"O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas."
José Saramago
RESUMO
Não há dúvidas de que um dos maiores problemas do Brasil e de Santa Catarina, no âmbito da segurança pública, encontra-se diretamente correlacionado com as mais diversas situações ocasionadas no trânsito, mormente em rodovias federais. Neste contexto, vislumbram-se indefinições acerca de uma eventual atuação do Estado em ocorrências de crimes e contravenções realizadas em rodovias federais. Com efeito, a Polícia Militar é responsável pela polícia ostensiva e preservação da ordem pública, inclusive em rodovias federais, contudo, há que se considerar a atuação da Polícia Rodoviária Federal que tem como dever o patrulhamento ostensivo dessas rodovias, fato que, não raro, prejudica o serviço prestado à sociedade, pois há dúvidas no que tange aos procedimentos a serem adotados. Daí porque a Polícia Militar, por força da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pode realizar quaisquer medidas preventivas que possam comprometer a ordem pública, assim como medidas para restabelecê-la se for o caso, mesmo em rodovias federais. Além disso, a Instituição Militar Estadual deve agir como polícia administrativa, a qual é eminentemente preventiva, assim desempenhar medidas preventivas que assegurem a ordem pública. Dessa forma, ressalta-se que a atuação da Polícia Militar em rodovias federais deve abranger toda e qualquer ação cuja natureza seja preventiva, assim como medidas repressivas. No que toca ao patrulhamento ostensivo dessas rodovias deve ser de responsabilidade da Instituição Federal, mas nada impede que a Polícia Militar assuma tal encargo, em virtude da sua competência residual.
Palavras Chaves: Polícia Militar. Atuação. Rodovias Federais.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 1.1 TEMA. 1.1.1 Delimitação do Tema. 1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA. 1.3 JUSTIFICATIVA. 1.4.OBJETIVOS. 1.4.1 Objetivo Geral. 1.4.2 Objetivos Específicos. 1.5 METODOLOGIA . 2 ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA MILITAR. 2.1 ASPECTOS LEGAIS DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR. 2.2 PODER DE POLÍCIA. 2.3 POLÍCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA. 2.3.1 Atribuições da Polícia Administrativa. 2.3.2 Atributos de Polícia Administrativa. 2.4 ORDEM PÚBLICA. 2.4.1 Tranqüilidade. 2.4.2 Salubridade. 2.4.3 Segurança. 2.4.4 Dignidade da Pessoa Humana. 3 POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 3.2 ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL. 3.3 ATRIBUIÇÃO LEGAL. 3.3.1 Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro. 3.3.2 Decreto nº 1655, de 03 de outubro de 1995. 3.3.3 Regimento Interno da Polícia Rodoviária Federal. 3.3.4 Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. 4 ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR EM RODOVIAS FEDERAIS. 4.1 POLÍCIA OSTENSIVA E POLICIAMENTO OSTENSIVO. 4.2 PATRULHAMENTO OSTENSIVO. 4.3 CONCEITO E PRINCIPAIS RODOVIAS FEDERAIS EM SANTA CATARINA. 4.4 AÇÕES DA POLÍCIA MILITAR EM RODOVIAS FEDERAIS. 4.4.1 Ocorrências de Crimes e Contravenções em Rodovias Federais. 4.4.2 Medidas Preventivas Adotadas em Rodovias Federais pela Polícia Militar. 4.4.3 Diretriz de Procedimento Permanente nº 30/97/Cmdo G. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
Comumente os integrantes da Polícia Militar se deparam com situações de crimes e contravenções em rodovias federais, inclusive em contato direto com acidentes de trânsito, os quais necessitam, em muitos casos, da intervenção da Instituição Castrense para preservação da ordem pública e garantia da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Nota-se que, não raro, a Corporação Militar tem o dever de atuar em rodovias federais, porém tal situação pode ocasionar conflitos com a Polícia Rodoviária Federal, a qual tem por missão constitucional patrulhar ostensivamente as mesmas rodovias.
Cumpre registrar que o patrulhamento ostensivo, missão da Polícia Rodoviária Federal, é tão-somente uma parcela da polícia ostensiva e, esta última, cabe integralmente à Instituição Militar Estadual, podendo a mesma realizar o todo, enquanto que à Instituição Federal cabe somente uma parte.
A polícia ostensiva é o exercício do poder de polícia destinado à Corporação Militar Estadual, para que, por intermédio de ações preventivas, possa garantir a preservação da ordem pública e, além disso, interagir com a sociedade a fim de que eventuais crimes possam ser prevenidos e evitados.
Por força do conceito de polícia ostensiva é que se pode fundamentar as ações da Instituição Militar no intuito de cumprir sua nobre missão e nada impede que essas ações possam ser empregadas em rodovias federais.
Por sua vez, a Polícia Rodoviária Federal tem o dever constitucional de realizar o patrulhamento em rodovias federais, o qual significa que cabe à Instituição a garantia de obediência das normas de trânsito, com o fito de assegurar a livre circulação das vias e a prevenção de acidentes.
Diante disso e em razão das peculiaridades do caso, surgem diversas dúvidas a respeito da atuação da Polícia Militar em rodovias federais, e é de suma importância definir quais são as atribuições dos integrantes desta Corporação quando se deparam com ocorrências nessas rodovias.
Muito embora, a Diretriz de Procedimento Permanente nº 030 de 04 de abril de 1997 do Comando Geral, estabeleça o procedimento para execuções de ações da Polícia Militar em rodovias, mister determinar o modo pelo qual se dá a ação da Corporação, assim como a forma que deve ser aplicada pelos seus integrantes em ocorrências atendidas naquelas rodovias.
Assim, a presente pesquisa objetivará especificar as possibilidades de atuação da Polícia Militar de Santa Catarina em rodovias federais e, por conseqüência, viabilizar a operacionalização e atualização da diretriz neste assunto, buscando definir os padrões do comportamento dos militares estaduais catarinenses no atendimento de ocorrência nessas rodovias.
O primeiro capítulo versará acerca dos aspectos legais da atividade policial militar, inclusive no que diz respeito ao poder de polícia, bem como a diferença entre polícia administrativa e judiciária e as atribuições e atributos da primeira. Também tratará sobre ordem pública e seus elementos.
