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Licença-maternidade versus a transitoriedade dos cargos comissionados

23/03/2011 às 16:16
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É possível a exoneração de cargo comissionado quando sua ocupante é servidora gestante ou em licença-maternidade?

A possibilidade legal da exoneração de cargo comissionado quando sua ocupante é servidora gestante ou em licença-maternidade configura tema objeto de opiniões divergentes e, de forma corrente, decidido em sede judicial.

Sabe-se que a Constituição Federal, a par do cargo de natureza efetiva, criou a figura do cargo em comissão. Tais cargos são, por definição constitucional, nos termos do art. 37, II, da CF, demissíveis ad nutum. Tendo em conta a transitoriedade de que se revestem, a nomeação e exoneração do ocupante do cargo em comissão se dá por exclusivo critério de discricionariedade administrativa, a juízo, portanto, da autoridade competente para tal.

É fato notório que em épocas de transição política, em que se dá a assunção de novos dirigentes de órgãos públicos, é corrente a prática de exonerar grande parte dos cargos de confiança, modificando a equipe para adequá-la aos interesse da nova administração.

Por considerar o caráter transitório dos cargos em comissão, observa-se com relativa frequência que as autoridades competentes têm levado a efeito exoneração de tais cargos ainda que se afigure a circunstância de que sua ocupante se encontre em estado gravídico ou em licença-maternidade. A seu turno, também não é incomum que tais servidoras recorram à Justiça, a fim de serem reintegradas nos respectivos cargos ou para reclamar indenizações.

Então, resta perquirir o alcance do poder discricionário do administrador público no caso em tela, frente às garantias constitucionais conferidas à família, à maternidade e à criança.

Nessa linha, a Constituição da República Federativa do Brasil instituiu a licença maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, nos termos dispostos no art. 7º, inciso XVIII. A seu turno, tal direito foi estendido aos servidores públicos pelo art. 39, § 3º, da Constituição da República. Em complementação à proteção constitucional à maternidade, o art. 10, inc. II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias proibiu a dispensa imotivada da trabalhadora gestante desde a confirmaçãoda gravidez até 05 (cinco) meses após o parto.

Resta estreme de dúvidas que o direito à licença-maternidade alcança as servidoras públicas. A indagação se dá no tocante à estabilidade provisória prevista pelo ADCT no art.10, II, b,quanto à ocupante de cargo em comissão, tendo em vista a própria natureza de instabilidade do cargo. Questiona-se se estaria tal situação também albergada pela estabilidade provisória gestacional. Faz-se necessário, dessa forma, analisar o alcance da discricionariedade administrativa, no tocante a cargos em comissão, em cotejo com a proteção constitucional à maternidade e à infância.

Assinale-se que o art. 6º da Carta Constitucional colocou expressamente como direito social a proteção à maternidade e à infância. Visto que os direitos sociais configuram direitos fundamentais, verifica-se um dever de prestação do Estado, no sentido da efetivação desses direitos. Nessa linha, o art. 7º da Constituição aclara como a proteção à maternidade será efetivada, nos termos a seguir:

"Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;"

Nesse contexto, temos que quando o parágrafo 3º do artigo 39 dispõe que "aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, (...), XVII, (...), podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir", não o faz somente em vista dos cargos efetivos, mas de todos os cargos públicos. Ou seja, quando a Constituição atribui direitos sociais a "servidores ocupantes de cargo público" , não faz distinção entre servidores com vínculo precário ou efetivo.

Quando o legislador constituintes quis estabelecer diferenciações entre servidores públicos e privados, fê-lo expressamente. Tanto é assim, que, na norma constitucional do art. 40, a Constituição prescreve que "Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações (...)", atribuindo de forma exclusiva aos ocupantes de cargos efetivos o regime previdenciário próprio.

