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Da possibilidade de aplicação e cobrança da sanção de multa por parte da ANATEL ao infrator que não possui registro no cadastro de pessoas físicas

Leia nesta página:

Sumário: I. Introdução; II. Da ausência de CPF quando da lavratura do auto de infração por parte da Anatel; III. Do prosseguimento do PADO sem o CPF do autuado; IV. Conclusão; V. Referências


I. INTRODUÇÃO

O objeto de estudo no presente artigo consiste na investigação a respeito da possibilidade de aplicação de sanção, especificamente de multa, em sede de processo administrativo de sancionador, no âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) àquelas pessoas físicas que não possuem registro no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Receita Federal do Brasil.

O referido cadastro é um banco de dados gerenciado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil que armazena informações de contribuintes que estão obrigados a inscrever-se, ou de cidadãos que se inscreveram voluntariamente.

Assim, será analisado se a ausência de registro no Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal do Brasil constitui elemento impeditivo para o prosseguimento do processo administrativo em que foi aplicada pena de multa ao autuado.


II. DA AUSÊNCIA DE CPF QUANDO DA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO POR PARTE DA ANATEL

De inicio, a fim de analisar a matéria de uma forma mais ampla, faz-se mister perquirir se a ausência de CPF acarretaria a nulidade do auto de infração lavrado pela Anatel quando do início do processo administrativo sancionador.

Para tanto, veja-se o que diz o disposto no art. 78 do Regimento Interno da Anatel [01]:

Art. 78. Em se tratando de descumprimento de obrigações constatado em fiscalização, o procedimento inicia-se com a emissão do Auto de Infração que valerá como o Ato de Instauração a que se refere o inciso I do artigo anterior. Sua entrega ao autuado importará na notificação prevista no inciso II do artigo anterior.

Parágrafo único. Constará do Auto de Infração:

I - o local, a data e a hora da lavratura;

II - o nome, o endereço e a qualificação do autuado;

III - a descrição do fato ou do ato constitutivo da infração;

IV - o dispositivo legal, regulamentar, contratual ou o termo de permissão ou autorização infringido, bem como a sanção aplicável;

V - o prazo para defesa e o local para sua apresentação;

VI - a identificação do agente autuante, sua assinatura, a indicação do seu cargo ou função e o número de sua matrícula;

VII - a assinatura do autuado ou a certificação da sua recusa em assinar. (realces atuais)

Conforme se observa do dispositivo supratranscrito, percebe-se que o requisito existente para a lavratura do auto de infração e o conseqüente início do Processo de Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO) é o nome, o endereço e a qualificação do autuado, o que está em consonância com a Lei 9.784/1999.

Busca-se, com isso, a perfeita identificação do infrator, o que representa tanto uma garantia para o administrado quanto para a Administração. Para aquele, reflete a preocupação de se assegurar, sobretudo, o contraditório e a ampla defesa, enquanto que para o Ente Público, pretende-se garantir a certeza da aplicação da sanção a pessoa correta, além da efetividade de sua execução, na hipótese de descumprimento espontâneo.

Dessa forma, na hipótese de o autuado estar devidamente qualificado quando da lavratura do auto de infração, como por exemplo, com a cópia de sua Carteira de Identidade ou de qualquer outro documento que permita a sua perfeita qualificação, ainda que ausente o CPF, não se vislumbra qualquer vício que possa macular o auto de infração.


III. DO PROSSEGUIMENTO DO PADO SEM O CPF DO AUTUADO

Após a lavratura do auto de infração, ocasião em que a sua entrega ao autuado corresponde à notificação para apresentar defesa e, constatada a ocorrência da infração por parte da Agência Reguladora, o procedimento normal a seguir, de acordo com o art. 77 do Regimento Interno da Anatel, é a edição do despacho de aplicação de sanção, que na hipótese ora estudada é a de multa, com a conseqüente notificação do autuado para, querendo, apresentar recurso ou pedido de reconsideração. Passado o prazo recursal, o ato ou despacho sancionador deve ser publicado no Diário Oficial da União.

Como se pode perceber, para tais atos não se faz imprescindível a existência de registro no Cadastro de Pessoas Físicas, razão pela qual não há qualquer impedimento para a continuidade regular do PADO no âmbito da Anatel.