Enquanto que no segundo capítulo, será abordada a evolução histórica da Polícia Rodoviária Federal, bem como suas atribuições constitucionais e infraconstitucionais.
Por fim, no terceiro capítulo será apresentada a diferença entre polícia ostensiva e policiamento ostensivo, bem como o conceito de patrulhamento ostensivo e de rodovias federais, inclusive citando as principais rodovias existentes no Estado de Santa Catarina.
Além disso, tratará sobre as ações no aspecto repressivo e preventivo que podem ser desenvolvidas pela Polícia Militar nas rodovias federais, assim como acerca da Diretriz de Procedimento Permanente nº 30/97/Cmdo G.
1.1 TEMA
A atuação da Polícia Militar nas Rodovias Federais
1.1.1 Delimitação do tema
A pesquisa terá por delimitação a forma pela qual os integrantes da Polícia Militar Catarinense devem agir no caso de ocorrências de crimes e contravenções em rodovias federais no âmbito do Estado de Santa Catarina, bem como as medidas que podem ser tomadas pelos militares catarinenses naquelas rodovias, no intuito de preservar a ordem pública.
1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
Na atualidade a prática dos diversos tipos de contravenções e de crimes ocorrem em todos os lugares. As rodovias federais por terem uma jurisdição própria bem como um órgão de fiscalização própria, qual seja: a Polícia Rodoviária Federal, também se inserem nesse contexto. Portanto, de que forma a Polícia Militar de Santa Catarina por meio de seus integrantes poderá atuar quando da ocorrência de crimes e contravenções nas rodovias federais em Santa Catarina, a fim de manter a ordem pública?
1.3 JUSTIFICATIVA
No Estado de Santa Catarina, encontram-se algumas rodovias federais, especialmente a BR 101, rodovia esta em que diuturnamente trafegam inúmeros veículos numa média de 225.811.417 por ano e cuja extensão tem 4551,4 Km e também vai de norte a sul do país. Essa combinação de grande número de veículos, proximidade com os grandes conglomerados urbanos, parte sul de Santa Catarina – 350 km – ainda não duplicada e a necessidade diuturna de uso para o tráfego local, ocasiona um grande número de acidentes de trânsito, o que a torna conhecida por "rodovia da morte" [01].
Nestas situações de acidentes de trânsito e de grande quantidade de condutores, há grande incidência de crimes e contravenções, por isso, há a necessidade de intervenção da Polícia Militar de Santa Catarina, haja vista que a Instituição Castrense é responsável pela preservação da ordem pública.
Contudo, ainda há dúvidas no que toca à atuação da Polícia Militar Estadual em caso de crimes e contravenções ocorridas nas rodovias federais, motivo pelo qual se demonstra toda a relevância da pesquisa.
Vale lembrar que, a Diretriz de Procedimento Permanente nº 030, de 04 de abril de 1997 do Comando Geral foi elaborada antes da promulgação da lei 9503/97, o Código de Trânsito Brasileiro, assim observa-se que em muitos pontos a diretriz encontra-se desatualizada e em divergência da legislação vigente, razão pela qual uma atualização se faz necessária.
Para a Instituição Militar é necessário este estudo, uma vez que por intermédio dele pode-se estabelecer como os policiais devem proceder em ocorrências em rodovias federais, bem como definir se existem e quais são as ocorrências que estão no âmbito das atribuições da Corporação.
Além disso, é imprescindível definir a forma de atuação dos militares estaduais nas rodovias federais, para melhor atender a sociedade, até porque não rara às vezes, os cidadãos se deparam com ocorrências nestas rodovias e o restabelecimento da ordem pública deve ser providenciado o mais rápido possível.
E para que tal missão seja cumprida com mais facilidade e eficiência, este estudo, busca estabelecer o modo pelo qual os policiais militares devem se portar em ocorrências de delitos em rodovias federais, bem como as situações que exigem a intervenção da Instituição Castrense, não sendo necessária a presença da Polícia Rodoviária Federal em todas as ocorrências.
No que diz respeito ao pesquisador, denota-se que o presente estudo se reveste de importância, pode-se adquirir um conhecimento sobre a área, inclusive com a possibilidade de repassar para a tropa, até porque o tema auxilia na realização das atividades inerentes à função, bem como possibilita ao pesquisador uma especialização em tema que é rotineiramente questionado na atividade de policial militar.
1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Objetivo geral
Analisar a atuação da Polícia Militar na oportunidade de incidência de crimes e/ou contravenções ocorridas em rodovias federais, especialmente no Estado de Santa Catarina.
1.4.2 Objetivos específicos
Rever a literatura existente sobre o tema proposto;
Identificar como se dá a efetivação da atuação da Polícia Militar em rodovias federais;
Descrever a melhor forma pela qual se pode colocar em prática a atuação da Polícia Militar em rodovias federais quando da prática de crimes e contravenções;
Estabelecer os procedimentos e situações em que a Polícia Militar deve agir em rodovias federais em situações de crimes e contravenções.
1.5 METODOLOGIA
A metodologia é utilizada para adequar o presente trabalho às normas de pesquisa e também auxilia no desenvolvimento do mesmo, por essa razão neste capítulo serão analisados os procedimentos metodológicos pertinentes ao caso.
Cumpre destacar que, pesquisa "é um conjunto de procedimentos sistemáticos, baseado no raciocínio lógico, que tem por objetivo encontrar soluções para problemas propostos, mediante a utilização de métodos científicos". (ANDRADE, 1999, p. 103).
Nestes termos, tem-se que a pesquisa é inerente a métodos, os quais respeitam uma determinada seqüência, no intuito de atingir o seu objetivo de forma mais rápida e eficiente, pode-se dizer também que a pesquisa desempenha função primordial em qualquer trabalho cientifico, mormente na coleta de materiais para o embasamento de uma tese.
Ademais, a pesquisa pode ser considerada como um grupo de atividades, as quais têm como escopo o levantamento de informações de determinado assunto, bem como a inquirição profunda do assunto pesquisado, até porque por meio desta pesquisa tornar-se-á possível realizar uma argumentação de contra-argumentação sobre qualquer tema. (PESCUMA; CASTILHO, 2005, p. 12).
