CAPÍTULO II – A TEORIA PADRÃO DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA A PARTIR DE ROBERT ALEXY
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- A tese do caso especial e – o discurso jurídico como espécie do gênero discurso prático racional geral.
Ante as considerações sobre a problemática da argumentação jurídica enquanto uma variante da argumentação prática racional geral, necessário se faz asseverar que a teoria do discurso apresenta-se como "uma teoria do procedimento"; [18] ou seja, a validade de um enunciado normativo residiria no atendimento a regras formais para se alcançar uma justificação correta. E com uma justificação correta não se quer dizer seja a mesma a única viável dentre as demais possíveis a uma discussão. O procedimento a partir do qual o discurso ganharia atributos de racionalidade não busca encontrar apenas uma resposta – em especial para os casos difíceis. [19] Assim, o pressuposto desta racionalidade não é colocado no resultado do processo discursivo, senão no atendimento aos seus preceitos formais. A partir desta constatação, surge a necessidade de se estabelecerem regras específicas e/ ou formas capazes de dotar a fundamentação do discurso de racionalidade. Esta atividade pode ser caracterizada como a busca por critérios de correção [20].
Mas para se entender este conceito e principalmente serem apontados quais são os ditos critérios, torna-se plausível um preliminar esclarecimento relativo à própria concepção de discurso. De que forma ele se definiria?
Não obstante ser o conceito de discurso polissêmico, cabe, assentar a importância que teve o movimento cujo início se deu na França em fins dos anos 1960 (principalmente através de Michel Pêcheux) e fora intitulado Análise do Discurso, a partir do qual se pode classificar o discurso como prática discursiva, "uma construção social, não individual, e que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social, suas condições de produção". [21] Ainda, "raciocínio que se realiza por meio de movimento seqüencial que vai de uma formulação conceitual a outra, segundo um encadeamento lógico e ordenado." [22]Vê-se, portanto que o discurso não é uma simples seqüência de palavras produzidas pelos interlocutores pertencentes a uma mesma interação verbal.
Contudo, em que pese a importância dos conceitos acima suscitados, aquele cujas bases são referenciais para a proposta deste capítulo é o do discurso como uma forma de comunicação (Kommunikation) ou Rede (discurso, fala), que consiste na comunicação (fala ou discurso) destinada a fundamentar as pretensões de validade das afirmações e das normas nas quais se baseia implicitamente o agir comunicativo (interação social) – que é outra forma de comunicação (fala ou discurso).
Após esta breve referência à concepção de discurso e da declinação sobre qual vertente conceitual interessa-nos, retomemos a análise acerca da tese de ser o discurso jurídico um caso especial, uma decorrência do discurso moral. [23]
Esta idéia de derivação é primordial para o entendimento da teoria da argumentação jurídica em Robert Alexy. Neste intuito, embora pareça tautológico, cabe afirmar que o discurso prático racional geral trata de questões práticas, tendo em vista que o mesmo é destinado ao agir humano. Contudo, não basta tal afirmação. Ainda se necessita de uma elaboração mais precisa da idéia de discurso; condição precípua para as construções teóricas subseqüentes. Para suprir referida necessidade conceitual, Robert Alexy afirma: "os discursos são um conjunto de ações interconectadas nos quais se comprova a verdade ou correção das proposições." [24]
Mas para que a verdade [25] ou mesmo a correção do discurso possam ser aferidas, as regras relativas a este conjunto de ações devem ser aceitas por todos os integrantes deste processo. Estas diretrizes não dizem respeito apenas às proposições a serem utilizadas na argumentação; versam, inclusive, sobre o comportamento daqueles que a utilizam. Daí serem consideradas regras pragmáticas, não obstante tenham sua natureza semântica.
