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A litigância de má-fé como empecilho à razoável duração do processo

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25/02/2011 às 07:42

Resumo:


  • Processos judiciais enfrentam problemas de morosidade, influenciados pelo comportamento das partes e, em especial, dos réus.

  • O ordenamento jurídico oferece mecanismos para combater atitudes que prejudicam a celeridade processual, como as sanções por litigância de má-fé.

  • É essencial que tais ferramentas sejam efetivamente aplicadas para garantir a conclusão dos processos em tempo razoável.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2 TEMPO RAZOÁVEL DE DURAÇÃO DO PROCESSO

A EC n. 45/2004, ao incluir no catálogo constitucional o direito fundamental à razoável duração do processo, logicamente não estabeleceu especificamente um tempo em que o processo deva ser encerrado, pois cada caso é um caso e demanda, de acordo com sua própria complexidade, um (in)determinado tempo.

2.1 Razoabilidade do tempo do processo

Quando se fala em razoável duração do processo, o primeiro pensamento que se tem é de um tempo determinado, justo ou razoável, em que a lide submetida ao Poder Judiciário será definitivamente resolvida.

Todavia:

É imprescindível que o processo tenha uma certa duração, maior do que aquela que as partes desejam, porquanto o Estado deve assegurar aos litigantes o devido processo legal, amplo direito de defesa e contraditório e, até mesmo, tempo para se prepararem adequadamente. Contudo, nada justifica a interminável espera causada pela tormentosa duração do processo a que os cidadãos se vêem submetidos e da qual, ao final, resta sempre a sensação de injustiça. (HOFFMANN, 2005).

E não poderia ser diferente, pois

ao primar pela celeridade – e só pela celeridade – um juiz pode vir a cometer outros erros que são, no mínimo, tão prejudiciais quanto a demora para proferir sua decisão final. Neste contexto, tem-se que a tutela prestada em tempo curto não é, necessariamente, a garantia de uma solução adequada para a lide. Tanto quanto a morosidade traz a angústia e a sensação de insegurança para os litigantes, a sentença superficial ou injusta gera o descrédito e a insatisfação social. Ainda, é preciso ponderar que o descontentamento em relação aos pronunciamentos emitidos gera crescimento tanto na proposição de recursos quanto na de novas demandas (FERRARI, 2006).

A conclusão que emerge, portanto, é que não é possível a fixação de prazos estanques para a duração do processo, pois cada caso é um caso e a complexidade da questão é que definirá o prazo de duração da ação.

Um processo adequado e justo deve demorar exatamente o tempo necessário para a sua finalização, respeitado o contraditório, a paridade entre as partes, o amplo direito de defesa, o tempo de maturação e compreensão do juiz, a realização de provas úteis e eventuais imprevistos, fato comum a toda atividade; qualquer processo que ultrapasse um dia dessa duração já terá sido moroso. Uma demanda, com pedido de despejo por falta de pagamento dos aluguéis, em que a efetiva desocupação do imóvel ocorra mais de seis meses após a distribuição da petição inicial terá sido longa; contudo, uma demanda, com pedido de rescisão de contrato de fornecimento de programas de computador, em decorrência da não total consecução do trabalho, que tenha durado dois anos em 1ª instância, provavelmente, terá sido solucionada dentro de um prazo aceitável. Apesar de haver uma "lógica" comum no que tange à razoabilidade ou não da duração de determinado processo, temos que a criação de metas mínimas acarretaria resultados contrários, tornando-se prazo máximo a acomodar os juízes e as partes. Neste sentido, concordamos com os critérios adotados pela Corte Européia dos Direitos do Homem: a) complexidade do caso; b) o comportamento das partes; c) o comportamento dos juízes, dos auxiliares e da jurisdição interna de cada país, para verificação em cada caso concreto sob violação do direito à duração razoável do processo (HOFFMANN, 2005).

Hofmann (2005) sugere, ainda, critérios para aferição se o processo está tendo ou não uma razoável duração:

Em razão do lamentável quadro atual da justiça brasileira, apresentamos três propostas básicas como primordiais e iniciais na busca da realização do direito constitucional da razoável duração do processo:

1ª - imediata destinação de verbas para a completa reforma da estrutura do Poder Judiciário, investindo-se seriamente em equipamento, tecnologia, pessoal e treinamento. Além disso, entendemos que a resolução do problema da exagerada duração do processo civil passa pela conscientização das partes e dos operadores do direito, cada qual fazendo a parte que lhe é cabível.

