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O ativismo judicial como meio para efetivação da função social do processo

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O processo, saindo do instrumental para desempenhar função determinante na formação da norma, ainda assim estaria atendendo à sua função social?

resumo

O ativismo judicial como meio para efetivação da função social do processo. A crise do pós-positivismo, instaurada também em razão das diversas transformações sociais, impulsionadas especialmente pelas Revoluções Francesa e Industrial, bem como pelas barbáries da Segunda Grande Guerra Mundial, levam à necessidade da revisitação do papel do Estado na regulação das relações privadas, bem como à revisão dos próprios poderes outorgados aos agentes e servidores públicos, eleitos ou não pelo sufrágio popular. A doutrina kelseniana do culto à norma é posta em xeque pelas escolas defensoras da hermenêutica funcionalizada, contando com Norberto Bobbio como um de seus defensores mais ilustres. Da estrutura à função, não apenas as normas ganham novas cores, em prol de sua efetividade, mas também o Poder Judiciário se vê desafiado a uma participação comissiva, proativa, para a realização da plenitude constitucional, visando à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, no chamamento do denominado ativismo judicial. Nos desafios propostos pela função social do processo, o ativismo judicial pode se constituir em um de seus mais virtuosos instrumentos concretizadores, desde que não ultrapasse aos limites da legitimidade democrática. O artigo resta estruturado em três capítulos, abordando, respectivamente, os aspectos históricos e a contextualização temática; a função social do processo, o ativismo judicial e os limites da legitimidade democrática; e, por fim, adentrando-se ao principal debate, busca-se resposta para a pergunta: o ativismo judicial atende à função social do processo? Para a consecução deste trabalho adotou-se o método dialético e a metodologia da revisão bibliográfica.

Palavras-chave: Ativismo Judicial. Função Social do Processo. Constitucionalização. Legitimidade Democrática.

abstract

The judicial activism as a tool for carryng out the cosial function of process. The crisis of post-positivism, also introduced because of various social changes, driven especially by the French and Industrial Revolutions, and the barbarity of the Second World War, leading to the necessity of revisiting the state's role in the regulation of private relationships, as well as the revision of their own powers granted to the agents and servants, elected or not by popular vote. The doctrine of kelsen of the standard rules is called into question by the advocates of hermeneutics functionalized schools, with Norberto Bobbio as one of its most distinguished defenders. The structure to the function not only gain new color standards, to support its effectiveness, but also the Judiciary finds himself challenged to a commissive participation, proactive, to perform the full constitution, aimed at building a free and fair society and uniter by the calling judicial activism. Challenges proposed by the social function of the process, judicial activism can be in one of his most righteous instruments realized, but may not exceed the limits of democratic legitimacy. The article remains structured in three chapters, dealing, respectively, the historical and thematic context, the social function of the process, judicial activism and the limits of democratic legitimacy, and, finally, entering to the main discussion, we seek to answer to the question: judicial activism serves the social function of the process? To achieve this work we adopted the dialectical method and methodology of the review.

keywords: Judicial Activism. Social Function of the Process. Constitutionalization. Democratic Legitimacy.


Introdução

As transformações sociais ocorridas, notadamente no mundo moderno e contemporâneo, influenciaram de forma definitiva aos rumos evolutivos do Direito, desconstruindo paradigmas e revisitando a outros, por meio de técnicas hermenêuticas valorativas do conteúdo e da aplicabilidade prática das normas.

Nenhum ramo do Direito restou incólume, com destaque especial para as reestruturações hermenêuticas do Direito Constitucional, Civil e Processual Civil, cujos frutos virtuosos acabam por afetar também a atividade judicial, cujo papel no Estado tem se adequado às demandas da sociedade contemporânea. Conquanto não se possa afirmar, por certo, que se tenha alterado a função precípua do Estado-Juiz, contudo seu exercício também tem sido revisitado, levando ao gradativo abandono da tecnocracia jurídica, para lhe conferir maior participação tanto na própria construção das normas, quanto na proatividade para o atingimento da efetividade da letra da lei e da prestação jurisdicional, em um movimento que se denomina de "ativismo judicial", cooperando para a instrumentalização e consecução da função social do processo.

