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Diálogos entre o público e o privado: doação de bens públicos x cessão real de uso.

Análise da Súmula nº 1 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná

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Analisam-se as características do contrato de doação e a possibilidade de doação de bens públicos como meio de promover o desenvolvimento econômico.

Resumo: O presente trabalho tem por objeto analisar as características do contrato de doação e a possibilidade de doação de bens públicos como meio de promover o desenvolvimento econômico.

Palavras chaves: Civil – Administrativo, Contratos em espécie, contrato de doação, bens públicos, desenvolvimento econômico.

Abstract: The present study objective is to analyze the characteristics of the donation contract and the possibility of donations of public goods as a means of promotins economic develpment.

Keywords Civil - Administrative, Contracts in kind, donation contract, public goods, economic development.

SUMÁRIO: 1. Intróito 2. Breves considerações acerca do contrato de doação 2.1 Atribuição patrimonial do donatário e a diminuição do patrimônio do doador, segundo Pontes de Miranda 2.2. Natureza jurídica 2.3. Elementosda doação – animus donandi 3. Bens públicos 3.1. Classificação dos bens públicos segundo o artigo 99 do Código Civil de 2002 e a possibilidade de doação de bens imóveis 3.2. Requisitos para doações de bens públicos - desafetação, prévia avaliação e o procedimento licitatório 4. Cessão real de uso 5. Análise da Súmula nº 01 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná 6. Referências bibliográficas


1. INTRÓITO

Considerando o teor da Súmula nº 01 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, a qual orienta os Administradores Públicos a utilizarem o instituto da cessão real de uso como forma de fomentar a atividade econômica local, este singelo estudo objetiva analisar os institutos da doação e da cessão real de uso, especialmente no que se referem aos bens públicos, tecendo, ao final, algumas reflexões sobre a eficácia da referida Súmula.


2. FORMAS DE ALIENAÇÃO

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONTRATO DE DOAÇÃO

A alienação é uma expressão vocabular de significado amplo, utilizada para abranger todas as modalidades de transferência voluntária do domínio de um bem ou de um direito, sendo a compra e venda e a doação os instrumentos jurídicos mais utilizados para a transferência do domínio no direito privado.

Nas alienações de bens públicos surge, para a Administração, um dever de dar (transferir o domínio ou a posse de um bem), cabendo ao particular o dever preponderante de pagar o preço (compra e venda), realizar uma determinada ação (doação com encargo) ou simplesmente, aceitar o bem sem contraprestação (doação pura) [01].

No Capítulo I, Título LII, Tomo XLVI, da obra Tratado de Direito Privado, o ínclito mestre alagoano Pontes de Miranda inicia suas explanações aduzindo que o verbo "doar" possui dois sentidos; "um largo que abrange qualquer liberalidade; e outro estreito, que só se refere a liberalidade com a coisa", estando o sentido largo diretamente vinculado à vida prática, podendo-se aduzir que o título de donationibus foi incluído como um dos modos de aquisição da propriedade, referindo-se a donationis causa mancipare, donationis causa tradere e donationis causa promittere [02].

No direito moderno foi abandonada a concepção romana de aquisição de propriedade, passando a vigorar a ideia de doação como espécie de contrato, sendo considerado um negócio jurídico de natureza especial. [03]

Referindo-se ao art. 1.165 do Código Civil de 1916, o referido mestre alude que a doação é composta pelas ideias de oferta, aceitação e transmissão da propriedade, que, em sentido amplo, excedem o simples domínio, uma vez que se pode doar a propriedade, a enfiteuse, o usufruto, o uso, o direito de habitação, o título de crédito, ou qualquer outro direito real de garantia" [04].

Eliminando os motivos do doador, não há como este ficar sujeito apenas às responsabilidades contratuais ordinárias, pois, havendo intenção de prejudicar o donatário, o doador deve responder pelos danos resultantes do ato de má-fé.

Diz-se que o contrato de doação é unilateral, gratuito e consensual, não requerendo, para seu aperfeiçoamento, a entrega da coisa doada [05], sendo que, segundo as lições de Pontes de Miranda, nem sempre o ato de disposição configura o negócio jurídico da doação, uma vez que, na transmissão gratuita de bens imóveis, precisa-se do registro para se aperfeiçoar tal transmissão [06].

