4. CESSÃO REAL DE USO
Não é novidade no Direito Brasileiro a utilização de institutos do direito privado para transferência de uso privativo de bens públicos dominicais a particulares.
Embora estes bens possam ser cedidos aos particulares por meio de autorização, permissão ou concessão, também podem ser objeto de contratos regidos pelo Código Civil e leis esparsas, a exemplo do que ocorre nos casos de locação, arrendamento, comodato e concessão de direito real de uso [62].
Nesses casos, conforme interpretação de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [63], "a utilização dos institutos do direito privado sofrem "derrogações necessárias para adaptar o instituto às peculiaridades da Administração", sendo que, "às vezes esses desvios são tão grandes que desnaturam o instituto, dando-lhe conotação publicista".
Enquanto alguns institutos como a autorização de uso, a permissão de uso e a concessão se destinam a todas as categorias de bem público, outros como o arrendamento, a locação, e o comodato reservam-se, apenas, aos bens dominicais, uma vez que o beneficiário direto de tais bens é o particular e, de forma indireta, a própria Administração [64].
Assim, como ocorre com outros direitos reais sobre coisas alheias, a cessão real de uso é transferível por ato inter vivos, por sucessão legítima ou testamentária, a título gratuito ou remunerado, com a diferença de que o imóvel deverá reverter à Administração concedente, caso o concessionário ou seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou desviarem da finalidade estipulada contratualmente.
Ex vi dos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles [65], "a concessão de direito real de uso pode ser outorgada por escritura pública ou termo administrativo cujo instrumento ficará sujeito a inscrição no livro próprio do registro imobiliário competente".
Tal registro visa dar publicidade ao ato e resguardar o direito do concessionário frente a terceiros, já que, a partir da inscrição, este passará a fruir plenamente do imóvel, segundo os fins estabelecidos no contrato, passando a responder por todos os encargos civis, tributários e administrativos.
A título elucidativo, importante destacar que o Decreto-lei 2.300/86, que dispunha sobre licitações e contratos da administração federal, continham em seu artigo 15, §1º, regra impondo a utilização preferencial do direito real de uso frente à venda ou doação como forma de resguardar o patrimônio público.
Essa opção derivava ou da temporariedade do interesse que justificava a transferência do bem ao particular ou da conveniência de verificar no curso do tempo se o interessado preencheria os requisitos necessários à aquisição do domínio.
A lei de licitações não repetiu o dispositivo, o que não significa alteração da questão, posto ser visivelmente mais conveniente à administração ceder apenas o direito de uso ao particular, e não proceder a redução definitiva do patrimônio público por meio da doação.
Segundo o artigo 17, §2º, da Lei 8.666/93, "a Administração poderá conceder direito real de uso de bens imóveis, dispensada a licitação quando o uso se destina a outro órgão ou entidade da Administração Pública", assim consideradas todas as incluídas no conceito do artigo 6º, XI.
De acordo com o artigo 7º do Decreto-lei nº 271, de 1967, que dispõe sobre os loteamentos urbanos, é permitido à Administração "proceder a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social", o que poderá ser feito por instrumento público, particular ou simples termo administrativo, devendo ser inscrita e até cancelada, em livro especial [66].
Assim, uma vez que é mais interessante para o patrimônio público a concessão real de uso do que a doação, o douto Hely Lopes Meirelles [67] conclui que "a concessão assim concebida substitui vantajosamente a maioria das alienações de terrenos públicos, razão pela qual deverá ser sempre preferida, principalmente nos casos de venda ou doação", até porque, dependendo a concessão de autorização legal e prévia concorrência, possibilita a Administração maior controle e fiscalização da finalidade atribuída ao bem público.
5. ANÁLISE DA SÚMULA Nº 01 DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ
No Brasil, inicialmente, o acesso à jurisprudência era feito através da publicação das decisões no Diário Oficial e por prestigiadas revistas especializadas, como a Revista do Supremo Tribunal Federal, a Revista Forense e a Revista dos Tribunais.
Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, facilitou-se a divulgação, possibilitando a difusão da informação aos mais distantes rincões do país.