Contudo, é de se indagar: ao deixar seu papel de aplicador da lei e passar a desempenhar uma função na cadeia legislativa, o juiz não estaria infringindo o princípio da independência dos poderes? E quanto ao processo, saindo do instrumental para desempenhar função determinante na formação da norma, ainda assim estaria atendendo à sua "função social"?

O presente artigo pretende lançar luz sobre essas questões, trazendo elementos que possibilitem analisar criticamente a atuação legiferante do Poder Judiciário, em consonância com o atendimento da função social do processo.

Metodologicamente, adotou-se a dialógica problematizante, cujos fundamentos doutrinários e conclusões se extraíram de revisão bibliográfica.

Para melhor compreensão didática, o presente trabalho resta estruturado em três capítulos, abordando, respectivamente, os aspectos históricos e a contextualização temática; a função social do processo, o ativismo judicial e os limites da legitimidade democrática; e, por fim, adentrando-se ao principal debate, busca-se resposta para a pergunta: o ativismo judicial atende à função social do processo?


1 aspectos históricos e contextualização temática

Contextualizando, sumularmente, os principais eventos históricos do mundo moderno e contemporâneo, bem como os seus reflexos jurídicos essenciais, leia-se:

"Nos antecedentes fáticos, tem-se que a autonomia da vontade (atualmente a melhor expressão para explicar tal instituto é a de ‘autonomia privada’, visto que aquela expressão designava um valor excessivo à vontade, como se fosse, o que a história demonstrou que não era, verdadeira fonte do direito. A expressão ‘’autonomia da vontade’’ contudo, é a que melhor expressa a visão de mundo existente por ocasião do estado liberal) se tornou a vedete das figuras jurídicas a partir de Napoleão, consagrando-se sobre a ingerência do Estado. Mas a Revolução Francesa deu lugar à Revolução Industrial, e uma brusca alteração nos regimes de trabalho afetou, perenemente, até a estrutura da célula familiar, desvirtuando a ideologia da igualdade formal entre os indivíduos, por ter sido posta a serviço do lucro exorbitante, avassalando a necessária liberdade real entre os partícipes da relação negocial e requerendo do Estado uma "flexibilização" da idéia de abstencionismo estatal, ou seja, a percepção de Estado Liberal. Como diria Lacordaire (1802-1861), "entre o forte e o fraco, é a lei que liberta e a liberdade que escraviza". Inicia-se, a partir destas circunstâncias históricas – inauguradas por ocasião da Revolução Industrial e consolidadas a partir da 1ª Grande Guerra – o agonizar do papel do Estado assistente, no sentido de mero expectador.

O Século XX seria construído sobre a carcaça do modelo humanista, guardando as sombras do Iluminismo. Do lucro vil às guerras, vê-se que o exercício irrefreado das liberdades individuais havia levado a sociedade mundial a graves desequilíbrios, notadamente porque prevalecera a Liberdade sobre a Igualdade – o conferimento de privilégios e oportunidades mais benéficos aos mais poderosos, regando a semente da injustiça social, que, no fim do dia, é ainda mais prejudicial para a própria classe dominante, em um ciclo vicioso.

O retrocesso do desenvolvimento humano precisou ser bruscamente freado por corajosos movimentos sociais, inconformistas do status quo, no enfrentamento dos poderosos gigantes estatais e privados, com destaque para as feministas, os trabalhistas, os pacifistas e defensores dos direitos humanos, dentre outros; além do nascimento de importantes entidades, como a Cruz Vermelha Internacional. A coroação das vitórias se dá em 1948, pela aprovação das já mencionadas Declarações que, na porção em que cominam preceitos idênticos aos napoleônicos, na verdade reafirmam as garantias básicas, dantes conquistadas a preço de sangue, mas abafadas pelo suor dos trabalhadores nas fábricas e pelo totalitarismo dos Estados.

