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Os contratos e a responsabilidade civil no Direito Marítimo.

Estudo sobre características e particularidades desta espécie contratual

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31/03/2011 às 07:13
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4 AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS, OS INCOTERMS E SUA UTILIZAÇÃO COMO INSTRUMENTOS DEFINIDORES DAS RESPONSABILIDADES DAS PARTES NOS CONTRATOS MARÍTIMOS

4.1 As cláusulas contratuais usadas nas cartas-partidas e nos conhecimentos de embarque

Tanto as cartas-partidas, quanto os conhecimentos de embarque começam com os nomes do fretador, do afretador e do navio, bem como suas qualificações completas, os quais são seguidos das seguintes cláusulas e expressões:

1. Mercadoria a ser transportada e quantidade. Se a quantidade for opcional, de quem a opção (nos contratos a casco nú este item refere-se a diversas mercadorias, ou às mercadorias legais, com ou sem exclusões).

2. Portos de carregamento e descarga e, se houver portos opcionais, quando devem ser mencionadas ordens para descargas (nos contratos a prazo e a casco nú este item consiste em certo número de portos entre limites geográficos definidos).

3. Se cabe ao fretador ou afretador a escolha dos agentes nos portos, e a responsabilidade pelo carregamento e descarga (nos contratos a prazo e casco nú isto sempre caberá ao afretador).

4. Tempo permitido para o carregamento e a descarga, e o termo inicial.

5. Estadias, sobrestadias, resgates de estadias.

6. Se o navio deve carregar atracado ao cais ou num ancoradouro, e se as despesas de carregamento e descarga por meio de alvarengas e batelões são por conta do fretador, afretador ou do consignatário.

7. Proporção e extensão das despesas que devem caber a cada uma das partes envolvidas, relativas ao carregamento e à descarga (nos fretamentos a prazo e a casco nú estas despesas cabem ao afretador).

8. Valor do frete e data, lugar e forma de pagamento (nos fretamentos a prazo e a casco nú, em geral, o pagamento é feito adiantado por mês, sendo o frete calculado por tonelada de peso morto total do navio nas marcas de verão).

9. Se o navio pode ou não se desviar de sua rota para abastecimento de combustível ou para receber outra carga (fretamento parcial) e em quais limites.

10. Cláusulas de arbitramento, para o caso de disputa entre as partes contratantes.

Cláusulas legais incorporáveis aos contratos de fretamento:

11. Cláusula de avaria grossa, de riscos de guerra e de limitação de responsabilidade (não responsabilidade do armador em caso de negligência do capitão e tripulantes, acidentes no embarque ou desembarque da carga, explosão de caldeiras, defeitos na máquina ou no casco, etc.). [190]

No que toca às cláusulas legais supra descritas, importa mencionar que dentre elas não poderão existir cláusulas de não indenizar, posto que estas são inoperantes no Brasil frente à Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal, e, havendo, por serem leoninas, deverão ser desconstituídas pelo juiz. Isto, porém, não costuma ocorrer com as cláusulas de limitação de responsabilidade, que são bem aceitas internacional e nacionalmente. [191]

A citada Súmula 161 do STF foi aprovada na Sessão Plenária de 13 de dezembro de 1963 e desde lá permanece vigendo, tendo por base o art. 1º do Decreto-Lei nº. 19.473/30, que regula os conhecimentos de transportes das mercadorias transportadas por terra, água ou ar e assim dispõe: "Reputa-se não escrita qualquer cláusula restritiva, ou modificativa dessa prova ou obrigação". Ou seja, a cláusula de não indenizar inserta nos contratos de qualquer modalidade de transporte, incluindo a marítima, é nula de pleno direito. E é justamente essa a posição da Suprema Corte brasileira, posto que deu à Sumula de que aqui se fala a seguinte redação: "Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar". Balizou, assim, o STF, o mandamento inserto no Decreto-Lei e pacificou a jurisprudência nacional neste sentido. [192]

Outrossim, nos contratos a prazo e a casco nú sempre deve ser definido se cabe ao fretador ou ao afretador a docagem do navio e a data em que será realizada, bem como deve-se definir a quem caberá o seguro do casco e das máquinas. [193]

Deve também constar da carta-partida ou do conhecimento marítimo o estado aparente das mercadorias, o qual será avaliado pelo conferente de carga e descarga, que é um trabalhador avulso contratado pelo armador. Verificando ele estar a carga em boas condições, declarará que esta foi recebida "em aparente boa ordem e condição", o que permitirá a expedição do conhecimento limpo (clean bill of lading). Todavia, se ele verificar a existência de avarias na carga no momento do embarque, declarará as condições reais da mesma no instrumento contratual que passará, portanto, a ser um conhecimento sujo (unclean ill of lading). Estas verificações e declarações servem para dar maior segurança aos importadores em relação às mercadorias que estão negociando, garantindo, pelo menos em princípio, a concretização de um bom negócio. [194]

As despesas de estivagem, rechego e manipulação da carga decorrentes do embarque ou da descarga devem ser suportadas por uma das partes contratantes e esta definição é caracterizada no contrato pelo uso de certas cláusulas especiais, conhecidas como termos de frete (berth terms). [195]

Para a formação dos termos de frete são usadas as iniciais das seguintes expressões inglesas:

F – free – livre de despesas para o armador.

I – in – no embarque.

O – out – no desembarque.

S – stowed – estivado.

T – trimmed – rechegado.

L – liner terms – termos de linha. [196] [Grifo do autor].

