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Trajetória do Partido Trabalhista Brasileiro entre 1946 e 1964

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Sumário:1. Introdução; 2. As origens históricas do PTB e sua formação; 3. O PTB gaúcho, o pensamento de Alberto Pasqualini e a "complementaridade conflitiva" entre Vargas e Pasqualini; 4. O PTB em São Paulo; 5. O PTB e o Ministério do Trabalho; 6. O PTB e os sindicatos; 7. A dissidência do trabalhismo – O Movimento Trabalhista Renovador (MTR) de Fernando Ferrari e outras divisões dentro do PTB (Grupo Compacto e parcelas do PTB que integraram a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a Frente de Mobilização Popular (FMP)); 8. Evolução da representação parlamentar trabalhista no Legislativo Federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal – 1945 a 1962); 9. Conclusão;10. Complemento; 11. Notas; 12. Bibliografia.


1.Introdução:

Este trabalho segue a orientação adotada por Campello de Souza (1976), segundo a qual o sistema partidário brasileiro tem sua composição influenciada significativamente pela atuação do Estado na vida nacional, ou seja, o Estado é considerado um ator importante, decisivo, na composição do quadro político-partidário.

Estabelecida essa premissa, dado que a formação do PTB teve decisiva ingerência do Ministério do Trabalho (Gomes e D’Araújo, 1989), é conveniente justificar a relevância do estudo do PTB. Segundo Schmitt (2000:27), o referido partido foi a agremiação política que exerceu a hegemonia da esquerda brasileira durante a terceira República, entre 1945 e 1964. Como razão adicional para estudá-lo, pode-se citar o fato de que o PTB foi, entre as três principais agremiações políticas da "República Populista"(que eram, além dele próprio, o PSD e a UDN), a única a registrar crescimento percentual da representação parlamentar no período compreendido entre 1945 e 1962, segundo Schmitt (2000:23 e 24).


2.As origens históricas do PTB e sua formação:

As origens do PTB estão relacionadas a alguns dos objetivos que Getúlio Vargas, com o respaldo das elites brasileiras, tentou alcançar ao longo de seu período no poder (1930-1945 e 1951-1954), tais como: a neutralização da influência do Partido Comunista Brasileiro no meio urbano – industrial e sindical, entre os operários das cidades; o amortecimento da luta de classes na sociedade brasileira, por meio da "doação" da legislação social e do trabalho, reunida na "Consolidação das Leis do Trabalho", de 1943; a consolidação da base política varguista entre o proletariado dos maiores municípios brasileiros. O que foi escrito acima será confirmado por transcrições de textos de estudiosos no assunto.

Segundo Benevides, "O PTB poderia servir de instrumento de mobilização – principalmente frente à ameaça comunista..." (Benevides,1989:23). Segundo a mesma autora, "Getúlio criou o Partido Social Democrático com a mão direita e o Partido Trabalhista com a mão esquerda" (Ibidem:31). Gomes e D’Araújo (1989) concordam com Benevides em relação ao argumento de que o PTB surgiu, em parte, para neutralizar a influência comunista nas áreas urbanas e sindicais e entre o operariado. Segundo elas, referindo-se à fundação do PTB e do PSD, "A criação desses dois partidos políticos não resulta de um cálculo maquiavélico, que buscava distinguir bases diferenciadas de apoio político. Ao contrário, o PSD e o PTB emergem como a solução pragmática possível num contexto em que as presenças de um significativo partido de oposição (UDN) e de uma forte esquerda organizada (PC) forçavam a tomada imediata de decisões políticas. Pode-se descartar, portanto, com segurança, a versão corrente de que a concepção do PTB tenha sido uma invenção de última hora. Não foi concebido exclusivamente para funcionar como um contrapeso à força crescente – e surpreendente – do Partido Comunista, nem foi imaginado a posteriori como alternativa popular face ao elitismo do PSD.

Certamente o PTB foi imaginado como a melhor opção partidária para o trabalhador brasileiro. Nesse sentido era uma cunha entre as massas trabalhadoras e o comunismo, mas não um partido cujo móvel e sentido fosse o anticomunismo.(...). O PTB não deve ser entendido como mera força reativa ao comunismo "(Gomes e D’Araújo, 1989:16).