Denota-se, desta forma, que as pesquisas são aquelas atividades desenvolvidas com o fito de angariar material teórico para elaboração de um trabalho científico, sendo que dentre elas respeita-se um sistema que auxilia a utilização dos dados coletados para se chegar aos textos vão ser produzidos.
Cumpre destacar que, a pesquisa tem finalidades específicas que devem ser observadas, a fim de que este sistema de coleta de informações possa desempenhar sua função, no sentido de organizar e filtrar somente as informações pertinentes ao caso dispensando as restantes.
No que tange à finalidade da pesquisa, tem-se lição de Gil (2002, p. 42), a qual diz que:
[...] estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado.
De qualquer sorte, a pesquisa visa à facilitação do pesquisador no que toca a concretização dos dados coletados em hipóteses que possam ser desenvolvidas em um trabalho científico, inclusive utilizando das técnicas de pesquisa para aperfeiçoar as idéias, e também ampliar os conhecimentos de determinado assunto, para verificação novos rumos para o tema proposto, bem como o seu embasamento.
Ainda sobre a finalidade da pesquisa, encontra-se que esta pode ser dividida em dois grupos, o primeiro motivado por ordem intelectual e o segundo por ordem prática.
O grupo de ordem intelectual tem como objetivo fomentar a idéia de agregar conhecimentos e pode ser chamado de pesquisa pura ou fundamental, enquanto que o grupo de ordem prática vislumbra a obediência às medidas exigidas pela vida moderna e pode ser chamada de pesquisas aplicadas. (ANDRADE, 1999, p. 65).
Diante disso, a finalidade da pesquisa pode ser considerada como um procedimento propício para elaboração de um trabalho científico de uma forma mais organizada e facilitada.
Há que se ressaltar, o método que será utilizado no presente trabalho, destarte, método consiste em "um conjunto ordenado de procedimentos que se mostraram eficientes, ao longo da história, na busca do saber". (CERVO; BERVIAN, 2002, p. 45).
No que diz respeito ao método, salienta-se que há os métodos indutivo e dedutivo para realização de trabalhos científicos, especialmente acerca do método dedutivo, o qual será o método selecionado para a elaboração do presente trabalho.
O método dedutivo é aquele no qual a dedução se destaca por ser por meio dela que se encontrará o sentido da pesquisa, uma vez que há a necessidade de partir um raciocínio de forma sistemática, ou seja, inicia-se no geral e a partir daí para o específico, a fim de resultar em uma conclusão. (ANDRADE, 1999, p. 71).
No presente trabalho, falar-se-á, primeiramente, da atribuição da Polícia Militar de Santa Catarina, bem como acerca da atribuição da Polícia Rodoviária Federal, inclusive com conceito de rodovia federal, e após estes esclarecimentos explanar-se-á sobre a atuação da Instituição Militar Estadual nas rodovias federais, partindo do geral (atribuição das Instituições) para o específico (atuação da PMSC em rodovias federais).
Referente aos objetivos propostos, observa-se que a pesquisa será exploratória e descritiva, sendo que a primeira consiste em "um tipo de pesquisa que tem como principal objetivo o fornecimento de critérios sobre a situação-problema enfrentada pelo pesquisador e sua compreensão". (MALHOTRA, 2001, p. 106).
Enquanto que o segundo, pesquisa descritiva, visa à descrição das características, sem a intervenção do pesquisador, restrita tão-somente a análise, classificação e interpretação dos fenômenos pesquisados. (GIL, 2002, p. 42).
Dessa forma, utiliza-se da pesquisa exploratória para definir a questão problema que será enfrentada no trabalho e por intermédio da pesquisa descritiva busca-se o levantamento de todas as informações pertinentes ao caso.
A técnica bibliográfica é imprescindível para a realização de um trabalho científico, especialmente porque por meio dela é que se encontrará o embasamento para as teses levantadas, bem como autores que tratam do assunto, e demais informações que interessam ao pesquisador.
Tocante ao conceito de pesquisa bibliográfica, tem-se, segundo Cervo e Bervian (2002, p. 48)"é meio de formação por excelência. Como trabalho original, constitui a pesquisa propriamente dita na área das Ciências Humanas. Como resumo de assunto, constitui geralmente o primeiro passo de qualquer pesquisa cientifica".
Finalmente, quanto à abordagem, denota-se que é qualitativa, a qual visa descrever detalhadamente situações que interessam ao pesquisador, no intuito de entender os indivíduos em seus próprios termos. (GOLDENBERG, 2000, p. 53).
Cumpre destacar que, tanto a pesquisa bibliográfica como a abordagem qualitativa auxilia o pesquisador para o embasamento de seu trabalho, assim como na coleta de informações pertinentes para a pesquisa, no intuito de efetivar uma boa pesquisa, culminando em um ótimo trabalho científico.
2 ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA MILITAR
Urge explanar a respeito das atribuições da Polícia Militar, até porque tal condição se faz necessária para se conhecer quais as medidas que a Instituição Militar pode adotar nas mais diversas situações.
Por essa razão, denota-se que a Constituição da República e todas as demais legislações necessitam ser observadas, a fim de definir a atribuição da Corporação Militar Estadual tanto no âmbito constitucional quanto no âmbito legal.
2.1 ASPECTOS LEGAIS DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR
No que tange às atribuições da Polícia Militar, deve-se começar a análise pela CRFB/88, uma vez que esta é a norma matriz no ordenamento jurídico atual, aliás, a partir desta norma que se originam as demais legislações.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 144, caput, estabelece os órgãos responsáveis pela segurança pública, bem como define a missão do sistema: a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, como se pode ver:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...] (BRASIL, 1988, p. 95)
Com efeito, neste artigo há também em seus respectivos parágrafos as atribuições específicas de cada órgão que compõe o sistema de segurança pública e no que diz respeito à Polícia Militar se encontra no §5º do referido artigo, in verbis:
Art. 144 [...]