Tais despesas, portanto, poderão ficar a cargo do exportador, do transportador, ou do importador, dando origem às seguintes formas de contratos:

a) FO – FREE OUT: despesas com o carregamento por conta do armador;

b) FI – FREE IN: despesas com a descarga por conta do armador;

c) LIFO – LINER IN FREE OUT: carregamento por conta do armador e descarga por conta do afretador;

d) FIO – FREE IN AND OUT: despesas com carregamento por conta do afretador;

e) FIOS – FREE IN OUT STOWED: despesas com o carregamento, estivagem e descarga por conta de terceiros;

f) FIOT – FREE, OUT AND TRIMMED: o armador fica livre de despesas com o carregamento, rechego e descarga;

g) FIS – FREE IN AND STOWED: o armador fica livre de despesas com o carregamento e com a estivagem;

h) FIST – FREE IN, STOWED AND TRIMMED: o armador fica livre das despesas com o carregamento, estivagem e rechego;

i) FILO – FREE IN, LINER OUT: o armador fica livre das despesas com o carregamento, mas as da descarga correm por sua conta;

j) FISLO – FREE IN AND STOWED, LINER OUT: o armador fica livre das despesas com carregamento e a estivagem, ficando a descarga por sua conta. [197] [Grifo do autor].

4.2 Os Incoterms (International Commercial Terms)

Os incoterms são termos internacionais criados pela Câmara Internacional do Comércio (International Chamber of Commerce – ICC) para unificar as práticas utilizadas entre os compradores e vendedores no mercado internacional. Por meio deles, podem as partes estabelecer, por exemplo, a quem cabe a responsabilidade sobre a movimentação da carga, quem deve pagar o seguro, dentre outros. A precisão na definição destes pontos é deveras importante, posto que, não havendo, dará margens a disputas e litígios que, inevitavelmente, acrescerão em muito o custo de aquisição da mercadoria. [198]

Desta feita, vê-se que "a simples referência ao Incoterms 2000 em contratos de venda define claramente as respectivas obrigações das partes e reduz o risco de complicações legais". [199]

Todavia, é mister esclarecer que as relações entre exportadores e importadores compreendem a união de vários contratos, quais sejam, o contrato de venda, o de transporte e o de seguro, para que o negócio pretendido se efetive. Os incoterms, porém, são aplicáveis a apenas um deles, o contrato de compra e venda de mercadorias. [200]

Os incoterms são subdivididos em quatro grupos, quais sejam:

-Grupo E: No qual o vendedor somente coloca as mercadorias disponíveis ao comprador na propriedade do vendedor. Por ser este o grupo em que o vendedor assume o mínimo de obrigações possível, o comprador deve se encarregar do carregamento das mercadorias em seu veículo coletor quando do desembarque. Caso deseje obter qualquer auxílio do vendedor neste sentido, deverá pactuar o mesmo com ele anteriormente no contrato de compra e venda. De tal sorte, vemos que, em geral, neste grupo, o vendedor não terá qualquer responsabilidade por eventuais danos causados à carga quando do desembarque, já que este se dá por conta e risco do comprador. Neste grupo se encontra o termo EXW; [201]

-Grupo F: No qual o vendedor é obrigado a entregar as mercadorias a um transportador indicado pelo comprador. O ponto em que ocorre a entrega pode variar de acordo com o pacto feito entre as partes no contrato em que é utilizado o termo FCA. Caso seja a propriedade do vendedor, a entrega se reputará completa quando as mercadorias estiverem carregadas no veículo coletor do comprador e, nos outros casos, a entrega estará completa quando as mercadorias estiverem à disposição do comprador para serem carregadas em seu veículo coletor. Neste grupo se encontram os termos FCA, FAS e FOB; [202]

-Grupo C: No qual o vendedor tem que contratar o transporte, sem, entretanto, assumir o risco da perda ou do dano às mercadorias ou custos adicionais devidos a eventos ocorridos após o embarque e despacho. Após a inclusão no contrato do respectivo termo "C", deve ser indicado o ponto até o qual o vendedor deverá pagar os custos do transporte. Ele deverá, também, contratar e arcar com os custos do seguro. Assim como os termos "F", os termos "C" são contratos de embarque, posto que impõem ao vendedor a responsabilidade pelo pagamento do transporte até o local designado, deixando, porém, ao comprador a responsabilidade pelo risco de perda ou dano às mercadorias que ocorra na descarga e no transporte das mercadorias. Neste grupo estão inclusos os termos CFR, CIF, CPT e CIP [203]; e,

- Grupo D: No qual o vendedor tem que arcar com todos os custos e riscos necessários para levar as mercadorias ao local de destino. São, portanto, contratos de chegada. A única obrigação que fica a cargo do comprador é o desembaraço alfandegário. Neste grupo se encontram os termos DAF, DES, DEQ, DDU e DDP. [204]

Após ter-se demonstrado os grupos em que se subdividem, passa-se a conhecer mais a fundo cada um dos treze incoterms, os quais ora se passa a descrever:

1. EXW (EX WORKS): Na origem. O vendedor entrega as mercadorias ao comprador na origem, ou seja, em sua própria propriedade (estabelecimento, fábrica, armazém, etc.), sem desembaraçá-las para exportação nem embarcá-las no veículo coletor do comprador. [205]

Assim sendo, "este termo representa a obrigação mínima para o vendedor, e o comprador deve arcar com todos os custos e riscos envolvidos em aceitar as mercadorias na propriedade do vendedor". [206]

2. FCA (FREE CARRIER): Livre no transportador. O vendedor entrega as mercadorias desembaraçadas para a exportação ao transportador indicado pelo comprador, no local designado. Se a entrega ocorrer na propriedade do vendedor, este será responsável pelo embarque. Ocorrendo a entrega em qualquer outro local, o vendedor não terá qualquer responsabilidade sobre o desembarque, que ficará totalmente a cargo do comprador. [207]

