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A Lei nº 11.924/2009 e seus reflexos na árvore genealógica familiar

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Sumário: 1 Introdução. 2 Apresentando a Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2010. 3 Exposição de motivos. 4 A Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009 e seus reflexos na árvore genealógica familiar. 5 Bibliografia.


1 Introdução

No dia 17 de abril de 2010 entrou em vigor a Lei nº 11.924, de autoria do já falecido Deputado Federal Clodovil Hernandes, conhecida como "Lei Clodovil", que alterou o artigo 57, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta, desde que obtida à devida aquiescência expressa.

Palavras-Chave: Lei dos Registros Públicos. Nome. Enteado. Padrasto. Registro de Nascimento.


2 Apresentando a Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2010

A referida lei, decorrente da conversão normativa do Projeto de Lei nº 2006, apresentado à Câmara dos Deputados no dia 15 de fevereiro de 2007, pelo então Deputado Federal Clodovil Hernandes, é composta de três artigos.

O artigo 1º informa o objetivo da norma, que é a de autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome de família do padrasto ou da madrasta, em todo o território nacional.

O artigo 2º, ao seu turno, traz o conteúdo da norma, esclarecendo que o artigo 57 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar acrescido do parágrafo 8º, nos termos do qual "o enteado ou a enteada poderá requerer ao juiz competente que seja averbado no registro de nascimento o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, sem prejuízo de seus apelidos de família, desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

a) concordância do padrasto ou madrasta de forma expressa;

b) motivo ponderável;

c) observação dos procedimentos legais para a averbação do nome de família do padrasto ou madrasta na certidão de nascimento, na forma dos parágrafos 2º e 7º, do artigo 57, da Lei dos Registros Públicos, que disciplinam o acréscimo do patronímico.

Por fim, o artigo terceiro prevê a vigência da lei a partir da data de sua publicação, que aconteceu no mesmo dia da aprovação, em 17 de abril de 2009.


3 Exposição de motivos

A Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2010 autoriza a alteração da Lei de Registros Públicos para permitir ao enteado ou enteada adotar o nome de família do padrasto ou madrasta, tendo em vista que, muitas vezes, a relação entre eles é semelhante à de pai e filho, seguindo a mesma justificativa que levou à inserção, pela Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975, do acréscimo do patronímico do companheiro ao nome da mulher solteira. Agora esse direito ao acréscimo do patronímico foi estendido ao enteado ou enteada que por meio da aplicação do princípio constitucional da igualdade, pode adotar não apenas o nome da família do padrasto, mas, também, o da madrasta.

O principal argumento justificante deste texto normativo está na constatação fática usual de que muitas vezes o relacionamento do enteado com seu padrasto é mais próximo da relação de pai e filho do que com o pai biológico.

A lei em comento vem em socorro daqueles casos de pessoas que, estando em seu segundo ou terceiro casamento, criam os filhos de sua companheira ou companheiro como se seus próprios filhos fossem. E também dos filhos que manifestam o desejo de trazer o nome de família do padrasto ou da madrasta.

Esse dispositivo legal em comento coaduna-se com o novo conceito de família, que deixou de ser considerada apenas a família nuclear (pais e filhos) para ser compreendida como família estendida, normalmente composta por uma combinação de famílias nucleares. A pretensão é tutelar as relações familiares baseadas no afeto, superando a situação simplista da paternidade apenas biológica.

É preciso destacar que a "aquisição do nome do padrasto ou madrasta na certidão de nascimento não tem nenhuma eficácia no campo patrimonial". Nas palavras de Carlos Eduardo Lamas [01], "a possibilidade de inserção do nome do padrasto ou madrasta na certidão de nascimento do enteado ou enteada traduz-se num significativo avanço no campo do direito de família, pois "dá-se o direito de integração de comunidades familiares que existiam somente no plano afetivo e não no plano registral, emprestando ao indivíduo o reconhecimento como partícipe do grupo familiar".

Ademais, contribui para amenizar constrangimentos das crianças relacionadas ao preconceito e inclusive ao bullying.


4 A Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009 e seus reflexos na árvore genealógica familiar

Como visto, a Lei em tese não trata da retirada do nome de família biológico, mas do simples acréscimo de outro nome do padrasto ou da madrasta. Destarte, nenhum reflexo trará estas mudanças na questão da árvore genealógica familiar.