Ainda sobre esse assunto, e considerando ter sido a necessidade de contraposição à penetração do PCB nos meios sindicais urbanos a principal razão da fundação do PTB, Moniz Bandeira nos informa o seguinte: "Vargas viu-se então na contingência de autorizar a organização do Partido Trabalhista Brasileiro, a fim de evitar que ponderável setor da classe operária se voltasse para o PCB" (Bandeira, 1979:33). O mesmo autor também nos informa que o PTB " Funcionaria como anteparo contra o avanço do PCB, organização mais avançada dos trabalhadores, até então reprimida pelo Estado Novo. Essa preocupação em neutralizar o comunismo, também por métodos que não os de força, sempre acompanhou Vargas" "(Bandeira, 1978:29).

De acordo com Benevides "O trabalhismo brasileiro encontra suas raízes logo após a Revolução de 30, e é durante o Estado Novo que se desenvolve, vinculado à implantação da legislação trabalhista. Consolida-se, portanto, como uma verdadeira emanação de Getúlio Vargas. (...) o trabalhismo getulista expressava-se em três grandes linhas: o nacionalismo,"a justiça social", com a exaltação da legislação trabalhista, e o sindicalismo populista. Como eixo unificador, temos a noção de um Estado interventor e "organizador", baseado no projeto de emancipação nacional e desenvolvimento econômico" (Benevides, 1989:94). Para corroborar o que foi escrito acima, transcrevo um trecho do verbete sobre o PTB do Dicionário Histórico – Biográfico Brasileiro (DHBB): "A primeira convenção nacional do PTB, realizou-se em 14 de setembro de 1945, no Rio de Janeiro. (...). Nessa convenção, foi também lançado o programa do PTB que (...) defendia sobretudo: 1) o reexame da Constituição sem que fossem reduzidos os direitos por ela assegurados aos trabalhadores; 2) o amparo da legislação aos trabalhadores rurais e também aos trabalhadores das autarquias e servidores públicos, quando seus direitos fossem inferiores aos dos trabalhadores das empresas privadas; 3) a criação de órgãos paritários da Justiça do Trabalho em todos os grandes centros trabalhistas do país, assegurando-se um rápido andamento nos processos; 4) a ampliação da representação das classes, sem preponderância de nenhuma delas, em todos os órgãos que representassem o capital e o trabalho; 5) a planificação econômica atingindo todos os setores, por meio da orientação, intervenção ou gestão do Estado, para que a produção do país atendesse às necessidades internas; 6) a melhor distribuição da riqueza, reconhecido ao capital o direito a um lucro com limite razoável; 7) a extinção dos latifúndios improdutivos, assegurando-se a possibilidade de posse da terra a todos os que quisessem trabalhá-la e 8) o direito de greve pacífica e a distinção entre greve legal e ilegal" (Beloch e Abreu, 1984:2600).

Acerca da fundação do PTB, Moniz Bandeira nos informa que "O PTB,..., nasceu numa das vertentes do Bonapartismo de Vargas(na outra o PSD se originou), quando o Estado Novo agonizava e alicerçou sua organização no proletariado, apesar dos elementos pequeno-burgueses e das peculiaridades que o influenciavam. (...). Nos atritos de classe, o PTB intermediava, acomodava as reivindicações dos operários aos limites tolerados pelo capitalismo, ao mesmo tempo em que sofreava a exploração excessiva de sua força de trabalho. Por isto alguns de seus líderes se celebrizaram como pelegos1(...). Também nesse aspecto o PTB se aproximava da Social Democracia, exercendo ofício semelhante ao que ela desempenhava na Europa, como fator de equilíbrio nas relações de classe.

Evidentemente, como o próprio Vargas declarou, o PTB, ao menos em seus primórdios, não era socialista, era apenas socializante e devia constituir uma opção para os trabalhadores, que não integrariam nem o PSD nem a UDN, variantes da oligarquia cindida"(Bandeira, 1978:28,29).