A publicização e a constitucionalização foram, de certa forma, uma resposta aos efeitos jurídicos decorrentes da Revolução Industrial, gerando focos de intervencionismo estatal – a fim de equilibrar as desigualdades –, fruto de reclames sociais, de forma a limitar o poder coercitivo dos fortes, impedindo, como diria João Calvão da Silva (2006, p. 50) "que os mais fracos sejam obrigados a querer o que os mais fortes são livres de lhes impor". Por outro lado, a esta socialização do Direito Privado (expressão critica por Calvão, 2006, p. 46) mais à frente, já no final do Século XX, contrapõe-se uma privatização do Direito Público (PARODI, 2009, p. 20)."

Em 1934, Hans Kelsen inaugurava um novo período na história do Direito, ao publicar a Teoria Pura do Direito, que se tornou um clássico da escola juspositivista, cujo escopo era estabelecer, metodologicamente, o estudo autonômo da Ciência Jurídica, tendo como objeto de estudo precípuo a norma jurídica, destacada da moral, da justiça ou mesmo da interpretação da própria norma por vias hermenêuticas tendentes a lhe desviar a aplicabilidade para uma prospeccao de conteúdo, valor ou finalidade, divergindo, por evidente, das teorias apregoadas, por exemplo, por Norberto Bobbio, como se verá a seguir.

Ainda que o autor justifique a distinção que, a seu ver, ele operava, entre Ciência Jurídica e Direito (2009, p. 7), de toda sorte, sua influência sobre o Direito como um todo foi bombástica e por muito anos responsável por justificar o engessamento hermenêutico do universo jurídico.

Em contraposição, Norberto Bobbio, ilustre filósofo italiano do Direito, publica, especialmente no período compreendido entre 1969 e 1977, artigos que, em 1977 seriam compilados na coletânea Da Estrutura à Função. Comentando a obra e estabelecendo paralelo com a visão kelseniana, Parodi (2009, p. 26-29) resume as lições do mestre italiano, e aduzindo a relevantes autores do cenário nacional, também contextualiza a importância desse marco teórico para a conceituação de "função social", expressão que se tornou sinônimo do contemporâneo método hermenêutico:

"Fixando marco teórico, Bobbio (2007, p. 85-137) ensina que, por função se entende a prestação continuada que um determinado órgão dá à conservação e ao desenvolvimento, conforme um ritmo de nascimento, crescimento e morte, do organismo inteiro, isto é, do organismo considerado como um todo. E entende que o escasso interesse pela função social, na (então) prevalente teoria geral do Direito, resta vinculada ao destaque que os grandes juristas deram às Ciências Jurídicas como um instrumento "cuja especificidade não deriva dos fins a que serve, mas do modo pelo qual os fins, quaisquer que sejam, são perseguidos e alcançados".

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A razão positivista implica no estudo e aplicação do Direito a partir de sua estrutura, visando a uma compreensão de sua formação, a desprezo da serventia de seu conteúdo; ou, privilegiando a estrutura sobre a função. E para muitos autores, a exemplo de Kelsen, a análise funcional estaria restrita à produção científica de sociólogos e filósofos, cuja visão do Direito é exteriorizada; o jurista por sua vez, analisaria o Direito como meio e não como fim, compreendendo-o como mecanismo de consecução da paz social, ou da segurança coletiva.

Bobbio desafia a visão kelseniana de um ordenamento coativo, passando ao entendimento do Direito promocional, que não elide a concepção da juridicidade como um meio coativo, mas o expande para um meio de estímulo e promoção das boas condutas, direcionando os comportamentos para determinados objetivos preestabelecidos, cuja obtenção pode ser prospectada de técnica legiferante que coaduna com as sanções positivas e os incentivos.