Simploriamente, pode-se considerar a doação como um ato de altruísmo, uma liberalidade sem contraprestação, em que voluntariamente o doador despoja-se de um bem, para transferi-lo ao patrimônio do donatário.

2.1 ATRIBUIÇÃO PATRIMONIAL DO DONATÁRIO E A DIMINUIÇÃO DO PATRIMÔNIO DO DOADOR, SEGUNDO PONTES DE MIRANDA

Para que exista a doação, deve ocorrer o aumento patrimonial do donatário, exigindo-se, basicamente, que o direito seja alienável e transmissível à pessoa a quem se doa [07].

Dada a causalidade, com o aumento do patrimônio do donatário ocorre a diminuição por parte do doador, incluindo neste qualquer valor ou expressão econômica, não se restringindo apenas ao ativo [08].

Assim, interpretando as palavras do douto mestre Pontes de Miranda, pode-se aduzir que o propósito de enriquecer não é essencial na doação, pois podem existir situações onde "A" doa a "B" ações de determinada empresa sem valor comercial, ou ações que estão em queda no mercado, simplesmente porque "B" as deseja ter [09].

O certo é que o donatário tem que receber determinado patrimônio para que se possa falar em doação [10].

Em que pese o propósito da doação não ser o enriquecimento donatário, existe a atribuição patrimonial, podendo-se aduzir que esta é caracterizadapela liberalidade [11], aceitação [12] e gratuidade, além da redução do patrimônio do doador em favor do donatário [13].

A liberalidade é a causa da doação, sendo os motivos do doador mero elemento explicativo do negócio jurídico [14].

Quanto à aceitação [15], mister ressaltar que é indispensável o consentimento do beneficiado, de modo a não se confundir a doação com outros atos de liberalidade.

Por sua vez, a gratuidade visa trazer benefícios ou vantagens apenas para o donatário não podendo existir contraprestação em favor do doador.

Assim, considerando referidos elementos, o ínclito jurista Orlando Gomes assevera que a doação é o "contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para o patrimônio da outra, que se enriquece na medida em que aquela empobrece". [16]

Dessa forma, pode-se aduzir que a doação é o contrato pelo qual uma das partes, dentro de sua esfera de liberalidade e com animus donandi, gratuitamente se obriga a transferir parte de seu patrimônio para outra pessoa, que a aceita, não se restringindo apenas ao ativo.

Ainda, é importante destacar que não há doação sem que ocorra a redução do patrimônio do doador e o consequente aumento do patrimônio do donatário [17], contudo, conforme leciona Ponte de Miranda, é relativo o conceito de empobrecimento ou enriquecimento patrimonial, de modo que deve ser considerada a atribuição patrimonial e não o valor do bem doado [18].

2.2. NATUREZA JURÍDICA

Não obstante as discussões de outrora [19], resta pacificado o entendimento que a doação tem natureza contratual, sendo indispensável o acordo de vontades para que esta produza seus efeitos.

É um contrato translativo de domínio de efeitos obrigacionais pois só se transmite a propriedade dos bens doados pela tradição ou pela transcrição, sendo o contrato a causa da transferência. [20]

Partindo de uma falsa premissa, segundo a dicção do artigo 538 do Código Civil, poder-se-ia aduzir que o contrato de doação, por si só, transfere ao donatário o patrimônio doado, contudo, sustenta Sílvio de Salvo Venosa [21] que "não existe exceção ao sistema geral, consoante o qual a transcrição imobiliária e a tradição são os meios de aquisição da propriedade", reforçando a idéia de que o contrato de doação se traduz em uma obrigação de modo a ser a causa da transferência do bem.

Em que pese tratar-se de um negócio jurídico bilateral, o contrato de doação é unilateral pois, conforme os ensinamentos do ilustre alagoano [22], "quem doa contrata, e o donatário, aceitando, apenas aceita o contrato, que é unilateral".

