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Fundamentos dos direitos de personalidade e o papel da tutela inibitória na sua proteção

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11/02/2011 às 12:21
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3. A LIBERDADE DE IMPRENSA

3.1. Fundamentos Históricos

A imprensa surge antes mesmo da discussão acerca da sua liberdade. Na antiguidade, servia como mera informadora de atos oficiais do Governo, sendo, em verdade, parte dele. Foi com a influência do pensamento liberal, que se assegurou inicialmente a liberdade de expressão do homem e, conseqüentemente, a sua utilização pela imprensa, que se exterioriza como instrumento daquela. [44]

A imprensa surge no Brasil a partir da chegada da família real em 1808, fato que dá início a uma série de transformações na sociedade brasileira. Foi ela quem divulgou e noticiou a revolução política vinda da Europa, o que pressionou o Reino de Portugal a permitir a independência da colônia.

A imprensa teceu severas críticas ao regime político brasileiro na fase do império e da regência, o que ensejou tentativas de controle da sua liberdade através de leis e da própria Constituição de 1824. Neste contexto, diversas eram as publicações de cunho panfletário que bradavam pela independência da colônia, pelo fim da escravidão, e por uma Constituição essencialmente brasileira.[45]

Já no período de proclamação da república foi visível o processo de profissionalização da imprensa, com a formação de algumas empresas jornalísticas. O advento da nova Constituição, em 1891, entretanto, em poucos aspectos inovou a tutela da manifestação do pensamento, trazendo apenas como novidade a vedação do anonimato, de forma a possibilitar a punição daqueles que extrapolassem os limites impostos pelas leis vigentes.

Sob o pretexto de reprimir as ameaças de cunho socialista e anarquista, os Governos, em diversos períodos, se utilizaram da medida constitucional de exceção denominada Estado de Sítio, que restringia as liberdades, inclusive as de expressão, de pensamento e de imprensa.

Ao final da década de 20 do século XX, cresce a insatisfação do povo com a República, entoada pelas manifestações da imprensa. Enquanto no cenário mundial ganha força a Revolução Russa, cresce no Brasil o medo de revoltas de cunho comunista, o que induz uma grande parte da sociedade a simpatizar com o movimento de 1930.

A chegada ao poder de Getúlio Vargas assinala um período de abruptas mudanças no regime republicano brasileiro. Em 1934 é promulgada uma nova Constituição que, embora zelosa pela liberdade de expressão e pensamento, conflitava com as práticas do varguismo, que continuava a impor censura à imprensa. Já em 1937 é instituído o Estado Novo, que recrudesceu as práticas de censura e tornou a imprensa "função de caráter público", estando ela sujeita aos desmandos e ao controle do aparelho estatal.

Posteriormente, com a redemocratização e a conseqüente promulgação do texto constitucional de 1946, houve fortalecimento da liberdade de imprensa, que culminou numa grande mudança dos paradigmas da informação no Brasil.

Entretanto, seguindo o ciclo da história, marcado por ápices democráticos e depressões repressoras, a mídia conservadora e a sociedade atemorizada com a ameaça comunista, ofereceram terreno fértil e legitimidade à "revolução de março de 1964", que inicia restrições às liberdades públicas.

O regime ditatorial, que perdurou no país entre 1964 e 1985, privou a sociedade de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da livre manifestação de idéias e opiniões, ensejando, posteriormente, a luta pelo restabelecimento da democracia e das liberdades.

Em 05 de outubro de 1988, a nação brasileira recebeu, com esperança, a apelidada "Constituição Cidadã" que alterou de forma substancial o ordenamento jurídico, equiparando em igualdade de condições os três poderes e fortalecendo a democracia no Estado brasileiro.

3.2. Novos Paradigmas

O atual panorama da liberdade de imprensa no Brasil e no mundo pós-moderno exibe uma nova face dos veículos difusores de informação. Enquanto se descortina a revolução promovida pela internet e a consolidação da Era da informação digital, constata-se também o aumento do poder das grandes empresas de mídia, em grande maioria, pertencentes a políticos que exercem o monopólio das telecomunicações.

