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O sujeito passivo no mandado de segurança

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22/02/2011 às 06:22
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Capítulo 3

Análise Jurisprudencial

Os entendimentos consolidados do tribunais nortearam a reforma do mandado de segurança, gerando a Lei n. 12.016/09.

Vejamos alguns julgados que denotam a continuidade da celeuma em relação ao pólo passivo na ação mandamental e ilustram a realidade fático-processual.

3.1 Identificação da autoridade

Entre as situações de difícil identificação da autoridade coatora na estrutura estatal, vimos no presente trabalho monográfico a distinção doutrinária do agente coator e executor.

A interpretação do seguinte julgado foi, no entanto, de encontro ao entendimento - ao menos terminológico - dos juristas mencionados e dos tribunais, pois legitimou a autoridade "executora direta" da ilegalidade atacada. Eis a ementa:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUTORIDADE COATORA. 1. Cabe à entidade contratada para administração do concurso público o cômputo dos pontos da prova de títulos e o exame de eventual recurso administrativo. 2. Insurgindo-se a impetrante contra ato de atribuição da Fundação CESGRANRIO, o Secretário de Estado da Administração, Recursos Humanos e Previdência não deve figurar como autoridade coatora. 3. É legítima para integrar o pólo passivo do mandamus a autoridade que atue como executora direta da ilegalidade atacada. Precedentes. 4. Recurso especial provido, para reconhecer a ilegitimidade da autoridade apontada como coatora. [REsp 993.272/AM, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 29/06/2009 (grifo nosso)]

Dizer que o agente executor direto é a autoridade coatora pode facilitar a identificação da autoridade pelos impetrantes, procuradores e até para os agentes públicos. Mas cria insegurança jurídica ante a lição dominante na doutrina e jurisprudência: a de que o mero executor material de determinação não detém legitimidade. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL. ANULAÇÃO DE ATO QUE CONCEDEU PENSÃO POR MORTE. AUTORIDADE COATORA. ILEGITIMIDADE DO SECRETÁRIO DA FAZENDA. ATUAÇÃO COMO EXECUTOR DA DETERMINAÇÃO ADMINISTRATIVA. 1. O executor material de determinação do Tribunal de Contas do Distrito Federal não detém legitimidade para figurar no polo passivo de mandado de segurança, na medida em que sua atuação limita-se ao cumprimento da ordem expedida. Inaplicabilidade da teoria da encampação. 23. Recurso ordinário desprovido. [RMS 29.773/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 02/08/2010 (grifo nosso)]

O impetrante, na dúvida, pode indicar mais de uma autoridade, como nota-se, a seguir, com a determinação judicial de remessa dos autos ao Tribunal competente para julgar o mandado de segurança com relação às outras autoridades apontadas:

EMENTA Recurso em mandado de segurança. Curso de pós-graduação. Expedição de diploma. Curso não-credenciado pelo MEC. Ilegitimidade passiva do Ministro de Estado. 1. Mandado de segurança impetrado porque o diploma não foi expedido, em virtude do curso de pós-graduação não estar credenciado no MEC. Ministro de Estado não é autoridade competente para determinar a expedição de diploma, tendo a universidade autonomia específica para a prática desse ato. 2. Desqualificada a autoridade apontada como coatora, Ministro de Estado da Educação, determina-se a remessa dos autos ao Tribunal competente para julgar o mandado de segurança com relação às outras autoridades apontadas como coatoras. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança desprovido.
[RMS 26369, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 09/09/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-01 PP-00292 RTJ VOL-00208-02 PP-00509 (grifo nosso)]

Tal medida, apesar de evitar a extinção do processo sem julgamento de mérito, atrasa a análise do mérito e a concessão da segurança àquele que alega direito líquido e certo.

Para exemplificar mais uma discussão relacionada à identificação da autoridade coatora, cabe mencionar a questão do órgão colegiado, ou seja, de quem deve ser o impetrado na hipótese do ato atacado advir de órgão colegiado:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ELABORAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROCURADOR-GERAL DE MANDADO DE SEGURANÇA. legitimidade passiva AD CAUSAM. - Em sede de mandado de segurança impetrado com o objetivo de impugnar atos de elaboração da composição de listas tríplices, pelo Conselho Superior do Ministério Público, o Procurador-Geral de Justiça, na qualidade de Presidente do referido Conselho, tem legitimidade passiva para responder em Juízo pelas decisões do órgão colegiado. - Recurso ordinário provido. [RMS 10.963/RN, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2000, DJ 11/12/2000, p. 246 (grifo nosso)]