Do latim nomen, significa palavra ou conjunto de palavras que servem para designar seres, coisas, idéias, denominações, designação. Também quer dizer nome próprio de pessoa, prenome ou designação patronímica da pessoa, sobrenome paterno ou materno; designação de família [02].

Deocleciano Torrieri Guimarães [03] define o "nome", em termos gerais, como "a palavra que identifica a pessoa, singular ou coletiva, ou a coisa, para distingui-la de outras" e o "nome civil" como "aquele dado a pessoa desde o nascimento, registrado no Registro Civil das Pessoas Naturais e que, com as exceções da lei, deve acompanha-ia por toda a vida".

O nome é composto por um "prenome" e um "sobrenome". O "prenome" é aquele peculiar ao individuo no trato diário, e pode ser simples ou composto. O "sobrenome" ou "patronímico", é o nome da família (apelido de família ou nome de família), tanto paterna quanto materna em decorrência do princípio da igualdade e da substituição do principio do Pátrio Poder pelo Poder Familiar [04].

O nome, na definição de De Plácido e Silva [05], é o símbolo da identidade instituído pela sociedade, no interesse comum, a ser obrigatoriamente adotado pelas pessoas.

O Código Civil de 2002 incluiu em seu texto o nome civil (prenome e sobrenome) como direito da personalidade. Assim, no capítulo que trata dos direitos da personalidade (artigos 11 a 21) o legislador civil fez constar que "toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome" (artigo 16).

O sobrenome será simples, quando existir apenas o sobrenome paterno ou materno e composto quando constar os dois. Serve para indicar a procedência da pessoa.

Agora com a Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009 acresce-se a possibilidade de no nome constar o sobrenome apenas da mãe ou pai e do padrasto ou madrasta; ou todos, dos pais biológicos e do padrasto ou madrasta.

No entanto, é preciso deixar bem claro que a nova lei não teve a intenção de suprimir o patronímico biológico.

Antes dessa Lei o Superior Tribunal de Justiça já havia permitido a supressão de patronímico paterno em decorrência de abandono, aplicando-se, para tanto, os métodos de interpretação sistemática e teleológica de forma integrada:

Ementa: civil. Registro Público. Nome civil. Prenome. Retificação. Possibilidade. Motivação suficiente. Permissão legal. Lei nº 6.015, de 1973, artigo 57. Hermenêutica. Evolução da doutrina e da jurisprudência. Recurso provido. I - o nome pode ser modificado desde que motivadamente justificado. No caso, além do abandono pelo pai, o autor sempre foi conhecido por outro patronímico. II - a jurisprudência, como registrou Benedito Silvério Ribeiro, ao buscar a correta inteligência da lei, afinada com a "lógica do razoável", tem sido sensível ao entendimento de que o que se pretende com o nome civil e a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade [06].

Porém, em caso similar o Tribunal de justiça do Estado de São Paulo não autorizou a exclusão do sobrenome paterno, sob a justificativa de que o nome de família não pertence exclusivamente ao detentor, mas a todo o grupo familiar, podendo ser alterado apenas em situações excepcionalíssimas:

Ementa: Registro civil. Assento de nascimento. Alteração. Prenome e patronímico. Inteligência da Lei nº 6.015, de 1973, em seu artigo 58. O prenome é definitivo e somente poderá ser modificado em casos excepcionais. Supressão do patronímico. Impossibilidade. Princípios da imutabilidade e da indisponibilidade do sistema registral (artigos 56 e 57). Recurso improvido [07].

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De fato, o patronímico de família revela a procedência da pessoa, sua filiação e estirpe e, portanto, é considerado por lei como imutável e indisponível.

Acerca da inclusão do nome do padrasto, para o Superior Tribunal de Justiça a inclusão do nome do padrasto acabava implicando na supressão do nome do pai biológico.

Ementa: nome. Alteração. Patronímico do padrasto. O nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado o prazo de um ano, contado da maioridade, desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no artigo 56, da Lei nº 6.015, de 1973, assim reconhecido em sentença (artigo 57). Caracteriza essa hipótese o fato de a pessoa ter sido criada desde tenra idade pelo padrasto, querendo por isso se apresentar com o mesmo nome usado pela mãe e pelo marido dela. Recurso não conhecido [08].