Tais empresas se encarregaram, hoje, de exercitar a Nova Ordem Constitucional posta no tocante à liberdade de informação. Como assinala Serrano Neves: "de idealista, a imprensa se transformou, no mundo inteiro, em fonte de renda". E citando Alberto Romero, conclui que "o proprietário de um jornal passou de jornalista a homem de empresa". [46]

Esses fatores tornaram-se nos últimos tempos determinantes e imperativos para a sobrevivência das empresas de comunicação, o que gera um questionamento acerca da sua imparcialidade.Para Pieranti e Martins

atualmente, a liberdade de imprensa caracteriza-se por seu caráter praticamente desregulado, sem que o Estado consiga estabelecer limites para o conteúdo a ser difundido. Depende esse conteúdo, hoje, basicamente do bom senso dos responsáveis por sua divulgação, confundindo-se, na prática, a liberdade de imprensa com a de empresa. [47]

A simples narração de fatos do cotidiano, como vista em tempos de outrora, deu lugar, paulatinamente, a um jornalismo opinativo e crítico, que se anuncia como independente. Num segundo momento, passaram os meios de comunicação a experimentar o chamado jornalismo investigativo, justificado pela falência do Estado em cumprir com o seu papel de propiciar a cidadania e a dignidade.

Nessa esteira, surgiu também a produção de periódicos voltados a acompanhar a vida e a intimidade das celebridades. O jornalismo sensacionalista, voltado substancialmente para uma maior venda de exemplares ou a atingir grandes índices de audiência, esquece de sua função social informativa para prestigiar o mero deleite ao alarde e ao escândalo.

O comprometimento da imprensa com interesses econômicos e a prática do jornalismo denuncista geraram, então, um cenário onde o pleno exercício da liberdade de comunicação choca-se com garantias como a integridade moral, a privacidade, a imagem e a intimidade dos indivíduos.

É impossível entender-se a liberdade de imprensa como direito fundamental sem associá-la à idéia de democracia e à evolução dos direitos sociais. Em meio a essa discussão, citando Hanna Arendt contida em Celso Lafer, assinala-se que:

A liberdade de informação deixa de ser propriedade particular do empresário, direito privativo de uns poucos, e passa a ser patrimônio da sociedade, com funções sociais bem marcadas, inteiramente úteis e imprescindíveis. Os meios de comunicação se transformam, assim, na instituição imprensa. Desta forma, há uma inversão de valores no sentido de buscar-se alcançar a liberdade apregoada pelos antigos. Assim, o tesouro da teoria e da tradição democrática provém precisamente da reflexão provocada pela possibilidade do exercício da liberdade antiga. Ou seja, de uma liberdade participativa com a presença de todos os cidadãos. [48]

O fim do período ditatorial, marcado por censuras políticas e ideológicas estatais, repristinou a idéia liberalista clássica de que "tudo é permitido". O jornalismo, agora mais visto sob o caráter empresarial, recém saído da regulação atroz do Período Militar, se deparou com um dispositivo normativo que homenageava o Estado Democrático de Direito, repulsando a prática de medidas que viessem a tolher a plena liberdade de comunicação.

Desta forma, os meios de imprensa, a todo o tempo propugnam o livre exercício da liberdade de expressão jornalística de forma plena e sem embaraços ou entraves, qualificando as decisões judiciais inibitórias como censura prévia. [49]

Entretanto, na incipiente experiência do Estado Democrático Brasileiro, que com menos de duas décadas de vida ainda aprende a livrar-se no ranço do colonialismo e da arbitrariedade, a mídia já vislumbra uma mudança de paradigma, como pontua Luiz Gustavo Grandinetti em sua dissertação:

A liberdade de imprensa surgiu com um caráter individualista. Mas vem sofrendo uma mudança de paradigma, uma vez que, no seu bojo, impregna-se de um conteúdo social, imbuindo-se de um interesse público. Assim, não é mais aquela liberdade semelhante à propriedade absoluta. Os meios de comunicação, desta forma, deixam de pertencer só a seu proprietário. E, uma vez posto em circulação, o veículo da imprensa assume um sentido público, adquire asas próprias e passa a voar na mesma direção do vento que a sociedade sopra. [50]

Ante tais conclusões, verifica-se que a imprensa reveste-se de um caráter dúplice. Ao passo em que os meios de comunicação são regidos por normas de direito privado, já que são constituídas como empresas, revestem-se de um forte interesse público, pois são símbolos da democracia e da liberdade de expressão.

3.3. Fronteiras Éticas, Legais e Constitucionais

A liberdade de imprensa segue o critério material de identificação dos direitos fundamentais, estando protegida pela condição de cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV, da CF/88). Segundo a doutrina alemã, a liberdade de imprensa estaria inserida no contexto das garantias institucionais, pois garantem a instituição de uma imprensa livre em prol da preservação dos direitos difusos, que tem como seu titular a sociedade.