Predomina o entendimento de que Presidente do órgão colegiado tem legitimidade passiva para responder em Juízo pelas decisões do órgão colegiado.Entretanto, já se decidiu pela legitimação passiva do próprio órgão colegiado:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. ATO PROVENIENTE DE ÓRGÃO COLEGIADO. AUTORIDADE IMPETRADA. PRESIDENTE DO ÓRGÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECEDENTES. 1.Cuidando-se de ação mandamental impetrada contra decisão administrativa proferida pelo Conselho da Magistratura do Estado de Minas Gerais, a legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda é do próprio órgão colegiado, e não, do respectivo presidente, já que o ato impugnado é resultado do pronunciamento de todos os integrantes do colegiado. Precedentes. 2. Recurso ordinário desprovido. [RMS 30.139/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2009, DJe 01/02/2010 (grifo nosso)]

3.2 Erro na indicação da autoridade coatora

Como vimos no decurso do texto, havendo erro na indicação da autoridade coatora, o juiz, em regra, extingüe o processo sem julgamento do mérito, pela ausência de uma das condições da ação. É o que se infere do recente julgado a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. EMENDA À INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ tem jurisprudência no sentido de que, havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o Processo sem julgamento de mérito, conforme preceitua o art. 267, VI, do Código de Processo Civil, sendo vedada a substituição do pólo passivo. 2. Descabe substituir de ofício a autoridade coatora por outra não sujeita à sua jurisdição originária. Da mesma forma, inviável a determinação, pelo Tribunal, de emenda à inicial ou a adoção da "teoria da encampação", o que tornaria indevida a modificação ampliativa de competência absoluta fixada na Constituição. 3. No caso, a incorreta formação do pólo passivo modifica a própria competência do TJDF para julgar o mérito da impetração, porquanto ajuizada em seu Conselho Especial. Contudo, a ação deve ser processada e julgada por Juízo de uma das Varas da Fazenda Pública do Distrito Federal, nos termos do art. 31 da Lei Orgânica do DF. 4. Recurso Especial provido. [REsp 1190165/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 01/07/2010 (grifo nosso)]

Cabe, todavia, observar a especificidade desse julgado. A despeito da jurisprudência alegada e acolhida do item "1", o magistrado justificou, no item "2", o descabimento da substituição de ofício da autoridade coatora com base na diferença da jurisdição originária, bem como o descabimento da emenda à inicial com base na modificação ampliativa de competência absoluta fixada na Constituição.

A fundamentação dá margem à interpretação de que, caso as autoridades fossem da mesma jurisdição originária, caberia eventual substituição de ofício.

Ainda que predominem julgados no sentido da extinção do processo sem julgamento de mérito, decisão recente, em defesa da essência da garantia constitucional, permitiu a emenda à incial para correção do pólo passivo:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR MUNICIPAL APOSENTADO. AUTORIDADE COATORA. PRESIDENTE DO INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL DO MUNICÍPIO. EXECUTOR DE DECISÃO IMPOSITIVA E VINCULANTE DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DESSE ÚLTIMO. 1. É coberta de caráter impositivo e vinculante para a Administração a decisão do Tribunal de Contas que, julgando ilegal a concessão de aposentadoria, nega-lhe o registro e determina-lhe a cassação e, portanto, a parte legítima para figurar no pólo passivo do mandamus é a Corte de Contas e não a autoridade administrativa responsável pela execução do ato. 2. "[...] dada a essência constitucional do Mandado de Segurança, admite-se que o Julgador, em respeito aos princípios da economia processual e efetividade do processo, diante de indicação errônea da autoridade impetrada, permita sua correção através de emenda à inicial ou, proceda a pequenas correções ex officio, a fim de que o writ efetivamente cumpra seu escopo maior de proteção de direito líquido e certo." (RMS 24.217/PA, 5.ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 10/11/2008.) 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." [REsp 1001910/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJe 29/06/2009(grifo nosso)]

Dessa forma, o Tribunal ponderou não apenas a proteção ao direito material líquido e certo, como também respeitou princípios processuais, como os da economia e efetividade processual.

3.3 Teoria da Encampação

A teoria da encampação consiste numa pacífica, ainda que restrita [69], construção jurisprudencial. Considera legítima ao pólo passivo a autoridade hierarquicamente superior que, ao prestar as informações de estilo, além de suscitar sua ilegitimidade passiva, enfrenta o mérito e defende o ato tido como ilegal. Ou seja, não obstante a alegação de ilegitimidade, entende-se que a autoridade coatora acaba por defender a juridicidade do ato. [70]

A correção da irregularidade, levada a cabo ex officio pelo magistrado, apóia-se no interesse público, na economia e no aproveitamento de atos processuais.