2ª - efeito somente devolutivo como regra para o recurso de apelação.

3ª - estipulação de prazo máximo de duração do processo em cada esfera judicial.

Efetivamente, reformas processuais com vistas a agilizar o trâmite dos processos são sempre bem vindas. Todavia, conforme já afirmado acima, a fixação de prazos limites para o término dos processos, se curtos, culminarão com sentenças apressadas e, talvez, incorretas, e se longos incentivarão os juízes a "afrouxar" a cinta.

A razoável duração do processo é um tempo indeterminado, compatível com a complexidade da causa e com o comportamento das partes, hábil a entregar tempestivamente a jurisdição ao interessado.

2.2 Falta de razoabilidade

Já se estudou que o processo deve ter um prazo razoável, de acordo com a complexidade da causa. Não é possível estabelecer-se, de antemão, qual é o prazo certo que um processo deve durar. Somente concretamente analisado o processo poderá ser apreciado se sua duração foi, ou não razoável.

Mas não há como resolver os problemas de demora na prestação jurisdicional apenas indicando quais processos demoraram demais e quais processos demoraram de menos.

Recente alteração na Constituição Italiana fixou o direito das partes em ser indenizadas pelo Estado no caso de demora na prestação jurisdicional. Talvez não seja esta a melhor saída de resolução do problema da falta de celeridade, pois somente cria outro ônus para os cofres públicos sem, de fato, solucionar a demora dos processos.

Com efeito, fixar o direito à indenização, devida pelo Estado, em caso de demora, sem que, ao mesmo tempo, criem-se mecanismos fortes e eficazes para agilizar a tramitação processual, com recursos materiais, humanos e processuais, não terá outro resultado senão o de onerar toda a coletividade pela prestação jurisdicional deficiente.

Para a busca de uma razoável duração do processo é importante destacar quais situações, que proporcionem a demora do processo, não são razoáveis.

Da prática forense, pode-se facilmente apontar três frentes a serem atacadas.

A primeira frente é, com certeza, a falta de estrutura material e de pessoal para que o processo tenha uma tramitação mais rápida. Não basta contratar mais servidores, admitir mais juízes, adquirir computadores velocíssimos para que o processo tenha uma tramitação mais rápida.

Os servidores devem ser bem treinados e motivados, os juízes constantemente capacitados [01] e as rotinas estabelecidas de forma que sejam aptas a dar conta, pelo menos, do mesmo número de processos que são ajuizados.

A segunda frente a ser enfrentada consiste em fazer com que estes servidores treinados e motivados e os juízes capacitados e atualizados possam respeitar os prazos estabelecidos pela lei. Não é razoável que o servidor demore mais do que 48 horas para fazer a conclusão ao magistrado e não é razoável que ele demore mais do que 10 dias para a prolação da sentença.

No Direito Criminal, por exemplo, a jurisprudência evoluiu a tal ponto que considera coação ilegal a manutenção de prisão quando a instrução processual demorar mais do que o razoável.

A matéria já é pacífica no STJ:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. 1. EXCESSODE PRAZO. DELONGA INJUSTIFICADA NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. OCORRÊNCIA. 2. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. GRAVIDADE DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. 3. ORDEM CONCEDIDA. 1. Transcende ao princípio da razoabilidade a delonga, não ocasionada pela defesa, em se encerrar a instrução criminal cujo feito é desprovido de qualquer complexidade. 2. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que também não se justifica ante a fundamentação inidônea para o indeferimento da liberdade provisória. 3. Ordem concedida a fim de conceder ao paciente a liberdade provisória, expedindo-se o competente alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, mediante o compromisso decomparecimento a todos os atos do processo a que for chamado, sob pena de revogação da medida. (HC 128572 / PA).

A terceira frente constitui o foco deste trabalho. É a forma como as partes se comportam no decorrer do processo. Produção de provas inúteis ou impertinentes, requerimentos de perícias desnecessárias ao deslinde da controvérsia, ajuizamento de incidentes manifestamente infundados etc., são exemplos de práticas que contribuem desnecessariamente para a demora no término do processo.

