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O papel da mediação e da psicanálise para o Direito de Família

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4 – PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM A MEDIAÇÃO

Segundo Lília Maia de Morais Sales (SALES, 2007, p. 32 e 33), a mediação baseia-se em princípios que variam de país para país. Contudo, há consenso sobre alguns, são eles:

O Princípio da liberdade das partes consiste em dizer que as partes envolvidas no litígio devem ser livres para resolvê-lo através da mediação; não podem ser ameaçadas ou coagidas; devem ter consciência do significado deste meio de pacificação e de que não são obrigadas a aceitar qualquer acordo que não julgue eficaz;

De acordo com o Princípio da não-competitividade, na mediação todos os envolvidos devem ganhar, isto é, através do diálogo e das discussões, deve-se alcançar uma solução que seja mutuamente satisfatória. Não se incentiva a competição, mas a cooperação. Diferente do que ocorre no Poder Judiciário, onde o conflito é uma disputa em que uma parte ganha, enquanto a outra perde;

O Princípio do poder de decisão das partes indica que no procedimento da mediação o poder de decisão cabe às partes. O mediador apenas facilitará a comunicação, não podendo decidir qual seria a melhor resolução para o litígio;

Já o Princípio da participação de terceiro imparcial, nos informa que as partes envolvidas no processo devem ser tratadas com igualdade pelo mediador, este deve desenvolver suas atribuições sem beneficiar qualquer um dos litigantes;

A partir do Princípio da competência, o mediador deve estar apto para desempenhar suas tarefas; possuindo, dentre outras características, a diligência, a prudência e o cuidado, assegurando que o processo e o resultado sejam de qualidade.

O Princípio da informalidade do processo demonstra que na mediação não há ritos rígidos que devem ser seguidos; o processo não apresenta apenas uma única forma de ser conduzido.

Por fim, pelo Princípio da confidencialidade no processo, o mediador está proibido de revelar a outrem o que está sendo discutido na mediação. Todas as etapas do procedimento são sigilosas; sendo que o mediador deve atuar como protetor do procedimento, assegurando a integridade e a lisura.

Além destes princípios, é necessário que a boa-fé esteja presente em todos os passos da mediação. Deve existir, ainda, igualdade no diálogo, evitando que uma parte manipule a outra.


5 - A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

A união de um casal implica na partilha sonhos, sentimentos e ambições.

O instituto da família, seja qual for sua forma de constituição, estrutura a formação e o desenvolvimento do indivíduo e viabiliza a realização de sua felicidade. Groeninga afirma que "a família é um sistema de relações que se traduz em conceitos e preconceitos, idéias e ideais, sonhos e realizações. Uma instituição que mexe com nossos mais caros sentimentos" (Groeninga 2004, p.258).

Atualmente, vive-se a fase da dessacralização do casamento, que dá enfoque à facilidade do rompimento do vínculo conjugal, nos direitos resguardados do concubinato, bem como no tratamento igualitário entre filhos legítimos e ilegítimos. Percebe-se que a evolução da estrutura familiar caminha para relações baseadas, cada vez mais, no sentimento e na afeição mútua.

Contudo, a psicologia nos esclarece que o temor do divórcio é uma constante na vida do ser humano, desde o seu nascimento, quando se vê separado do conforto materno, pelo corte do cordão umbilical. O início da fase adulta que simbolicamente representa a separação com os pais, a perda de amigos e parentes pela morte ou distanciamento natural de pessoas amadas. Enfim, seja qual for à circunstância, o desconforto da separação será identificado, de maneira mais ou menos intensa, por esta ou aquela pessoa. Para Rodrigo da Cunha Pereira:

Talvez uma das mais difíceis formas de separação seja a da conjugalidade. Separação de casais significa muito mais do que isso. Significa desmontar uma estrutura e perder muita coisa. Perder estabilidade, padrão de vida, status de casado etc. A dor maior nessas separações é a de nos confrontarmos com a nossa solidão e contatar que não temos mais aquele outro que pensávamos nos completar, a quem onipotentemente insistimos em completar. Embora saibamos, pela razão, que somos seres de falta e que o outro pode ser apenas o tamponamento de nossa solidão, insistimos sempre na completude do ser. Pura ilusão! (PEREIRA, 2000, p. 68)

Certo é que esse mundo de furiosa individualização, os desejos conflitantes trazem para o relacionamento um sentimento de insegurança. É a oscilação entre o sonho e o pesadelo, não sendo possível determinar quando um se transforma no outro. Surgem, portanto, as crises conjugais.