A construção alerta que, não havendo qualquer prejuízo para adequada formação e desenvolvimento do processo, máxime quando a autoridade apontada como coatora tiver vínculo de hierarquia com a que deveria ter participado do processo, e não havendo alteração de competência, não há porque deixar de enfrentar o mérito do mandado de segurança.

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No tocante à exigência de não alteração na competência jurisdicional, fundamenta-se que a teoria não deve ser utilizada como forma irrestrita de se convolar o vício de incompetência. Para tanto, o magistrado deve analisar o caso concreto e perceber eventual manobra tendente à escolha do juízo, que pode ter por critério a maior ou menor dificuldade de se identificar quem é o agente público hábil a praticar ou a reverter o ato estatal impugnado.

Em síntese, é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos, conforme o precedente do MS 12.779/DF [71]: (i) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (ii) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e (iii) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas.

Eis um exemplo de aplicação:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INDICAÇÃO ERRÔNEA DA AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 515, § 3º, DO CPC. IRPJ. EXCLUSÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE DEMONSTRATIVOS FINANCEIROS. ANO BASE 1997. CONSTITUCIONALIDADE. LEI 9.249/95.

I - Afigura-se como parte legítima para figurar no pólo passivo do presente mandado de segurança, em que se pretende discutir tributo administrado pela Receita Federal, a autoridade responsável por arrecadar os impostos e impor a sanções fiscais respectivas, no caso, o Delegado da Receita Federal do domicílio fiscal do contribuinte.

II - A todo modo, na espécie, considerando que há existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; não haverá modificação de competência; e a autoridade coatora se manifestou a respeito do mérito da demanda, deverá ser aplicada a teoria da encampação, para reconhecer a legitimidade passiva da autoridade impetrada.

III - No mérito, entendo que "não há ofensa ao ordenamento jurídico infraconstitucional a opção do legislador em revogar a correção monetária das demonstrações financeiras tratadas pela Lei n. 7749, de 10 de julho de 1989, e pelo art. 1º da Lei n. 8.200, de 28 de junho de 1991", porquanto "a correção monetária sobre valores tributários depende de lei", não competindo ao Poder Judiciário aplicar correção monetária sobre tributos por criação jurisprudencial. Precedentes deste Tribunal e do STJ.

IV - Apelação provida. Sentença anulada. Segurança denegada, de logo, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC.

(AMS 0020140-90.2000.4.01.0000/MG, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Oitava Turma,e-DJF1 p.413 de 09/07/2010)

Portanto, sendo indicada equivocadamente a autoridade superior como coatora, ao invés de julgar imediatamente extinto o processo, sem resolução do mérito, o juízo deverá verificar se é o caso ou não da aplicação da teoria da encampação.


Capítulo 4

Reflexões Finais

Devido às suas peculiaridades, o mandado de segurança sempre foi questionado no contexto do ordenamento jurídico, seja em relação aos seus conceitos próprios, seja em relação ao seu rito especial.

A Lei n. 12.016/09, que deu nova regulamentação ao mandado de segurança, apenas aumentou a polêmica a respeito das especificidades do writ. Há quem alegue, inclusive, que o legislador, com a reforma, optou por beneficiar a própria Administração Pública.

4.1 A Lei n. 12.016/09

Apesar de alterações positivas que tornam o instrumento mais efetivo e célere, a Lei 12.016/09 perdeu a oportunidade de esclarecer o pólo passivo do mandado de segurança.

A nova Lei não auxiliou o cidadão comum, agentes públicos e procuradores na identificação da autoridade responsável pelo ato atacado, pois não foi cristalina na conceituação de autoridade coatora. Transmitiu aos doutrinadores e magistrados o papel de informar os poderes que definem o agente coator.

Nesse sentido, BUENO deduz que a identificação escorreita da autoridade continua a depender da compreensão e da identificação do ato coator a partir da doutrina do direito público:

Somente quando a doutrina publicista admitir os contornos concretos do ato e, portanto, sua predestinação para produzir efeitos concretos na ordem jurídica, com aptidão, destarte, de lesionar ou, quando menos, ameaçar situações específicas é que pode ser concebida sua impugnação pelo mandado de segurança. Até porque, de acordo com a Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal, "não cabe mandado de segurança contra lei em tese", o que equivale a dizer que o mandado de segurança não pode ser empregado como sucedâneo das formas de controle concentrado da constitucionalidade, não havendo quaisquer óbices, contudo, à impetração do mandado de segurança para questionar lei de efeitos concretos. [72]

Igualmente dependem da interpretação doutrinária e jurisprudencial as hipóteses de atos delegados, colegiados, complexos, compostos e de controle. Ou seja, ainda que a reforma do instituto do mandado de segurança tenha sido movida pela jurisprudência, não positivou o pólo passivo exato para as situações de atos delegados, colegiados, complexos, compostos e de controle.