No processo normativo, a produção da norma surge da técnica legislativa dentro do respectivo processo legislativo, enquanto que sua aplicação depende da interpretação do operador do direito, especialmente do juiz, no caso concreto.
Enquanto a jurisprudência forma-se pelos julgados de um Tribunal [68], a Súmula reflete a jurisprudência consolidada de um tribunal ou de uma seção especializada.
Embora as Súmulas tenham sido previstas pela primeira vez na legislação brasileira, no artigo 479 do Código de Processo Civil de 1973, estas já tinham sido adotadas pelo Supremo Tribunal Federal desde o ano de 1964 [69].
Não obstante a criação de um mecanismo que fosse o corolário do processo de uniformização de jurisprudência tivesse surgido apenas com o Código de Processo Civil de 1973, a Lei Federal nº 5.010/66 já autorizava, em seu artigo 63, o então Tribunal Federal de Recursos a emitir súmulas de sua jurisprudência.
Considerando que o Poder Legislativo, quando cria uma norma jurídica, estabelece um tipo legal abstrato, com validade erga omnes e, em contrapartida, que o Poder Judiciário, através de seus órgãos, cria, através da interpretação autêntica, normas individuais, provenientes da análise dos casos concretos submetidos a sua apreciação, segundo os ensinamentos de Lenio Luiz Streck [71], pode-se aduzir que "uma sentença é uma norma individual posta no sistema pelos julgados como resultados da apreciação de um caso individual, de modo seguir-se, a importante circunstância de um tribunal poder receber a competência para criar não só uma norma normativa individual, vinculante apenas para o caso sub judice, mas também receber o precedente judicial aplicável na decisão de casos semelhantes".
Sem entrar em análise mais pormenorizada sobre o poder normativo das súmulas editadas pelos Tribunais Superiores, especialmente, sobre aquelas editadas com efeito vinculante pelo Supremo Tribunal Federal após a Emenda Constitucional nº 45/04 [70], pode-se aduzir que a jurisprudência ganhou maior relevo dentre as fontes do direito nacional, já que as mesmas servem como parâmetro para todos os julgamentos, o que antes, em regra, era circunscrito ao âmbito de cada Tribunal.
O efeito vinculante das súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal possui um poder de decisão significativamente superior em relação aquele conferido à jurisprudência uniformizada nas hipóteses pré-existentes de casos similares, uma vez que, conforme o texto constitucional, seus efeitos vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta.
Mister destacar que a aplicação da súmula vinculante não torna estática a jurisprudência pátria, já que o próprio texto constitucional prevê a possibilidade de revisão e cancelamento das mesmas (art. 103 A, §2º, da CF).
Sendo certo que as súmulas não possuem a mesma força normativa da lei, são, porém, um método pelo qual os Tribunais procuram eliminar as dúvidas de interpretação das normas, a fim de atender a sua finalidade.
Neste sentido, surge a importância do Direito Sumular, sendo este, segundo Roberto Rosas [71], o "reflexo do direito emanado de súmulas de um tribunal", tendo força para repugnar decisões contrárias e interpretações diversas sobre a mesma regra jurídica.
Em 12 de janeiro de 2007 [72] foi publicada a Súmula nº 01 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, com o seguinte enunciado:
"Preferência pela utilização da concessão de direito real uso, em substituição a maioria das alienações de terrenos públicos, em razão de sua vantajosidade, visando fomentar à atividade econômica, observada prévia autorização legislativa e licitação na modalidade concorrência, exceto nos casos previstos no art. 17, inciso I, alínea "f" da Lei nº. 8.666/93. Caso o bem não seja utilizado para os fins consignados no contrato pelo concessionário, deverá reverter ao patrimônio público."
A referida Súmula, da relatoria do Conselheiro Artagão de Mattos Leão, tinha por objetivo disciplinar a matéria, recomendando aos Administradores que optassem pela concessão de direito real de uso à doação de imóveis públicos, uma vez que a concessão possibilita reversão do bem ao patrimônio público caso o cessionário ou seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou se desviarem de sua finalidade contratual.