É verdade que, na prática, nem sempre a contratualidade é facilmente identificada pois, em muitos casos, a manifestação do donatário pode não ser clara no sentido de aceitar os bens doados; entretanto, segundo Sílvio de Salvo Venosa [23], "dadas as particularidades do instituto; ainda porque fixado seu caráter contratual, a bilateralidade lhe é ínsita, ainda que, aparentemente, possa não ser perceptível outra vontade, qual seja, a do donatário".

2.3. ELEMENTOS DA DOAÇÃO – ANIMUS DONANDI

Pode-se afirmar que toda doação constitui um ato de liberalidade. Contudo, a recíproca não é verdadeira pois, certos atos, embora fundados na liberalidade, não guardam a intenção de doar, como no comodato ou no depósito.

Não se questiona o motivo que levou o doador a realizar a doação, até porque, esta dificilmente estaria totalmente desvinculada de algum interesse social, político, etc. [24]; no entanto, não se pode esquecer que o doador não pode receber qualquer espécie de contraprestação pelo ato.

Conforme os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa [25], o "motivo, portanto, não se confunde com o animus donandi", sendo aquele irrelevante para a realização do contrato, em que pese, em alguns casos concretos, desconfie-se do intuito político ou eleitoreiro de determinadas doações.

Dessa forma, o animus donandi [26] é elemento central, representado pela intenção do doador em praticar um ato de liberalidade, promovendo o aumento do patrimônio do donatário a expensas de seu próprio [27].


3. BENS PÚBLICOS

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Frequentemente os Prefeitos Municipais consultam os Tribunais de Contas questionando sobre a possibilidade de doarem bens públicos como forma de estimular o crescimento da economia local.

Aludem que, com a instalação de novas empresas, ocorreria a geração de empregos e o estímulo ao pequeno empresário, pois é costumeiro que as grandes indústrias se utilizem do comércio local para satisfazer suas necessidades internas.

Ante este quadro, objetivando atrair a iniciativa privada e estimular o desenvolvimento social, os Administradores buscam informações sobre a possibilidade de doarem imóveis públicos a grandes empresas, como forma de garantirem maior arrecadação tributária e atrair investidores.

Sendo a doação, basicamente, o contrato em que o doador, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o donatário que as aceita, esta não é, visivelmente, a melhor alternativa para se fomentar o desenvolvimento local, uma vez que, além da incerteza do sucesso da atividade econômica, ocorre a redução definitiva do patrimônio público.

O Estado, como nação politicamente organizada, exerce a soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território, sendo que, consoante Hely Lopes Meirelles [28], o domínio publico "é o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exercer sobre os bens do seu patrimônio (bens públicos), ou sobre os bens do patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou sobre as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade".

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Assim, em sentido amplo, a expressão domínio público [29] pode ser entendida como o poder de regulamentação que o Estado exerce sobre bens públicos, sobre os bens particulares destinados ao interesse coletivo e sobre as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral, abrangendo, não só os bens das pessoas jurídicas de Direito Público Interno, como os que, por sua utilidade coletiva, mereçam ser tutelados pelo Poder Público.

Não se deve confundir a manifestação da soberania do Estado com o domínio patrimonial, uma vez que o primeiro é a representação do poder político do Estado sobre todas as coisas que se encontram em seu território, enquanto que o segundo é a representação da propriedade pública regida pelas normas de direito administrativo [30].

Segundo o escólio de Marçal Justen Filho [31], a Administração Pública é formada por "um conjunto de instituições, o que significa a existência de estruturas organizacionais, conjugando a atuação de pessoas para a satisfação de valores", sendo que "o desempenho das funções institucionais depende de um conjunto de bens que se constituem nos instrumentos materiais de promoção dos fins buscados".

Com o intuito de atender tanto aos anseios da Administração quanto dos administrados, o Estado se utiliza de um conjunto de bens [32] que servem como meio de atendimento imediato e mediato, na persecução das funções públicas.

O regime dominial público não é equivalente ao da propriedade privada, impondo ao titular direitos e deveres decorrentes de um vínculo específico de natureza administrativa, como forma de garantir a regularidade e a continuidade de sua destinação.