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.[...] (BRASIL, 1988, p. 96)
Nota-se que na atual Carta Magna encontra-se a expressão polícia ostensiva, ao invés de policiamento ostensivo, o qual está previsto no Decreto federal nº 88.777/83, e a nova expressão polícia ostensiva é mais ampla do que policiamento ostensivo, razão pela qual possibilita à Instituição Militar executar mais medidas no intuito de preservar a ordem pública.
A respeito da introdução da expressão polícia ostensiva no ordenamento jurídico pátrio, especialmente na CRFB/88, encontra-se o registro do diário da constituinte, veja-se: "Art. 144 - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva [...] Ele substitui por [...] policiamento ostensivo [...] A matéria foi objeto de longa discussão em Plenário, quando se concluiu pela expressão polícia ostensiva". (BRASIL 1988 apud BUENO, 2009, p. 16).
Pode-se dizer que, com a nova redação da Constituição Federal de 1988, no sentido de polícia ostensiva, foi concedido à Polícia Militar uma maior flexibilização para o fiel cumprimento de sua missão, não se restringindo tão-somente em realizar o policiamento ostensivo.
Sobre o tema, encontra-se a lição de Moreira Neto (1991, p. 147), o qual assevera acerca da expressão polícia ostensiva que:
A polícia ostensiva, afirmei, é uma expressão nova, não só no texto constitucional, como na nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro de esclarecer a exclusividade constitucional e o segundo, para marcar a expansão da competência policial dos policiais militares além do "policiamento" ostensivo.
A partir desta nova expressão é que a Polícia Militar pode desenvolver um trabalho voltado, principalmente, em medidas preventivas para preservação da ordem pública, sendo que este viés não era perseguido anteriormente.
No que concerne ao conceito de polícia ostensiva, tem-se que esta é mais ampla que o policiamento ostensivo e consiste na atuação estatal, por intermédio do poder de polícia, desenvolvido em quatro fases, as quais são: ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia. (MOREIRA NETO, 2001, p. 388).
Dessa forma, a Polícia Militar por meio da polícia ostensiva, inclusive com medidas preventivas, as quais limitam direitos dos cidadãos deve manter a ordem pública inalterada.
Além da polícia ostensiva, na missão constitucional da Corporação Castrense tem-se a preservação da ordem pública, expressão esta que está descriminada tanto no caput do artigo 144 da CRFB/88, como no § 5º do mesmo artigo que especifica a atribuição daquela Instituição.
Por essa razão, pode-se dizer que à Polícia Militar cabe tudo aquilo que não foi atribuído aos demais órgãos da segurança pública, motivo pelo qual se fala em competência residual da Instituição.
Neste sentido, denota-se que a Corporação Militar, responsável pela preservação da ordem pública em uma observância conjunta do caput e do § 5º do artigo 144 da Norma Maior, fica também incumbida de realizar todas as demais atribuições não especificadas na legislação aos outros órgãos de segurança pública.
Ainda sobre o tema, colhe-se do PARECER Nº AGU/TH/02/2001, de 29 de julho de 2001, conhecido como "Parecer nº GM – 025", que:
Em outros termos, sempre que se tratar de atuação policial de preservação e restabelecimento da ordem pública e não for o caso previsto na competência constitucional da polícia federal (art. 144, I), da polícia rodoviária federal (art. 144, II), da polícia ferroviária federal (art. 144, III) nem, ainda, o caso em que lei específica venha a definir uma atuação conexa à defesa civil para o Corpo de Bombeiros Militar (art. 144, § 5º), a competência é policial-militar. (BRASIL, 2001, p. 7).
Além disso, a competência residual da Corporação decorre também de quando os órgãos integrantes do sistema de segurança pública não conseguirem cumprir suas respectivas missões, oportunidade em que cabe à Polícia Militar executar tais missões.
Ressalta-se que no caso de falência dos demais órgãos em suas respectivas atribuições, cabe à Polícia Militar assumir essas atribuições e restar como responsável por elas, em razão da sua competência residual, até porque a esta Instituição foi conferida como missão específica a preservação da ordem pública. (LAZARINI, 1999, p. 61).
Considera-se também que, na atual Constituição, utiliza-se da expressão preservação da ordem pública, sendo que em Constituições anteriores tratavam como manutenção da ordem púbica.
Em um primeiro momento pode-se pensar que tal alteração não é relevante. Ledo engano, uma vez que a expressão preservação é muito mais ampla que manutenção e possibilita ao órgão responsável por essa missão, a Instituição Militar Estadual, uma atuação mais abrangente.
Denota-se que a manutenção consiste na "[...] a ação e efeito de ser conservada a situação de certas coisas ou de certos fatos. É, assim, a permanência ou conservação, legalmente assegurada, a respeito de qualquer statu quo, que se manterá como sempre foi ou como deva ser". (SILVA, 2000, p. 518).
Portanto, tem-se que a manutenção restringe-se ao simples fato de manter, conservar a situação em se encontra determinada localidade, com o fito de manter a ordem pública inalterada.
Enquanto que a preservação é muito mais ampla, uma vez que esta é dividida em dois aspectos: o primeiro concerne a respeito da situação de normalidade e para isso utiliza-se de medidas preventivas e ações dissuasivas, as quais visam à normalidade, e o segundo, está relacionado com a situação de anormalidade, pois, em caso de quebra desta normalidade, faz-se necessária ação repressiva e imediata, bem como ações de contenção, a fim de restabelecer a ordem pública. (WALLNER, 2001, p. 12).
Desse modo, nota-se que enquanto a manutenção está voltada tão-somente para permanência da situação de normalidade, a preservação aparece tanto na forma da prevenção para manter a normalidade tanto na forma repressiva, em casos de quebra da ordem, momento em que cabe ao órgão integrante do sistema de segurança pública, restabelecê-la imediatamente.
Salienta-se ainda, a respeito à atribuição da Polícia Militar, as legislações em âmbito federal que tratam do tema, quais sejam: o Decreto-Lei nº 667/69, o Decreto nº 88.777/83 e o PARECER Nº AGU/TH/02/2001, sendo os dois primeiros recepcionados pela CRFB/88.
O Decreto-Lei nº 667/69 descrimina a atuação da Polícia Militar e ainda garante à esta Instituição a exclusividade do policiamento ostensivo, veja-se:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:
a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; (grifo nosso)
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem.