Do voto do eminente relator destaca-se que "a natureza funcional do liame mantido entre a administração pública e os bens públicos é que baliza sua utilização", sendo certo que, tanto a doação de bens públicos dominicais quanto a concessão de direito real de uso são permitidas pela lei, contudo, em regra, a segunda apresenta inúmeras vantagens frente a primeira.
É verdade que poderia se pensar em espécie de doação condicionada na qual o donatário deveria prestar uma contraprestação pela recebimento do bem como forma de garantir o interesse público. Contudo, o que se questiona não é a finalidade da Súmula nº 01 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, mas a necessidade de se editar uma Súmula para apresentar uma mera recomendação aos Administradores Públicos, já que ao dispor que estes devem dar preferência à concessão de direito real de uso à doação, significa dizer que o Tribunal apresenta uma mera recomendação e que os mesmos podem optar por qualquer um dos institutos, sem nenhuma espécie de sanção.
Quanto à utilização das súmulas, o douto Roberto Rosas [73] explicita que "a súmula pode ser perigosa, se elaborada com defeito", devendo ser sumuladas, "somente teses controvertidas e não de textos legais eventuais (por exemplo, tributação anual)", de modo a oferecer segurança aos jurisdicionados.
No presente caso, não há que se falar em teses controvertidas, até porque a lei permite a utilização de quaisquer delas, mas em uma instrução para o Administrador Público, o qual deverá optar, como um mera recomendação, pela concessão de direito real de uso à doação.
Sendo certo que todas as formas de alienação [74] devem objetivar o interesse púbico, caberá ao Administrador estabelecer critérios restringindo a participação daqueles interessados que não atendam à natureza essencial da atividade pública sob pena de violar a própria finalidade do ato.
Talvez não fosse o caso de editar uma súmula para regulamentar o tema, até porque não existem teses controversas que suscitem dúvidas, mas de emitir uma instrução normativa ou regulamentação com a finalidade de instruir o Administrador Público quanto à utilização dos institutos.
Resta esperar que o termo "Súmula" surta maiores efeitos psicológicos que os termos "Instrução" ou "Recomendação", de modo que os Administradores passem a optar pelo instituto da cessão real de uso à doação, por ser, em regra, mais vantajoso ao patrimônio Público.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FERNANDES, Marcos Antonio. Manual para prefeitos e vereadores, São Paulo: Quartier Latin, 2003.
GOMES, Orlando. Contratos. Atual: AZEVEDO, Antonio Junqueira, MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
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MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
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MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo XLVI, 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.
RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002, 6ª ed. Rio de janeiro: Forense, 2008.
ROSAS, Roberto. Direito sumular, comentários às Sumulas do Supremo Tribunal federal e do Superior Tribunal de Justiça, 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
SOUZA, Sylvio Capanema de. Comentários ao novo código civil, v. VIII, Rio de Janeiro: Forense, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
Notas
- Nas alienações, surge para a Administração Pública um dever de dar (transferir o domínio ou a posse de um bem). Para o particular ou não existe dever algum (doação pura) ou há dever preponderantemente de dar (pagar o preço). JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à lei de licitações e contrato administrativos. São Paulo: Dialética, 2000, p. 167.
- Mas o próprio doar tem dois sentidos: um largo, que abrange qualquer liberalidade; outro, estreito, que só se refere a liberalidade com a coisa. Nos comentários de SABINO, o título de donationibus foi incluído como um dos modos de aquisição da propriedade, mas o intuito era apenas prático. Falava-se de donationis causa mancipare, donationis causa tradere, donationis causa promittere. Era o sentido largo da causa donandi. (...) No direito romano, a doação e a promessa de doação foram, a princípio, pactos que ficavam no mundo fático. A entrada no mundo jurídico, posteriormente, foi para a doação e para a promessa de doação. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo XLVI, 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 191/192.
- Conforme os ensinamentos de Orlando Gomes: "No direito moderno, a doação é contrato. Foi abandonada a orientação, proveniente das Institutas, de colocá-la entre os modos de adquirir a propriedade. É, no entanto, negócio jurídico de natureza especial." GOMES, Orlando. Contratos. Atual: AZEVEDO, Antonio Junqueira, MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 253.