No que concerne às supracitadas regras, optar-se-á aqui por uma apresentação daquelas que melhor representam a consistência da teoria do discurso racional geral e, ao mesmo tempo, conferem ao discurso jurídico a qualidade de sucedâneo do primeiro. Obviamente que, em virtude da natureza do trabalho aqui exposto, só será possível a escolha pela explanação de apenas algumas destas regras.
2.2. As Regras da Racionalidade.
Dentre as regras elencadas por Robert Alexy, Um dos conjuntos de peculiar relevância dentre as apresentadas na teoria do discurso é o das Regras da Razão (2). [26]A primeira regra diz respeito à aceitação no discurso. Assim prescreve:
(2.1) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso.
Em seguida:
(2.2) (a) Todos podem problematizar qualquer asserção.
(b) Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso.
(c) Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades.
(2.3) A nenhum falante se pode impedir seus direitos fixados em (2.1) e (2.2), mediante coerção interna ou externa ao discurso.
De uma forma geral, pode-se inferir que tais regras colimam, precipuamente, garantir a liberdade discursiva dos participantes. Quer dizer, busca-se um discurso livre de coerção, seja interna ou externa, no qual cada integrante possua, pelo simples fato de participar do processo, o direito de influir efetivamente na tomada de decisão. Logo:
"(...) A razão assim colocada se refere à capacidade que tem o discurso de ‘unificar sem coerção e instituir um consenso no qual os participantes superam suas concepções inicialmente subjetivas e parciais em favor de um acordo racionalmente motivado’. A liberdade e sinceridade discursivas voltadas para um consenso racional". [27]
As três regras, na concepção de Habermas, apontam para "as exigências de igualdade de direitos, a universalidade e não-coerção." [28]
Além das Regras da Razão, torna-se substancial o entendimento acerca das chamadas Regras de Fundamentação (5). Estas regras, no entendimento de Alexy, delimitam o conteúdo das proposições e regras" que por ventura se almeje fundamentar.Para o propósito deste trabalho, com vistas a sua natureza e extensão, extrai-se para análise apenas a seguinte regra:
(5.3) Devem ser respeitados os limites de realizabilidade faticamente dados.
Neste ponto, objetivou-se atentar para as restrições inerentes à realidade empírica, em cuja dimensão toda decisão moral ou de cunho normativo precisa se enquadrar para que possa se tornar exeqüível; verdadeiramente viável. Quaisquer regras, inclusive as atinentes ao discurso racional prático, visam em última instância ao agir humano e suas limitações naturais. Exige-se que "seja inteiramente possível a realizabilidade de uma norma, como também que esteja no campo do faticamente possível". [29]
A partir da possibilidade do uso das regras do discurso prático racional geral pelo discurso jurídico, notadamente na forma de fundamentar as decisões judiciais, Alexy delineia as bases para formular a tese do caso especial. Neste sentido, enfatiza a referência das discussões jurídicas a questões práticas e a pretensão de correção (pretensão de justiça formal) nestes debates como exemplos de semelhança com o discurso racional geral
Mas este esboço teórico não é suficiente para classificar o discurso jurídico como uma decorrência do discurso moral. Portanto, há ainda outros elementos da teoria a serem explorados. Daí Robert Alexy dispor que o discurso jurídico também e, principalmente, é especial por sofrer limitações como: sujeição à lei, aos precedentes judiciais e à dogmática. Dessa forma:
(...) a pretensão de correção também se formula no discurso jurídico. Mas essa pretensão, diferentemente do ocorre no discurso prático racional geral, não se refere à racionalidade de quaisquer proposições normativas, mas somente àquelas passíveis de existência dentro do ordenamento jurídico vigente, limitadas, portanto, pela lei, precedentes e dogmática jurídica. Essa restrição do âmbito das premissas é o que tipifica o discurso jurídico como caso especial do discurso prático racional geral. [30]
Pode-se dizer então que:
"no discurso jurídico (...) busca-se sustentar que uma determinada proposição pode ser fundamentada racionalmente na moldura do ordenamento jurídico vigente. (...) Assim, por um lado, o procedimento do discurso jurídico se define pelas regras e formas do discurso prático geral e, por outro lado, pelas regras e formas específicas do discurso jurídico". [31]
Diante destas considerações, apresentam-se atinentes as observações postas por Alexy sobre a semelhança estrutural que há entre o discurso jurídico e o discurso racional geral. Logo entender este à luz daquele pode ofertar eficazes instrumentos na busca por uma racionalidade capaz de inserir elementos sociais inerentes à realidade vivida, como por exemplo valores ínsitos em todo e qualquer grupo humano.
