Em 28 de agosto de 2007 foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, através da Lei nº 11.516, a qual, em seu artigo 1º, assim dispôs:
Art. 1º Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;
II - executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União;
III - fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental;
IV - exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e
V - promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.
Parágrafo único. O disposto no inciso IV do caput deste artigo não exclui o exercício supletivo do poder de polícia ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.
Dessa feita, o interesse nas demandas que envolvam unidades de conservação, que anteriormente era diretamente do Ibama, com esse novo diploma, passou a ser do Instituto Chico Mendes, ressalvado o exercício supletivo do poder de polícia ambiental do Ibama.
A lei supracitada também é bastante clara, em seu artigo 3º, no que tange à transferência dos direitos, créditos e obrigações do Ibama para o ICMBio relacionadas às finalidades elencadas no artigo 1º. Vejamos:
Art. 3º O patrimônio, os recursos orçamentários, extra-orçamentários e financeiros, o pessoal, os cargos e funções vinculados ao Ibama, relacionados às finalidades elencadas no art. 1o desta Lei ficam transferidos para o Instituto Chico Mendes, bem como os direitos, créditos e obrigações, decorrentes de lei, ato administrativo ou contrato, inclusive as respectivas receitas.
Parágrafo único. Ato do Poder Executivo disciplinará a transição do patrimônio, dos recursos orçamentários, extra-orçamentários e financeiros, de pessoal, de cargos e funções, de direitos, créditos e obrigações, decorrentes de lei, ato administrativo ou contrato, inclusive as respectivas receitas do Ibama para o Instituto Chico Mendes.
Com efeito, dúvidas começaram a surgir no seio das mencionadas autarquias ambientais, inclusive com reflexo em suas relações com entes privados, acerca da necessidade de sub-rogação dos ajustes anteriormente firmados à criação do ICMBio e que têm como objeto uma unidade de conservação.
Em resumo, o cerne de questão assim se apresenta: tomando como base um ajuste administrativo assinado pelo Ibama, tendo como elemento principal uma unidade de conservação, por meio do qual inexiste interesse do Ibama em sua continuidade no pólo ativo ou passivo, haveria necessidade de se proceder à sub-rogação in concreto do respectivo processo administrativo? Deveria haver um ato específico a fim de concretizar a sub-rogação? É com supedâneo neste questionamento que o presente estudo basear-se-á. Senão vejamos.
O exame do problema trazido nas linhas precedentes passa intrinsecamente pelo estudo das obrigações, matéria muito ligado ao direito civil. Assim é que as obrigações possuem a lei como fonte direta e os fatos jurídicos como fonte indireta, sendo por meio delas que as relações jurídicas nascem, subsistem, modificam-se e desenvolvem-se.
A evolução natural de uma obrigação passa pela sua criação, através de suas fontes, desenvolvendo-se em suas espécies para, ao final, se extinguir. Dentre as formas de extinção das obrigações, temos a sub-rogação.
O verbo sub-rogar, tomando como ponto de partida uma terminologia jurídica, significa substituir, trocar, permutar. Esta sub-rogação pode ser real, quando há a substituição do objeto da prestação (permuta-se a res devida com os mesmos ônus e atributos), ou pessoal, quando o sujeito da relação vem a ser substituído. Nessa linha, eis os ensinamentos do ilustre doutrinador Caio Mário da Silva Pereira [01]:
"Tal como estruturado em nossa sistemática, chama-se sub-rogação a transferência da qualidade creditória para aquele que solveu obrigação de outrem ou emprestou o necessário para isto. Na palavra mesma que exprime o conceito (do latim sub rogare, sub rogatio) está contida a idéia de substituição, ou seja, o fato de uma pessoa tomar o lugar de outra, assumindo a sua posição e a sua situação".
Dessa feita, a sub-rogação configura-se numa figura anômala, que excepciona a regra na qual o pagamento deve extinguir a obrigação. Ela acontece quando o débito que o devedor tem perante o credor é transferido a terceiro, responsável por sua quitação, ocorrendo uma substituição no pólo ativo (sub-rogação pessoal).
Uma outra classificação para os casos de sub-rogação é aquela que a divide em sub-rogação convencional e sub-rogação legal. Pela primeira, há um acordo de vontades entre as partes para que haja a permuta do objeto ou dos subscritores do ajuste; já a sub-rogação legal, como o próprio nome indica, deriva dos casos previstos em lei, configurando-se independentemente da vontade das partes.