4.1.1 Artigos 6º, caput, e 7º, II, da Lei n. 12.016/09 – pessoa jurídica interessada como parte

Permaneceu indefinida - sem previsão expressa - a natureza jurídica da pessoa jurídica de direito público e da autoridade responsável pelo abuso ou ilegalidade atacada.

Infere-se, todavia, que as inovações do caput do art. 6º (obrigatoriedade de indicação, na petição inicial, da pessoa jurídica que a autoridade "integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições") e do inciso II do art. 7º, da nova Lei (ciência do feito pela pessoa jurídica, para que, querendo, ingresse no feito) configuram verdadeira citação da pessoa jurídica.

Acata-se aqui a tese de que, pela lei vigente, o coator é não parte, e sim, mero representante em juízo do ente jurídico a qual pertence. A pessoa física que pratica o ato ilegal ou causa o constrangimento apenas presta as informações no sentido de uma defesa mais eficaz para a pessoa jurídica a que pertence.

Por consequência, não há litisconsórcio, pois a autoridade não é parte.

4.1.2 Solução para interpretação da lei vigente

Sendo a pessoa jurídica parte legítima ao pólo passivo no mandado de segurança, a indicação equivocada da autoridade coatora ocasionaria tão-somente defeito da inicial, com possibilidade de aditamento ou correção ex officio. Aplicaria-se, assim, a regra do art. 284 do CPC para o processo do mandado de segurança.

O STJ já entendeu que, em processo de mandado de segurança, seria plenamente aplicável o art. 284 do CPC, sendo válido aditamento da petição inicial. [73]

Lamenta-se, desse modo, o veto do § 4º do art. 6º, da nova Lei, que permitia ao impetrante emendar a inicial no prazo de 10 (dez) dias, observado o prazo decadencial, caso suscitada a legitimidade pela autoridade coatora. A possibilidade expressa de emenda conferiria celeridade, além de economia processual ao remédio constitucional. A correção do mandado já impetrado seria mais simples que sua extinção e nova propositura, como analisa BUENO:

O § 4º do art. 6º da Lei n. 12.016/2009 dava solução expressa a tormentosa questão da prática forense. A indicação errônea da autoridade coatora – que tem tudo para se tornar mais freqüente diante do § 3º do art. 6º da Lei n. 12.016/2009 – não deveria conduzir, como com freqüência se vê no dia a dia do foro, à extinção do mandado de segurança por ilegitimidade passiva, mas, bem diferentemente, à possibilidade de emenda da inicial. É ler o dispositivo: "§4º Suscitada a legitimidade pela autoridade coatora, o impetrante poderá emendar a inicial no prazo de 10 (dez) dias, observado o prazo decadencial". [74]

Assevera o autor que a celeridade do rito do mandado de segurança não impossibilita que sejam feitas pequenas correções no seu curso, principalmente quando feitas com objetivo de garantir a máxima eficácia da tutela jurisdicional.

Outro argumento a favor da economia processual é a possibilidade da autoridade da esfera federal indicada como coatora encaminhar ofício que solicita informações à autoridade correta, conforme o art. 4º Decreto Federal nº 2839/98:

Art. 4º O titular de órgão ou entidade da administração pública federal e os ordenadores de despesa que receberem notificação ou intimação judicial que implique pagamento, a qualquer título, em decorrência de liminares em mandado de segurança, cautelares ou antecipações de tutela, darão dela conhecimento, no prazo de quarenta e oito horas do recebimento, aos órgãos da Advocacia-Geral da União, às procuradorias e aos departamentos jurídicos das autarquias e das fundações públicas, para análise da sua força executória, encaminhando, na oportunidade, os elementos e as informações necessários à instrução das medidas judiciais eventualmente cabíveis. (grifo nosso).