Apresentada esta primeira etapa, cujo cerne teórico é a idéia da tese do caso especial, abre-se espaço para uma discussão subseqüente relativa à utilização dos princípios no discurso jurídico. Dito de outra forma, como estes podem ser aplicados na estrutura de uma justificação normativa. Por ora, ressalte-se que a reflexão que se segue gravitará, precipuamente, em torno do princípio da proporcionalidade.
2.3. Justificação [32] (externa) do discurso: A técnica da ponderação dos princípios como proposta argumentativa.
Em considerações iniciais deste trabalho foram feitas observações atinentes à lógica jurídica, assim como à idéia de racionalidade e sua importância para a ciência do direito. Observou-se, em seguida, que o direito imprescinde do aspecto dedutivista – subsuntivo enquanto técnica fundamental para operacionalizar seus objetivos práticos de resolução de conflitos.
Na teoria da argumentação jurídica proposta por Robert Alexy, esta maneira de raciocinar e aplicar o direito está representada na idéia de justificação interna das decisões judiciais. Corresponde, em outras palavras, ao silogismo jurídico, que emprega os métodos da lógica moderna. No dizer de Fábio Ulhoa Coelho:
"A estrutura padrão do raciocínio dedutivo jurídico teria a seguinte configuração: a) na premissa maior, o enunciado de dever-ser contido na norma jurídica (a lei); b) na menor, o enunciado de realidade sobre um fato pertinente à norma jurídica (o caso concreto); c) na conclusão, a aplicação da norma jurídica ao foto (decisão).
Numa primeira tentativa de se exemplificar o silogismo jurídico, poder-se-ia considerar o seguinte:
1) O empregado despedido sem justa causa deve ser remunerado pelas férias não gozadas;
2)Ora, João é empregado despedido sem justa causa;
3)Logo, João deve ser remunerado pelas férias não gozadas. " [33]
Esta demonstração lógica está relacionada às seguintes regras de justificação interna:
(J. 2.1) – Para a fundamentação de uma decisão jurídica deve-se apresentar pelo menos uma norma universal;
(J. 2.2) – A decisão jurídica deve seguir-se logicamente ao menos de uma norma universal, junto a outras proposições.
Não se pode negar a singular relevância do princípio da subsunção nas ciências jurídicas. Este instrumento permite viabilizar a solução da maior parte dos problemas práticos para os quais o direito busca apresentar respostas. Contudo, seria uma atitude insipiente afirmar que referido recurso atende satisfatoriamente todas as demandas sociais, no que pertine aos conflitos de maior complexidade interpretativa. Estes se dão, em matéria constitucional, nas colisões de direitos fundamentais.
Ao se afirmar a existência destes choques nesta modalidade de direitos, na verdade, está por se falar em conflitos decorrentes do exercício de direitos individuais por diferentes titulares. No entanto, nada impossibilita que o choque possa ocorrer entre um direito individual e um bem jurídico comum, de também natureza fundamental.
Esclarecendo-se essa linha de pensamento, plausível é coligir algo da reflexão do professor Marcelo Queiroz Linhares:
"É característica dos Estados efetivamente democráticos a tutela dos interesses relativos aos diversos segmentos que o compõem. Por isso, os ordenamentos jurídicos inerentes às sociedades pluralistas não se resumem ao reconhecimento apenas dos valores defendidos por um determinado grupo de interesses: ao revés, refletem a complexidade das mais diversas aspirações de todo o corpo social.