É empregado internacionalmente com maior intensidade no transporte multimodal de contêineres ou Rol-On-Roll-Off. A responsabilidade do vendedor termina no momento em que entregar a mercadoria no terminal do transportador ou em outro local por este determinado, para posterior carregamento marítimo. [208]

3. FAS (FREE ALONGSIDE SHIP): Livre ao lado do navio. O vendedor obriga-se a colocar a mercadoria no acostado do navio, no cais ou em barcaças, já devidamente liberada para exportação. [209]

O comprador deverá arcar com todos os custos e riscos de perda ou dano às mercadorias a partir do embarque das mercadorias. [210]

Este termo é de uso exclusivo do transporte marítimo ou hidroviário interior. [211]

4. FOB (FREE ON BOARD): Livre a bordo. O vendedor obriga-se a colocar a mercadoria a bordo do navio no porto designado contratualmente, cabendo-lhe o custo e o risco pela estivagem a bordo. A partir daí a responsabilidade caberá ao importador, abrangendo o frete, o seguro, a descarga e o transporte terrestre, até o destino final. [212]

Como o termo anterior, este também é de uso exclusivo do transporte marítimo ou hidroviário interior. [213]

5. CFR (COST AND FREIGHT): Custo e frete. O vendedor deverá cobrir todos os custos necessários ao embarque e mais os fretes relativos ao transporte da mercadoria descarregada no porto de destino contratual. Entretanto o risco por faltas ou avarias é assumido pelo comprador no momento do embarque. [214]

O vendedor deverá se responsabilizar pelo desembaraço alfandegário das mercadorias para exportação. [215]

Como os termos FAS e FOB, o termo CFR também é de uso exclusivo do transporte marítimo ou hidroviário interior. [216]

6. CIF (COST, INSURANCE AND FREIGHT): Custo, seguro e frete. Além dos custos relativos ao embarque, ao frete e a descarga, o vendedor também assume o pagamento do seguro (na cobertura mínima). Todavia, a responsabilidade por eventuais faltas ou avarias ocorridas durante o transporte é transferida ao comprador. [217]

A entrega das mercadorias se dá quando as mesmas transpõem a amurada do navio no porto de embarque. [218]

O vendedor ficará responsável pelo desembarace aduaneiro das mercadorias para a exportação. [219]

Como os anteriores, este termo também é exclusivo do transporte marítimo ou hidroviário interior. [220]

7. CPT (CARRIAGE PAID TO): Transporte pago até. O vendedor pagará todos os fretes até o porto designado. Entretanto os riscos por avarias bem como outros custos nos quais possa vir a incidir o transporte são transferidos ao comprador a partir do momento em que a mercadoria é entregue ao primeiro transportador. [221]

O desembarace aduaneiro das mercadorias será responsabilidade do vendedor. [221]

Este termo pode ser utilizado em qualquer modalidade de transporte, inclusive o multimodal. [222]

8. CIP (CARRIAGE AND INSURANCE PAID TO): Transporte e seguro pagos até. Idêntico ao contrato anterior. Adicionalmente o vendedor é responsável pelo pagamento dos prêmios do seguro (cobertura mínima) durante todo o percurso do transporte. [223]

O vendedor ficará responsável pelo desembarace aduaneiro das mercadorias para a exportação. [224]

Este termo pode ser utilizado em qualquer modalidade de transporte, inclusive na multimodal. [225]

9. DAF (DELIVERY AT FRONTIER): Entregue na fronteira. O vendedor cumpre sua obrigação de entrega das mercadorias livres e desembaraçadas no ponto e local designados na fronteira, porém antes da divisa alfandegária do país limítrofe. [226]

Este termo pode ser usado em qualquer meio de transporte quando as mercadorias devam ser entregues numa fronteira terrestre. Quando, porém, tratar-se de fronteira portuária, devem ser usados os termos DES ou DEQ. [227]

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10. DES (DELIVERED EX SHIP): Entregue no navio. O vendedor é responsável pela mercadoria estar disponível ao comprador, a bordo, no porto de destino, cabendo ao vendedor todos os custos e riscos de embarque, seguro e transporte marítimo. Ao comprador compete a descarga no porto de destino. [228]

Este termo somente pode ser utilizado quando as mercadorias devam ser entregues por transporte marítimo ou hidroviário interior ou, ainda, multimodal, desde que, neste último caso, a entrega se dê em um navio no porto de destino. [229]

11. DEQ (DELIVERED EX QUAY): Entregue no cais. O vendedor é responsável pela mercadoria até a mesma estar disponível ao comprador no porto de descarga, arcando com todos os custos a ela concernentes, bem como com os riscos que esta venha a sofrer no decorrer do transporte e da descarga. [230]

O comprador fica responsável pelo desembarace alfandegário das mercadorias para a importação e pelo pagamento de todas as formalidades, direitos, impostos e outras despesas decorrentes da importação. [231]

Este termo pode ser usado apenas quando as mercadorias devam ser entregues por transporte marítimo ou hidroviário interior ou, ainda, multimodal e, no caso deste último, somente quando ultimado pelo desembarque do navio no cais do porto de destino. [232]

12. DDU (DELIVERED DUTY UNPAID): Entregue com direitos não pagos. O vendedor obriga-se a entregar as mercadorias em disponibilidade e local designado no país de importação, assumindo todos os custos e riscos envolvidos em levar a mercadoria até lá, incluindo aqueles com as formalidades alfandegárias, e excluindo direitos, impostos e outros encargos oficiais devidos em razão da importação. O comprador tem de pagar quaisquer custos adicionais e assumir qualquer risco causado por sua omissão em desembaraçar no prazo as mercadorias para importação. [233]