Segundo os autores do DHBB, um elemento relevante para a fundação do PTB foi o Ministério do Trabalho, por intermédio do titular da pasta em 1945, Alexandre Marcondes Filho (Beloch e Abreu, 1984:2600). Outro fator do processo de formação do Partido Trabalhista Brasileiro foi o "queremismo", que, segundo os autores anteriormente citados, "foi um movimento popular que tinha como objetivo lutar pela permanência de Vargas na presidência da República através da convocação de uma assembléia nacional constituinte"(Beloch e Abreu, 1984:2600). Ainda de acordo com os mesmos autores, "a mobilização trazida por esse movimento proporcionou uma grande expansão para o PTB e teve grande influência na fixação da política do novo partido" "(Beloch e Abreu, 1984:2600).


3.O PTB gaúcho, o pensamento de Alberto Pasqualini e a "complementaridade conflitiva" entre Vargas e Pasqualini:

O PTB-RS foi a mais importante seção do PTB nacional, na qual militaram os mais destacados líderes trabalhistas brasileiros, tais como Getúlio Vargas, João Goulart, Alberto Pasqualini, Leonel Brizola, Fernando Ferrari entre outros.

Dentre esses, o que se notabilizou por ser o teórico, o ideólogo, o doutrinador do trabalhismo brasileiro, foi o ex-Senador Alberto Pasqualini, o qual, segundo Beloch e Abreu (1984:2600), liderava uma "corrente de orientação mais doutrinária, ..., que tinha uma perspectiva influenciada pelo trabalhismo inglês". Ainda segundo os mesmos autores, "Pasqualini deixou claro que considerava inviável a implantação do sistema socialista no Brasil. As influências mais marcantes em seu pensamento partiam da doutrina expressa pelas encíclicas papais e pelo trabalhismo inglês, sintetizadas em alguns princípios gerais que ele mesmo enunciou: a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos; b) a coletividade humana é um sistema de cooperação; c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz, nada tem para permutar; d) o poder aquisitivo é a contrapartida do trabalho socialmente útil; e) a função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça social se admite, se traduz por uma distribuição eqüitativa da riqueza, isto significa,..., que garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no produto social...deve estar em relação ao valor social do seu trabalho, f) o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a diminuição crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social desse trabalho com a garantia de um número dentro dos padrões da nossa civilização para as formas de trabalho menos qualificadas"(Beloch e Abreu,1984:2612).

É conveniente esclarecer a definição de usura social para Pasqualini. Segundo os autores do DHBB, a usura social existe "quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedade não estão baseadas nos princípios de justiça social... . A usura social é o que comumente se costuma denominar de exploração do homem pelo homem" (Ibidem:2612).

Em relação ao PTB do Rio Grande do Sul, transcreverei alguns trechos que constam da seção de história do trabalhismo do site do PDT na Internet, nos quais é feito o retrospecto da trajetória do trabalhismo gaúcho, da figura central de Pasqualini e do relacionamento político entre este último e Vargas, este último item baseado na obra de Miguel Bodea.

"Para compreender melhor o projeto do PTB é necessário estudar a formação e o desenvolvimento deste partido no Rio Grande do Sul, que se destacou não só por ser a seção estadual mais organizada, mas também pela contribuição teórica de Alberto Pasqualini.

O PSD surge no Rio Grande do Sul pelas mãos do interventor Ernesto Dornelles, primo de Vargas, e por Protásio Vargas, irmão do Presidente. A sua primeira convenção ocorre em julho de 1945 já marcada por divergências levantadas por um grupo que defendia um apelo à mobilização de massas, uma posição antielitista e favorável a um programa de reformas sociais. Estava criada a "Ala Trabalhista" do PSD, embrião do Partido Trabalhista Brasileiro, composta basicamente por lideranças sindicais.

A Ala Trabalhista envolve-se de corpo e alma no "queremismo", movimento que defende a reeleição de Vargas e tem o apoio de Prestes, recém saído da prisão, do Partido Comunista. Com isso distancia-se da cúpula do PSD, comprometida com a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra à presidência da República.