Disto já se infere que tais interesses juridicamente protegidos, principalmente no plano constitucional, podem entrar em conflitos. Neste passo não é preciso esforço para antever as múltiplas possibilidades de desencontros, por exemplo, fundadas na livre iniciativa de um lado, e nos direitos sociais, ou intervencionismo estatal, de outro.
(...) O fenômeno se manifesta com maior clareza no plano constitucional. De fato e como menciona ROBERT ALEXY, a maioria das constituições modernas contém um catálogo de direitos fundamentais que representam os mais variados interesses vigentes nas sociedades. Ocorre que, em função disto, estes direitos fundamentais encontram-se em oposição diante de determinadas situações. [34]"
Confrontos normativos desta ordem, envolvendo geralmente princípios constitucionais e sua aplicabilidade são classificados por Ronald Dworkin de hard cases [35] (casos difíceis). Para solucioná-los, diferentes autores postulam regras ou modos a partir dos quais se chegaria a uma decisão justa, ou numa definição mais apropriada para o referencial teórico deste trabalho, correta. [36]
Imprescindível postular que para tais casos formula-se a idéia de justificação externa da fundamentação jurídica nas sentenças normativas. Este tipo de justificação não é necessário na maioria dos casos em que existe uma norma jurídica explícita no ordenamento; reconhecendo-se para a adequada solução dos mesmos uma operação de subsunção do fato à regra. A modalidade de justificação que ora se apresenta versa sobre a fundamentação das premissas que são utilizadas na própria justificação interna. Há necessidade de se fundamentá-las a partir do momento em que para decidir um caso – particularmente que envolva direitos fundamentais, o julgador não encontra apenas uma norma para solucioná-lo. Devido à necessidade, inclusive no nosso ordenamento pátrio, de motivação das decisões judiciais, as razões que as motivam devem tocar a escolha por um princípio-norma em detrimento de outro que, em determinados momentos, são afastados na análise de um caso específico.
Cabe ressaltar que, no que se refere à justificação externa, regra preliminar a se aplicar é:
(J. 8) A determinação do peso de argumentos de formas diferentes deve ocorrer segundo regras de ponderação [37].
Este é o fulcro da teoria da argumentação jurídica abordada neste trabalho. O aspecto da justificação externa e sua principal decorrência hermenêutica: a ponderação dos princípios fundamentais na estrutura de uma fundamentação judicial relativa a um caso prático.
Em um caso complexo, geralmente envolto por princípios constitucionais circunstancialmente díspares, torna-se problemático o estabelecimento da premissa normativa da qual se deva partir a fundamentação judicial. Portanto, surge a necessidade de argumentos adicionais para justificar a utilização da premissa escolhida. Este processo não se opera através de um simples raciocínio dedutivo em que se vislumbraria uma necessidade lógica na sucessão de premissas até se chegar à conclusão. Isto é comum na justificação interna, conforme demonstrado em linhas iniciais deste tópico.
Feitos estes esclarecimentos, passa-se a analisar Dworkin e sua proposta para equacionar as decisões que envolvem hard cases.
Inicialmente, importa expor que Dworkin considera o direito como "um sistema de regras e princípios, justificando, assim, que o ordenamento seria completo, no sentido de que não sobraria espaço para qualquer julgamento arbitrário por parte do juiz diante da amplitude semântica dos princípios jurídicos." [38]O mesmo autor ainda se posiciona na direção de que só existe uma única resposta correta para os chamado hard cases. É a teoria do
juiz Hércules, que trabalha com a figura de um juiz perfeito, dotado de atributos sobre-humanos, que teria a capacidade de encarar um hard case e encontrar a solução adequada, diante dos princípios presentes no sistema jurídico [39].
Contudo, o próprio Dworkin reconhece que não se tem encontrado um procedimento que mostre necessariamente qual a única resposta correta.