A crise que redunda no divórcio normalmente é verificada ao longo da convivência familiar. Nesse sentido:

As crises são condições mesmo de sua existência, e a passagem de seus ciclos vitais acompanha a mudança etária de seus membros. Como o tempo da evolução, a família está sempre em constante mudança e, como o tempo das estações, seu clima afetivo sofre variações. Mudança e crise que se permitem existir dada sua natureza indissociável da de humanidade – de instituição estruturante e estruturada pelo humano. (GROENINGA, 2004, p. 252)

Na visão da psicanálise, o conflito é inerente ao ser humano e o divórcio é a conseqüência de uma série de conflitos conjugais.

O divórcio de um casal pode se transformar em um grande problema, ou pode ser simplesmente um período de mudanças em que cada membro da família, adulto ou criança, tem a oportunidade de recomeçar a vida. Não se discute que é uma empreitada de risco, uma travessia, que precisa ser bem acompanhada para não deixar seqüelas.

Quando um casal decide divorciar-se, surge uma fase de turbulência durante o período de negociação em que os pares resolvem como será a nova vida de cada um. Mesmo que o casal tenha decidido romper o vínculo de comum acordo, esta fase significa muito mais que uma simples ruptura. É a fase em que as vidas de ambos saem do equilíbrio e que tudo se mostra fora de lugar.

A ruptura da sociedade conjugal é uma crise que pode ser superada ou, ao contrário, pode ser mantida causando sofrimentos a ambos os parceiros. Em geral, o divórcio é o resultado de uma seqüência de pequenas crises de desequilíbrio entre o casal. Como um vulcão, que dá vários sinais e por fim erupciona, desorganizando todo ambiente a sua volta.

O divórcio constitui um momento especial de crise na vida das pessoas envolvidas. Ana Souza caracteriza esta situação:

uma reação de luto (sentimentos de depressão, tristeza intensa, dúvidas, instabilidade de humor, entre outros) pelo fim da relação, por pior que esta estivesse. É freqüente, que mesmo no período que antecede a separação, o indivíduo se sinta repleto de dúvidas, com alguma dificuldade em pesar os prós e contras da situação, por todo o descontentamento inerente, havendo, por exemplo, o medo e a incerteza perante o futuro sem o cônjuge, ou mesmo, por parte de quem toma a iniciativa de se separar, o desenvolvimento de um sentimento de culpa, principalmente quando da presença de filhos e/ou se o parceiro se demonstra bastante fragilizado com a perspectiva de separação.

Independentemente da duração da separação, só ao fim de um determinado período de tempo é que o ex-parceiro poderá, eventualmente, ser encarado de forma neutra, ou seja, poderá ocorrer uma dissipação dos sentimentos de raiva, descontentamento, por exemplo. No entanto, este processo poderá ser mais ou menos prolongado e doloroso, sendo que, o recurso a técnicos especializados não é tão pouco freqüente quanto se julga, pois é normal que, em dadas circunstâncias, uma pessoa conclua que, por si própria, não está a conseguir "sair" da situação, não porque seja melhor ou pior que outrem, apenas o factor emocional inerente poderá dificultar este processo. (SOUZA, 2007)

Insta informar que a dissolução da sociedade conjugal vem se tornando hábito cada vez mais freqüente nas sociedades ocidentais [01]. Seguindo esta tendência, o Ordenamento Jurídico vem facilitando cada vez mais os procedimentos formais a serem seguidos e, ainda, que haja em nossa sociedade resquícios de moralidade que impõe a manutenção da relação a qualquer custo, o que prevalece é a mudança de paradigma do que vem a ser a felicidade.