Este termo pode ser usado em qualquer meio de transporte. Todavia, quando a entrega deva ser feita no porto de destino a bordo do navio ou no cais, devem ser usados os termos DES ou DEQ. [234]

13. DDP (DELIVERED DUTY PAID): Entregue com direitos pagos. Em oposição ao contrato ex works, onde as obrigações são mínimas para o vendedor no contrato DDP, todos os custos e responsabilidades correm a conta deste, nada cabendo ao comprador. Ou seja, o vendedor entrega as mercadorias ao comprador no porto de destino, desembaraçadas para importação, arcando com todos os custos e riscos do transporte, do desembarque, do desembarace aduaneiro e de todos os tributos envolvidos na importação. [235]

Este termo pode ser usado sem restrição do modo de transporte, mas quando a entrega deva ser feita no porto de destino a bordo do navio ou no cais, devem ser usados os termos DES ou DEQ. [236]

Pode-se perceber, assim, que as responsabilidades do vendedor vão aumentando gradativamente desde o primeiro até o último incoterm, ocorrendo o inverso com as responsabilidades do comprador, que vão diminuindo. Isto está bem demonstrado no quadro constante do Anexo A deste trabalho.

4.3 A responsabilidade das partes nos contratos marítimos

As partes dos contratos marítimos são responsáveis nos âmbitos civil, administrativo e criminal por quaisquer danos que possam sofrer as mercadorias transportadas no decorrer da viagem. O exame detalhado destas responsabilidades será feito abaixo.

4.3.1 Responsabilidade Civil

Desde o Império Romano até o final da Idade Média, a responsabilidade civil era tida como um verdadeiro castigo. Haja vista que aquele que praticava um ato ilícito podia tornar-se escravo de seu credor, ser supliciado fisicamente por ele – como no clássico caso do Mercador de Veneza -, ou, até, pagar-lhe com sua própria vida. Isto só foi modificado com a chegada da era clássica, quando as condições pessoais do agente infrator passaram a ser consideradas, quais sejam: sua culpabilidade, idade, sanidade e capacidade. Daí em diante, o devedor passou a ter sua dignidade respeitada, passando a responder por seus atos unicamente com as forças de seu patrimônio. [237]

Atualmente, a responsabilidade civil é regida pelo artigo 927 do Código Civil, que reza: "Art. 927 CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". [238]

Pode-se conceituá-la como sendo a "obrigação que incumbe a alguém de reparar o prejuízo causado a outrem, pela sua atuação ou em virtude de danos provocados por pessoas ou coisas dele dependentes". [239]

De acordo com Gibertoni, a responsabilidade civil se subdivide em responsabilidade subjetiva e objetiva da seguinte maneira:

A responsabilidade civil é a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial causado a terceiro, em razão de ato próprio ou de fato da coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei (responsabilidade objetiva). [240]

A teoria subjetiva é fundada nas relações entre os indivíduos, enquanto a teoria objetiva tem por fundamento o risco criado em certas atividades ou circunstâncias, tais como determinadas profissões, ou a responsabilidade imposta ao Estado pelos danos que seus agentes possam causar à sociedade no exercício de sua função pública, ou, ainda, as responsabilidades criadas para si pelas partes de um contrato. [241]

Os pressupostos da responsabilidade estabelecidos pelo Código Civil são: a ação ou omissão voluntária (dolo) e negligência, imprudência ou imperícia (culpa), por meio dos quais os direitos alheios são violados e são causados danos e prejuízos a terceiros. [242]

A culpa pode ser presumida em determinados casos previstos em lei, sendo que, em uns admitirá prova em contrário – presunção juris tantum -, e, em outros, não – presunção juris et júris. [243]

Quando o caso em questão tratar-se de responsabilidade subjetiva, necessária se fará a prova da culpa lato sensu, ou seja, da culpa stricto sensu e do dolo. E, tratando-se de responsabilidade objetiva, tal prova não se fará necessária, bastando, apenas, a prova do nexo causal e do dano.

Anjos e Gomes assim definem e classificam o dano:

O dano deve ser compreendido como a lesão de qualquer natureza, em prejuízo de um bem jurídico tutelado pela lei. Dessa definição podemos abranger o dano patrimonial ou material, e o dano moral ou pessoal. Na primeira hipótese, do dano patrimonial, o prejuízo se reveste de um valor econômico, atingindo diretamente o patrimônio do prejudicado, cuja indenização inclui os danos emergentes (damnum emergens), que constitui o prejuízo, iminente e/ou efetivo, e os lucros cessantes (lucrum cessans), correspondente ao que a vítima deixou de ganhar em conseqüência do ato ilícito do agente infrator. No segundo caso, a expressão dano moral, apesar de muito usada, cabe esclarecer, que o dano moral, propriamente dito, limita-se ao campo da dignidade, da honra ou moralidade de uma pessoa. Mas, para efeito de responsabilidade civil, o dano moral é inverso ao patrimonial ou material, portanto, abrange todo e quaisquer interesses extrapatrimoniais, tais como: os direitos personalíssimos, a integridade física ou corporal, a liberdade individual etc., daí preferirmos chamá-los de dano moral ou pessoal. [244]

Normalmente, no direito marítimo, os danos são de natureza patrimonial, com a exceção de alguns casos sui generis, como o do naufrágio do Bateau Mouche IV, no qual houve a cumulação de danos patrimoniais e morais. Todavia, uma coisa é certa, havendo viagem, haverá contrato, e onde há contrato, haverá responsabilidade objetiva e, portanto, havendo danos, somente se farão necessárias as provas destes e de seu nexo causal. [245]