No dia 14 de setembro a "Ala" desliga-se formalmente do PSD e funda o PTB. A ata de fundação é assinada por presidentes, diretores e lideranças de vários sindicatos, entre os quais: metalúrgicos, carris, portuários, alfaiates, comerciários, madeireiros e dos vários ramos da alimentação. Ao lado da assinatura de lideranças sindicais de peso apenas dois bacharéis.

O PTB é formado por sindicalistas com larga tradição de luta, tendo alguns conhecido as prisões do Estado Novo, e arredios à entrada no partido de "bacharéis e políticos profissionais" (...).

No mesmo mês de fundação do PTB é lançada em Porto Alegre a União Social Brasileira (USB), formada por intelectuais, bacharéis e estudantes.

O presidente deste agrupamento político é o advogado Alberto Pasqualini, que havia sido Secretário de Interior e Justiça na Interventoria de Ernesto Dornelles, onde após breve período, demitiu-se em discordância com a política do Estado Novo.

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As idéias de Pasqualini centram-se numa plataforma reformista que tem como meta transformar o "capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro".

No seu discurso de lançamento da USB, Pasqualini frisa que o objetivo "não é a socialização dos meios de produção, mas a criação de um capitalismo sadio onde o fim social se sobreponha ao egoísmo, ao interesse e ao proveito exclusivamente individual; de um capitalismo que compreenda o papel preponderante dos trabalhadores e que, em conseqüência, não lhes recuse a parte dos proveitos que lhes cabe por justiça".

A USB também defende em seu programa "uma organização sindical baseada no princípio da liberdade, com a mais ampla autonomia" e constata que "não será possível instituir no Brasil um verdadeiro regime democrático sem que se prepare as bases econômicas".

A aproximação entre o PTB e a USB deu-se em seguida à fundação das respectivas organizações, e o motivo inicial era o processo eleitoral que se avizinhava. Durante as conversações ocorre a derrubada de Vargas, o que apressa a divulgação de um manifesto conjunto "reconhecendo exclusivamente na vontade do povo, manifestada sem qualquer constrangimento, o poder soberano de traçar normas jurídicas e de escolher seus legítimos representantes".

O "Termo de Compromisso político entre o PTB e a USB" frisa também que "ambas as agremiações conjugarão os seus esforços na defesa dos direitos e dos interesses das classes trabalhadoras e da coletividade em geral".

Além disso, o documento afirma que "as duas agremiações discutirão conjuntamente a questão eleitoral a nível municipal, estadual e nacional e qualquer deliberação será tomada em harmonia. O mesmo sistema de consultas é também recomendado relativamente às questões concernentes à política nacional".

No decorrer do ano de 1946 ocorreria, na prática, a incorporação da USB no PTB. É a fusão de um movimento social reformista com um projeto de desenvolvimento nacional autônomo, o que vem dar ao PTB gaúcho um papel especial na estrutura da organização a nível nacional.

Ao lado de uma forte liderança popular com implantação nacional funde-se uma elaboração teórica reformista que dará, principalmente ao PTB gaúcho, uma tintura de esquerda, apesar da entrada no partido da dissidência getulista do PSD, portadora de posições mais conservadoras"(PDT,2002).

Para resumir o trecho transcrito, e caracterizar a filosofia trabalhista de Pasqualini, destaco os seguintes pontos: 1) o PTB gaúcho se origina de uma dissidência do PSD do Rio Grande do Sul, denominada "Ala Trabalhista"; 2) o PTB-RS foi, inicialmente, um partido constituído essencialmente por trabalhadores, havendo resistência dos primeiros dirigentes ao ingresso de bacharéis e profissionais liberais na agremiação; 3) no mesmo mês de fundação do PTB-RS foi lançada, sob a liderança de Alberto Pasqualini, em Porto Alegre, a União Social Brasileira (USB), formada por intelectuais, bacharéis e estudantes. Esse agrupamento, que depois viria a se fundir com o núcleo inicial do PTB do Rio Grande do Sul, tinha uma proposta teórica sólida, de cunho reformista, e propunha, basicamente: a) capitalismo com responsabilidade e solidariedade social, na linha da Doutrina Social da Igreja; b) economia social de mercado, com socialização parcial do lucro; c) repartição eqüitativa da renda nacional, com participação dos trabalhadores, no produto social, de modo proporcional à sua contribuição para a geração da referida renda; d) liberdade e autonomia sindical, em contraposição à legislação sindical do Estado Novo, que colocou os sindicatos brasileiros sob a tutela do Estado nacional; e) realização da justiça social por intermédio da atuação do Estado; f) necessidade de intervenção do Estado na esfera econômica; 4) o PTB-RS teve sua constituição consolidada pela fusão do núcleo inicial do PTB gaúcho com a USB de Pasqualini, o que ocorreu no ano de 1946, o que dará à referida seção do partido de que se trata uma orientação voltada para a esquerda, ou seja, direcionada para uma proposta de transformação da sociedade brasileira; 5) A referida fusão representou a associação de uma proposta reformadora do capitalismo brasileiro (USB) com um projeto de desenvolvimento autônomo para o Brasil (núcleo inicial do PTB gaúcho), dando ao PTB-RS um papel de destaque na composição do PTB nacional.