Tomando o conhecimento da psicóloga e psicanalista Groeninga

A partir da descoberta de Sigmund Freud, de um inconsciente que é estruturado com uma lógica que é própria, tivemos acesso a outro sujeito alem do sujeito de direito – o sujeito do desejo. Buscamos a integração diferenciada desses dois sujeitos, ou melhor, desses aspectos de um mesmo sujeito, e não mais a disjunção. (GROENINGA, 2004, p. 252)

Segundo Pereira (2000, p. 66), é justamente o desejo o sustento do laço conjugal, entretanto, este sentimento implica em uma necessidade constante de renovação. Em outras palavras, como diria Lacan "Desejo é o desejo do desejo". Fisiologicamente, desejo é sempre estar desejando outra coisa. Nesse sentido, difícil seria conceber um casamento ou qualquer outra relação de forma duradoura.

A interferência da ordem jurídica em conflitos dessa natureza se faz necessária, por questões de ordem, especialmente patrimoniais, mas deve se estabelecer de maneira delicada, vez que envolve dores, mágoas, frustrações, sofrimentos das pessoas que vivem tais situações.

Neste sentido, o divórcio pode ser considerado uma crise que traz muitas perdas aos envolvidos, mas não significa a destruição da família. Dessa crise, a família pode sair tanto desorganizada e sintomática, quanto evoluída e fortalecida. Isso porque crises também são oportunidades para o crescimento do ser humano. Caso seja bem administrada e devidamente cuidada, a crise pode reorganizar o vínculo do ex-casal com os filhos, ressegurando que o fim do casamento não significa necessariamente, para eles, a perda do pai ou da mãe.

A Mediação Familiar realiza-se em várias sessões, nas quais estarão presentes o casal e o mediador. Nas sessões iniciais redige-se um Termo de Consentimento de Mediação Familiar em que os intervenientes se comprometem a observar determinadas regras subjacentes ao processo.

A técnica já se mostrou adequada para solução de conflitos familiares, recheados de aspectos complexos, arraigados de emoções e sentimentos ocultos. Isso porque contribui para a criação e a manutenção das relações de colaboração entre os casais divorciados preservando os laços familiares, apesar da ruptura do vínculo conjugal.

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A mediação é muito importante no âmbito familiar porque se trata de um procedimento que objetiva aproximar as partes, através da ajuda de um terceiro - o mediador, busca reunir os litigantes, a fim de levantar as controvérsias existentes, facilitando a comunicação, com o intuito de demonstrar que o conflito, não é algo negativo, mas que é natural e extremamente positivo, uma vez que conduz as partes ao progresso, aprimorando as relações interpessoais e sociais.

O procedimento é adequado para a resolução de conflitos de relações continuadas, isto é, de relações que se mantêm mesmo existindo controvérsias. Geralmente, tais conflitos envolvem sentimentos, o que dificulta a comunicação.

Além disso, a facilitação da comunicação entre os ex-cônjuges possibilita a escuta e o entendimento mais apurado das reais necessidades e sentimentos de cada um, auxiliando-os a desfazer as mágoas, e a se respeitar mutuamente.

Segundo Lília Maia de Morais Sales, a mediação também tem a finalidade de Prevenção da má administração do conflito, pois incentiva:

[...] a avaliação das responsabilidades de cada um naquele momento (evitando atribuições de culpa); a conscientização de adequação das atitudes, dos direitos e dos deveres e da participação de cada indivíduo para a concretização desses direitos e para as mudanças desses comportamentos; a transformação da visão negativa para a visão positiva dos conflitos; e o incentivo ao diálogo, possibilitando a comunicação pacífica entre as partes, criando uma cultura do "encontro por meio da fala", facilitando a obtenção e o cumprimento de possíveis acordos (SALES, 2007, p. 36).

