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O foro de eleição no contrato de representação comercial

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Representante Comercial é um profissional especializado em vendas, responsável por difundir e negociar produtos de terceiros em troca de comissões. Seu ofício é regulamentado pela Lei Federal de nº. 4.886/65, que, ao longo de seus 49 artigos, define não apenas as linhas gerais e requisitos para exercer tal atividade, como também uma série de direitos e prerrogativas especialmente delineadas para evitar que a disparidade de forças entre Representado e Representante torne o contrato ruinoso ou aviltante para o último.

Neste rol de prerrogativas básicas encontra-se a do art. 39 da Lei nº 4.886/65, que define o foro do domicílio do Representante como competente para julgamento das eventuais controvérsias surgidas na relação com o Representado. Significa dizer, qualquer demanda judicial que tenha por objeto a discussão de algum aspecto derivado do contrato de Representação Comercial deverá ser proposta no local em que o Representante esteja estabelecido. Trata-se de medida adotada no intuito de facilitar o acesso do Representante Comercial ao Judiciário, já que, de regra, sua atuação e estrutura restringem-se a uma específica localidade, ao passo em que o Representado opera em âmbito territorial sensivelmente mais extenso, com estrutura superior e mais complexa.

A despeito da previsão legal, é muito freqüente que nos Contratos de Representação seja incluída uma Cláusula de Eleição de Foro, para fins de definir a competência da Comarca em que está domiciliado o Representado para julgamento das lides originadas de tal relação. Por óbvio, este é um dispositivo que vem a atender apenas e tão somente aos interesses do Representado, na medida em que não apenas lhe possibilita a centralização de suas demandas judiciais em um único lugar, como também torna mais árdua a propositura de uma ação contra si.

Há, todavia, que se questionar a validade de tal dispositivo. Conquanto se advogue, em benefício dos Representados, que o art. 111 do Código de Processo Civil permite que as partes disponham acerca das regras de competência territorial, a verdade é que, bem analisada a situação, tende-se a uma conclusão completamente distinta.

Muito embora as regras de competência ostentem, de uma perspectiva exclusivamente processual, uma natureza relativa – ou seja, serão desconsideradas se não alegadas em tempo pela parte interessada –, no plano do direito material, a sua disposição não é tão simples assim, já que, estabelecidas para a proteção de hipossuficiente, revestir-se-ão de uma série de exigências e cuidados, que, quando não impedirem, tornarão mais difícil a sua revogação por meio de um contrato entre as partes. Exemplo evidente disto é encontrado na legislação consumerista, responsável por definir não apenas que, nas causas desta natureza, a competência recairá sobre a Comarca do domicílio do consumidor, como também a nulidade da cláusula contratual que almeje a modificação do foro.

Algo semelhante ocorre no caso dos Representantes Comerciais. Naturalmente hipossuficientes em suas relações com os Representados, eles encontram, na regra do art. 39 da Lei nº 4.886/65, garantia estatuída no intuito de retirar eventuais óbices para o acesso ao Judiciário. Não por outra razão é que a maioria das decisões do Superior Tribunal de Justiça se firma no sentido de que o art. 39 da Lei 4.886/65 estabelece regra de competência absoluta, infensa a disposições contratuais, como se depreende das seguintes ementas:

AGRAVO INTERNO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMPETÊNCIA.

- Se o Tribunal local examinou a questão da competência partindo do pressuposto de que as partes se envolveram em relação comercial, a revisão dessa premissa, em recurso especial, esbarra na Súmula 7.

- A competência do domicílio do representante, fixada no Art. 39 da Lei 4.886/65, é absoluta e não pode ser alterada por disposição contratual. Precedentes.

(STJ; AgRg no Ag 959719/RS; 2007/0209663-4; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Órgão Julgador: Terceira Turma; Data do Julgamento: 12/02/2008; Data da Publicação/Fonte: DJe 03/03/2008)

AGRAVO REGIMENTAL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.

A competência do domicílio do representante, fixada no Art. 39 da Lei 4.886/65, é absoluta e não pode ser alterada por disposição contratual. Precedentes.

(STJ; AgRg no CC 73415 / MG; 2006/0228049-6; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Órgão Julgador: Segunda Seção; Data do Julgamento: 12/09/2007; Data da Publicação/Fonte: DJ 24/09/2007 p. 242)

AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE ADESÃO. SÚMULA 7. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. FORO DO DOMICÍLIO DO REPRESENTANTE.