- Alude-se a oferta e à aceitação, à transmissão da propriedade, em sentido amplo, que excede, em compreensão, ao domínio. Doa-se o domínio, doa-se a enfiteuse, doa-se o usufruto, doa-se o uso, doa-se o direito de habitação, doa-se o título de crédito, doa-se a hipoteca ou qualquer outro direito real de garantia". MIRANDA, Pontes de, Op. cit., p. 192.
- Segundo Orlando Gomes, a doação é contrato unilateral, simplesmente consensual e gratuito. Unilateral, porque somente o doador contrai obrigações. Simplesmente consensual, por não requerer, para seu aperfeiçoamento, a entrega da coisa doada ao donatário. Desde que o acordo se realiza, o contrato está perfeito e acabado. É com a aceitação do donatário que nasce para o doador a obrigação de entregar o bem. GOMES, Orlando, Op. cit., p. 253/254.
- Há o negócio jurídico de disposição, mas há também, a disposição em ato. Na doação de bem imóvel, precisa-se do acordo de transmissão, que é negócio jurídico, e é o que se registra. MIRANDA, Pontes de, Ibidem, p. 193.
- O douto Pontes de Miranda aduz que "A doação é atribuição patrimonial. Se não há atribuição ao donatário, não há doação. Não importa o que se doa, desde que com isso se enriqueça o donatário". MIRANDA, Pontes de, Op. cit., p. 194.
- Segundo os ensinamentos do referido mestre: "No patrimônio inclui-se qualquer valor econômico e qualquer elemento que o diminua, não poderia ser só o ativo. Trata-se, portanto, de expressão de valor. MIRANDA, Pontes de, Ibidem, p. 195.
- Sobre esta questão, Pontes de Miranda assevera que "o propósito de enriquecer não é o essencial. O que é essencial é a intenção de doar. A transfere a B as ações que tem na companhia em liquidação e sem valor de mercado, porque B as deseja ter, há doação. A pensa que C morreu sem bens e entrega a B a nota promissória de C, a quem D, herdeiro de C, com bens sitos no estrangeiro, paga o título". MIRANDA, Pontes de, Ibidem, p. 193.
- Exemplificando a questão, novamente vale ressaltar os ensinamentos de Pontes de Miranda: "a simples transmissão fiduciária não enriquece. Nem a fiança que se dá à dívida de outrem, nem a hipoteca ou o penhor. Salvo se, com isso, o credor renuncia ao direito de regresso. O empréstimo gratuito de dinheiro ou de outro bem fungível, não é doação. Quando se atribui a trabalhador mensalidade ou qualquer quantia de festas, conforme o salário, retribui-se; não se doa". MIRANDA, Pontes de, Idem.
- A ideia de liberalidade presente na doação é princípio que pode também fazer parte de outros atos. VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil: contratos em espécie, 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 95.
- Em que pese a aceitação não estar expressamente consignada no atual artigo 538, como ocorria com o artigo 1.165 do Código Civil de 1916, sua dispensa está ressalvada aos casos do artigo 543, conforme ressalta o atualizador da obra de Orlando Gomes: embora a supressão possa dar margem à dúvida, é certo que o contrato de doação permanece simplesmente consensual, exigindo a aceitação do donatário (exceção feita ao caso previsto no art. 543)e independendo datransmissãodobemdoadoparaseaperfeiçoarGOMES, Orlando, Op. cit., p. 253.
- Segundo o douto Orlando Gomes, o contrato de doação é gratuito, porque o donatário enriquece seu patrimônio sem contrapartida. GOMES, Orlando, Ibidem, p. 254.
- A doação é negócio jurídico bilateral gratuito. A promessa unilateral de recompensa é negócio jurídico unilateral abstrato. A doação é negócio jurídico bilateral causal, porque a causa está na liberalidade. Se por baixo há algum elemento que explica ou enche a liberalidade, tal elemento é apenas o motivo. MIRANDA, Pontes de, Op. cit., p. 197.
- Talvez uma das questões fáticas a ser enfrentada seja a aceitação, pois, conforme ressalta Silvio de Salvo Venosa, o vigente Código mantém a mesma definição no art. 538, suprimindo apenas a expressão final "que os aceita", para melhor compreensão técnica, como veremos, pois nem sempre essa aceitação é expressa ou muito clara. VENOSA, Sílvio de Salvo, Idem.