Aliás, conforme a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1042/2010 [02], a inscrição no CPF só se faz necessária nas seguintes hipóteses:

Art. 3º Estão obrigadas a inscrever-se no CPF as pessoas físicas:

I - sujeitas à apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF);

II - inventariantes, cônjuges ou conviventes, sucessores a qualquer título ou representantes do de cujus que tenham a obrigação de apresentar a DIRPF em nome do espólio ou do contribuinte falecido;

III - cujos rendimentos estejam sujeitos à retenção do imposto de renda na fonte, ou que estejam obrigadas ao pagamento desse imposto;

IV - profissionais liberais, assim entendidos aqueles que exerçam, sem vínculo de emprego, atividades que os sujeitem a registro em órgão de fiscalização profissional;

V - locadoras de bens imóveis;

VI - participantes de operações imobiliárias, inclusive a constituição de garantia real sobre imóvel;

VII - obrigadas a reter imposto de renda na fonte;

VIII - titulares de contas bancárias, de contas de poupança ou de aplicações financeiras;

IX - que operem em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas;

X - inscritas como contribuinte individual ou requerentes de benefícios de qualquer espécie perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS);

XI - com mais de 18 (dezoito) anos que constem como dependentes em DIRPF;

XII - residentes no exterior que possuam no Brasil bens e direitos sujeitos a registro público, inclusive:

a) imóveis;

b) veículos;

c) embarcações;

d) aeronaves;

e) participações societárias;

f) contas-correntes bancárias;

g) aplicações no mercado financeiro;

h) aplicações no mercado de capitais.

Parágrafo único. As pessoas físicas, mesmo que não estejam obrigadas a inscrever-se no CPF, podem solicitar a sua inscrição.

Nesse sentido, podemos afirmar que o CPF não é um documento indispensável para a continuidade da cobrança do crédito da Anatel, inclusive para eventual inscrição em dívida ativa e propositura da ação de execução fiscal.

Afinal, cabe aqui esclarecer que o sistema utilizado pela Anatel para realizar a cobrança de seus créditos, denominado de Sigec – Sistema Integrado de Gestão de Créditos da Anatel – apesar de utilizar como parâmetro o CPF ou CNPJ do devedor, permite que o crédito seja inscrito em dívida ativa sem o referido número.

No entanto, vale notar que, diante da ausência do CPF, resta impossibilitada a inscrição do devedor no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal – CADIN, o qual é um instrumento de coerção bastante eficaz. Assim, ainda que a falta no CPF não acarrete a nulidade do PADO e não impeça a ação de cobrança, é mais conveniente e efetivo para a Administração que o autuado seja registrado no CPF.

Destarte, mesmo nas hipóteses em que o CPF é facultativo, a Instrução Normativa da RFB nº 1042/2010 prevê a possibilidade de se efetuar a inscrição de ofício, conforme se observa do seguinte dispositivo:

Art. 11. As inscrições de ofício serão realizadas pela RFB nos seguintes casos:

I - solicitação de órgãos públicos, entidades de assistência social e entidades de saúde que atendam pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em função da incapacidade de comparecimento da pessoa física nas entidades conveniadas;

II - interesse da administração tributária, por intermédio de processo administrativo;

III - apresentação de DIRPF por pessoa física não inscrita no CPF, com número de inscrição de terceiro;

IV - contribuinte falecido; e

V - determinação judicial.

§ 1º Os atos de inscrição de ofício no CPF serão de atribuição do:

I - Delegado da Receita Federal do Brasil das Delegacias da Receita Federal do Brasil;

II - Delegado da Receita Federal do Brasil da Delegacia de Administração Tributária no município de São Paulo; e

III- Delegado da Receita Federal do Brasil da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes no município do Rio de Janeiro.

§ 2º A inscrição de ofício será comunicada à pessoa física interessada pela autoridade a que se refere o § 1º. (realce atual)

Resta claro, portanto, que na hipótese de se tratar de crédito tributário, é permitida a inscrição de oficio do devedor no Cadastro de Pessoas Físicas. Observe-se, contudo, que no caso em apreço se está a tratar de crédito de multa administrativa, originária do Poder de Polícia da Anatel e, portanto, não tributário.

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Contudo, apesar de tal fato, entendemos plenamente possível a aplicação do referido dispositivo aos créditos não tributários.

Vejamos.

De inicio, deve ser ressaltado que não há qualquer impedimento legal quanto à utilização do referido dispositivo por analogia. E, saliente-se que se utilizará da técnica de integração na presente hipótese, e não de mera interpretação legislativa.

A esse respeito, são esclarecedoras as lições do Ministro Castro Meira, no Recurso Especial nº 121.428 – RJ:

Diga-se, ainda, que não se pode confundir analogia com interpretação analógica ou extensiva. A analogia é técnica de integração, vale dizer, recurso de que se vale o operador do direito diante de uma lacuna no ordenamento jurídico. Assim, na ausência de norma, vedado o non liquet, deverá o magistrado aplicar a analogia para não deixar o jurisdicionado sem resposta e a lide sem solução. Já a interpretação, seja ela extensiva ou analógica, objetiva desvendar o sentido e o alcance da norma, para então definir-lhe, com certeza, a sua extensão. A norma existe, sendo o método interpretativo necessário, apenas, para precisar-lhe os contornos [03].