E afirma que a função do Direito – em relação à sociedade como totalidade ou em relação aos indivíduos que dela fazem parte – não teria sentido revolucionário, se o termo "Direito" for entendido como meio de coação, adquirindo sentido apenas se pretende falar das mudanças sociais, que, na conformidade do mecanismo podem ser produzidas, e, portanto, dos conteúdos políticos, econômicos e sociais que, um a um, possam vir a ser reduzidos àquela forma. Eis aí a função social em sentido amplo, podendo se revestir de seu aspecto – ou fim – social estrito, econômico, político, dentre outras expressões (e assim, elide qualquer argumento que vise a desmerecer a existência de uma função social da empresa, como se a mesma existisse unicamente com a missão de dar lucro para o empreendedor, visto que a concepção da função social parte do gênero, que em si abarca a espécie social estrita e a econômica). E assevera, ainda, o autor que as modificações funcionais e estruturais devem ser, igualmente, alimentadas, de maneira proporcional.

A função social é um mecanismo interpretativo pré e/ou pós-efetividade, em sentido revisional, modificando seu conteúdo classicamente conhecido ou limitando seu campo de atuação. Busca uma nova paradigmática hermenêutica, promovendo uma travessia dos significados modernos para os significantes contemporâneos, ancorando no solidarismo ético. Ensina Paulo Nalin (2001, p. 125-200) que o solidarismo é um espírito, um princípio de justiça, e não um simples regramento. Generalismo consistente, que permite, inclusive, o tutelamento das questões genéticas; a dignidade da pessoa humana é um princípio fonte, que influencia, de modo irrevogável, a todas as relações particulares (a este respeito Carlyle Popp, O Direito em Movimento. Curitiba : Juruá, 2007. p. 62). Do personalismo ético emanam novos princípios orientadores das relações privadas, a saber, a Boa-Fé (objetiva) Negocial, o Equilíbrio das Prestações, a Transparência, entre outros. Tudo se resumindo na solidariedade, fruto do espírito ético, apregoado nesta era. Novos princípios? Nem tanto. Mais valorizados e explicitados no ordenamento? Sem dúvida.

A intervenção estatal interessa à sociedade, para que sejam regulados os limites básicos das relações, em prol de que o equilíbrio material e moral entre as pessoas seja preservado, visando ao atingimento do ideário humanista: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos. Estimula-se o comportamento solidário, ajustado o conteúdo dos institutos à sua finalidade constitucional. O contrato deixa de ser um mecanismo de troca, para significar um instrumento de consolidação socialmente responsável de direitos materiais, o que equivale a dizer que a transação é efetuada sem lesão financeira ou moral para ambas as partes, desequilíbrio que refletiria, inevitavelmente, em toda a comunidade, a qual é natural e mecanicamente interdependente.

Solidarismo não é perfumaria, servindo a Carta Constitucional como patamar teórico das relações privadas, donde se extraem os valores que embalam o sistema jurídico. Para a dignificação contratual do homem, é eleito o valor da solidariedade, como fio condutor que refunda um contrato. A nova paradigmática atinge a todos os conceitos jurídicos, inclusive os clássicos, impondo-lhes nova leitura. "

Atualmente, as novas teorias da construção legislativa têm, cada vez mais, ganhado distância do conceito estático concebido por Kelsen (2009), aproximando-se de novos métodos de interpretação da lei, pela valorização da hermenêutica teleológica e finalística, baseados na evolução dos fatos sociais e na aplicação das normas dosadas da maneira em que os conflitos se apresentam ao Judiciário, verdadeiramente funcionalizando, como desejaria Bobbio, a técnica da subsunção do fato à norma.