O nexo causal é o vínculo jurídico, direto ou indireto, que liga o agente causador do dano à vítima e ao fato ocorrido para efeitos de imputabilidade de sua responsabilização civil. Em algumas hipóteses, a responsabilidade do agente poderá ser excluída, quais sejam: ausência de nexo causal; culpa exclusiva da vítima; fato exclusivo de terceiro; e, caso fortuito ou força maior. [246]

Tais excludentes da responsabilidade civil são muito utilizadas no direito marítimo, em razão da influência das intempéries na navegação e dos danos que elas podem provocar. Assim sendo, quando não houver a possibilidade de atribuir-se a culpa lato sensu (dolo e culpa) a uma das partes contratantes quando da ocorrência de fatos e acidentes da navegação, o caso fortuito ou a força maior justificarão plenamente os acontecimentos. [247]

Vê-se, desta feita, que a responsabilidade civil no direito marítimo será quase sempre contratual, decorrendo ora do inadimplemento de algumas de suas cláusulas por qualquer das partes, ora de acontecimentos aleatórios derivados de danos por acidentes ou fatos da navegação. [248]

O início da responsabilidade do transportador se dá no momento em que recebe a mercadoria a ser transportada, passando a ser depositário da mesma, e tal responsabilidade só cessará quando da entrega, incólume, da mercadoria ao destinatário no porto designado. [249]

Após o desembarque, para a reclamação de qualquer dano às mercadorias, necessário se fará que o destinatário proceda ao protesto nos prazos da lei, sem o que ficará sem qualquer direito de ação contra o transportador, que deixará de ser o responsável por tais danos. [250] Eis o mandamento legal:

Art. 756 do Decreto-Lei 1.608/39. Salvo prova em contrário, o recebimento de bagagem ou mercadoria, sem protesto do destinatário, constituirá presunção de que foram entregues em bom estado e em conformidade com o documento de transporte.

§ 1º Em caso de avaria, o destinatário deverá protestar junto ao transportador dentro em três (3) dias do recebimento da bagagem, e em cinco (5) da data do recebimento da mercadoria.

§ 2º A reclamação por motivo de atraso far-se-á dentro de quinze (15) dias, contados daquele em que a bagagem ou mercadoria tiver sido posta à disposição do destinatário.

§ 3º O protesto, nos casos acima, far-se-á mediante ressalva no próprio documento de transporte, ou em separado.

§ 4º Salvo o caso de fraude do transportador, contra êle não se admitirá ação, se não houver protesto nos prazos dêste artigo. [251]

Todavia, se já haviam danos na mercadoria no momento do desembarque e estes foram verificados na vistoria feita pela entidade portuária responsável pelo armazém onde a carga seria estocada, a falta do protesto supra descrito será suprida perto termo de avaria lavrado quando da descarga. [252]

A responsabilidade do transportador será indiscutível, por óbvio, quando a carga desembarcada for menor do que a embarcada. Exceto quando esta diminuição tiver sido necessária, ou seja, quando o capitão, para salvar o navio, tenha lançado parte da carga ao mar. Neste caso, o dano será suportado igualmente pelo fretador e o afretador. [253]

O transportador não poderá alegar a fragilidade das embalagens utilizadas pelo embarcador para eximir-se de sua responsabilidade na ocorrência de danos à carga caso não tenha ressalvado esta circunstância no conhecimento de embarque, posto que, assim sendo, teria ele aceito as embalagens como adequadas e seguras no momento do embarque. Da mesma forma, não poderá ele usar-se desta alegação se prová-la somente após o extravio da mercadoria. [254]

As entidades portuárias têm responsabilidade pelos bens descarregados sujeitos à sua guarda. A transportadora, por sua vez, tem a responsabilidade sobre os bens por ela transportados no porto, desde a descarga do navio até a entrega nos armazéns. [255]

No direito marítimo, a responsabilidade civil segue os moldes do direito civil e comercial, podendo ser direta ou indireta. Sendo, no primeiro caso, aquela em que os danos são diretamente causados pelas partes contratantes, como os armadores, proprietários ou afretadores. E, no segundo, aquela em que o evento danoso é provocado por atos ilícitos de seus representantes legais, empregados, comissários, prepostos e/ou consignatários. [256]

Quanto à distribuição das responsabilidades entre os contratantes nos contratos marítimos, dizem Anjos e Gomes:

[...] entende-se que responde perante o consignatário também o afretador e depois, se for o caso, que exerça seu possível direito de regresso contra o armador da embarcação (RT 560/117). A solidariedade entre afretador e transportador é inequívoca (RT 600/201). [257]

Nos contratos de transporte de cargas, a responsabilidade civil do armador será objetiva em razão do risco profissional atribuído aqueles que exploram as atividades perigosas e sua análise se dará tanto com base nas cláusulas contratuais, quanto na legislação competente. A indenização independerá, portanto, da prova de culpa do armador. Assim sendo, uma vez ajuizada a ação, deverá ele provar uma das excludentes de sua responsabilidade, sob pena de ser responsabilizado civilmente pelas perdas e danos decorrentes do descumprimento contratual. [258]

Já nos contratos de transporte de passageiros, o transportador, além de se responsabilizar pelas bagagens dos passageiros, deve responsabilizar-se pela integridade destes, exigência esta que decorre do Decreto 2.681/12, que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro, aplicado por analogia nos transportes marítimos de passageiros, juntamente com as disposições do Código de Defesa do Consumidor, que aqui também poderão ser aplicadas. A responsabilidade do transportador neste caso se estende, também, aos passageiros de cortesia, visitantes e, até, clandestinos a bordo de seus navios. Todavia, quanto a estes, a responsabilidade não é contratual, e sim extracontratual, e como tal, regida pelo Código Civil. [259]