[...] (BRASIL, 1969).
Conforme o Decreto Federal em comento cabe às Polícias Militares o policiamento ostensivo de forma exclusiva, ou seja, somente a Corporação Castrense pode utilizar-se deste policiamento. Refere-se ainda ao modo pelo qual se dá este policiamento: fardado.
A respeito do conceito de policiamento ostensivo, o Decreto federal nº. 88.777/83, em seu art. 2º, 27, que determina também as demais missões da Instituição miliciana, a saber:
[...]
Art . 2º - Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:
[...]
27 - Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.
São tipos de se policiamento, a cargo das Polícias Militares ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes:
- ostensivo geral, urbano e rural;
- de trânsito;
- florestal e de mananciais;
- rodoviária e ferroviário, nas estradas estaduais;
- portuário;
- fluvial e lacustre;
- de radiopatrulha terrestre e aérea;
- de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado;[...] (BRASIL, 1983).
Nota-se que o policiamento ostensivo consiste em ações, cuja presença de policiais se destaca, uma vez que tal fato gera sensação de segurança. Cabe mencionar que este policiamento é tão-somente uma fração da polícia ostensiva, a qual possibilita, por meio de ações preventivas, à Polícia Militar cumprir sua nobre missão constitucional.
E ainda, o PARECER Nº AGU/TH/02/2001 (parecer GM – 25) retrata a exclusividade da Polícia Militar em exercer a polícia ostensiva, bem como descrimina a abrangência das atribuições concedidas à Instituição:
A menção específica à polícia ostensiva tem, no nosso entender, o interesse de fixar sua exclusividade constitucional, uma vez que a preservação, termo genérico, está no próprio caput do art. 144, referida a todas as modalidades de ação policial e, em conseqüência, de competência de todos os seus órgãos. (grifo nosso) (BRASIL, 2001, p. 8).
Com efeito, a polícia ostensiva é de fato uma exclusividade da Polícia Militar e só se admite exceções quando estas decorrem de lei, como no caso da Polícia Rodoviária Federal a qual foi concedido o dever de realizar o patrulhamento das rodovias federais (art. 144, § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), patrulhamento este que é uma fração da polícia ostensiva.
Ademais, as expressões polícia ostensiva e preservação da ordem pública como missões constitucionais da Corporação Castrense apontam para a exclusividade e ampliação da atuação, especialmente em ações preventivas, as quais podem ir desde ações de policiamento ostensivo até expedição de alvarás.
Por fim, encontram-se na Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989 também as atribuições da Polícia Militar, a saber:
Art. 107. À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras atribuições estabelecidas em Lei:
I – exercer a polícia ostensiva relacionada com:
a) a preservação da ordem pública;
b) o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;
c) o patrulhamento rodoviário;
d) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;
e) a guarda e a fiscalização do transito urbano;
f) a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal;
g) a proteção do meio ambiente;
h) a garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicas, especialmente da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e coupação do solo e de patrimônio cultural;
II - cooperar com órgãos de defesa civil; e
III – atuar preventivamente como força de dissuasão e respectivamente como de restauração da ordem pública. (SANTA CATARINA, 1989, p. 77).
Conclui-se que a Carta Estadual especificou as ações da Organização Militar, especialmente no que diz respeito à polícia ostensiva, porém não a conceituou, além disso, percebe-se que a Instituição Miliciana tem como missão diversas formas de policiamento, tais como, o radiopatrulhamento, proteção do meio ambiente, entre outros, sendo que todas essas missões são exercidas por meio da polícia ostensiva.
Assim como nas demais legislações, a CESC/89 não fixou um conceito à polícia ostensiva, por essa razão buscou-se tal conceito no arcabouço geral legislativo (Decreto federal nº 88.777/83) e na doutrina, a fim de definir as atribuições da Polícia Militar de Santa Catarina.
Dessa forma, fala-se de atribuição da Organização Castrense Catarinense como sendo de polícia ostensiva, a qual consiste em ações preventivas e ações imediatas em caso de quebra da ordem, bem como qualquer outra medida que não seja missão dos demais órgãos, e sendo no caso de falência destes também atua, para bem preservar a ordem pública.
2.2 PODER DE POLÍCIA
O poder de polícia é exclusivo das autoridades da Administração Pública, a qual permite a estas autoridades restringir os direitos e garantias individuais, a fim de prevalecer o interesse público.
Pode-se dizer que o poder de polícia consiste na:
[..] faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. [...] o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. (grifo do autor). (MEIRELLES, 2007, p. 131).
Por conseqüência, denota-se que cabe à Polícia Militar, órgão estatal, o exercício do poder de polícia e a partir disso, é conferido a esta Instituição a possibilidade de restringir direitos, a fim de atender o interesse coletivo, contudo este poder não é exclusivo dos policiais militares, uma vez que a vigilância sanitária e outros órgãos públicos também o detêm.
No que tange à legislação, encontra-se o conceito de poder de polícia somente no Código Tributário Nacional, o qual diz que:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 2004, p. 65).
Com efeito, o poder de polícia se relacionada diretamente com a fiscalização, limitação dos direitos individuais, em detrimento dos interesses coletivos em tudo aquilo que concerne à segurança, à higiene, à ordem e aos costumes, por parte da Administração Pública.
O poder de polícia é "[...] a faculdade discricionária da Administração Pública de restringir e condicionar o exercício dos direitos individuais com o objetivo de assegurar o bem-estar geral". (MACHADO, 2006, p. 434).
Ademais, a Administração Pública por intermédio do poder de polícia limita os direitos dos cidadãos, situação esta inerente à atividade policial militar, que deve se ater para o não cometimento de abuso e desvio de poder em razão da utilização deste poder de polícia.
2.3 POLÍCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA
Cumpre destacar a distinção entre polícia administrativa e judiciária, haja vista que em muitos casos há confusão entre os conceitos e, além disso, no intuito de melhor definir a missão dos órgãos integrantes do sistema de segurança pública, mister a especificação destes termos.