- GOMES, Orlando, idem.
- A atribuição patrimonial a que não corresponda diminuição do patrimônio do doador não é doação. MIRANDA, Pontes de, Op. cit., p. 195.
- Em belíssima reflexão Pontes de Miranda elucida: "há, todavia, um ponto que precisa ser esclarecido. Fala-se de enriquecimento de um e correspondente empobrecimento de outrem. O objeto, que A entende doar a B, pode não ter valor venal, nem ser, sequer, útil A. Ora, o não ser útil a A pode acontecer, também, com objeto de valor venal, que não justifique levá-lo à cidade para que alguém o compre, tanto mais quanto pode bem ser que A, sem resultado, haja posto anúncio nos jornais. Se B dá valor ( = acha que lhe é útil) o que A reputa inútil, há doação. Porque A tinha a propriedade e a atribuiu a B, que recebeu o objeto". MIRANDA, Pontes de, Ibidem, p. 196/197.
- De acordo com o escólio de Orlando Gomes: "o problema da natureza jurídica da doação perdeu interesse com a predominância absoluta da opinião de que é um contrato. Foi, no entanto, vivamente debatido por ter sido considerado ato unilateral no código civil francês. Atribui-se o equívoco à influência de Napoleão, que, intervindo nos debates, impusera seu ponto de vista baseado na falsa suposição de que a criação de obrigação unilateral é incompatível com a ideia de contrato, mas, em verdade, o legislador francês conformou-se à orientação do Direito romano, através das Instituas de Justiniano, que incluíam a doação entre os meios de aquisição da propriedade". GOMES, Orlando, Op. cit., p. 254.
- O doador obriga-se a transferir do seu patrimônio bens para o do donatário, mas este não adquire a propriedade senão com a tradição, ou a transferência. Entre nós o domínio das coisas não se adquire solo consensu, regra válida tanto para a compra e venda e a permuta como para a doação. GOMES, Orlando, Ibidem, p. 255.
- VENOSA, Sílvio de Salvo, Ibidem, p. 96.
- MIRANDA, Pontes de, Op. cit., p. 198.
- VENOSA, Sílvio de Salvo, Op. cit., p. 96.
- Sempre haverá um interesse remoto no ato de liberalidade cujo exame, na maioria das vezes, é despiciendo ao plano jurídico. Dificilmente haverá doação isenta de interesse social, ético, político, religioso, científico, desportivo, afetivo, amoroso etc. VENOSA, Sílvio de Salvo, Ibidem, p. 97.
- VENOSA, Sílvio de Salvo, Idem.
- É a intenção demonstrada para se fazer uma liberalidade (doação). DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, v. I, A – C, Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 122.
- Completa-se com o elemento subjetivo: o animus donandi. Indispensável à caracterização da doação é, com efeito, a intenção de praticar um ato de liberalidade. GOMES, Orlando, Op. cit., p. 255.
- MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativa brasileiro, 32ª ed. AZEVEDO, Eurico de Andrade, ALEIXO, Délcio Balestero, BURLE FILHO, José Emmanuel (atual.), São Paulo: Malheiros, 2006, p. 515.
- Entendimento de MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit., p. 515.
- A esse regime subordinam-se todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos e, como tais, regidos pelo Direito Público, embora supletivamente se lhes apliquem algumas regras da propriedade privada. Mas advirta-se que as normas civis não regem o domínio público: suprem, apenas, as omissões das leis administrativas. MEIRELLES, Hely Lopes, Ibidem, p. 516.
- JUSTEN FILHO, Marçal, Curso de direito administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 700
- A título meramente elucidativo, vale ressaltar os ensinamentos de Odete Medauar ao aduzir que "no direito, coisa é tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas; e bem seria sinônimo de coisa, embora haja divergência entre autores quanto à sinonímia perfeita. MEDAUAR, Odete, Direito administrativo moderno, 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 234.
- MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit., p. 518.
- JUSTEN FILHO, Marçal, Curso, p. 702.