Mesmo na navegação mercante civil, atualmente a teoria dominante é a da responsabilidade estatal por risco. Isto pois, o Estado se utiliza de instrumento de grande potencial lesivo para efetivar o comércio marítimo e, assim fazendo, assume os riscos que tal atividade ocasione. Bastará, portanto, que se prove o dano e o nexo causal entre ele e ação ou omissão do funcionário púbico que o provocou. [260] Como exemplo disso, vale citar um trecho da sentença do já citado caso Bateau Mouche IV, na qual o Estado foi responsabilizado civilmente pelos danos causados aos passageiros e suas famílias em razão do naufrágio, veja-se:

Portanto, para este Juízo, resta suficiente a efetiva comprovação do fato ou ato administrativo (comissivo ou omissivo), à presença do dano (prejuízo), o nexo de causalidade e a ausência de culpa exclusiva do lesado para a caracterização da responsabilidade patrimonial do Estado (art. 194 da CF/46, art. 105 da CF/67, art. 107 da EC – 1/69 e art. 37, § 6º, do atual ordenamento jurídico constitucional em vigor).

Nos presentes casos, todos os elementos caracterizadores apresentam-se provados, em nosso entender, tornando, por via de conseqüência, presente a responsabilidade patrimonial da União Federal (1ª Ré), considerando que o sinistro não teria ocorrido se a Marinha do Brasil, através da Capitania dos Portos, não se manifestasse omissa em sua obrigação indeclinável de proceder ao amplo e minucioso exame das condições de navegabilidade e segurança da embarcação acidentada.

[...]

Por fim, é imperativo lembrar que as dificuldades e limitações do órgão fiscalizador são fatores que, em nenhuma hipótese, possuem o condão de afastar a responsabilidade patrimonial do Estado (União Federal), sendo certo que, a exemplo dos particulares, o Poder Público também assume plenamente o risco de suas atividades, quer por ação, quer por omissão de seus agentes, ajuizados nessa qualidade. [261]

Há, porém, situações em que a mercadoria se perde sem que haja o concurso de qualquer das partes, posto que, mesmo antes do embarque, já estava eivada de um defeito latente. É o que ocorre quando mercadorias perecíveis chegam ao seu destino já impróprias para o consumo. Este é o vício próprio. [262]

Já o vício redibitório é aquele em que a carga tem um vício oculto, intrínseco, antes mesmo de ser embarcada, o qual a torna imprópria ao uso a que se destinava ou lhe diminui o valor de mercado. [263]

Podem ocorrer, também, perdas ou avarias às cargas transportadas provocadas por suas próprias fragilidades ou pela fragilidade de suas embalagens. Porém, para eximir-se da responsabilidade por tais ocorrências, deve o armador ressalvar expressamente no conhecimento marítimo a inadequação das embalagens para a ideal proteção daquele tipo de carga. Caso contrário, responsabilizar-se-á completamente pelos danos e avarias que a mercadoria venha a sofrer. [264]

Alegando o armador as hipóteses de vício próprio, caso fortuito ou força maior, deverá prová-las, pois a si caberá o ônus da prova. Para tanto, é mister que ele faça a ressalva no conhecimento de embarque, como bem demonstram Anjos e Gomes:

Assim, a ressalva no conhecimento, carta partida ou o competente protesto marítimo, faz presunção juris tantum de que a carga que vier a sofrer danos ou avarias, in casu, teve previsão antecipada dos efeitos do vício próprio, implicando, dessa forma, em limitação da responsabilidade do armador ou transportador, eis que a parte interessada – o dono da carga -, instada sobre a possibilidade do evento, não tomou nenhuma providência, razão pela qual não se permitiria vir a se beneficiar da sua própria negligência ou má-fé. [265]

Ademais, o Decreto-lei 116/67, que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d’água nos portos brasileiros, estabelece, em seu art. 1º, §3º, que as embalagens inadequadas serão desde logo ressalvadas pelo recebedor, e, em seu art. 3º, §4º, que as embalagens inadequadas pelos usos e costumes equiparam-se aos vícios próprios das mercadorias, não respondendo o transportador pelos riscos e conseqüências daí advindos. [266]

E, no tocante à responsabilidade civil do capitão, cabe frisar que, em princípio, ele tem responsabilidade ilimitada – solidariamente com o proprietário do navio – pelos prejuízos que causar no exercício de suas funções. Todavia, com o fito de atenuar tal responsabilidade, o legislador estabeleceu o instituto do abandono liberatório, por meio do qual a responsabilidade do capitão e do proprietário da embarcação cessa com o abandono do navio e os fretes vencidos e vincendos na respectiva viagem (art. 494, in fine, CCo). [267]

Ocorrendo algum dano à carga derivado de ação ou omissão do capitão e, sendo o proprietário do navio processado e condenado por isto, poderá ver-se ressarcido por meio de uma ação de regresso contra o capitão, desde que prove sua culpa. O mesmo se aplica aos danos causados pelos práticos, consignatários e demais membros da tripulação, pois a culpa do patrão pelos atos de seus empregados no exercício de suas profissões é presumida. Ou seja, na primeira ação, do importador contra o proprietário do navio, a responsabilidade deste seria presumida, portanto não seria necessária a prova da culpa. Já, na segunda, do proprietário frente a um de seus empregados, por ter ele a culpa presumida contra si, deverá provar a culpa de seu funcionário. [268]

Há ainda danos independentes da existência de relações contratuais no direito marítimo, é o caso dos danos advindos dos atos e fatos da navegação, como as colisões, abalroações e naufrágios, para os quais a responsabilidade será extracontratual. Desta feita, necessária se fará a prova da culpa lato sensu - ou seja, dolo e culpa - do agente causador do dano para que a ele seja imputada a responsabilidade.