4.2 O mandado de segurança como instrumento processual

Apesar de louvado por configurar garantia de dignidade constitucional, o mandado de segurança é criticado em sua forma. Cabe citar, nesse aspecto, a radical opinião de BARBOSA MOREIRA:

"(...) esse instituto [mandado de segurança] não é um monstrum sem parentesco algum com o resto do universo, uma singular esquisitice legislativa, uma peça exótica, uma curiosidade a ser exibida em vitrina ou em jaula para assombro dos passantes". [75]

A "singular esquisitice legislativa" denota, na realidade, uma ação especial no contexto do ordenamento jurídico, que não está, todavia, desconectada dos escopos do processo civil. Não é uma ação comum, em decorrência de seu berço constitucional, mas, como explica FERRAZ, respeita a técnica jurídica, de índole processual, que embasa o direito de ação:

Como já sustentamos antes, não há como negar a natureza também processual do mandado de segurança. Doutra parte, contudo, não é uma ação comum: desfruta ela de berço constitucional, encartada entre as garantias fundamentais e direitos individuais e meta-individuais. Esse nascimento nobre determina a compreensão do instrumento processual também como nobreza, amplitude e generosidade. Mas aí o ponto de equilíbrio: nobreza, amplitude e generosidade sem destruição, todavia, da técnica jurídica, de índole processual, que embasa o direito de ação. [76]

FUX critica o formalismo processual, concluindo que a protecão de direito liquido e certo e a garantia individual perante o estado são de tal importância que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questao de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. [77]

4.2.1 Dualidade "geral versus especial" e o caso concreto

Deparamos-nos com uma complexa dualidade. Se por um lado o processo civil pode auxiliar subsidiariamente o mandamus, por embasar o direito de ação e fornecer princípios e normas para sua celeridade, por outro lado, pode conferir-lhe obstáculos, considerando o formalismo típico do processo.

Trazendo essa dualidade ao presente estudo, temos o confronto entre a conceituação de parte advinda da teoria geral do processo e a criação de um instituto da autoridade coatora como uma pretendida forma adequada, rápida e enérgica para assegurar a defesa do indivíduo perante a ação maléfica do Estado.

DINAMARCO propõe uma solução abstrata para esse tipo de dualidade: a atenção à instrumentalidade do processo. Aponta-a como expressão resumida dos objetivos e de todo o sistema processual. [78]

Cabe expor a crítica do autor ao caráter de isolamento e formalismo do direito processual:

Por imposição do seu próprio modo de ser, o direito processual sofre da natural propensão ao formalismo e ao isolamento. Ele não vai diretamente à realidade da vida, nem fala a linguagem do homem comum. O homem comum o ignora, o próprio jurista o desdenha e os profissionais do foro lamentam as suas imperfeições, sem atinar com meios para melhorá-lo. A descrença de todos na Justiça é efeito das mazelas de um sistema acomodado no tradicional método introspectivo, que não inclui a crítica do sistema mesmo e dos resultados que ele é capaz de oferecer a consumidores finais do seu serviço -, ou seja, aos membros da população. [79]

Explica o jurista que a instrumentalidade requer uma tomada de consciência de que o processo não é fim em si mesmo, requer, que se evite, por exemplo, a valorização da conduta das pessoas como sujeitos do processo e o destino reservado aos sujeitos, vinculado ao comportamento processual [80].

MARINONI constata a insuficiência de cada pólo dessa dualidade "geral versus especial". Afirma que até os procedimentos construídos de forma singularizada devido às tutelas de direito material não são capazes de atender aos reais motivos que desaconselham um procedimento uniforme e neutro. Sustenta que a imprescindibilidade de técnicas processuais diferenciadas deriva igualmente do caso concreto, ante suas particularidades, in verbis:

Mesmo os procedimentos construídos de forma diferenciada em razão das tutelas prometidas pelo direito material não são capazes de atender aos reais motivos que desaconselham um procedimento uniforme e neutro. É que a imprescindibilidade de técnicas processuais diferenciadas não deriva apenas das necessidades do direito material – vistas em abstrato -, mas igualmente do caso concreto, que sempre possui particularidades próprias e específicas. Ou seja, ainda que o legislador edite um procedimento adequado a uma situação de direito substancial, isto jamais bastará para atender às circunstâncias do caso concreto. Não há como confundir uma necessidade de direito material – pensada em abstrato – e as peculiaridades do caso, uma vez que toda situação do direito material é particularizada pelo caso concreto. [81]

O juiz é um intérprete qualificado e legitimado a buscar valores, a julgar os casos concretos na conformidade dos resultados dessa busca e interpretação, chegando à "vontade concreta da lei". Consoante DINAMARCO, esse iter lógico-axiológico está inserido na vida dos direitos e só poderia ser negado à custa de reduzir a ordem jurídica às dimensões do texto legal. [82]

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Juliana Paula. O sujeito passivo no mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2792, 22 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18549. Acesso em: 26 abr. 2024.

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