Coisa julgada inconstitucional. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 43.
  2. Cfr. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. v. 2. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 478.
  3. Do lado positivo, a coisa julgada estabiliza os efeitos da sentença, prolongando-os indefinidamente. A função negativa impede que o Judiciário se manifeste sobre o que já foi decidido. Neste sentido, cfr. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: RT, 2003, p. 22.
  4. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. III. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 296.
  5. Neste sentido, cfr. MEIRELES, Rose Vencelau Melo. "A prova biológica do vículo paterno-filial e a flexibilização da coisa julgada", in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese – IBDFAM, v. 9, n. 42, Jun/Jul, p. 75-93, 2007, p. 89.
  6. No pensamento de Paulo Dourado de Gusmão, "a segurança, como um dos fins do direito, pode conflitar com as demais finalidades da ordem jurídica. Aí então indaga-se: o direito deve sacrificar a justiça em benefício da segurança, transformando-se na ordem legal sem correspondência com o seu conceito ideal, ou deverá sacrificar a segurança em benefício da justiça, criando um clima de insegurança e de intranqüilidade? Entre estas duas posições o pensamento jurídico vacila". GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 81.
  7. Neste sentido, cfr. ALEXY, Robert. A Theory of Constitutional Rights. Translated by Julian Rivers. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 54; DÍEZ-PICAZO, Luis María. Sistema de derechos fundamentales. Madrid: Thomson Civitas, 2003, p.47-48.
  8. PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 3 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 126.
  9. Neste sentido, cfr. DINAMARCO, Cândido Rangel apud PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 3 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.
  10. Para estudo mais aprofundado da matéria, cfr. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Coisa julgada inconstitucional. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 61-64.
  11. Sobre a importância dada à busca da verdade real, cfr. REZEK, Francisco. "O direito à identidade", in A família além dos mitos/ coord. Maria Berenice Dias e Eliene Ferreira Bastos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 42 ss.
  12. Afirma Maria Christina de Almeida que, "nesse rumo, enquanto uma sentença proferida antes de se ter o exame em DNA era destituída de comprovação científica da verdade biológica da filiação, na atualidade passa a ter um embasamento científico, e a certeza deixa de ser "certeza do direito de filiação" para ser "certeza científica da filiação". ALMEIDA, Maria Christina de. DNA e estado de filiação à luz da dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 168.
  13. Acerca do grau de certeza oferecido pelo exame de Dna, cfr, RASKIN, Salmo. "DNA e investigação de paternidade". Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/538. Acesso em: 09 de Janeiro de 2008.
  14. Pode-se afirmar que esse tipo de relacionamento ocorre, habitualmente, de forma reservada e descoberto de testemunhas. Destarte é inquestionável que a prova do fato constitutivo que sustenta a ação se torna particularmente dificultosa. Trata-se de probação de ato praticado por terceiros, do qual o autor não foi partícipe, mas quase que mera "conseqüência", o que mais aumenta a dificuldade de amealhar provas. Cfr. DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre o direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 111-112.
  15. A mesma linha de raciocínio é seguida por Maria Christina de Almeida, quando afirma que, "o caminho percorrido pela prova da paternidade buscou sempre desvendar o véu do mistério que envolve o ato da procriação, inacessível à percepção direta dos sentidos. O relacionamento sexual é ato singular, e a dificuldade maior nas ações investigatórias de paternidade é, tradicionalmente, como sempre foi, como fazer prova dele". ALMEIDA, Maria Christina de. DNA e estado de filiação à luz da dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 168.
  16. Neste sentido, afirma Rolf Madaleno que, "em realidade, a propalada fundamentação política da tranqüilidade social não encontra conformação pessoal em ações de investigação das conexões parentais desconectadas da perícia de DNA, eis que sempre persistiria a dúvida daquele que perdeu a ação, pois viveria eternamente atormentado pelo sinete judicial de ser filho ou ascendente da coisa julgada". MADALENO, Rolf. "A coisa julgada na investigação de paternidade", in Grandes temas da atualidade/ DNA como meio de prova da filiação/ org. Eduardo de Oliveira Leite. Rio de Janeiro: Forense, p. 287-309, 2002, p. 292.
  17. Cfr. FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 206.
  18. "Processo civil - Investigação de paternidade – Repetição de ação anteriormente ajuizada, que teve seu pedido julgado improcedente por falta de provas – Coisa julgada – Recurso acolhido. I- Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II- Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza", na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III- A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca, sobretudo, da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas, e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que, numa sociedade de homens livres, a justiça tem de estar acima da segurança, porque sem justiça não há liberdade". IV- Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum". (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 4.ª Turma., Recurso Especial 226.436/PR (1999/0071498-9), relator. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 28.06.2001).
  19. Pode-se falar em outros campos não apenas no Direito de Família, mas no Direito Tributário ou no Direito do Consumidor, por exemplo.
  20. Corrobora do mesmo entendimento Cristiano Chaves de Farias quando assevera que, "não se pode, enfim, canonizar o instituto da coisa julgada, de modo a afrontar, até mesmo a própria sociedade. Deve ser ponderado pelo princípio da proporcionalidade qual dos interesses deve prevalecer no caso concreto. Deve se considerar se mais vale a segurança ou a justiça. E afigura-se-nos mais relevante prevalecer o valor justiça, neste caso, porque sem justiça não há liberdade qualquer". FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 214.
  21. Art. 320 A revelia não induz contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente:
  22. II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