- Mister ressaltar que existem outros critérios para classificar os bens públicos, como o critério geográfico, o critério da natureza e o critério da destinação, mencionados por Odete Medauar, MEDAUAR, Odete, Op. cit., p. 237-239.
- No nosso entender, coisa é gênero, do qual os bens são espécies. Coisas, em nosso modo de ver, é tudo que existe, com exceção do ser humano. Bem é toda coisa útil e rara. Assim, o ar é coisa, mas não é bem, pois, embora útil, não é raro, havendo em abundância. (…) Juridicamente falando, bens são valores materiais e imateriais que podem ser objeto de uma relação de direito. CARVALHO NETO, Inácio de, Curso de direito civil brasileiro, V I, 2 ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 276-277.
- Considerando a titularidade dos bens públicos, importante destacar o posicionamento de Arnaldo Rizzardo para quem: "abstraídos aqueles bens pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios, às autarquias e outras entidades de direito público, todos os demais, na letra do dispositivo, entram na categoria de particulares, o que não correspondente à realidade. Não apenas os bens pertencentes àquelas entidades entram no rol de públicos, e nem todos os bens excluídos são particulares. RIZZARDO, Arnaldo, Parte geral do Código Civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002, 6ª ed. Rio de janeiro: Forense, 2008, p. 375-376.
- Enunciado 287, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, Realizada pelo Centro de Estudos Judiciário – CEJ, do Conselho da Justiça Federal: O critério da classificação de bens indicados no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos.
- O bem deverá ser utilizado na forma como a lei instituidora ou o estatuto da entidade previr.
- MEDAUAR, Odete, Curso, p. 238.
- JUSTEN FILHO, Marçal, Ibidem, p. 703.
- (...) os bens das empresas estatais prestam-se a oneração como garantia real e sujeitam-se a penhora por dívidas da entidade, como, também, podem ser alienados na forma estatutária, independente de lei autorizativa, se móveis. MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit., p. 519.
- O douto Marçal Justen Filho critica aposição do legislador ao aduzir que "o grande problema da classificação do Código Civil reside em que o legislador tinha em mente apenas os bens imóveis, olvidando-se que de bens móveis também ser qualificados como bens públicos". JUSTEN FILHO, Marçal, Ibidem, p. 704.
- Por isso, não se reconhece a legitimidade do particular para a propositura de alguma ação: "o particular não pode opor interdito proibitório em face da administração pública, que age no exercício do seu poder de polícia, uma vez que a ocupação do bem público sempre se dará a título precário, fruto da mera detenção física da coisa, incapaz de produzir os atributos da posse susceptível de tutela. RIZZARDO, Arnaldo, Op. cit., p. 377.
- Os bens de uso comum podem ser usados e fruídos por toda a coletividade, desde que respeitadas determinadas condições, fixadas como requisitos para assegurar a integralidade deles e a fruibilidade por todos os demais. JUSTEN FILHO, Marçal, Curso, p. 713.
- Em que pese o douto Arnaldo Rizzardo fazer a ressalva quanto à possibilidade de ser cobrado algum valor pela utilização do bem, em seu conceito, este aduz que nesta categoria, "incluem-se os bens pertencentes à pessoa jurídica de direito público interno, facultando-se a utilização indistinta e gratuita por todas as pessoas (comunes omnium)'. RIZZARDO, Arnaldo, Idem, p. 377.
- MEDAUAR, Odete, Op. cit., p. 240.
- Em aparente confronto a este posicionamento, Arnaldo Rizzardo aduz que: nesta classe encontram-se aqueles bens pertencentes à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Territórios, aos Municípios, às Autarquias e até às empresas públicas e sociedades de economia mista, por força do parágrafo único do art. 99, em virtude de um título, que normalmente é a lei, ou o próprio registro imobiliário. Encontra-se um suporte ou uma referência que os torna públicos. Estão abrangidos, em geral, nesta categoria, os bens de uso especial, e muitos daqueles de uso comum do povo. Podem ser móveis como imóveis, não se impedindo a inclusão de semoventes. RIZZARDO, Arnaldo, Op. cit., p. 378.