Os sistemas da "common law" e "civil law" nunca estiveram tão próximos, principalmente ao se analisar as questões que envolvem a aplicação de cláusulas abertas [01] como a boa-fé objetiva, o abuso de direito e a função social, trazidas pelo Código Civil vigente no Brasil, respectivamente contempladas, tais figuras, nos artigos 113, 187 e 422, do reformado Codex.

Na América do Sul, mais precisamente na Argentina, há exemplos em que a civil law é aplicada em matéria privada e legislação infraconstitucional, enquanto que a common law se aplica em nível constitucional, resultando em um multiculturalismo na aplicação da Lei, conforme ressalta Ricardo Luiz Lorenzetti (2009, p. 62):

"O direito foi idealizado para ser aplicado a um Estado cujos habitantes tenham raízes e ideais em comum, ou seja, uma base cultural homogênea. Na atualidade existem sociedades multiculturais, na quais resulta difícil afirmar o predomínio de um grupo de pessoas que pensem do mesmo modo em todos os temas, o que faz com que tanto a lei, quanto a decisão judicial se concentrem antes nos procedimentos que nas decisões substantivas.

Na Argentina o problema da diversidade foi exposto desde as suas origens, inclusive no âmbito jurídico, já que no direito público houve uma forte influência anglo-saxônica, enquanto no direito privado obedeceu-se a uma larga construção baseada na tradição européia. Essa convivência de culturas jurídicas bastante diferentes transformou-se em um problema global, em vista dos fenômenos da imigração e do multiculturalismo, passando a expor problemas altamente complexos de inter-relação cultural. "

Assim, cada vez mais se pode observar a aplicação dos Princípios Gerais de Direito, ao invés do mero subsumir-se dos fatos às normas, de maneira tecnocrata, atraindo novo viés ao Processo Civil, qual seja, conferir conteúdo prático e valorativo, frente ao caso concreto, à letra da lei.

Também o campo do Processo Civil tem sido revisitado pelas mencionadas transformações técnico-jurídicas e gradativamente se desliga de uma função meramente instrumentalizadora, para dotar-se de verdadeira capacidade legiferante, passando a assumir papel determinante na própria construção normativa, na medida em que surgem teorias que entendem que a norma somente se constitui a partir de sua aplicação à situação fática.

A esse respeito, destacam-se as teorias pós-positivistas, cujos antecedentes históricos já foram abordados no capítulo anterior, e da qual é uma vertente a obra de Friedrich Muller (2007, p. 148-149), com a Teoria Estruturante do Direito, que assim se resume:

"Em oposição a esse mito a teoria estruturante do direito desenvolveu desde meados dos anos 60 uma concepção nova, pós-positivista da teoria do direito: a norma não está já contida no código legal. Este contém apenas formas preliminares, os textos das normas. Eles se diferenciam sistematicamente da norma jurídica, que deve ser primeiramente produzida em cada processo individual de decisão jurídica, i.e., "trazida para fora" [hervorgebracht]. Além disso o âmbito da norma [Normbereich] pertence constitutivamente a ela. A "norma jurídica"se transforma assim em um conceito complexo, composto de programa da norma e de âmbito da norma. E "atividade concretizante" não significa mais tornar mais concreta uma norma jurídica genérica, que já estaria contida no código legal, mas significa, a partir de uma ótica e uma reflexão realistas, construção da norma jurídica no caso decisório individual, sendo que os elementos do trabalho textual se tornam cada vez "mais concretos", de uma fase a outra. Isso dinamiza ao mesmo tempo o trabalho dos juristas no eixo norma-caso, apreende esse trabalho de modo realista do caso e textos das normas na codificação, textos do programda da norma e do âmbito da norma, texto da norma jurídica e da norma decisória ( a parte dispositiva da decisão). Mas a dinamização próxima à realidade apreende também o eixo-norma-realidade: o âmbito da norma co-constitui a norma jurídica. Ele é desenvolvida a partir do âmbito da coisa [Sachbereich] e do âmbito do caso, i.e., diferenciado e operacionalizado. Além disso, os elementos de trabalho são hierarquizados: no caso do conflito entre eles, impõe-se por razões ligadas à democracia ou ao Estado de Direito os dados lingüísticos; não deve existir nenhuma "força normativa do fático" (Georg Jellinek). Em casos de conflito metodológico entre os elementos individuais da concretização temos à disposição um catálogo de regras de preferência. O primado cabe aqui grosso modo aos respectivos argumentos mais próximos do texto da norma."