O processo de mediação aplicado aos casos de divórcio possui uma peculiaridade com relação aos outros processos judiciais, os quais também estão igualmente sujeitos à mediação. É justamente o aspecto psicológico das partes e seu desgaste mental, gerado pelo processo de dissolução da sociedade conjugal, que a torna capaz de trazer a tona os maiores erros cometidos por ambas as partes durante o período em que estes viveram juntos.

Dai cabe ao mediador auxiliar as partes na obtenção da solução consensual, fazendo com que elas enxerguem os obstáculos ao acordo e possam removê-los de forma consciente, como verdadeira manifestação de sua vontade e de sua intenção de compor o litígio.

Normalmente, ao fim de um procedimento exitoso de mediação, as partes compreendem que a manutenção do vínculo que as une é mais importante do que um problema circunstancial ou temporário. Por isso, a mediação é conhecida como um método de solução de controvérsias ideal para as relações duradouras, como é o caso de cônjuges, familiares, vizinhos e colegas de trabalho, dentre outros.

O que se procura é a real pacificação do conflito por meio de um mecanismo do diálogo (discurso racional) [02], compreensão e ampliação da cognição das partes sobre os fatos que as levaram àquela disputa.

A psicóloga Muller observa que a mediação como forma de autocompor as diferenças, restabelece o tecido social, já que as próprias pessoas conflitantes são auxiliadas, por meio da reabertura do diálogo, a encontrar soluções criativas em que todos se satisfaçam (MULLER, 2005).

No âmbito do direito de família, freqüentemente, há situações que ultrapassam os limites instituídos em lei, fazendo-se necessário a interligação do Direito com outras disciplinas. Por isso, deve-se ressaltar a figura do co-mediador, um profissional auxiliar, especializado na área do conhecimento subjacente ao litígio, que atuará em conjunto com o mediador, permitindo uma maior reflexão e ampliação da visão dos aspectos controversos do conflito.

Destacam-se as principais habilidades para a atuação do mediador familiar descritas por Breitman e Porto: a capacidade de articular o diálogo e de otimizar a interação, estabelecendo relações empáticas, fazendo com que uma pessoa se coloque no lugar da outra para compreender seus pontos de vista e atitudes, e entender suas reais necessidades e limites (BREITMAN, 2001).

"O mediador familiar deve possuir conhecimento de relações interpessoais, habilidade no manejo do conflito e negociação, assim como conhecimentos básicos no Direito de Família" (BREITMAN e PORTO 2001, p.49).

Importa citar algumas vantagens da Mediação Familiar: a diminuição dos custos financeiros e emocionais; a menor burocracia processual em comparação com os procedimentos tradicionais; o uso de espaço em ambiente privado e acolhedor com apoio de um técnico cuja função é ajudar os intervenientes a estabelecer uma matriz de comunicação facilitadora na resolução de conflitos, de crises e estabelecer acordos aceitáveis; por fim, preservar a dignidade e auto-estima da família em transformação, ajudando-a a estabelecer novos equilíbrios.

Contudo, apesar de todas as vantagens, existem situações as quais o processo não deve ser indicado nem utilizado: casos em que há grandes desníveis de poder entre as partes; quando entre os pais não existe uma relação de igualdade e respeito recíproco; na incidência de violência doméstica, maus tratos infantis ou toxicodependência; em caso de doenças do foro psicológico ou mental de um ou ambos mediando que impedem a comunicação e tomada de decisões. Essas situações que não são resolvidas por meio da mediação podem ser tratadas por procedimento judicial tradicional e ainda por outras formas alternativas à jurisdição. 

Enfim, um processo de mediação bem conduzido permite o restabelecimento da comunicação entre os ex-cônjuges, o que favorece a conscientização dos seus direitos e deveres, efetivando, dessa forma, duas garantias constitucionais: aos filhos, a convivência familiar de maneira saudável e, aos pais, a igualdade no exercício de suas responsabilidades.

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Sobre a autora
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Cláudia Mara Almeida Rabelo. O papel da mediação e da psicanálise para o Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2824, 26 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18747. Acesso em: 26 abr. 2024.

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