Concernente à sub-rogação legal, esclarece o saudoso civilista [02]:
ou o acordo, quer do credor quer do devedor. Como imposição da lei, a sub-rogação legal ocorre mesmo contra a vontade do devedor ou do credor, e nisto residem a maior força e o maior interesse deste instituto, e sua afirmação essencial de benefício ao solvens" (op. cite, p. 146)."Diz-se legal a sub-rogação que decorre da vontade da lei, pura e simplesmente, sem que para sua verificação seja necessário intervir a vontade das partes,
Ao trabalho em tela, onde se analisa a sucessão do Ibama pelo ICMBio a partir da edição da Lei nº 11.516/07, interessa a sub-rogação legal e pessoal. Isso porque, consoante se infere das linhas precedentes, por meio de lei, deve o ICMBio passar a gerir os ajustes efetivados pelo Ibama anteriormente à Lei nº 11.516/07 que tenham como foco as unidades de conservação federais.
Em que pese inexistir ato do Poder Executivo disciplinando essa transição, o caput do artigo 3º alhures transcrito é bastante claro em asseverar que ficam transferidos os direitos, créditos e obrigações do Ibama para a novel Autarquia. Parece-me que condicionar os direitos do Instituto Chico Mendes advindos de ato administrativo qualquer ou contrato lato sensu a atos de sub-rogação específicos seria burocratizar por demais uma já complicada fase de transição entre as entidades, muitas vezes em detrimento do meio ambiente, que seria o maior prejudicado.
A partir da Emenda Constitucional nº 19/98, o dever de uma Administração eficiente passou a ser explícito com a inclusão do princípio da eficiência no caput do artigo 37. A doutrina diverge acerca do seu significado objetivo.
Antônio Carlos Cintra do Amaral, enfrentando referido dilema, traz à tona uma diferenciação científica, extraída da ciência da Administração, entre eficiência e eficácia. Citando Idalberto Chiavenato, ele aduz [03]:
A eficiência não se preocupa com os fins, mas simplesmente com os meios. O alcance dos objetivos visados não entra na esfera de competência da eficiência; é um assunto ligado à eficácia.
(...)
Contudo, nem sempre a eficácia e a eficiência andam de mãos dadas. Uma empresa pode ser eficiente em suas operações e pode não ser eficaz, ou vice-versa. Pode ser ineficiente em suas operações e, apesar disso, ser eficaz, muito embora a eficácia fosse bem melhor acompanhada da eficiência. Pode também não ser nem eficiente nem eficaz. O ideal seria uma empresa igualmente eficiente e eficaz.
Ora, o conceito científico pode ser utilizado para se atingir o conceito jurídico. Assim é que a eficiência se refere aos meios; por sua vez, a eficácia concerne aos resultados.
Portanto, transpondo a explanação para a questão em comento, chama-se atenção para o fato de que a adoção do entendimento de que a sub-rogação é automática vem a dar efeito ao princípio da eficiência. A intelecção de que a continuidade de um ajuste anteriormente assinado somente seria possível com sua sub-rogação pelo Ibama ao ICMBio demandaria esforços desnecessários das duas autarquias, as quais retirariam, ainda que momentaneamente, o foco principal de suas atividades de defesa do meio ambiente a fim de viabilizar um sem-número de sub-rogações.
Além disso, haveria também um esvaziamento do comando estatuído no artigo 3º da Lei nº 11.516/07, pois se entende que a norma em tela tem eficácia contida, ou seja, é aplicada imediatamente até que norma posterior (in casu, ato do Poder Executivo) venha a discipliná-la.
Assim, por tudo dito, conclui-se pela desnecessidade da prática de atos específicos de sub-rogação, entendendo que os ajustes firmados pelo Ibama anteriormente à edição da Lei nº 11.516/07 e que tenham como objeto as unidades de conservação federais passam a ser geridos pelo ICMBio, tendo em vista uma sucessão automática prevista em lei, sempre em benefício da eficiência, economia processual e, mais ainda, do meio ambiente.
Notas
- PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. II, 16ª edição, Editora Forense, p. 144.
- PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. II, 16ª edição, Editora Forense, p. 146.
- CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração, apud CINTRA DO AMARAL, Antônio Carlos. O Princípio da Eficiência no Direito Administrativo. ALVIM, Arruda, ALVIM, Eduardo Arruda, TAVOLARO, Luiz Antônio (coords). Licitações e Contratos Administrativos: Uma Visão Atual à Luz dos Tribunais de Contas. 1ª ed., Curitiba: Juruá, 2010, p. 216.