De singular relevância, a idéia de direito fundamental não pode dissociar-se dos conceitos de princípios. Estes, quando encarados como pertinentes ao ordenamento jurídico e com caráter normativo, permitem uma admissão da retomada dos valores enquanto elementos significativos para a análise dos direitos a serem aplicados. Mas não basta apenas menção àqueles para que se alcance um resultado justo na sentença normativa. Devem os princípios submeter-se a regras de justificação para que seu cumprimento possa assentar-se em grau razoável de racionalidade.
Aqui facilmente se percebe a suma importância que uma teoria dos princípios assume para a elaboração de uma argumentação que tenha na justificação externa das decisões judiciais o seu elemento basilar. Desta forma, por ora, tornam-se pertinentes mais algumas considerações a este respeito. Começa-se então pela imprescindível distinção entre regras e princípios tal qual apresentada por Robert Alexy.
Em sua Teoria de los Derechos Fundamentales, assevera:
"Para a teoria dos direitos fundamentais (...) a distinção entre regras e princípios constitui a base da fundamentação jusfundamental e é uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela, não pode existir uma teoria adequada dos limites nem uma teoria satisfatória da colisão e tampouco uma teoria suficiente acerca do papel que representam os direitos fundamentais em um sistema jurídico." [40]
Ainda em análise específica acerca da distinção, tem-se que os princípios, enquanto tipo de norma, são "mandados de otimização" já que determinam que algo seja realizado na maior medida possível, pois:
(...) estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também, das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos. [41]
Já as regras, embora assim como os princípios, ditam o que deve ser, só podem ser cumpridas ou não, quer dizer, se uma regra é valida em determinado ordenamento, deve a mesma ser cumprida exatamente como se prescreve; nem mais nem menos. Daí o entendimento de que as regras possuem determinações definitivas, apesar de que, da mesma maneira que os princípios, devem operar no âmbito do fático e juridicamente possível.
De início, não há maiores entraves quanto à classificação ora apresentada. Contudo, algumas preocupações surgem quando se busca resolver problemas relacionados à colisão entre princípios.
Para superar obstáculos deste tipo é que são formuladas as Regras de Ponderação dos princípios; objeto das considerações a seguir.
Preliminarmente, cabe asseverar que o critério da ponderação de interesses ou valores insculpidos em princípios constitucionais aponta para não-raras dificuldades metodológicas de aplicação, o que possibilita críticas atinentes à garantia de segurança jurídica ofertada por esta técnica. Devido ao suporte eminentemente valorativo com o qual é comum se lidar nos conflitos inerentes aos direitos fundamentais, não há que se estranhar possíveis objeções à viabilidade da técnica do balanceamento defendida por Alexy.
E elas se dão, grosso modo, por conta da natureza elástica e aberta dos princípios, cuja incidência fática não se apresenta previamente delimitada. Porém, não se pode a partir de tais constatações negar a exeqüibilidade da ponderação dos princípios enquanto proposta viável de racionalidade para a solução dos casos difíceis.
É fato a inserção de valores como dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão em constituições modernas, de caráter democrático. Esse quadro jurídico reflete um inegável aspecto axiológico, fator indispensável a quaisquer reflexões jurídicas que busque analisar o direito como real correspondência de uma determinada realidade social.
Portanto, uma postura metodológica do direito que reconheça os princípios enquanto elementos relevantes para a ciência jurídica torna-se essencial, já que os mesmos assumem um papel fulcral para uma compreensão dos ordenamentos jurídicos hodiernos.