Considerando a qualidade do titular do bem, Hely Lopes Meirelles [33] aduz que os bens públicos "são todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações que pertençam a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais", sendo que, sob este aspecto, Marçal Justen Filho [34] assevera que "qualquer bem jurídico pode ser um bem público" pois pode ser atribuído à titularidade de um sujeito, podendo ser objeto de relações jurídicas independente de sua existência física.

Tendo por critério a titularidade do bem [35], os artigos 20 e 26 da Constituição Federal arrolam, de modo não exaurível, os bens pertencentes à União e aos Estados, reservando aos Municípios aqueles situados dentro de seus limites territoriais e que não pertençam nem à União, nem aos Estados.

O artigo 98 do Código Civil deixa claro que os bens [36] públicos são aqueles de domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno [37], podendo-se incluir nesta classificação, os das autarquias e das fundações públicas, uma vez que, sobre estes são aplicados os mesmo preceitos dos bens pertencentes à administração direta.

Nesta divisão, a classificação tem em vista a pessoa que exerce a titularidade do domínio, concedendo um regime próprio do qual o regramento é disciplinado pelo Código Civil e por leis especiais.

Adotando-se o conceito de Hely Lopes Meirelles [38], pode-se aduzir que os bens das empresas públicas e sociedades de economia mista são públicos com destinação especial, pois, não obstante sua administração ser realizada por uma pessoa jurídica de direito privado, a destinação visa o interesse público [39].

Quanto à aplicação do regime jurídico próprio do direito público aos bens destas entidades, Odete Medauar [40] afirma que "o ordenamento brasileiro inclina-se à publicização do regime dos bens pertencentes a empresas públicas, sociedade de economia mista e entidades controladas pelo poder público", revelando-se, pela previsão contida nos artigos 6, XI e 17, I da Lei 8.666/93.

Certo que os regimes de direito público têm natureza restritiva às faculdades de usar, gozar e dispor do bem em prol do interesse público, certo que o douto Marçal Justen Filho [41] elucida que, em alguns casos, "a restrição deriva da destinação inafastável do bem à satisfação das necessidades coletivas", e em outras situações, "a restrição decorre da instrumentalidade do bem para o desempenho das funções estatais".

Assim, a despeito de possuírem origem e natureza total ou predominantemente pública, dada sua destinação especial, os bens móveis das sociedades de economia mista e empresas públicas podem ser alienados na forma que o estatuto ou a lei instituidora previr, independente de lei autorizativa [42], enquanto que os imóveis dependem de lei específica.

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS SEGUNDO O ARTIGO 99 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A POSSIBILIDADE DE DOAÇÃO DE BENS IMÓVEIS

O artigo 99 do Código Civil [43] classifica os bens públicos segundo sua destinação, fornecendo exemplos de bens considerados de uso comum do povo, de uso especial e dominicais, envolvendo nestes últimos, segundo o disposto no parágrafo único, os das pessoas jurídicas de direito público que têm a estrutura de direito privado, como as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Os bens de uso comum caracterizam-se pela utilização indistinta por toda a coletividade, não pertencendo a ninguém o direito ao uso exclusivo uma vez que o titular do domínio são as pessoas jurídicas de direito público interno, não se reconhecendo a legitimidade do particular para a propositura de qualquer ação que vise à proteção do domínio [44].

Ao próprio domínio exercido pelo Estado não devem ser aplicadas as normas de direito privado quanto ao clássico poder de usar, gozar e dispor livremente do bem, mas sim, o de excluí-lo do universo de bens sujeitos a apropriação, sem impedir a fruição por parte da sociedade, desde que respeitados certos parâmetros que visem a correta e democrática utilização do bem [45].

Ao particular reserva-se o direito de uso, sendo este um desmembramento do domínio exercido pelo Poder Público, de modo a não ser vedada a cobrança de tarifa ou pedágio para sua utilização [46], mercê do disposto no artigo 103 do Código Civil, a exemplo do que ocorre com pontes e rodovias em nosso país.

Em que pese a coletividade ser a beneficiária direta e imediata desses bens, em nome da utilização geral, o Poder Público pode estabelecer normas que limitem o tempo de uso ou permanência em um determinado local, como ocorre com os estacionamentos em vias públicas.