De fato, interpretar a demissibilidade ad nutum dos cargos em comissão de forma absoluta, sem levar em conta as garantias sociais que o próprio Estado conferiu à maternidade e à infância confrontaria a ideia do Estado Democrático e Social de Direito, contrariando o objetivo fundamental previsto pelo art. 3º, IV, da Constituição, de "promover o bem de todos, sem preconceito de origem, ração, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.".

Ressalte-se que estudos científicos têm concluído que o vínculo construído entre a mãe e o recém-nascido nos primeiros seis meses de vida tem reflexos em sua saúde ao longo de toda a vida. Por tal motivo, o Congresso Nacional aprovou a lei nº. 11.770.2008, destinada a prorrogar a licença-maternidade, que passou a ser de 120 (cento e vinte) dias para 180 (cento e oitenta) dias, visando à formação de cidadãos mais sadios, tanto física quanto psicologicamente.

Para a formação do vínculo entre a mãe e o recém-nascido o aleitamento materno desempenha papel crucial. Nessa linha,a Organização Mundial de Saúde e a UNICEF ressalvam a importância da amamentação prolongada na "Declaração de Innocenti" de 1 de Agosto de 1990, segundo a qual: "Para otimizar a saúde e a nutrição materno-infantil, todas as mulheres devem estar capazes de praticar o aleitamento materno exclusivo e todas as crianças devem ser alimentadas exclusivamente com leite materno, desde o nascimento até aos primeiros 4 a 6 meses de vida. Até aos dois anos de idade, ou mais, mesmo depois de começarem a ser alimentadas adequadamente, as crianças devem continuar a amamentação."

Assinale-se, ainda, que o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Complementar expressam orientação no sentido de que o bebê deve ser amamentado exclusivamente no peito até os 06 meses, mantendo-se amamentação até os dois anos de idade ou mais, visto que tal prática de forma comprovada reduz a mortalidade infantil, por que diminui as ocorrências de doenças infecciosas. 

Nessa linha de proteção à maternidade e à infância, percebe-se, que o fim colimado pelo Constituinte foi vedar ao empregador público e privado a valoração da qualidade do trabalho da mulher com base apenas no período em que se encontra grávida ou em licença-maternidade, a não ser que exista justa causa para a cessação do vínculo laboral.

Por essas razões, o poder discricionário que a norma Constitucional deferiu ao administrador para findar o vínculo laboral relativo aos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum encontra óbice na exceção que a própria Constituição Federal instituiu, qual seja, encontrar-se a servidora em estado gravídico ou em gozo da licença-maternidade.

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado no sentido de que a exoneração de servidora pública ocupante de cargo em comissão, quando no gozo de licença-gestante, constitui ato arbitrário, porque contrário à norma constitucional. Tal entendimento pode ser visualizado em inúmeros julgados, dos quais se exemplifica: RMS 24.263, rel. min. Carlos Velloso, DJ de 09.05.2003; RE 509.775, rel. min. Carmem Lúcia, DJ e de 20.05.2010; AI 720.385, rel. min. Ellen Gracie, DJ e de 12.02.2010; RE 580.566, rel. min. Ayres Britto, DJ e de 03.03.2010; RE 520.077, rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 23.02.2007; RE 590.893, rel. min. Eros Grau, DJ e de 03.09.2008 e RE 597.807, rel. min. Celso de Mello, DJ e de 17.04.2009.

Dessa forma, vê-se que a Jurisprudência da Corte Constitucional tem interpretado o direito à licença-maternidade como realizador do princípio da dignidade humana da gestante. Tal benefício impõe ao empregador, público ou privado, a manutenção do vínculo laboral da mulher, desde o início da gestação até 05 meses após o parto, bem como oferece maior proteção ao recém nascido, com a presença materna nos meses mais importantes para a criança.

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A jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça segue a mesma linha de entendimento:

RMS 22361 / RJ

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA

2006/0157480-2 Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento 08/11/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 07/02/2008

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA. DISPENSA DE FUNÇÃO COMISSIONADA NO GOZO DE LICENÇA-MATERNIDADE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PROTEÇÃO À MATERNIDADE. OFENSA. RECURSO PROVIDO.