O foro de eleição previsto em contrato de adesão não vale, em contrato de representação comercial. Há disposição legal expressa fixando a competência do foro do domicílio do representante (L.4886, Art. 39).

(STJ; AgRg no REsp 532545/RS; 2003/0034976-2; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Órgão Julgador: Terceira Turma; Data do Julgamento: 29/11/2006; Data da Publicação/Fonte; DJ 18/12/2006 p. 363)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. REPRESENTANTE COMERCIAL. A natureza da competência fixada no art. 39 da Lei nº 4.886, de 1965, na redação dada pela Lei nº 8.420, de 1992, é absoluta. Conflito conhecido para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível Regional de Direito de Jacarepaguá, RJ.

(STJ; CC 40585/ES; 2003/0189308-4; Rel. Min. Ari Pargendler; Órgão Julgador: Segunda Seção; Data do Julgamento: 14/12/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 01/02/2006 p. 425, REVPRO, vol. 136, p. 211)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – FORO DO DOMICÍLIO DO REPRESENTANTE – CONTRATO DE ADESÃO – SÚMULAS NS. 7 E 83/STJ – APLICAÇÃO

I – Para discussão do contrato de representação comercial, prevalece o foro do domicílio do representante, em razão de disposição legal expressa (Lei nº 4886/65, art. 39). Precedentes.

II – A afirmativa de inocorrência de hipossuficiência é inviável de exame na via recursal eleita, nos termos da Súmula nº 7/STJ. Precedentes.

III – A decisão vergastada está em consonância com a jurisprudência deste tribunal superior. Hipótese de aplicação da Súmula nº 83/STJ.

IV – Agravo regimental improvido.

(STJ; AgRg no Ag 650027/MT; 2004/0184641-7; Rel.ª Min.ª Massami Uyeda; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data do Julgamento: 13/11/2007; Data da Publicação/Fonte: DJ 03/12/2007 p. 309, RT vol. 870 p. 166)

Processual civil. Competência. Representação comercial. Foro de eleição.

I. - Havendo lei especial que taxativamente determine o foro do domicílio do representante como o local apropriado para dirimir conflitos entre as partes, contrato de adesão não poderá modificá-lo.

II. - Recurso especial não conhecido.

(STJ; REsp 608983 / MG; 2003/0204273-1; Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro; Órgão Julgador: Terceira Turma; Data do Julgamento: 16/03/2004; Data da Publicação/Fonte: DJ 12/04/2004 p. 209, RNDJ vol. 55 p. 115)

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO. FORO DE ELEIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO. FORO DE DOMICÍLIO DO REPRESENTANTE. LEI 4.886/65, ART. 39. PRECEDENTES. RECURSO ACOLHIDO.

I - A cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão é, em princípio, válida e eficaz, salvo: a) se, no momento da celebração, a parte aderente não dispunha de intelecção suficiente para compreender o sentido e as conseqüências da estipulação contratual; b) se da prevalência de tal estipulação resultar inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Judiciário; c) se se tratar de contrato de obrigatória adesão, assim entendido o que tenha por objeto produto ou serviço fornecido com exclusividade por determinada empresa.

II - Não reconhecida qualquer dessas circunstâncias, é de prevalecer o foro eleito.

III - Em se tratando, todavia, de contrato de representação, a cujo respeito há disposição expressa de lei a determinar o foro do domicílio do representante como sendo o lugar apropriado para a solução do litígio estabelecido entre as partes contratantes (art. 39 da Lei n. 4.886/65, modificado pela Lei n. 8.420/92), entende a Turma que não há de prevalecer o foro eleito por adesão.

(STJ; REsp 149759 / SP; 1997/0067906-3; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data do Julgamento: 24/06/1998; Data da Publicação/Fonte: DJ 21/09/1998 p. 184)

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Há, porém, que se aludir a outro entendimento encontrado no Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o art. 39 da Lei 4.886/65, a despeito de seu caráter protetivo em relação ao representante comercial, contemplaria regra de competência relativa, passível, portanto, de alteração pela vontade das partes. Contudo, ainda em tais situações, a modificação da competência territorial só poderia ser convencionada contratualmente em hipóteses excepcionais, nas quais ficasse evidenciada tanto a inexistência de hipossuficiência na relação entre Representado e Representante Comerciais quanto a ampla e livre participação das partes na formulação do contrato, o que significa afastar a hipótese de mero contrato de adesão.