A liberdade de imprensa se origina de outras garantias fundamentais como a liberdade de pensamento e expressão, e dá origem à liberdade de informação. Portanto, a liberdade de imprensa, ou como preferiu o legislador constituinte, liberdade de informação jornalística, é na verdade um direito instrumental da liberdade de expressão. Já a liberdade de informação é direito público subjetivo, difuso e coletivo de buscar, receber e divulgar informações livremente.

Garantir a informação a todos é corolário do princípio da isonomia, na medida em que entendemos informação como poder. Para efetivar-se tal princípio, deve-se garantir ao cidadão, em primeiro lugar, o acesso à educação, meio pelo qual este estará habilitado a poder informar-se. Uma sociedade com altos níveis de escolaridade está mais apta a exercer o seu direito de informação.

Os direitos, liberdades e garantias fundamentais, como pensamento, expressão, imprensa, informação, foram contemplados em diversos tratados, pactos, declarações e acordos internacionais celebrados, o que denota a sua importância para sociedade global.

Não existem direitos sem fronteiras. Outorgar liberdade plena a quem quer que seja é sinônimo de ofertar-lhe poder ilimitado para que faça o que bem entender arbitrariamente. É não submetê-lo aos regramentos da ordem jurídica, lhe permitindo insubordinação ao sistema constitucional e colocando-o acima do Estado Democrático de Direito.

O Professor de Harvard Frank Michelman, analisando a relação entre liberdade de expressão e democracia defende que o Estado pode restringir tal liberdade para garantir o direito de todos e impedir, por exemplo, o preconceito racial ou contra grupos étnicos. Para o professor americano, deve-se atingir o conceito denso ou democrático e não tênue e meramente formal de liberdade de expressão, observando que deve ser

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observada a proporcionalidade entre a proteção das liberdades subjetivas dos indivíduos de se expressarem como desejam e a promoção de uma igualdade básica entre as pessoas no que concerne a ter uma justa oportunidade de ter suas percepções, opiniões e vontades ouvidas e avaliadas nos canais e fóruns de discussão da sociedade. [51]

Perfilhando entendimento semelhante, Mônica Aguiar defende que no tocante à liberdade de imprensa, esta poderá e deverá ser controlada de modo a "salvaguardar o direito alheio ou proteger outros bens jurídicos, cuja garantia exija inescusavelmente essa limitação". [52]

Existem fronteiras constitucionais, legais, doutrinárias e éticas a serem demarcadas à liberdade de imprensa. Alguns exemplos são encontrados no art. 5º da Constituição Federal, tais como: a vedação do anonimato (inciso IV); garantia ao direito de resposta e proibição do dano moral, material e à imagem (inciso V); proteção da intimidade, honra, vida privada e imagem (inciso X); resguardo ao sigilo da fonte (inciso XIV). Também o art. 221, especialmente em seu inciso IV, ao impor diretrizes como "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa da família", é fronteira à plena liberdade de comunicação.

O valor ético e social da pessoa, primordialmente aludido, insere-se no contexto do respeito à dignidade da pessoa humana, princípio constitucional corolário do Estado Democrático de Direito, cravada no pórtico da Constituição Federal (art. 1º, III).

São exemplos de fronteiras infraconstitucionais as propugnadas pelo Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, além do Código Civil.

Assim como o direito de propriedade foi direcionado a atender sua função social, o direito fundamental à liberdade de imprensa não deve escapar de balizamento similar. De acordo com a teoria da função social, o meio de comunicação social não pode se valer apenas da sua autonomia privada de noticiar ou fornecer entretenimento, usando, gozando e dispondo da liberdade que exerce ao seu talante. A mídia deve garantir o pluralismo de idéias, contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária e prezar pelo interesse público. Frise-se que os meios de comunicação social exercem um múnus publico, por meio de concessão governamental.

Entretanto, as fronteiras à liberdade de imprensa, sejam elas éticas, legais ou constitucionais, não podem ser confundidas com a censura ou licença, vedadas pelo art. 5º, IX. A liberdade deve ser tutelada no sentido de ser protegida pelo ordenamento jurídico, mas não delineada e pré-moldada. Porém, profanar que exista uma liberdade de imprensa incondicionada é ferir de morte este mesmo princípio.

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Sobre o autor
Felipe Ventin da Silva

Advogado. Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Felipe Ventin. Fundamentos dos direitos de personalidade e o papel da tutela inibitória na sua proteção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2781, 11 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18471. Acesso em: 22 dez. 2024.

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