Mas a percepção desta necessidade metodológica deve vir acompanhada de instrumentos capazes de operacionalizar a concreção dos direitos albergados pelos outrora chamados mandados de otimização. E para concretizar o que prescreve os princípios jusfundamentais são apresentadas regras específicas da técnica da ponderação. Advirta-se, porém, que referidas regras têm como ponto de partida o caso específico a que se destinam. Quer dizer, elas não postulam uma prévia delimitação hierárquica dos princípios quanto ao seu grau de importância. A proporcionalidade serve como parâmetro no grau de aplicação de um princípio em detrimento de outro que num determinado caso concreto pode ser preterido. Pode-se dizer, portanto, que apenas em um caso específico é que os princípios permitiriam revelar ao aplicador seu verdadeiro peso em face dos demais. Como se perceberá em linhas abaixo, afirmar-se-á que a proporcionalidade é princípio procedimental básico do qual decorrem as regras da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. [42]
Os três aspectos acima mencionados, em verdade, corolários do núcleo central proporcionalidade, estabelecem formas particularizadas para um possível sopesamento, ou balanceamento (abwägung, balancing) dos princípios fundamentais porventura existentes em uma análise concreta de certa demanda judicial.
Ante a análise da primeira regra (adequação), faz-se necessário suscitar o seguinte ponto: Alexy entende que a partir dos casos concretos os princípios detêm um peso distinto e que prevalece aquele de maior peso, assim considerado na hipótese proposta ao julgador. Em outras palavras, explica:
A solução da colisão consiste (...) em que, tomando em conta as circunstâncias do caso, se estabelece entre os princípios uma relação de precedência condicionada. A determinação da relação de precedência condicionada consiste em que, tomando-se o caso, indicam-se as condições sob as quais um princípio precede a outro. [no entanto] Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada inversamente. [43]
Quer-se dizer com isso que não existe uma hierarquia pré-estabelecida pela Constituição ou pelos Tribunais Superiores impondo a prevalência de um princípio sobre outro, numa espécie de catálogo de valores a partir dos quais se presumiria qual seria prioridade em caso de conflito de aplicação. Não, a ponderação dos princípios é um exercício remetido ao "aplicador – intérprete", cuja análise fática do caso e dos princípios nele enxergados é que pode ofertar uma solução mais condizente com um quadro social traçado pelos próprios personagens de um litígio judicial. Assim, conforme o fragmento acima coligido, o caso em si é que oferece as nuances principiológico-valorativas sobre as quais há que se decidir. Porém, tais matizes interpretativos construídos pelo aplicador são frutos de sua situação sócio-cultural, da qual o mesmo não pode se afastar, sob a pretensão de neutralidade e imparcialidade científica.
Posta tal digressão teórica de natureza preliminar, passa-se ao estudo da primeira regra da ponderação: a adequação (Geeignetheit).
Sob este ângulo, busca-se uma adequação entre meio escolhido e o fim almejado com uma decisão sobre um hard case, ou seja, a restrição que se deve – ou mais precisamente se busca - fazer a um determinado direito fundamental em colisão deve ser hábil, capaz para atingir a realização do outro direito conflitante. Assim, o limite que se deve impor ao exercício de um direito deve possibilitar a efetivação do outro em conflito. Para Gilmar Mendes, o subprincípio da adequação "exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos". [44]
Portanto, o que se procura é afastar a aplicação de medidas restritivas que não detenham a condição de viabilizar a concreção de um direito contraposto.
Como exemplo prático, dispõe-se:
(...) se M1(meio de número 1) [um determinado tipo de sentença, por exemplo]não é adequado para a promoção ou obtenção do fim F exigido pelo P1(princípio de número 1) (...), então M1 não é exigido por P1, quer dizer, (...) se a partir destas circunstâncias, M1 afeta a realização [de outro princípio] de P2 (princípio de número 2) então, pelo que se refere ao aspecto da otimização com relação às possibilidades fáticas, M1 está proibido pelo P2. Isto vale para todos os princípios e meios. [45]
Já em relação à necessidade (também chamada de exigibilidade – postulado do meio mais benigno) enquanto uma das regras comportadas pelo princípio da ponderação pode-se afirmar que propugna a idéia de que o detentor de direitos em um caso complexo deve sofrer a menor desvantagem possível. Remetendo-se a Paulo Bonavides:
(...) dentre o universo das medidas igualmente hábeis à realização de determinado interesse, deve-se eleger aquela que menor lesão trouxer aos demais interesses que lhe são contrapostos. Por isso o subprincípio da necessidade também pode ser chamado de princípio da escolha do meio mais suave. [46]
Por este ângulo, não seria descabido inferir que se pretende assegurar os direitos fundamentais diante de intervenções restritivas de direitos necessárias à realização de outros interesses – valores também albergados na Carta Magna.