A responsabilidade extracontratual está fundamentada no já citado art. 927 do Código Civil. Todavia, no que tange ao direito público, a responsabilidade extracontratual é consubstanciada no art. 37, §6º, da CF/88, o qual dá um tratamento diferenciado às pessoas jurídicas de direito público ou às de direito privado prestadoras de serviços públicos que, desta forma, respondem objetivamente pelos danos causados por seus agentes, ressalvado o direito de regresso contra o autor do ilícito em caso de pagamento de indenização. Esta é a responsabilidade administrativa, que mais adiante será abordada com maior destaque. [269]

Pode-se ver, então, que na responsabilidade extracontratual podem ocorrer hipóteses tanto da teoria objetiva, quanto da teoria subjetiva. Como exemplo, é possível citar:

Se um navio de guerra abalroar ou colidir com um barco de pesca, aplicar-se-á a teoria objetiva, do contrário, se for um navio mercante de propriedade privada, aplicar-se-ão as regras de responsabilidade civil, lastreadas na teoria subjetiva. O mesmo não ocorre nos contratos de transportes, nos quais a única regra aplicada é a da teoria objetiva.

No exemplo dado, ocorre, na prática, uma inversão do ônus da prova: cabe ao navio de guerra provar uma das excludentes de sua responsabilidade, sob pena de responder pela indenização; enquanto que em relação ao navio mercante, o barco de pesca terá que comprovar a culpa deste para exigir a reparação do dano em decorrência do fato. [270]

Por fim, importa dizer que os navios de guerra e os navios públicos civis gozam de imunidade de jurisdição civil, não podendo seus proprietários ou armadores serem processados civilmente fora do país por atos ou fatos praticados por seus prepostos. Somente a jurisdição brasileira será competente para o julgamento de tais casos, ainda que eles tenham ocorrido no mar territorial de outro Estado. Todavia, essa imunidade só se mantém para os atos praticados pelos tripulantes no estrito exercício de suas funções. [271]

Já os navios privados não detêm tal imunidade, sendo submetidos à jurisdição do Estado a que pertencem ou àquela das águas em que se encontram. Entretanto, têm-se admitido internacionalmente a jurisdição concorrente nos casos de acidentes ocorridos em alto-mar envolvendo embarcações de diferentes países, os quais costumam ser resolvidos por procedimentos de mediação ou arbitragem internacional presididos por um terceiro país neutro na lide. [272]

4.3.2 Responsabilidade Administrativa

Apesar de o comércio marítimo ser uma atividade de natureza privada, é fiscalizado externamente pela Administração Pública. Desta feita, passa a ser ela responsável administrativamente pelos atos praticados – por ação ou omissão – por seus agentes, imbuídos que estão eles da função fiscalizadora do bom funcionamento dos portos brasileiros. Esta, pois, é a relação jurídica que interessa ao direito marítimo no campo da responsabilidade administrativa. [273]

Aliás, mesmo os funcionários das empresas de navegação privadas, os tripulantes, os capitães, os armadores, os proprietários, os práticos e demais partícipes da rotina portuária exercem função pública e, por isso, estão sujeitos a responder administrativamente pelas faltas e danos que venham a causar em razão da violação de seus deveres funcionais, sem prejuízo da responsabilização civil e penal a que também estão sujeitos. [274]

Aqui importa saber que todos os atos praticados pelos agentes antes citados devem obedecer aos princípios da legalidade, moralidade, finalidade e publicidade. Do contrário, o agente estará praticando um ilícito administrativo e por ele será responsabilizado nas penas da lei. [275]

As leis em questão, no direito marítimo, são o Regulamento para o Tráfego Marítimo (Decreto 87.648/82), que rege o trabalho da marinha mercante e dos marítimos e trabalhadores a eles equiparados, e a Lei do Tribunal Marítimo (Lei 2.180/54), que dispõe sobre a organização deste tribunal e seus procedimentos em casos de acidentes ou fatos da navegação. [276] Esta última dispõe, em seu art. 121, as seguintes sanções ou penalidades aplicáveis aos ilícitos administrativos:

I. Repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação ou ambas;

II. Suspensão do pessoal marítimo;

III. Interdição para o exercício de determinada função;

IV. Cancelamento da matrícula profissional e da carteira de armador;

V. Proibição ou suspensão do tráfego da embarcação;

VI. Cancelamento do registro de armador;

VII. Multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas anteriores. [277]

Desta feita, pode-se classificar a responsabilidade administrativa dos marítimos e dos oficiais da marinha mercante da seguinte maneira:

Responsabilidade pessoal – Sanções restritivas de direitos aplicadas aos capitães, tripulantes, armadores, proprietários, consignatários e trabalhadores marítimos, tais como repreensão, suspensão, cancelamento de registro e matrícula profissional, multa, dentre outras. [278]

Responsabilidade profissional – Penas aplicadas àqueles que exploram a atividade da navegação mercante, como aquelas que restringem o tráfego das embarcações, cancelam o registro dos armadores ou lhe impingem multas. [279]

Responsabilidade mista – Sanções que cumulam as responsabilidades pessoal e profissional, como, por exemplo, quando o armador também for o capitão da embarcação. [280]

Quando o ilícito administrativo em questão é praticado pelo armador ou pelo capitão do navio, ou mesmo por ambos, é considerado mais grave que os demais. Isto pois, estão eles imbuídos da responsabilidade pelo fiel cumprimento das normas legais, visando a segurança do tráfego marítimo e a garantia das vidas humanas a bordo. Assim sendo, se qualquer dessas figuras vier a se envolver num ilícito administrativo, não só será responsabilizado administrativamente, mas também civilmente, além de o ato praticado poder, ainda, ser considerado um ilícito penal, sendo ele, portanto, responsabilizado também na esfera criminal. [281]