Para finalizar este item, julguei importante abordar o relacionamento entre Vargas e Pasqualini. Trancreverei mais alguns trechos da seção de história do trabalhismo do site do PDT na Internet: "Sobre o relacionamento Vargas-Pasqualini é de fundamental importância a tese de Miguel Bodea, apresentada no mestrado de Ciência Política da Universidade de São Paulo, intitulada "Trabalhismo e Populismo2: O Caso do Rio Grande do Sul". O autor sustenta que a "dimensão essencial do relacionamento Vargas-Pasqualini não se situa no confronto entre duas tendências políticas ou na disputa entre duas lideranças partidárias rivais, mas na dinâmica de uma divisão de tarefas no seio do mesmo partido, que gera, entre ambos uma relação de complementariedade com aspectos conflitivos".

Esta "complementariedade conflitiva" se dá em três níveis:

- entre o projeto político nacional (Vargas) e o projeto de construção do Partido Trabalhista (Pasqualini)

- entre a liderança política nacional (Vargas) e a liderança política regional (Pasqualini)

- entre o estrategista político (Vargas) e o doutrinador e teórico (Pasqualini).

Para Pasqualini, o PTB era o instrumento fundamental de realização das reformas sociais para chegar ao "Solidarismo". O teórico trabalhista defendia que "nosso problema não é apenas vencer uma eleição e controlar o governo, nosso problema é criar uma mentalidade social para realizar o programa que defendemos". A sua visão do partido como educador das massas levou-o a ser conhecido na história do trabalhismo "como candidato bom para ganhar e ótimo para perder", conforme as palavras do deputado petebista Ruy Ramos, para quem Pasqualini era um candidato que mesmo perdendo eleições fazia uma pregação durante a campanha que deixava o partido fortalecido na derrota.

Porém, apesar das diferenças, existe um entrosamento, mesmo que conflitivo, entre as duas lideranças, com o casamento do projeto nacional de Vargas e o social reformismo de Pasqualini. Cumpre salientar que, embora não tenha pensado a questão nacional, existe um ponto presente na proposta do desenvolvimento autônomo getulista, também desenvolvido por Pasqualini, que é a questão da intervenção do Estado na economia.

Segundo Pasqualini: "É imprescindível, portanto, a intervenção do Estado na esfera econômica, quer para corrigir suas anomalias, quer para suprir as deficiências da iniciativa privada, pois o Estado deve sempre colocar os interesses coletivos acima de interesses particulares de pessoas ou grupos".

Um outro ponto, que leva muitos a considerar Vargas à esquerda de Pasqualini, é a questão do socialismo. De fato, em várias peças dos discursos getulistas encontram-se trechos que defendem o socialismo e o mais citado é aquele pronunciado no comício de encerramento da campanha de Pasqualini ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 29 de novembro de 1947: "A velha democracia liberal e capitalista está em franco declínio porque tem fundamento na desigualdade. A ela pertencem vários partidos, com rótulo diferente e a mesma substância. A outra é a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. A esta eu me filio".

Este tipo de colocação seria repetido algumas vezes, mas nem por isso se poderia atribuir a Vargas uma postura verdadeiramente socialista e uma posição à esquerda de Pasqualini. Estas citações são muito mais um recurso de retórica para causar impacto em determinadas situações.