1. A estabilidade provisória, também denominada período de garantiade emprego, prevista no art. 10, inc. II, letra "b", do ADCT, visaassegurar à trabalhadora a permanência no seu emprego durante olapso de tempo correspondente ao início da gestação até os primeirosmeses de vida da criança, com o objetivo de impedir o exercício dodireito do empregador de rescindir unilateralmente e de formaimotivada o vínculo laboral.

2. O Supremo Tribunal Federal tem aplicado a garantia constitucionalà estabilidade provisória da gestante não apenas às celetistas, mastambém às militares e servidoras públicas civis.

3. Na hipótese, muito embora não se afaste o caráter precário doexercício de função comissionada, não há dúvida de que a orarecorrente, servidora pública estadual, foi dispensada porque seencontrava no gozo de licença maternidade. Nesse cenário, tem-se quea dispensa deu-se com ofensa ao princípio de proteção à maternidade.Inteligência dos arts. 6º e 7º, inc. XVIII, da Constituição Federale 10, inc. II, letra "b", do ADCT.

4. Recurso ordinário provido.

Vê-se que, embora de forma minoritária, infelizmente alguns julgados, principalmente monocráticos, têm dado prevalência à discricionariedade administrativa em detrimento da proteção à maternidade e à infância, causando muitas vezes um imenso transtorno à grávida ou à mãe, que não raro tem que esperar um longo tempo até que seja reformada a sentença de primeiro grau. A faceta mais lamentável dessa situação é que, na maioria dos casos, a autoridade competente tem ciência da ilegalidade da exoneração, mas opta por leva-la a efeito assim mesmo, visto que, em última análise, serão os cofres públicos que arcarão com as consequências financeiras de tal decisão.

Assinale-se que tal estabilidade, a ser interpretada como concretização da proteção à família e à maternidade merece ser interpretada da forma mais ampla possível. Assim, a estabilidade provisória alcança, além da servidora ocupante exclusivamente do cargo em comissão, a servidora efetiva que esteja no exercício de função de confiança; às trabalhadoras contratadas em regime temporário; inclui, ainda, a servidora militar.

Outro aspecto relevante é que tais normas, ao assegurar ampla proteção à maternidade e à criança, visam resguardar, além do sustento da mãe e da criança, a tranquilidade psicológica propiciada pela estabilidade em seus vencimentos. Isso significa dizer que o espírito da norma veda diminuições salariais durante o período de proteção, o que obsta, por exemplo, a que o empregador ou chefe remaneje a servidora gestante para um cargo de remuneração menor. Tanto é assim, que a Constituição confere o direito à licença-maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário.

A seu turno, a garantia de 05 (cinco) meses de estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT da CF.88 foi ampliada para 180 (cento e oitenta) dias após o parto, nos termos da mencionada Lei 11.770 de 2008, que estimulou a prorrogação do prazo constitucional da licença-maternidade (120 dias) por mais 60 (sessenta dias), prevendo a extensão de tal benefício às servidoras da Administração Pública (art. 2º.). Posteriormente, tal direito foi regulamentado pelo Decreto 6.690, de 11 de dezembro de 2008, que estendeu o benefício a toda Administração Pública Direta.

Em conclusão, à servidora pública gestante ou em gozo da licença-maternidade, a Constituição Federal garante a estabilidade provisória, durante todo o período da gravidez e da licença, exceto quando existente justa causa para dispensa. Ressalte-se que tal garantia alcança inclusive as funções comissionadas, normalmente de natureza precária. Tal hipótese configura uma exceção à regra da demissibilidade ad nutum dos cargos em comissão.

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Sobre a autora
Marilene Carneiro Matos

Advogada da Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, Pós-Graduada em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público - IDP e em Direito Processual Civil pelo COC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Marilene Carneiro. Licença-maternidade versus a transitoriedade dos cargos comissionados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2821, 23 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18732. Acesso em: 22 dez. 2024.

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