Assim, como exemplos destes bens, além dos descritos no próprio artigo 99 do Código Civil, como podem ser citadas as praias, os logradouros públicos, os monumentos e os lugares históricos.

Os bens de uso especial são aqueles utilizados pela própria Administração na prestação dos serviços públicos, não se restringindo apenas aos imóveis, segundo disposto no inciso II do artigo 99 do Código Civil.

Constata-se que a principal característica destes bens é sua destinação, tendo por beneficiários diretos todos aqueles que dele se utilizam, como no caso dos servidores de um determinado órgão ou repartição.

Mister destacar que tais bens não comportam uso comum, devendo sua utilização estar vinculada a sua finalidade, o que pode ocasionar a limitação de seu acesso e circulação de pessoas, sem que estas estejam vinculadas ao próprio bem, como no caso dos alunos de uma escola pública.

Dessa forma, exemplificativamente, as quadras esportivas de uma escola pública não podem ser utilizadas por qualquer pessoa sem a devida autorização por parte da Administração da Escola, sob pena de ser prejudicado o objetivo para o qual o bem foi criado, que é proporcionar aos alunos da instituição o acesso ao lazer e ao esporte.

Por exemplos clássicos de bens imóveis, são de se mencionar os prédios ou edifícios utilizados como escolas públicas, hospitais, quartéis e, de bens móveis, os veículos, computadores, arquivos e mobiliário de uma repartição.

Por fim, os púbicos dominicais, na definição de Odete Medauar [47], são aqueles "não destinados à utilização imediata do povo, nem aos usuários de serviços ou aos beneficiários diretos de atividades. São bens sem tal destino, porque não o receberam ou porque perderam um destino anterior", podendo-se aduzir, que a própria Administração é a beneficiária direta dos mesmos, muitas vezes utilizados como fonte de recursos para o ente estatal [48].

Tais bens não possuem uma destinação pública específica, integrando o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, podendo ser alienados pela Administração sempre que esta necessitar. [49]

Assim, é forçoso concluir que os dominicais não se equiparam aos de uso comum do povo, pelo fato da coletividade não ser a beneficiária direta e imediata dos mesmos, e nem aos de uso especial, por não ter como beneficiários diretos todos aqueles que dele se utilizam.

Ainda, convém assinalar que a enumeração feita pelo artigo 99 do Código Civil não é exaustiva e nem poderia ser, até porque, dada a crescente ampliação das atividades públicas, a todo o momento a Administração necessita de novos bens para realizar seus fins institucionais e atender o interesse dos administrados [50].

Conforme já explanado, a doação pode ser entendida como o contrato pelo qual uma das partes, dentro de sua esfera de liberalidade e com animus donandi, gratuitamente transfere parte de seu patrimônio para outra pessoa, que o aceita, não se restringindo apenas ao ativo.

No tocante à possibilidade da Administração doar ao particular bens públicos, o douto Hely Lopes Meirelles [51] elucida que esta:

"(...) pode fazer doações de bens móveis ou imóveis desafetados do uso público, e comumente o faz para incentivar construções e atividades particulares de interesse coletivo. Essas doações podem ser com ou sem encargos e em qualquer caso dependem de lei autorizadora, que estabeleça as condições para sua efetivação, de prévia avaliação do bem a ser doado e de licitação. Só excepcionalmente poder-se-a promover concorrência para doações com encargos, a fim de escolher o donatário que proponha cumpri-los em melhores condições para a Administração ou para a comunidade".

Com base nas lições do referido mestre, a fim de implementar políticas públicas e fomentar o desenvolvimento local, pode-se aduzir que é permitido ao Município doar bens móveis ou imóveis desafetados, desde que precedido de prévia avaliação e de lei autorizadora que estabeleça as condições para sua efetivação e procedimento licitatório.

No mesmo sentido, Marcos Antonio Fernandes [52] assevera que:

"As doações levada a efeito por órgãos ou entidades públicos dependem de prévias autorizações legislativas e avaliação, estando dispensada, entretanto, a doação de procedimento licitatório, uma vez que os bens se destinam a donatários certos e determinados. Em regra, os municípios se utilizam desta forma de alienação de bens integrantes de seu acervo patrimonial (quando imóveis precisam ser previamente desafetados) como forma de incrementar o desempenho de atividades que gerem renda e empregos, assim consideradas as de natureza industrial, comercial e de serviços. Aliás, os Poderes Executivos locais vêm se utilizando, com freqüência, do permissivo legal que faculta a concessão de direito real de uso, com posterior doação, de imóveis destinados àquelas finalidades".