- Data venia, diferentemente de aludido pelo douto Hely Lopes Meirelles, é de se entender que os bens públicos dominicais somente devem ser alienados quando demonstrada a sua necessidade frente ao interesse público, uma vez que ocorre a permanente redução do patrimônio público e não quando a Administração assim o desejar: "bens dominiais ou do patrimônio disponível: são aqueles que, embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim ou, mesmo, alienados pela Administração, se assim o desejar. MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit., p. 520-521.
- Para tanto, pode-se citar a possibilidade de incorporação de propriedade privada ao patrimônio público no caso de abandono do imóvel urbano por seu titular, prevista no artigo 1.276 do Código Civil.
- MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit., p. 536-537.
- FERNANDES, Marcos Antonio, Manual para prefeitos e vereadores, São Paulo: Quartier Latin, 2003, página 108.
- Afetação é a atribuição, a um bem público, de sua destinação específica. MEDAUAR, Odete, Op. cit., p. 241.
- JUSTEN FILHO, Marçal, Curso, p. 708.
- JUSTEN FILHO, Marçal, Idem.
- Logo e como se vê, a desafetação de bens de uso especial pode fazer-se, em algumas situações, sem obstáculos. Em alguns casos, a desafetação automática é da natureza do regime jurídico aplicável. Tal depende da circunstância e das características do bem. JUSTEN FILHO, Marçal, obra citada, p. 716.
- No processo 800101/352/98 do Tribunal de Contas de São Paulo, em que foram apuradas as contas anuais da Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz/SP, não obstante o voto do relator ter sido reformado quando da apreciação do recurso ordinário, vale destacar trecho do relatório atinente ao tema: "entendeu a auditoria que a doação de diversos imóveis para empresas privadas, ainda que autorizada por lei municipal, foi irregular, tendo em vista estarem ausentes nos procedimentos a avaliação prévia do bem doado, além de não cumprir disposições da lei orgânica municipal fixando que o Município, preferencialmente a venda ou doação de seus bens, outorgará concessão de direito real de uso, mediante prévia autorização legislativa e concorrência pública, o que não ocorreu. Processo 800101/352/98, Rel. Antonio Roque Citadini, TC/SP, Publicado no DOE 20/04/2005.
- Quanto à avaliação do bem, o douto Marçal Justen Filho elucida que esta "deverá ser obtida através da atividade dos próprios agentes administrativos ou, mesmo, pelo concurso de terceiros. Como regra, seria aconselhável recorrer à atividade de terceiros, especializados no ramo de avaliação. O avaliador ficará pessoalmente responsável pela idoneidade de suas conclusões". JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à lei de licitações e contrato administrativos, p. 99.
- JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à lei de licitações e contrato administrativos, p. 99.
- Para os bens móveis a dispensa de autorização legislativa não é absoluta pois, conforme o escólio de Marçal Justen Filho, "deve-se reputar indispensável a autorização legislativa também para algumas hipóteses de alienação de bens móveis. Isso se verifica quando se tratar de alienação de participação societária em sociedades de economia mista, empresas públicas ou fundação pública JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à lei de licitações e contrato administrativos, p. 170.
- No Acórdão 360/2005 do Tribunal de Contas da União, o eminente relator assim se manifestou: "de modo geral, observo da instrução que na doação de bens, a despeito de não haver sido evidenciada má-fé dos responsáveis, não ficou justificado o interesse público, não houve avaliação prévia e tampouco foi incluído no instrumento de doação a finalidade a que se destinava o bem doado, demonstrando, dessa forma, total descontrole dos bens da entidade por quem, na qualidade de agente púbico, tinha por dever zelar, conduta que pode ter provocado dilapidação ao patrimônio público". AC – 0360-06/05-1, Embargos de Declaração, Primeira Câmara, rel: Marcos Vinicios Vilaça, DOU 16/03/2005.
- Ao analisar o artigo 17 da Lei 8.666/93, o douto Marçal Justen Filho faz a seguinte ressalva: "Deve reputar-se que as regras acerca de alienações abrangem amplamente outras modalidades de relacionamento entre Administração e particulares, versando sobre bens e potestades públicas. A Lei alude, na alínea "f" do inc. I, à concessão e à locação de bens imóveis (introduzida a partir da Lei nº 8.833). Rigorosamente, essas figuras não se enquadram no conceito de "alienação". Mas tem-se de reputar que as locações e as permissões de uso, tanto quanto as concessões de uso, são disciplinadas pelas regras desta Seção". JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à lei de licitações e contrato administrativos, p. 167.