Além dos oficiais da marinha mercante e dos trabalhadores marítimos, os próprios passageiros de um navio de turismo podem sofrer processo administrativo com o fito de serem responsabilizados por seus atos dentro da embarcação. Isto ocorre quando, por exemplo, um determinado passageiro comete algum ato que coloque em risco a segurança dos demais passageiros. Neste caso, o capitão instaurará inquérito administrativo, nos termos do art. 109, §§ 1º e 2º, do Regulamento para o Tráfego Marítimo (RTM), no qual o infrator terá reservado seu direito ao contraditório e à ampla defesa, com o fito de imputar-lhe a sanção adequada ao ato praticado, podendo ser ela desde uma simples repreensão verbal, passando pela suspensão do exercício das funções – no caso de ilícito praticado por tripulante -, chegando até ao seu desembarque forçado. [282]

Outros casos há em que não é possível a instauração do inquérito a bordo, ficando o mesmo sob a responsabilidade do Tribunal Marítimo que decidirá sobre o caso após o término da viagem em questão. Tendo sido feito a bordo o inquérito administrativo, servirá como peça instrutória do procedimento administrativo que se dará no tribunal. Todavia, sua existência não é essencial para a proposição do processo administrativo. [283]

As sentenças do Tribunal Marítimo fazem coisa julgada administrativa. Porém, não têm eficácia terminativa, posto que podem ser revistas pelo judiciário a pedido de qualquer das partes. [284]

4.3.3 Responsabilidade Criminal

Diversos são os tipos de crimes que podem ocorrer nas viagens marítimas. Porém, os mais comuns são os crimes e contravenções de dano e de perigo. Dentre eles pode-se citar o crime de perigo comum (art. 257 do Código Penal), o atentado contra a segurança dos meios de transporte (art. 261 do CP), as contravenções por falta de habilitação ou direção perigosa de embarcações (arts. 32 e 33 da Lei de Contravenções Penais), dentre outros. [285]

No que tange às normas materiais relacionadas à materialidade, imputabilidade, relação de causalidade, culpabilidade e tipicidade penal, a apuração dos crimes cometidos no âmbito do direito marítimo em nada diferirá da abordagem tradicional dada pelas normas do direito penal. [286]

Entretanto, no que tange às normas processuais penais, há alguns pormenores diferenciados no direito marítimo que merecem ser estudados, são eles:

Os princípios da territorialidade e da extraterritorialidade – A lei brasileira será aplicada no julgamento de todos os crimes ocorridos nas embarcações públicas nacionais, ou naquelas que estejam a serviço do governo brasileiro, posto que estas são consideradas extensões de nosso território nacional. O mesmo ocorrerá com as embarcações privadas brasileiras, porém, desde que se encontrem atracadas em território nacional ou em navegando alto-mar. [287]

Também será aplicada a lei brasileira no julgamento dos crimes ocorridos em embarcações estrangeiras privadas, desde que estas estejam em portos brasileiros ou dentro dos limites do mar territorial, ou seja, a até 12 milhas de nossa costa, de acordo com os termos dos arts. 5 a 7 do CP. [288]

Em vista do princípio da extraterritorialidade, aos crimes praticados a bordo de embarcações privadas brasileiras no exterior que lá não tenham sido julgados também será aplicada a lei brasileira, desde que: o agente entre no território nacional; que o fato seja crime no país em que foi cometido; que a legislação brasileira autorize a extradição; que a pena não tenha sido cumprida ou o agente não tenha sido absolvido; e, que não esteja extinta a punibilidade ou não tenha havido perdão judicial, no exterior, pela infração cometida. [289]

Caso tenha o agente cumprido parte da pena no exterior, deve ser ela computada, se as penas aplicadas forem idênticas. Se forem diferentes, deve ser atenuada proporcionalmente. [290]

A competência jurisdicional penal – A justiça brasileira é competente para julgar os crimes ocorridos nas embarcações privadas nacionais ou estrangeiras que estejam em nosso mar territorial. [291]

Também será competente a justiça brasileira no julgamento de quaisquer crimes ocorridos no interior das embarcações públicas brasileiras no exterior, bem como das embarcações brasileiras públicas ou privadas nos portos nacionais ou em alto-mar. Estes crimes serão processados e julgados pela jurisdição do porto onde ocorrer a infração ou poderá se dar a competência por prevenção no primeiro ou no último porto de escala da embarcação. [292]

Importa frisar, por fim, que a Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 109, alínea IX, que os crimes cometidos a bordo dos navios ou aeronaves são de competência dos juízes federais, salvo quando se tratarem de embarcações militares, caso em que serão da competência dos juízes militares. Desta feita, dizem Anjos e Gomes:

Portanto, tratando-se de crimes a bordo de navios, assim consideradas as embarcações que se sujeitam aos riscos do mar, independentemente de seu porte ou forma de propulsão, a competência é ratione materiae, do que resulta que, em tais circunstâncias, o julgamento do processo é de competência exclusiva do juízo federal. [293] (Grifo dos autores).

Desse ponto, passa-se ao estudo, no próximo capítulo, dos danos decorrentes do comércio marítimo e das responsabilidades deles advindas, bem como dissertar-se-á, ao final, sobre o Tribunal Marítimo, suas atribuições e seu funcionamento.

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Sobre a autora
Vanessa Kiewel Cordeiro

Advogada atuante nas áreas cível, imobiliária e tributária. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho - UGF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Vanessa Kiewel. Os contratos e a responsabilidade civil no Direito Marítimo.: Estudo sobre características e particularidades desta espécie contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2829, 31 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18774. Acesso em: 23 abr. 2024.

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