Processo rápido não existe em lugar nenhum do mundo, a não ser por exceção, mas não por definição e como regra geral, mas, de outro lado, prestação jurisdicional que demora demais, para que o bem da vida perseguido seja efetivamente entregue a quem tem razão, é inaceitável, e todo comportamento que venha a frustrar a garantia constitucional da razoável duração do processo deve ser combatida com rigor pelo Judiciário (PAROSKI, 2008).

Há vários outros direitos também constitucionalizados em jogo, como a ampla defesa e o acesso à justiça. Mas tais direitos não podem ser usados como fundamento para lides temerárias ou outras práticas desleais no curso do processo, pois se estaria negando eficácia à norma constitucional. Quando conflitam regras de mesma categoria (ambas constitucionais, no caso), todas elas devem ser razoavelmente respeitadas.

Não se pode negar que devedores contumazes, que têm o costume de usar o fator tempo do processo em seu favor, adoram esse discurso. Os magistrados que o encampam servem de instrumento de manobra para a perpetuação de condutas reprováveis baseadas na retórica do acesso a justiça a todo custo (PAROSKI, 2008).

O comportamento das partes e, especialmente, da parte ré, é o principal objetivo deste trabalho e seu reflexo na razoável duração do processo será tratada nos capítulos seguintes.


3 A BOA-FÉ PROCESSUAL COMO ELEMENTO INDISPENSÁVEL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Conforme já mencionado, o comportamento das partes possui papel decisivo no tempo em que o processo alcançará seu final. Sejam com requerimentos para produção de provas, perícias, exceções, recursos e outras infindáveis ferramentas postas nas mãos das partes. O objetivo dessas ferramentas, é claro, é garantir o devido processo legal e a ampla defesa. O problema é quando elas são utilizadas como artimanhas para atrasar a prestação jurisdicional, impedindo o exercício de direitos pela parte adversa.

Fábio Milman, citado por Pinheiro (2008), menciona que:

[é] antiga a preocupação com a conduta dos sujeitos da demanda. Desde que se deixou de conceber o processo como um duelo privado, no qual o juiz era somente o árbitro, e as partes podiam usar de toda argúcia, malícia e armas contra o adversário para confundi-lo, e se proclamou a finalidade pública do processo civil, passou-se a exigir dos litigantes uma conduta adequada a esse fim e a atribuir ao julgador maiores faculdades para impor o fair play. Existe toda uma gama de deveres morais que acabaram traduzidos em normas jurídicas e uma correspondente série de sanções para o seu descumprimento no campo processual. Tudo como necessária conseqüência de se ter o processo como um instrumento para a defesa dos direitos e não para ser usado ilegitimamente para prejudicar ou para ocultar a verdade e dificultar a reta aplicação do direito, na medida em que este deve atuar em conformidade com as regras da ética. Deveres que alcançam primeiramente às partes, também o fazendo, logo em seguida, aos procuradores dos litigantes e aos julgadores e seus auxiliares.

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Explanar-se-á, neste capítulo, especialmente sobre a boa-fé processual e sua repercussão no processo.

3.1 Boa-fé processual

O processo foi concebido para que pessoas envolvidos em alguma contenda pudessem livremente proteger os seus direitos, inclusive com a escolha dos meios idôneos à consecução de seus objetivos.

Mas, "essa liberdade há de ser disciplinada pelo respeito aos fins superiores que inspiram o processo, como método oficial de procura da justa e célere composição do litígio" (JÚNIOR, 2004, p. 80).

É com esse espírito que os artigos 14, 17 e 18 do CPC tentam coibir as condutas inapropriadas das partes e intervenientes, que, ou causam prejuízo latente à parte contrária ou, no mínimo, causam um atraso indevido ao andamento do processo.

Não se pode negar, sublinhe-se, a aplicabilidade dos referidos dispositivos ao processo do trabalho. O artigo 769 da CLT admite a entrada do processo civil comum na seara trabalhista no caso de omissão. Ipsis litteris: "Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título".

Conforme leciona Bezerra Leite (2009), as lacunas que dão margem à aplicação subsidiária do direito processual comum ao processo do trabalho podem ser as tradicionais lacunas normativas, mas também as ontológicas e as axiológicas [02].

No caso específico dos artigos 14, 17 e 18 do CPC há evidente lacuna normativa, sendo que sua aplicação ao Processo do Trabalho é inegavelmente compatível com os princípios adotados pela CLT, pois visam a agilizar a prestação da jurisdição.