  23. Art. 231 Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se da sua recusa.
  24. Art. 232 A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

  25. Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
  26. THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, v.1, p. 571.
  27. A mesma linha de pensamento é adotada por Glaci Vargas e Maslova Werland. Cfr. VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto; WERLANG, Maslova. Paternidade – Investigação judicial e coisa julgada. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p. 77.
  28. Neste sentido, coerente o pensamento de Cristiano Chaves de Farias: "Não é crível nem aceitável, que se admita a aplicação das regras tradicionais do Código de Processo Civil (diploma legal individualista, datado de 1973, quando não se podia imaginar a amplitude do avanço científico a que se chegaria em pouco tempo) nas ações filiatórias.É que não se pode acobertar com o manto da coisa julgada ações nas quais não foram exauridos todos os meios de prova, inclusive científicos (como o DNA), seja por falta de condições das partes interessadas, por incúria dos advogados, por inércia do Estado-juiz. Em outras palavras, não faz coisa julgada material a decisão judicial em ações filiatórias nas quais não se produziu a pesquisa genética adequada, seja por que motivo for". FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 212.
  29. Art. 267 Extingue-se o processo sem julgamento do mérito:
  30. IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

  31. Cfr. MOURA, Cláudia Belotti; OLTRAMARI, Victor Hugo. "A quebra da coisa julgada na investigação de paternidade: uma questão de dignidade", in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/ Síntese, n.27, p.72-95, dez-jan, 2005, p. 93.
  32. Lei de Alimentos: Art. 15 A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado, pode a qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados.
  33. Neste sentido, cfr. PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 108.
  34. Cfr. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. "A coisa julgada nas ações de alimentos", in Revista da AJURIS – Associação dos Ju
  35. São freqüentes as ações revisionais, o que, no entanto, não afronta a imutabilidade do decidido.
  36. Neste sentido, cfr. CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 939; WELTER, Pedro Belmiro. Alimentos no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 283; PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 110; SPENGLER, Fabiana Marion. Alimentos: da ação à execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 1192.
  37. Art. 267 Extingue-se o processo sem julgamento de mérito:
  38. V- quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

  39. A obrigação de alimentos deve ser quantificada de forma que possibilite a manutenção do mesmo padrão de vida do seu pai, ou seja, a pensão deve ser estabelecida de acordo com os ganhos do progenitor que a pagará. Assim, o elemento determinante para a fixação do quantum devido é a possibilidade do pai. Desta forma, quanto mais ele ganha, mais paga ao filho, chegando-se até mesmo a definir o infante como "sócio do pai". Cfr. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 481.
  40. Ora, se os alimentos foram fixados sem atentar às reais possibilidades do alimentante ou às verdadeiras necessidades do alimentado, houve desatendimento ao parâmetro legal, e o uso da via revisional se impõe. Esta adequação pode ser levada a efeito a qualquer tempo, mesmo que inexista alteração nas condições econômicas ou na situação de vida de qualquer das partes. Cfr. Dias, Maria Berenice. Conversando sobre alimentos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 78.
  41. Cfr. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 519.
  42. Neste sentido, cfr. CAHALI, Francisco José. "Oferta de Alimentos", in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 3, p. 155-163, out./nov., 1999, p. 163.
  43. Cfr. PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 85.
  44. Entre eles podemos citar o princípio da dignidade humana.
  45. Cfr. Dias, Maria Berenice. Conversando sobre alimentos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 81.
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Sobre as autoras
Maria Berenice Dias

Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões. Pós-Graduada e Mestre em Processo Civil. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna ; DIAS, Maria Berenice. Coisa julgada no processo de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2717, 9 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17984. Acesso em: 23 dez. 2024.

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