No que tange à polícia administrativa, pode-se dizer que esta consiste no controle, por meio de interferências, aos bens, direitos e atividades particulares, através de uma atuação voltada especialmente à prevenção, e também à repressão, a qual se desempenha em vários segmentos, tais como, polícia florestal, polícia sanitária e polícia de trânsito e transportes. (BARRETO, 2006, p. 100).
Observa-se que a polícia administrativa tem influência direta nos direitos e bens dos cidadãos, e ainda possui um enfoque não só na parte de prevenção, como também repressão administrativa, a qual é aquela que atua de imediato, com o fim de conter as infrações que não se enquadram como penais, mas sim, como infrações de trânsito, entre outras de natureza administrativa.
A respeito deste tema, ensina o professor Álvaro Lazzarini (2000, p. 123/124), o qual disse que:
[...] a polícia administrativa, porém é bem mais ampla, pois tem por objeto não só a prevenção do ilícito penal, cabendo-lhe também a prevenção e a própria repressão administrativa de toda uma gama de outros ilícitos não penais, como as de polícia de trânsito de veículos terrestres ou motoaquáticos, os de polícia das construções, os de polícia aduaneira, os de polícia fiscal, os de polícia do meio ambiente, os de polícia sanitária etc., enfim conforme a atividade policiada esteja sujeita à disciplina das leis respectivas (toda vez que uma lei impõe uma determinada restrição ao administrado, ela concede o correspondente poder de polícia à Administração Pública para possibilitar a concretização da restrição).
Dessa forma, vislumbra-se que a polícia administrativa é a forma pela qual a Polícia Militar exerce medidas preventivas de preservação da ordem pública e por meio de atos administrativos visa manter esta ordem inalterada.
Quanto à polícia judiciária, tem-se que esta consiste em desempenhar uma função auxiliar da justiça criminal e também segue às normas de direito processual penal.
A polícia judiciária visa à investigação e apuração daquelas infrações penais que a polícia administrativa não conseguiu prevenir, devendo também reunir provas de crimes e seus autores, a fim de levá-los a responderem processos criminais perante a justiça penal. (CAETANO, 1997, p. 87).
Com efeito, a polícia judiciária aparece somente quando uma infração penal é cometida, no intuito de desvendar o seu autor, assim como as demais circunstâncias pertinentes ao caso.
Diante disso, não se pode confundir polícia administrativa com polícia judiciária, uma vez que cada uma desempenha suas respectivas funções, motivo pelo qual se pode dizer que a primeira é eminentemente preventiva e a segunda repressiva.
Sobre a diferença entre polícia administrativa e judiciária, tem-se o seguinte ensinamento:
A polícia administrativa é regida pelos princípios do Direito Administrativo e incide sobre bens, direitos ou atividades, enquanto que a Polícia Judiciária é regida pelas normas do Direito Processual Penal e incide sobre as pessoas. A Polícia Administrativa é preventiva. A Polícia Judiciária é repressiva. A primeira desenvolve sua atividade, procurando evitar a ocorrência do ilícito e daí ser denominada preventiva enquanto que a segunda desenvolve sua atividade após o delito, por isso, é denominada repressiva. (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 21).
Ainda sobre esta diferença, pode-se dizer que consiste basicamente no momento do acontecimento do delito, pois, a polícia administrativa atua antes do delito, enquanto que a polícia judiciária desenvolve seu papel após o cometimento do delito.
Com efeito, conclui-se que à Polícia Militar cabe a polícia administrativa, corroborando deste entendimento Valla (2004, p. 11), o qual diz que:
A Polícia Militar, como corporação, insere-se, como podemos ver, entre as instituições que exercem poder de polícia administrativa, praticando atos administrativos de polícia, notadamente ordens e proibições, que envolvem não a atuação estritamente preventiva, mas, igualmente, a fiscalização e o combate aos abusos e às rebeldias, às mesmas ordens e proibições, no campo, por exemplo, da polícia de costumes, do trânsito e do tráfico, dos bens públicos etc.
Denota-se que a Polícia Militar tem a missão de desempenhar a polícia administrativa, por meio de medidas preventivas que visam preservar a ordem pública e, além disso, desenvolve a polícia judiciária na apuração de crimes militares.
À Polícia Civil cabe a polícia judiciária, porque este órgão é o responsável, de acordo com a Carta Federal, pela polícia judiciária e a apuração de infrações penais, ressalvada a competência da União e exceto os crimes militares (art. 144, § 4º, CRFB/88).
Contudo, não se pode dizer que a natureza da instituição é que define a sua atribuição legal, neste sentido Lazzarini (1999, p. 204) ensina que:
[...] a qualificação do órgão policial em civil ou militar não implica, necessariamente, no exercício de atividade de polícia judiciária ou de atividade de polícia administrativa. Ainda, não será o título universitário do agente político que qualificará a atividade policial desenvolvida. O que a qualificará será, sempre, a atividade policial desenvolvida.
De efeito, afirma-se que atualmente a Polícia Militar é responsável pela polícia administrativa enquanto que a Polícia Civil tem o dever de realizar a polícia judiciária, porém nada impede que ocorra uma função híbrida da Instituição Militar, já que esta possui a competência residual e até porque a CRFB/88 não concedeu exclusividade à Instituição Civil para o desempenho desta função. (ALVES, 2010, p. 39).
Além disso, conclui-se que a polícia administrativa possuiu atribuições com grandes amplitudes, sendo que suas ações atingem grandes níveis de flexibilidade, ou seja, a restrição é mínima. A partir desta interpretação entende-se que a polícia administrativa pode intervir em todos os fatos e atos na sociedade que possam ameaçar a ordem pública.
E para isso, encontram-se algumas medidas que podem ser utilizadas, como polícia administrativa pela Polícia Militar, tais como, a fiscalização de estabelecimentos comerciais, concessão de licenças, entre outras.
2.3.1 Atribuições da Polícia Administrativa
Em que pese às definições acerca de polícia administrativa, faz-se necessário o enfrentamento de suas respectivas atribuições, até porque a partir disto se pode chegar às medidas pelas quais a Polícia Militar exerce ações de polícia administrativa.