O artigo 14, inciso II, do CPC, que conforme já explicado é aplicado subsidiariamente ao Processo Trabalhista por força do artigo 769 da CLT, estabelece como dever das partes e de todos aqueles que intervirem no processo proceder com lealdade e boa-fé.

No referido inciso II, importante registrar, encontramos lado a lado a "lealdade" e a "boa-fé" dando a falsa impressão que se tratam de conceitos diversos, pois que, na verdade, afirmam o mesmo objetivo.

"[...] a expressão lealdade [...] se confundirá com a boa-fé objetiva, pois que ser leal significa estar de acordo com determinados padrões de conduta que independem da concepção particular do sujeito. Isto quer dizer que ninguém é honesto somente porque acredita sê-lo. É preciso que tal concepção se projete na visão social e, diante dela, sejam observados os elementos existentes para o preenchimento do modelo padrão de honestidade/lealdade (PINHEIRO, 2008).

Bezerra Leite (2009, p. 75), complementa, explicando que:

O princípio da lealdade processual, portanto, tem por escopo impor aos litigantes uma conduta moral, ética e de respeito mútuo, que possa ensejar o curso natural do processo e leva-lo à consecução de seus objetivos: a prestação jurisdicional, a paz social e a justa composição da lide.

Parte importante da doutrina vincula os deveres de lealdade processual e de boa-fé à subjetividade de quem pratica o ato. Entendem necessário que a parte ou interveniente possua a intenção de prejudicar o adversário, excluindo, portanto, os casos de culpa.

Ao contrário do que muitos pensam, a boa-fé, como norma de conduta, é cláusula geral processual (DIDIER JR., 2009). Isto é,

Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a antecipação dos efeitos da tutela prevista no inciso II do art. 273 do CPC. A "boa-fé subjetiva" é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O inciso II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito do processo: trata-se de normal que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções (DIDIER JR., 2009, p. 46).

Boulos, citado pro Pinheiro (2008), explica que:

A ilicitude subjetiva é aquela que leva em conta um juízo de valor acerca do comportamento do sujeito que se pressupõe livre e consciente, ao passo que a ilicitude objetiva deriva da análise tão-somente do comportamento do sujeito em comparação com a determinação contida no comando normativo.

Desta feita, a vontade subjetiva da parte que pratica o ato não importa para a caracterização da boa ou má-fé em sua conduta. Baste que ela pratique ato lesivo da boa-fé, objetivamente considerado, para que se quebre esta cláusula geral de processo.

E não haveria como ser diferente, pois a investigação da motivação particular da parte, quando pratica seus atos, se tornaria muito difícil no processo, ocasionando, invariavelmente, um atraso na prestação final da jurisdição, que é exatamente o contrário do que o referido princípio visa. Vale registrar, ainda, que não são raros os atos violadores da lealdade processual que possuem a aparência de licitude.

Como cláusula geral de processo e ligada à conduta objetivamente considerada da parte, a quebra da boa-fé, em regra, independe de prova da intenção ilícita, pois o próprio ato, por si só, já implica na violação do referido princípio. Um interessante e corriqueiro exemplo disso é do reclamante que postula o pagamento das verbas rescisórias, quando estas já foram depositadas pelo empregador em sua conta bancária onde recebia os salários. A alegação de que não consultou o extrato da sua conta pode até elidir a má-fé subjetiva, mas o simples postular por crédito recebido configura quebra do princípio da boa-fé objetiva, no mínimo por culpa.

Desse modo, assim como há uma "cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana" no direito brasileiro, a qual impõe a ilicitude objetiva aos atos contrários à dignidade humana, há, também, uma cláusula geral de tutela da aparência de licitude, segundo a qual quem estiver em situação de vantagem deve se comportar de forma honesta e leal, segundo exigido pela boa-fé objetiva, sob pena de configuração do ato abusivo (ilícito objetivo). "Cria-se um dever jurídico de bem portar-se em situação jurídica de vantagem, como a de aparente titularidade do direito, não se valendo dela para causar danos a terceiros" (JORDÃO, 2006, p.128).

A jurisprudência trabalhista resiste em considerar de forma objetiva as condutas das partes, confundindo práticas desleais com o direito à ampla defesa [03], mas já é sensível nos tribunais uma pequena mudança de paradigma [04].