Também o Tribunal de Justiça de São Paulo já vinha admitindo a adição no registro de nascimento do nome do padrasto:

Ementa: Retificação. Adição de nome. Acréscimo do apelido de família do padrasto da autora. Possibilidade, não vedada pela lei. Relevantes motivos sociais e familiares invocados. Inteligência do artigo 57 da Lei dos Registros Públicos. Deferimento do pedido, reformada a sentença. Apelo provido. Voto vencido. Se a lei não proíbe, mas, ao contrário, prevê a possibilidade de alteração do nome, em caráter excepcional e por motivos justificáveis, nada mais razoável do que acolher-se o pedido, principalmente quando relevantes os motivos sociais e familiares invocados [09].

Portanto, a Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009 só fez regulamentar um entendimento já adotado pelos Tribunais brasileiros. Contudo, é preciso destacar com letras garrafais que a lei em comento não impõe a supressão do sobrenome de procedência biológica para substituí-lo pelo sobrenome do padrasto ou da madrasta. O que pretendeu o legislador é autorizar o acréscimo, apenas e tão-somente, do sobrenome do padrasto ou da madrasta ao nome do enteado ou enteada.

Por essas razões não existe qualquer reflexo ou prejuízo à árvore genealógica familiar.


5 Bibliografia

BRASIL, Jurisprudência. Apelação Cível nº 14.708-4 / SP. Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Alexandre Germano. Julgado em 10 de março de 1998. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2010.

BRASIL, Jurisprudência. Apelação com Revisão 994092838005 / SP. Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Beretta da Silveira. Julgado em 15 de dezembro de 2009. Publicado no DJe de 08 de janeiro de 2010.

BRASIL, Jurisprudência. REsp nº 220.059 / SP. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Ruy Rosado Aguiar. Julgado em 22 de novembro de 2000. Publicado no DJ de 12 de fevereiro de 2001.

BRASIL, Jurisprudência. REsp nº 66.643 / SP. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgado em 21 de outubro de 1997. Publicado no DJ de 109 de dezembro de 1997.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 2. ed. São Paulo: Rideel, 1999.

LAMAS, Carlos Eduardo. Inclusão do nome do padrasto ao nome do enteado já é possível. Publicado em 06 de setembro de 2009. Disponível em: <http://lamasadvocaciaespecializada.blogspot.com/2009/09/inclusao-do-nome-do-padrasto-ao-nome-do.html>. Acesso em: 06 jul. 2010.

LAROUSSE, Mini Dicioário Larousse da Língua Portuguesa. Vocábulo "nome". São Paulo: Larousse, 2005.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.


Notas

  1. LAMAS, Carlos Eduardo. Inclusão do nome do padrasto ao nome do enteado já é possível. Publicado em 06 de setembro de 2009. Disponível em: <http://lamasadvocaciaespecializada.blogspot.com/2009/09/inclusao-do-nome-do-padrasto-ao-nome-do.html>. Acesso em: 06 jul. 2010.
  2. LAROUSSE, Mini Dicioário Larousse da Língua Portuguesa. Vocábulo "nome". São Paulo: Larousse, 2005, p. 55.
  3. GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 2. ed. São Paulo: Rideel, 1999, p. 416.
  4. Vide artigo 226, parágrafo 5º, da constituição Federal de 1988: "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".
  5. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 245.
  6. BRASIL, Jurisprudência. REsp nº 66.643 / SP. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgado em 21 de outubro de 1997. Publicado no DJ de 109 de dezembro de 1997, p. 64707.
  7. BRASIL, Jurisprudência. Apelação com Revisão 994092838005 / SP. Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Beretta da Silveira. Julgado em 15 de dezembro de 2009. Publicado no DJe de 08 de janeiro de 2010.
  8. BRASIL, Jurisprudência. REsp nº 220.059 / SP. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Ruy Rosado Aguiar. Julgado em 22 de novembro de 2000. Publicado no DJ de 12 de fevereiro de 2001, p. 92.
  9. BRASIL, Jurisprudência. Apelação Cível nº 14.708-4 / SP. Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Alexandre Germano. Julgado em 10 de março de 1998. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2010.
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Sobre a autora
Fabíola Gabriela Pinheiro de Queiroz

Notária e Registradora no Estado do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Fabíola Gabriela Pinheiro. A Lei nº 11.924/2009 e seus reflexos na árvore genealógica familiar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2812, 14 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18648. Acesso em: 21 nov. 2024.

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