Segundo essa nova perspectiva, o juiz deixa de ser apenas o aplicador do direito positivado e passa a ter papel fundamental na construção normativa, pois não só faz incidir a norma ao caso concreto, mas também "cria" o direito, a ponto de Mauro Capelletti (1999, p. 42) afirmar que "toda interpretação é criativa, e sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional."

A esse respeito, destacam-se os comentários de Eduardo Cambi (2009, p. 176-177):

"A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, já incorporou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tanto em relação ao controle dos atos legislativos (p. ex.: considerou inconstitucional Lei do Estado do Paraná, que determinava a pesagem de butijões de gás, no ato da venda para consumidor, em face da imensa dificuldade material, quando não da impossibilidade, de fazê-lo, entendendo se o ato legislativo não razoável, julgou inconstitucional ato normativo do Estado do Piauí, que permitia que pessoa estranha à carreira de delegado de polícia exercesse esta função) quanto dos administrativos (p. ex., determinou que candidato aprovado em concurso para delegado de polícia não poderia ser reprovado na prova de esforço físico, por ser os agentes policiais que fazem as perseguições; também, reconheceu que candidato à escrivão de polícia não poderia ser reprovado por não possuir altura mínima; ainda, considerou inadmissível o "julgamento de consciência" de candidato à magistratura, aprovado no certame, para excluí-lo do concurso público, com base em decisão secreta sobre sua vida pública e privada; por fim, julgou irrazoável Edital de concurso público que atribuía ao tempo de serviço público pontuação superior a títulos referentes à pós-graduação). "

O processo como instrumento, também deve, por sua vez, atender à sua função social. Em que pese o artigo conferir melhor tratamento à temática, na sequencia, cabe, desde já, inserir as lições do Professor Barbosa Moreira (1989, p. 67-68), em cuja visão, a função social do processo visa a dois objetivos primordiais, quais sejam:

I)A promoção da igualdade, pela eliminação ou atenuação das diferenças de tratamento entre os membros da sociedade, em razão da diversidade de condição econômica, posição social, cultural, racial, religiosa ou política;

II)A otimização do sistema jurídico, a fim de assegurar, na medida necessária, a primazia dos interesses da coletividade sobre os estritamente individuais.

Passa-se, então, à analise das questões propostas na Introdução: ao deixar seu papel de aplicador da lei e passar a desempenhar uma função na cadeia legislativa, o juiz não estaria infringindo o princípio da independência dos poderes? E quanto ao processo, saindo do instrumental para desempenhar função determinante na formação da norma, ainda assim estaria atendendo à sua "função social"?

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Sobre os autores
Neimar Batista

Advogado, Graduado em Direito Pela PUC-PR; Especialista em Direito Processual Civil pelo IBEJ-PR; Especialista em Direito Civil Empresarial pela PUC-PR; Mestrando em Direito Empresarial pela UNICURITIBA

Ana Cecília Parodi

Mestre em Direito Econômico e Socioambiental (PUCPR). Especialista em Direito Civil e Empresarial (PUCPR). Especialista em Direito Aplicado (Escola da Magistratura do Paraná). Advogada. Conferencista. Professora, com atuação precípua em cursos de pós-graduação no âmbito nacional; líder II do Projeto de Pesquisa CAPES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Neimar ; PARODI, Ana Cecília. O ativismo judicial como meio para efetivação da função social do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2778, 8 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18428. Acesso em: 5 mai. 2024.

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