É certo que o entendimento correto do Princípio da Boa-Fé Objetiva é fundamental para que sejam utilizadas as ferramentas disponíveis na legislação para coibir práticas desleais e contrárias à razoável duração do processo, como as penas pela litigância de má-fé, por ato atentatório ao exercício da jurisdição e por atentado à dignidade da justiça, previstas nos artigos 18, 14, parágrafo único, e 601, ambos do CPC.

3.2 A litigância de má-fé

Como visto alhures, o código de processo civil fixa a cláusula geral de processo que é a boa-fé objetiva. Assim, litiga de má-fé aquele que quebra a referida cláusula geral, isto é, quem age objetivamente sem boa-fé, seja com dolo ou com culpa.

O artigo 17 arrola as condutas tipificadas como caracterizadoras de litigância de má-fé:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

O professor Nelson Nery Junior, citado por Ares (2009), conceitua o litigante de má-fé:

como a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigatorque se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, procrastinando o feito.

Na prática processual trabalhista percebe-se com uma certa frequência a prática, pelas partes, dos atos tipificados nos incisos II a VII do artigo 14 do CPC. Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso não á algo comum de se ver.

Vê-se com uma desonrosa habitualidade na Justiça do Trabalho as partes, em colusão, utilizarem-se do processo para atingir objetivos ilegais, seja a formação de início de prova de tempo de serviço inexistente para fins de aposentadoria, seja fraudar credores legítimos, transferindo judicialmente o patrimônio da empresa para o pseudo-empregado, utilizado como ‘laranja’.

A resistência injustificada a andamentos de processos é verificada nos reiterados pedidos de adiamento de audiências, na resistência em receber notificações pelo correio e no tolerado silêncio do executado quando se inicia a execução, não indicando onde estão e quais são os bens que possuem.

As condutas temerárias das partes, outrossim, é outra prática contumaz na práxis trabalhista. A retenção indevida de autos por advogados e por peritos é vista como comum nas secretarias das Varas Trabalhistas. A pior parte é que os magistrados têm-se mostrado complacentes com essas práticas, não aplicando as penalidades previstas pelo CPC.

Os incidentes manifestamente infundados são das mais diversas espécies. Impugnação à liquidação para discutir indevidamente índices de correção monetária. Embargos à execução sustentando a impenhorabilidade de dinheiro, quando o artigo 655 do CPC o coloca em primeiro da lista. Exceções de incompetência e de suspeição impertinentes. Em verdade, é impossível arrolar aqui todos os incidentes manifestamente infundados que se vê diariamente nos processos trabalhistas.

Os recursos manifestamente protelatórios, inicialmente vistos como garantia ao duplo grau de jurisdição, já são barradas no processo civil comum pela aplicação do artigo 518, §1º, do CPC, com a redação da Lei nº 11.276/2006: "O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal." Na Justiça do Trabalho, somente em caso de recurso de revista, isto é, já em sede extraordinária, é que o judiciário está autorizado a negar seguimento a recurso, nos termos do §5º do artigo 896 da CLT:

Estando a decisão recorrida em consonância com enunciado da Súmula da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, poderá o Ministro Relator, indicando-o, negar seguimento ao Recurso de Revista, aos Embargos, ou ao Agravo de Instrumento. Será denegado seguimento ao Recurso nas hipóteses de intempestividade, deserção, falta de alçada e ilegitimidade de representação, cabendo a interposição de Agravo.

O referido dispositivo é plenamente compatível com o processo trabalhista e se traduziria, caso aplicado na seara laboral, em uma maior celeridade processual.

Os agravos de instrumentos para o TST, no âmbito trabalhista, são outro grande entrave para a solução rápida dos litígios. A possibilidade de execução provisória em nada auxilia, pois o bem da vida não é entregue ao autor até que a lide esteja definitivamente resolvido. Este expediente (agravos de instrumentos), recorrentemente usado pelos Bancos para procrastinar a saída dos recursos (depositados com eles mesmos) o máximo possível, possui a intenção de ser menos utilizado com a recente inclusão do §7º no artigo 899 da CLT pela Lei nº 12.275/2010: "No ato de interposição do agravo de instrumento, o depósito recursal corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do valor do depósito do recurso ao qual se pretende destrancar".