A polícia administrativa atua por meio de atos concretos e gerais, haja vista que o primeiro é aquele no qual o destinatário já está especificado e o segundo não há esta especificação. Exemplificando-se, quanto aos atos concretos tem-se a interdição de um determinado restaurante e quanto aos atos gerais encontra-se uma proibição, por regulamento ou portaria, de soltar balões comemorativos às festas juninas. (ANDRADE, 2006, p 46).
Com efeito, a Instituição Militar Estadual, a qual desempenha a função de polícia administrativa, pode expedir portarias e determinações a uma pessoa determinada ou até mesmo a uma coletividade, desde que essas ações interfiram de alguma forma na preservação da ordem pública.
Sobre as ações e atribuições da Polícia Militar, por meio da polícia administrativa, Volnei Ivo Carlin (2007, p. 266) assevera que:
A área de atuação da polícia administrativa é das mais amplas, compreendendo desde os aspectos clássicos da segurança das pessoas até a preservação da qualidade do meio ambiente natural e cultural, o combate ao abuso do poder econômico e a preservação do abastecimento de gêneros alimentícios. Entre um sem-número de atividades da polícia administrativa, destacam-se: o direito de construir; as condições sanitárias de alimentos; os medicamentos; o exercício de profissões; a poluição sonora, visual e hidroecológica (rios, mares e mananciais); os preços, as atividades bancária e econômica; o trânsito; a polícia edilícia, que se ocupa da disciplina das construções, e a polícia funerária, voltada as sepultamento dos cadáveres.
Além disso, para Cretella Júnior (2003, p. 416) a polícia administrativa visa prevenir infrações penais, bem como assegurar a ordem, a obediência aos direitos e, da mesma forma, realizar o auxílio à execução dos atos e das decisões da Justiça e da Administração.
Diante deste contexto, observa-se que não se pode especificar todas as ações que a polícia administrativa pode exercer, em razão da complexidade da sua atividade, bem como da impossibilidade de visualizar todas as condutas que interferem na ordem pública.
Conclui-se, então, que o exercício da polícia administrativa concede à autoridade Policial Militar o poder de interferir, fiscalizar, limitar e todas as ações que se fizerem pertinentes para impedir a quebra da ordem, bem como possibilita todas as condutas necessárias para preservação da ordem pública.
2.3.2 Atributos de Polícia Administrativa
A Polícia Militar para exercer a polícia administrativa necessita de atos administrativos, até porque os atos de polícia são atos administrativos e estes, para que possam produzir efeitos legais perante a sociedade, devem conter em suas estruturas os atributos da discricionariedade, coercibilidade e auto-executoriedade.
No tocante aos atributos do ato administrativo, Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 159), afirma que:
Os atos administrativos trazem em si certos atributos dos quais não desfrutam os atos jurídicos entre particulares. Isto se explica pela qualidade de interesses que incumbe à Administração Pública proteger [...] Não há, portanto, como poderia parecer à primeira vista, privilégio em favor da Administração, e sim um tratamento especial em razão da função que ela desempenha. Nesse sentido é que os atos administrativos são portadores de atributos peculiares, que os distinguem dos atos jurídicos privados, como a presunção de legitimidade, a imperatividade e a auto-executoriedade.
Com efeito, denota-se que o ato administrativo possuiu diversos atributos e no que toca especificamente à polícia administrativa, tem-se que os seus atributos são os seguintes: "a discricionariedade, o da auto-executoriedade e o da coercibilidade". (TOLEDO, 2009, p. 6/7).
Desta feita, percebe-se que os atributos da polícia administrativa lhes são específicos, contudo, permanecem na mesma linha dos atributos do ato administrativo, até porque este é o geral e aquele o específico.
Referente à discricionariedade, tem-se que esta consiste na liberdade que é concedida à autoridade de polícia administrativa para tomar suas decisões no que toca às situações que possam comprometer a ordem pública. (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 377).
A atuação da polícia administrativa é discricionária, a qual deve agir de acordo com a conveniência e oportunidade de sua autoridade atendendo ao interesse público em preservar a ordem pública com observância dos preceitos legais.
A discricionariedade que é a liberdade, pautada nos critérios de conveniência e oportunidade, a qual é inerente à polícia administrativa, se origina da margem de escolha que a própria lei possibilita a sua autoridade, que deve atuar todas as vezes em que vislumbrar qualquer risco à quebra da ordem pública.
No que tange à auto-executoriedade, denota-se que este atributo diz respeito ao fato da polícia administrativa, a fim de garantir efetivamente o cumprimento do ato que foi praticado, executá-lo direta e imediatamente, sem a necessidade de intervenção do poder judiciário, podendo, inclusive utilizar do uso da força para levá-lo a efeito.
A auto-executoriedade está vinculada ao fato de que a autoridade de polícia administrativa, dentro de suas atribuições legais, no momento em que pratica um ato, pode exigir o cumprimento deste ato de qualquer cidadão que possa quebrar a ordem pública, sem a aquiescência do poder judiciário ou qualquer outro órgão público. (DI PIETRO, 2005, p. 194).
Os atos administrativos auto-executórios são aqueles que oportunizam a autoridade de polícia administrativa, em caso de descumprimento de quaisquer de seus atos, que ela mesma possa dar efetividade a estes, praticando-os por iniciativa própria.
A auto-executoriedade possibilita a própria autoridade de polícia administrativa, na omissão do cidadão destinatário do ato administrado, praticar o ato por sua iniciativa, consistente em ela mesma realizar a ação, como por exemplo, a demolição de um edifício que cause riscos à ordem pública. (MELLO, 2006, p. 411/412).
Por fim, consoante ao último atributo da polícia administrativa, a coercibilidade é:
No desempenho das atribuições da polícia administrativa, é possível a imposição de regras (atos de alcance geral) ou medidas concretas (atos específicos), cuja natureza imperativa as torna obrigatórias aos cidadãos, sob pena de incidirem nas penalidades legais pelo seu descumprimento. É o que ocorre, verbi gratia, na interdição de um estabelecimento comercial em virtude do desrespeito a normas de higiene e segurança das instalações. (BARRETO, 2006, p. 101).