Também acrescenta o professor Marcel Queiroz Linhares:
De um ângulo material o meio deve ser o mais "poupado" possível quanto à limitação de direitos fundamentais que enseja. Já sob um ângulo espacial, o âmbito da medida deverá adotar apenas a extensão estritamente indispensável. A exigibilidade pessoal que significa que a medida deve limitar-se apenas à pessoa ou às pessoas cujos interesses devem ser sacrificados. Por fim, a exigibilidade temporal delimita no tempo a duração da medida restritiva. [47]
Para uma demonstração de como referida regra se aplica, o capítulo seguinte explana exemplificando um caso prático. Por ora, apenas se perfila a idéia básica deste raciocínio.
Quanto à terceira regra, tida como Proporcionalidade em sentido estrito, deve-se alertar que a sua necessidade ocorre em virtude de as duas regras anteriores não satisfazerem plenamente a aplicação do balanceamento dos interesses em conflito. Afirme-se ainda que a adequação e a necessidade dizem respeito às possibilidades fáticas de realização de uma determinada medida judicial a ser aplicada. Já a terceira regra, que se pretende neste momento analisar, versa sobre a possibilidade jurídica da intervenção.
A Proporcionalidade em sentido estrito indica que deve haver uma análise da relação custo-benefício da medida avaliada. Quer dizer, a medida restritiva deve propiciar benefícios superiores ao direito tutelado do que os ônus impostos ao direito restringido.
Dissertando sobre o assunto, afirma Gilmar Ferreira Mendes: "juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador." [48]Na verdade, espera-se que o resultado alcançado (direito assegurado) a partir de uma medida restritiva seja proporcional à intensidade da limitação promovida ao direito circunstancialmente conflitante.
Reforçando esta idéia, discorre J.J. Gomes Canotilho:
"(...) meios e fim são colocados em juízo mediante um juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens do meio em relação às vantagens do fim. [49]
Portanto, cabe ao interprete um exercício de ponderação no caso concreto a se julgar, pois, de um lado figura um interesse que se realiza através de uma medida restritiva; já do outro, considera-se – ou deve ser considerado – um interesse distinto do primeiro, que será sacrificado pela aludida medida.
Mas este raciocínio, segundo Robert Alexy, pode ser subsidiado pela chamada Lei de Colisão, a qual prima pela supremacia das condições dadas pelo caso concreto para se definir qual princípio precede na decisão in loco.
Assim é que referida lei determina:
(LC)= Se o princípio P1 sob as circunstâncias C precede ao princípio P2: (P1 P P2) C, e se P1 sob as circunstâncias C resulta a conseqüência R, então vale a regra que contém C como suposto do fato R como conseqüência jurídica: C → R. [50]
Em outras palavras, o princípio de número 1, em determinado caso concreto, tem peso maior que o princípio de número 2, quando houver razões a partir das quais aquele preceda este, sob condições "C" verificadas no caso em análise pelo intérprete-aplicador.
A exeqüibilidade do conjunto de regras apresentadas acima pode ser verificada a partir da análise de um caso real cuja decisão requeira a ponderação dos valores que o permeiam tornando-o, por este motivo, um hard case.
Demonstrar esta efetividade a partir do estudo de uma decisão jurisprudencial é o desiderato do capítulo que ora se aproxima e ao qual se remete para apreciação.