Todavia, embora bem intencionada, a alteração não trará os resultados pretendidos, pois os maiores clientes do TST em matéria de agravo de instrumentos são aqueles que mais dispõe de recursos financeiros (Bancos) e o depósito de 50% ainda será barato se considerado os lucros que auferem a cada ano de atraso no processo com o dinheiro que deveriam pagar ao reclamante.

Mas a mais afrontosa conduta de má-fé e que, infelizmente também é a mais corriqueira, é a falta da verdade das partes. Este é o principal tópico que se deseja atacar, pois é um dos maiores entraves à realização da justiça e da busca da pacificação social.

Propositadamente será tratada em item próprio.

3.3 O dever de veracidade

O artigo 14, inciso I, do CPC estabelece como um dos deveras das partes "expor os fatos conforme a verdade". Nesta senda, não se pode admitir, no processo, alegações falsas.

Então, é de se concluir que falar a verdade é um dever, imputado a todos que estejam no processo, respeitadas as exceções legais – e as partes desse dever não escapam. (...) Mas é importante lembrar que tal dever existe porque a função primordial da tutela jurisdicional é buscar a solução para o conflito e, neste sentido, não pode permitir que os fatos trazidos para sua apreciação sejam adulterados, pois poderá o Estado ser enganado e prestar a tutela jurisdicional de modo equivocado. O prejuízo seria não somente para a parte contrária, mas especialmente para a própria dignidade da Justiça (IOCOHAMA, 2007).

O inciso LXIII do artigo 5º da CF/88 fixa o direito do preso em permanecer calado, havendo construção doutrinária e jurisprudencial que o réu, no processo penal, pode se utilizar de todos os meios que julgar aptos à proteção de sua liberdade, inclusive mentir.

Todavia, o referido dispositivo possui aplicação restrita ao processo penal e não pode ser transplantado, por analogia, ao processo civil, notadamente porque há norma expressa exatamente do contrário, isto é, as partes possuem o dever de veracidade.

O juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Erechim-RS possui a posição de que a parte no processo trabalhista, assim como o réu no processo penal, pode defender-se da forma que bem entender, narrar os fatos que quiser, independentemente de sua ligação com a verdade ou não.

Com a máxima vênia ao referido entendimento, quem determina à parte o dever de dizer a verdade não é a doutrina, mas sim a lei. O Código de Processo Civil fala neste sentido em diversas oportunidades.

Ademais, o juiz deve (ou deveria) alinhar sua conduta com a busca da verdade real, tentar reconstruir ao máximo no processo o que realmente ocorreu, mesmo que ao final apenas consiga uma verdade meramente formal.

Nesse sentido, Iocohama (2007):

De qualquer modo, cabe ao juiz a busca da verdade. Ainda que, no final, a prova produzida no processo represente uma reconstrução do fato (e, portanto, a verdade será meramente formal), a busca pela verdade real deve servir de objetivo ao juiz, de maneira que possa se aproximar o máximo possível da melhor representação dos acontecimentos. Assim, fortalecerá seu convencimento e terá condições para um julgamento bem mais adequado à pacificação que se espera da tutela jurisdicional.

O juiz que permite e aceita que as partes mintam demonstra descomprometimento com a verdade e, consequentemente, com a própria justiça.

Não só o artigo 14 do CPC cria o dever de a parte expor os fatos conforme a verdade, como o artigo 17, inciso II, do CPC, considera litigante de má-fé aquele que alterar a verdade dos fatos.

De qualquer maneira, no processo onde a parte faltar com a verdade (entre outros comportamentos de má-fé) deverá ela ser condenada pela litigância de má-fé (ex officio), incorrendo no pagamento dos prejuízos sofridospela parte contrária, em multa de até 1%sobre o valor da causa, mais honorários advocatíciose todas as despesasque a outra parte efetuou, respondendo por tudo isso nos próprios autos (Iocohama, 2007).

As partes tem o dever de falar a verdade, sendo que na hipótese de teses mentirosas, a sanção não pode deixar de ser aplicada.

Há de se distinguir, contudo, teses mentirosas de teses não comprovadas.

Se o réu afirma fato impeditivo do direito do autor (como a condição de trabalhador externo incompatível com a fixação de jornada de trabalho) e não consegue provar esta condição e, tampouco, a jornada real do reclamante, pelos simples critérios de distribuição de ônus probatório ela sairá derrotada na demanda. Não há como afirmar, contudo, que a parte ré faltou com a verdade sem que, nos autos, fique provado isto. Ao contrário, se a prova produzida indicar que, de fato, havia controle de horários, demonstrando ser mentirosa a versão do réu, ele deve ser considerado litigante de má-fé.