À semelhança do que ocorre com outros institutos utilizados pela Administração, a doação não deve se sujeitar unicamente às regras de direito privado, origem do instituto, mas sim, a uma mescla entre o público e o privado, pois, nos casos onde as cláusulas ou regras do contrato contrariarem as disposições do direito público, estas devem prevalecer sobre o interesse particular.

Observa-se que não há vedação legal que impeça a realização da doação, mas sim, requisitos que devem ser observados, uma vez verificado relevante interesse público, devendo existir Lei autorizando o ato, prévia avaliação do bem a ser doado e a desafetação do imóvel, além da realização de procedimento licitatório.

3.2. REQUISITOS PARA A DOAÇÃO DE IMÓVEIS PÚBLICOS - DESAFETAÇÃO, PRÉVIA AVALIAÇÃO, LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA E PROCEDIMENTO LICITATÓRIO

Quer seja por sua natureza ou por suas características, alguns bens tem por finalidade específica servir como instrumento de atendimento aos interesses coletivos e estatais, oportunizando a população acesso aos direitos fundamentais como a liberdade de locomoção.

À destinação específica ao bem público é dado o nome de afetação [53].

Exemplificativamente, pode-se aduzir que os bens públicos de uso comum do povo, como as ruas e as rodovias, e os bens de uso especial, como os edifícios onde estão instaladas as escolas públicas, são considerados bens públicos afetados em razão de sua destinação.

Segundo o escólio de Marçal Justen Filho [54], "enquanto se mantiver a afetação, o bem de uso comum e o bem de uso especial serão subordinados aos regimes jurídicos correspondentes. Como decorrência, serão considerados inalienáveis".

Assim, em virtude de sua afetação tácita ou expressa, sobre os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial incidem predominantemente os preceitos jurídicos de direito administrativo que formam o regime de direito público.

Entretanto, determinados bens de titularidade estatal não possuem uma finalidade específica, não se sujeitando a todos os preceitos que norteiam a gestão dos públicos, como a inalienabilidade.

Esses bens, classificados como dominicais, são considerados desafetados por não serem utilizados na estrutura organizacional institucional do Estado e no desempenho das funções próprias da Administração Pública.

A desafetaçãoé a mudança da classificação do bem público ocasionada pela alteração em sua destinação, como a mudança de bem de uso especial para bem dominical.

Normalmente, a desafetação visa incluir os de uso comum do povo ou os de uso especial na categoria dominical de modo a permitir o uso privatístico ou a sua alienação.

Sobre a desafetação, o referido Marçal Justen Filho [55] aduz que esta "é ato estatal unilateral, cuja formalização obedecerá aos termos da lei, por meio do qual o Estado altera o regime jurídico aplicável ao bem público, produzindo sua submissão ao regime de bem dominical", de modo que o bem continua sendo público, mas deixa de ser utilizado diretamente para o desempenho das funções próprias do Estado na prestação dos serviços públicos.

Evidentemente nem todos os bens de uso comum e os de uso especial podem ser desafetados, alguns por sua própria natureza, são simplesmente insuscetíveis, e consequentemente impassíveis de alienação, como os mares ou os rios de domínio público.

Os artigos 100 e 101 do Código Civil estabelecem que os bens de uso comum do povo e os de uso especial são totalmente inalienáveis, enquanto mantiverem sua afetação, sendo os públicos dominicais alienáveis na forma da lei, desde que comprovada a indispensabilidade de sua alienação e a desnecessidade de manutenção no patrimônio público.

Segundo o mencionado artigo 101 do Código Civil, a inalienabilidade dos bens públicos não é absoluta, de modo que a impossibilidade de dispô-los é excepcionada ao se referir aos bens dominicais, podendo estes serem vendidos, doados ou transferidos, quando comprovado o interesse público e atendidas as exigências da lei.