Para Pasqualini "não existem condições materiais objetivas, nem condições psicológicas e políticas para a instituição do socialismo. É necessário um certo desenvolvimento industrial, que não existe no Brasil, e que se esse desenvolvimento tivesse atingido aqueles limites em que já não seria conveniente se mantivesse sob o regime da iniciativa privada".

Na medida em que não existem os pressupostos necessários para a transformação socialista do Brasil é necessário, porém, mudar o "capitalismo individualista" que tenderia para o "monopólio, para a hegemonia econômica, para exploração do povo, para o imperialismo".

Como alternativa ao "capitalismo egoísta e agressivo, que gera a opressão, a miséria e as guerras", Pasqualini propõe o "capitalismo solidarista". Porém, o que o líder do PTB faz, influenciado pelo trabalhismo inglês e pelas idéias de Lord Keynes, é uma análise linear do desenvolvimento capitalista dentro de uma visão de que fazendo algumas reformas no capitalismo brasileiro poderia se chegar a um capitalismo desenvolvido, do tipo inglês, e só aí propor o socialismo.

A divisão de tarefas entre Vargas e Pasqualini, referida no estudo, já cita Miguel Bodea, encontra seu ponto mais importante na questão de funções político-partidárias entre os dois líderes trabalhistas.

Vargas é o estrategista político que comanda o aparelho do Estado no período 30/45 e a partir dele tenta colocar em prática o seu projeto de Nação capitalista autônoma. Na medida em que é derrubado e ocorre uma institucionalização democrática com livre funcionamento dos partidos e do parlamento, se torna imprescindível a reconquista do poder para a continuidade do projeto. E para isso é necessário forjar os instrumentos adequados, trilhando um duplo caminho.

Por um lado, incentivar a aglutinação num partido das elites e dos esquemas regionais das elites e dos esquemas regionais criados no Estado Novo (PSD), e por outro organizar um partido que funcione como catalisador do voto das massas urbanas (PTB).

Pasqualini se destaca como o teórico e o doutrinador do trabalhismo e tem uma concepção do partido como "educador de massas". Via no PTB o instrumento privilegiado e exclusivo do seu projeto de reformas sociais. Porém, na sua visão o partido deveria preocupar-se não só em ganhar eleições, mas sim em criar uma conscientização na "sociedade civil" para realizar um amplo programa de transformações sociais. Além disso, privilegia o consenso dos métodos democráticos para chegar ao poder.

(...) E um verdadeiro partido trabalhista no Brasil "deveria ser um movimento de ascensão do proletariado rural e urbano, dos pequenos produtores, das populações pobres e desamparadas".

Pode-se dizer que Pasqualini remetia-se à "sociedade civil" e aos aspectos político-educativos das massas, enquanto Vargas perseguia a "sociedade política" e o aparelho do Estado. Esta divisão de tarefas fundia-se numa corrente partidária fornecendo-lhe uma certa homogeneidade, muito embora estivessem presentes os elementos conflitivos, que já citamos anteriormente.

A Carta-Testamento de Getúlio traz em seu bojo duas lições importantes:

(...) Um partido com programa de transformações sociais só se mantém no poder e consegue seus objetivos, com uma ampla base de penetração e organização na sociedade civil" (PDT, 2002).

Para sintetizar este trecho transcrito, destaco os seguintes pontos: 1) A função de Pasqualini no trabalhismo era a de teórico e doutrinador; 2) O papel de Vargas no PTB era o de estrategista que visava ao alcance do poder político, com vistas à consecução de seu projeto de desenvolvimento econômico nacionalista e autônomo; 3) Pasqualini visava à sociedade civil em sua pregação teórico-doutrinária; 4) Vargas atuava tendo como objetivo a conquista do aparelho de Estado; 5) Ambos concordavam no que diz respeito à necessidade de intervenção do Estado na economia, para suprir as deficiências da iniciativa privada.

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Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. Trajetória do Partido Trabalhista Brasileiro entre 1946 e 1964. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2851, 22 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18962. Acesso em: 21 nov. 2024.

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