Outra situação muito comum nas causas trabalhistas é a real jornada exercita pelo trabalhador. Há direito a horas extras ou não há?

A tese da inicial aponta uma jornada de aproximadamente 10 horas diárias, sendo que invariavelmente o réu reporta-se aos cartões-ponto e sustenta que toda a jornada de trabalho está anotada e que eventuais horas extras foram devidamente remuneradas.

Tendo sido provada a jornada declinada na inicial e, por corolário, demonstrada a mentida da tese defensiva, não há como negar que o demandado agiu com absoluta falta de boa-fé quando fez afirmações falsas quanto ao real tempo trabalhado pelo obreiro.

Este tipo de situação está tão disseminada na Justiça do Trabalho, que a mentira da reclamada está banalizada. Tese de defesa: mentira. Tão banalizada que alguns juízes sequer apreciam suas alegações, pois sabem que não passam de mentiras e, quando muito, uma simples distorção da verdade.

Ocorre que neste caso em especial são os próprios juízes os grandes responsáveis pela banalização da mentira, pois deixam de aplicar as ferramentas disponíveis para coibir este tipo de conduta.

3.4 Aplicação das penalidades

A litigância de má-fé, caracterizada pela quebra do dever de lealdade e de boa-fé objetiva da parte, é um dos maiores entraves à plenitude da razoável duração do processo.

Os juízes devem estar comprometidos com a justiça e em busca da verdade real, ficando atentos à condutas procrastinatórias, aplicando as penalidades já existentes no CPC.

O artigo 16 do CPC prevê que "Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente".

O dispositivo, portanto, cria o direito da parte prejudicada em ser ressarcida pelas perdas e danos provenientes da conduta praticada de má-fé, objetivamente considerada, ressalte-se.

O artigo 18 do CPC, por sua vez, estabelece que:

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

§ 1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2o O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.

Cabe ao magistrado, assim, mensurando a gravidade da conduta da parte, graduar a multa a ser aplicada, não superior a 1% do valor da causa. Deve o juiz arbitrar, ainda, os prejuízos que a parte adversa teve, seja com advogado, testemunhas, viagens, perícias etc., em razão da litigância de má-fé, cujo valor, de acordo com o dispositivo acima transcrito, não poderá ser superior a 20% do valor da causa.

Pode o juiz, ainda, se entender violados os deveres do artigo 14, inciso V, do CPC (cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final), aplicar multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição, que reverte em favor da própria fazenda pública envolvida (Estado ou União).

Sublinhe-se que não há qualquer empecilho para a cumulação de ambas as sanções (por ato atentatório ao exercício da jurisdição e por litigância de má-fé) em razão de uma mesma conduta. Com efeito, o mesmo ato pode ser (e normalmente é) tanto prejudicial à parte contrária, que tem na demora na prestação judicial o principal obstáculo ao reconhecimento do seu direito, como ao próprio Poder Judiciário, que tem o dever de resolver tempestivamente os litígios e é impedido pela conduta temerária de uma das partes.

Segundo Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 83): Às sanções dos arts. 16 e 18 pode ser cumulada a multa de até 20% do valor da causa, por ato atentatório ao exercício da jurisdição (art. 14, parágrafo único, acrescido pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001), que, entretanto, reverterá em favor da Fazenda Pública, e não da parte prejudicada".

O que deve ficar assente é que as referidas cominações, dentre tantas outras previstas pela legislação (artigo 601 do CPC, por exemplo – ato atentatório à dignidade da justiça), devem ser constantemente aplicadas pelos magistrados, punindo aqueles que insistem em atrasar a solução, utilizando-se de artifícios processuais para isso.

Deveras, a falta de sanção para as partes que agem deslealmente no processo acabam por incentivar a reiteração da conduta, atravancando em larga escala a tramitação e resolução das lides postas à apreciação do Poder Judiciário.

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Sobre o autor
Evandro Luis Urnau

Juiz do Trabalho do TRT da 4 Região.<br>Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho - IMED. <br>Especialista em Direito e Processo do Trabalho - LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

URNAU, Evandro Luis. A litigância de má-fé como empecilho à razoável duração do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2795, 25 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18560. Acesso em: 26 dez. 2024.

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