Assim, visando garantir a boa gestão dos bens públicos, a Administração pode alterar a destinação de um determinado, enquadrando-o na categoria de bens dominicais, a fim de permitir a sua alienação.

Mister destacar que em virtude da natureza e das características de alguns bens de uso especial, estes podem ser desafetados automaticamente ou por um processo simplificado, como no caso dos de consumo imediato, como medicamentos, ou de rápida depreciação, como determinados equipamentos de informática. [56]

Algumas vezes, a desafetação decorre da expressa manifestação do Estado, como no caso de autorização legislativa para alienação de um determinado bem de uso especial, ou da conduta da Administração, como no fechamento de uma via pública para se atender as diretrizes de crescimento e zoneamento urbano.

Uma vez desafetado, e por conseguinte, classificado como dominical, antes de se proceder a alienação, deve ocorrer sua avaliação [57] a fim de garantir que o patrimônio público não seja lesado em favor do particular.

A dificuldade está em determinar os critérios [58] para a avaliação do imóvel pois, em muitos casos, por exemplo, pode existir considerável diferença entre o valor adotado pela Prefeitura Municipal quando da fixação do IPTU e o preço do metro quadrado definido pelo mercado imobiliário.

Tal diferença poderia gerar sensíveis perdas para o patrimônio público caso a Administração aliene determinado imóvel sem considerar a valorização imobiliária da região onde este está situado.

Assim, a melhor alternativa seria realizar a prévia avaliação do bem, comparando o valor adotado pelo Município para a fixação do IPTU, com o valor de mercado de outros imóveis com semelhantes características existentes na mesma localidade.

A autorização legislativa deverá ser realizada pela esfera legislativa competente, devendo, nas palavras de Marçal Justen Filho [59], "indicar o bem a ser alienado e os limites a serem observados na alienação", a fim de se atender aos princípios da similaridade, legalidade, temporariedade e especialidade.

Quanto à realização do procedimento licitatório, segundo o disposto nos artigos 22, XXVII e 37, XXI da Constituição Federal, compete privativamente à União Legislar sobre as normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo obrigatório tal processo para a realização de obras, serviços, compras e alienações, ressalvados os casos previstos em legislação específica.

A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 que regulamenta o artigo 37, XXI, da Constituição Federal, no caput do artigo 17, subordina a alienação de bens públicos à existência de interesse público devidamente justificado, sendo que, segundo o disposto no inciso I, deverá ser precedida de avaliação e, quando imóveis [60], dependerá de autorização legislativa da esfera correspondente e licitação na modalidade de concorrência.

O dispositivo do artigo 17 apresenta eficácia mais sensível para as alienações praticadas por entidades da Administração Indireta Federal. No tocante à Administração direta, a alienação depende de lei. Ora, a disciplina de licitação e contratação administrativa faz-se por lei ordinária. Será sempre ordinária a lei que autorizar, em casos concretos, a alienação. A lei poderá disciplinar como melhor aprouver a operação, inclusive, alterando para o caso concreto os requisitos do art. 17.

Pelos princípios da temporariedade e da especialidade, prevalecerá a disciplina da lei posterior editada para disciplinar uma específica alienação.

Contudo, de acordo com o previsto na alínea "b", é dispensável o procedimento licitatório para a doação de bens imóveis para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado os casos previstos na alínea "f".

Por fim, para maior controle da doação, é necessário incluir no instrumento o motivo e a finalidade destinada ao bem doado, demonstrando o interesse público que justificou a realização do ato. [61]

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Sobre o autor
Evaldo de Paula e Silva Junior

Mestrando em Direito Econômico e Socioambiental - PUC/PR, mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia - Unibrasil, especialista em Direito Civil Empresarial - PUC/PR, em Direito Processual Civil - IDRFB, em Direito do Terceiro Setor - UP. Professor na Faculdade Educacional de Araucária - Facear/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JUNIOR, Evaldo Paula. Diálogos entre o público e o privado: doação de bens públicos x cessão real de uso.: Análise da Súmula nº 1 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2779, 9 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18447. Acesso em: 23 dez. 2024.

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