Percebe-se que, no caso em tela, o ordenamento jurídico é omisso quanto à possibilidade de inscrição de oficio no Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal do Brasil, na hipótese de cobrança de créditos não tributários.

Ora, não se pode olvidar que atualmente as regras que disciplinam a cobrança dos créditos públicos vêm paulatinamente sendo unificadas, sejam os créditos tributários ou não. A esse respeito, cite-se como exemplo a Lei nº. 11.941/2009, que alterou o artigo 37-A [04] da Lei nº. 10.522/2002, passando a prever a igualdade de tratamento quanto à cobrança de juros e multa de mora entre os créditos não tributários das autarquias e fundações públicas federais, com a legislação tributária federal.

Acrescente-se ainda que, consoante o artigo 2º da Lei de Execuções Fiscais, a dívida ativa da Fazenda Pública abrange tanto os créditos tributários quanto não tributários.

Nesse sentido, Karl Larenz justifica a utilização da analogia, como método de integração, da seguinte forma:

Se se trata de uma lacuna da lei patente, a integração acontece, a maior parte das vezes, por via da analogia ou do recurso a um princípio ínsito na lei. Também é possível uma orientação à ´natureza das coisas´. Entendemos por analogia a transposição de uma regra, dada na lei para a hipótese legal (A), ou para várias hipóteses semelhantes, numa outra hipótese B, não regulada na lei, ´semelhante´ àquela. A transposição funda-se em que, devido à sua semelhança, ambas as hipóteses legais hão de ser identicamente valoradas nos aspectos decisivos para a valoração legal; quer dizer, funda-se na exigência da justiça de tratar igualmente aquilo que é igual. A integração da lacuna da lei, por via de um recurso a um princípio ínsito na lei, funda-se em que a situação de facto não regulada expressamente na lei é aquela a que o princípio (igualmente) se refere, sem que aqui intervenha um princípio contrário." [05]

Dessa forma, diante de duas situações semelhantes, em observância ao princípio da igualdade, deve ser aplicada a mesma regra de direito. Assim, utilizando da analogia, o inciso II do artigo 11 da Instrução Normativa da RFB nº. 1042/2010 deve também ser aplicado aos créditos não tributários, utilizando-se da máxima "onde a mesma razão, aplica-se o mesmo direto" (ubi eadem ratio, ibi eadem jus).


IV. CONCLUSÃO

O CPF é um banco de dados gerenciado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil que armazena informações cadastrais de contribuintes, servindo, em muitos casos, como identificação pessoal.

No entanto, apesar da importância do referido cadastro, entende-se que não há qualquer nulidade ou obrigatoriedade de registro no CPF para fins de lavratura de auto de infração ou para inscrição em dívida ativa e propositura de execução fiscal por parte da Anatel.

Entretanto, diante da relevância da inscrição do devedor no Cadin, defende-se que, em caso de não pagamento espontâneo da multa aplicada pela agência reguladora, que seja oficiada a Receita Federal do Brasil para que haja a inscrição no CPF de ofício, por analogia ao inciso II do art. 11 da IN da RFB nº 1042/2010.


V. REFERÊNCIAS

BRASIL. Anatel. Regimento Interno da Anatel. Disponível em <http://www.anatel.gov.br/hotsites/coletanea_normas/textointegral/ANE/res/anatel_20010719_270_regimento.pdf> Acesso em 03 de novembro de 2010.

BRASIL. Lei do Cadin. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10522.htm>. Acesso em: 10 dez. 2010.

BRASIL. Instrução Normativa da RFB nº. 1.042/2010. . Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2010/in10422010.htm>. Acesso em: 07 dez. 2010.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição, trad. José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian.


Notas

  1. BRASIL. Anatel. Regimento Interno da Anatel. Disponível em <http://www.anatel.gov.br/hotsites/coletanea_normas/textointegral/ANE/res/anatel_20010719_270_regimento.pdf> Acesso em 03 de novembro de 2010.
  2. BRASIL. Instrução Normativa da RFB nº. 1.042/2010. . Disponível em: < http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2010/in10422010.htm>. Acesso em: 07 dez. 2010.
  3. STJ, Resp 121.428-RJ, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª. Turma, DJ 16/08/2004.
  4. "Art. 37-A.  Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais.
  5. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição, trad. José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, p. 461.
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Sobre a autora
Tarsila Ribeiro Marques Fernandes

Procuradora Federal. Pós-Graduada em direito público. Graduada pela UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Tarsila Ribeiro Marques. Da possibilidade de aplicação e cobrança da sanção de multa por parte da ANATEL ao infrator que não possui registro no cadastro de pessoas físicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2730, 22 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18088. Acesso em: 23 dez. 2024.

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