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo, 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 593.
- Os institutos de direito público são empregados quando a utilização tem finalidade predominantemente pública, ou seja, quando se destina ao exercício de atividades de interesse geral, como ocorre na concessão de uso de águas para fins de abastecimento da população; ao contrário, os institutos de direito privado são aplicados quando a utilização tem por finalidade direta e imediata atender ao interesse privado particular, como ocorre na locação para fins residenciais e no arrendamento para exploração agrícola. Nesses casos, o interesse público é apenas indireto, assegurando a obtenção de renda ao Estado e permitindo a adequada exploração do patrimônio público, no interesse de todos. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, obra citada, p. 594.
- MEIRELLES, Hely Lopes, obra citada, p 530.
- Caracteriza-se por ser direito real resolúvel, que se constitui por instrumento público ou particular, ou por termo administrativo, sendo inscrito e cancelado em livro especial; pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado; a sua finalidade só pode ser a que vem expressa no artigo 7º, caput (…). DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, obra citada, p. 574.
- A concessão de direito de uso, tal como ocorre com a concessão comum, depende de autorização legal e de concorrência prévia, admitindo-se a dispensa desta quando o beneficiário for outro órgão ou entidade da Administração Pública (Lei 8.666/93, art. 17, §2º). MEIRELLES, Hely Lopes, obra citada, p 530.
- Conforme o escólio de Roberto Rosas, em determinadas situações a jurisprudência pode ser formada apenas por um julgado, quando este refletir o entendimento da corte como um todo: "Que é jurisprudência ? Significa mais do que precedente. Pode, até, ser formada com um precedente. Se o Supremo Tribunal em sessão plenária, ou o Superior Tribunal de Justiça em sessão da Corte Especial decidirem num julgamento em um processo sobre determinada tese, ali estará a jurisprudência". ROSAS, Roberto, Direito sumular, comentários às Sumulas do Supremo Tribunal federal e do Superior Tribunal de Justiça, 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 10.
- Conforme os ensinamentos de Lenio Luiz Streck, "organizada sua primeira publicação pela Comissão de Jurisprudência, composta pelos Ministros Gonçalves de Oliveira, Victor Nunes Leal (relator) e Pedro Chaves, em janeiro daquele ano, com verbetes aprovados em sessão plenária de 13 de dezembro, as Súmulas passaram a vigorar a partir de 1º de março de 1964" STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 109.
- STRECK, Lenio Luiz. Obra citada. p 117.
- Regulamentada pela Lei 11.417/06.
- ROSAS, Roberto, obra citada, p. 10.
- Publicação no Atos Oficiais do Tribunal de Contas: nº 81 de 12/01/07.
- ROSAS, Roberto, obra citada, p. 11.
- Sem tecer as devidas distinções, por alienação enquadra-se tanto a doação quanto a concessão real de uso previstas no artigo 17 de Lei 8.666/93.
Ainda, sobre esta modificação, vale apresentar os apontamentos feitos por Sylvio Capanema de Souza, verbis: "A atual redação reproduz, quase na íntegra, o que dispunha o artigo 1.165 do Código revogado, eliminando, apenas, na parte final, a expressão "que os aceita", por considerá-la, e com razão, despicienda, já que isto decorre da própria natureza contratual que se conferiu a doação. SOUZA, Sylvio Capanema de, Comentários ao novo código civil, v. VIII, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 86.
Neste mesmo sentido, conforme assevera Sylvio Capanema de Souza: "o Código Civil francês, de 1804, não atribuiu à doção a natureza contratual, e, ao que se diz, por influência direta do próprio Napoleão Bonaparte, que não se deixou convencer pelos argumentos em contrário, defendidos por Pothier. Assim sendo, todos os demais Códigos, que seguem inspiração napoleônica, consideram a doação um ato unilateral, que independe da vontade do donatário, equiparando-a aos testamentos". SOUZA, Sylvio Capanema de, Op. cit., p. 84.