Nestes casos, os atos praticados pela autoridade de polícia administrativa não são de escolha dos cidadãos em praticá-los ou não, mas sim obrigação de todos em atender as ordens de tal autoridade, sob pena de incidir em alguma penalidade administrativa ou até mesmo no crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal Brasileiro.
A coercibilidade contempla o ato administrativo com o seu poder de exigir dos cidadãos que pratique desde logo o ato emanado da autoridade de polícia administrativa, bastando tão-somente a publicidade deste ato.
2.4 ORDEM PÚBLICA
Cumpre destacar que, para a Polícia Militar conseguir desempenhar sua missão constitucional e legal, faz-se necessário o conhecimento do conceito de ordem pública, até porque a essência do dever da Instituição Castrense Estadual trata de ordem pública.
Sobre este conceito, colhe-se do Decreto federal nº 88.777/83, em seu artigo 2º, 21, que:
Art . 2º - Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:
[...]
21. Ordem Pública - Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo como escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. (BRASIL, 1983).
Outrossim, a ordem pública, muito embora com o conceito trazido pela própria legislação, ainda sustenta discussão na doutrina, no intuito de se chegar a um consenso acerca deste tema, veja-se.
Para os doutrinadores, a ordem pública pode ser definida como:
[...]manutenção de uma certa ordem moral, o que é básico em direito administrativo, porque a ordem pública é constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente, formando-lhes o fundamento à segurança dos bens e das pessoas, à salubridade e à tranqüilidade, revestindo, finalmente, aspectos econômicos (luta contra monopólios, açambarcamento e carestia) e, ainda, estéticos (proteção de lugares e monumentos). (CRETELLA JÚNIOR, 1978, p. 370).
Diante disso, encontra-se a ordem pública como uma sensação da sociedade de ausência de delitos, uma tranqüilidade que possibilita a toda a coletividade desempenhar as suas atividades diárias sem empecilhos, dando conta de que não há quaisquer problemas quando há ordem.
Em resumo, "é mais fácil sentir a ordem pública do que defini-la" (LAZZARINI, 1999, p. 52), além do que a ordem pública é formada por elementos: tranqüilidade pública, salubridade pública, segurança pública e a dignidade da pessoa humana.
2.4.1 Tranquilidade Pública
Um dos elementos que formam a ordem pública é a tranqüilidade pública, a qual consiste em um estado de serenidade, onde não há perturbações tampouco infortúnios, deixando uma coletividade sem aborrecimentos e desentendimentos.
Sobre o tema, Marlon Jorge Teza (2009) assevera que tranquilidade pública "exprime o estado de ânimo tranqüilo, sossegado, sem preocupações nem incômodos. Que traz às pessoas uma serenidade, uma paz de espírito. – É muito mais uma sensação".
Desse modo, pode-se dizer que a tranquilidade pública diz respeito a uma sensação construída no seio de uma sociedade, gerando um bem estar social, cuja coletividade vive de forma harmônica, sem problemas que possam perturbar o cotidiano de cada cidadão.
2.4.2 Salubridade Pública
A salubridade pública é aquela em que se observam as condições, mormente quanto a ambiência, saúde e higiene de uma determinada localidade, a fim de verificar se o local é propício para a vida humana.
No que toca à salubridade pública, tem-se que:
Refere-se ao estado sanitário de um lugar, ou aos requisitos indispensáveis à sanidade pública. Assim, embora se referindo às condições sanitárias de ordem pública, ou coletiva, não deixa a expressão de aludir ao higiênico ou de sanidade de um lugar, em virtude do qual se mostram favoráveis às condições de vida de quantos o habitam. Recebe o qualificado de público, justamente por ser de interesse geral e comum, mostrando matéria que merece direta vigilância dos próprios poderes constituídos. (SILVA, 2000, p. 731).
Denota-se que a salubridade pública consiste na observância de aspectos ligados à qualidade de vida de uma coletividade, no que tange a matérias de higiene e saúde, sendo assim, observa-se que tudo aquilo que prejudicar essas condições, de imediato legitima a atuação da Polícia Militar para restabelecer a salubridade pública ou providenciar que outro órgão público específico na área atingida o faça.
2.4.3 Segurança Pública
Neste elemento há uma preocupação específica quanto ao cometimento de crimes e contravenções. Assim, exige-se da Instituição Militar Estadual ações preventivas para evitar a quebra da ordem e também medidas de repressão para restabelecer a ordem em caso de quebra.
Para compreensão do conceito, Álvaro Lazzarini (2003, p. 284) ensina que:
Estado antidelitual que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pelas leis das contravenções penais, com ações de polícia preventiva ou de repressão imediata, afastando-se, assim, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.
Dessa forma, pode-se dizer que somente haverá segurança pública, como elemento da ordem pública, quando se conseguir que uma coletividade fique alheia a crimes e contravenções, bem como usufrua da ausência de quaisquer perigos que possam comprometer a ordem pública.
2.4.4 Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana também pode ser incluída no âmbito do conceito de ordem pública, completando os elementos deste conceito de suma importância para a atividade da Polícia Militar.
Destarte, percebe-se que a dignidade da pessoa humana está diretamente ligada à ordem pública, pois quando não há respeito a tal premissa, isto significa que a ordem pública já foi quebrada, sendo assim, preserva-se a ordem pública também com o respeito à dignidade da pessoa humana.
O artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da Norma Maior, daí porque não se duvida que esta condição é inerente ao ser humano, por isso, deve-se preservá-la.
Neste sentido, Alexandre de Moraes (2003, p. 129) explica este fundamento constitucional:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Desse modo, a dignidade da pessoa humana vislumbra como um dos principais elementos no âmbito da ordem pública, até porque quando aquela não for respeitada esta restará alterada.
Ante estas circunstâncias, nota-se que quando se falar em ordem pública deve-se considerar todos os seus elementos, sob pena de, na falta de qualquer um deles, ocorrer a quebra da ordem.
Conquanto, nota-se que a missão da Polícia Militar de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública é um tanto quanto complexa, a qual pode variar em muito as suas ações, e não rara as vezes, ocorre confusão especialmente, entre a missão da Corporação Castrense com a Polícia Rodoviária Federal, motivo pelo qual faz-se necessária também a definição da missão desta última instituição.