Não é outro o entendimento que se depreende dos seguintes julgados:

DIREITO COMERCIAL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. ART. 39 DA LEI Nº 4.886/65. COMPETÊNCIA RELATIVA. ELEIÇÃO DE FORO. POSSIBILIDADE, MESMO EM CONTRATO DE ADESÃO, DESDE QUE AUSENTE A HIPOSSUFICIÊNCIA E OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA.

- A Lei nº 4.886/65 tem nítido caráter protetivo do representante comercial.

- Na hipótese específica do art. 39 da Lei nº 4.886/95, o objetivo é assegurar ao representante comercial o acesso à justiça.

- A competência prevista no art. 39 da Lei nº 4.886/65 é relativa, podendo ser livremente alterada pelas partes, mesmo via contrato de adesão, desde que não haja hipossuficiência entre elas e que a mudança de foro não obstaculize o acesso à justiça do representante comercial.

- Embora a Lei nº 4.886/65 tenha sido editada tendo em vista a realidade vivenciada pela grande maioria dos representantes comerciais, não se pode ignorar a existência de exceções. Em tais circunstâncias, ainda que a relação entre as partes continue a ser regulada pela Lei nº 4.886/65, esta deve ser interpretada e aplicada como temperança e mitigação, sob pena da norma se transformar em instrumento de beneficiamento indevido do representante em detrimento do representado.

Embargos conhecidos, mas não providos.

(STJ; EREsp 579324 / SC; 2006/0174249-0; Rel.ªMin.ª Nancy Andrighi; Órgão Julgador: Segunda Seção; Data do Julgamento: 12/03/2008; Data da Publicação/Fonte: DJe 02/04/2008)

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. ART. 39 DA LEI N. 4.886/65. COMPETÊNCIA RELATIVA. FORO DE ELEIÇÃO PREVALENTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.

A competência estabelecida pelo art. 39 da Lei n. 4.886, com a redação da Lei 8.420/93, é de natureza relativa, permitindo que as partes ajustem o foro de eleição, o qual deve prevalecer a não ser nos casos em que caracterizada a hipossuficiência.

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ; REsp 579324 / SC; 2003/0155895-0; Rel. Min. Jorge Scartezzini; Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data do Julgamento: 15/02/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 07/08/2006 p. 227)

PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. FORO DE ELEIÇÃO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CONTRATO DE ADESÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA DO REPRESENTANTE. PREVALECIMENTO DA COMPETÊNCIA ESTABELECIDA NA LEI N. 4.886/65.

Cuidando-se de contrato de representação comercial e constatada a hipossuficiência do representante, deve prevalecer a competência estabelecida na Lei nº 4.886/65, em detrimento do foro eleito, a fim de garantir a mínima defesa ao representante.

O óbice do acesso à Justiça deve ser considerado, por óbvio, de acordo com a condição da parte, e não de seus advogados. O local do escritório dos procuradores do autor é insuscetível de elidir ou amenizar sua hipossuficiência.

Recurso conhecido e provido.

(STJ; REsp 533230 / RS; 2003/0030337-2; Rel. Min. Cesar Asfor Rocha; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data do Julgamento: 02/09/2003; Data da Publicação/Fonte: DJ 03/11/2003 p. 323)

Como se constata das ementas trasladadas, mesmo nos casos em que o Superior Tribunal de Justiça apregoa a relatividade do foro estabelecido pelo art. 39 da Lei 4.886/65, a possibilidade de sua modificação é vista com muita cautela, permitida apenas em situações excepcionais, nas quais a modificação da competência territorial seja empreendida a partir de acerto derive da efetiva convergência de vontades das partes – e não da imposição de uma sobre a outra –, inexistindo prejuízo para o Representante com a eleição do foro.

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Sobre a autora
Mirella Barros Conceição Brito

Assessora jurídica do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Mirella Barros Conceição. O foro de eleição no contrato de representação comercial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2777, 7 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18439. Acesso em: 2 nov. 2024.

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