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O planejamento fiscal do ex-presidente Lula

05/05/2011 às 15:56
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Há poucos dias foi noticiado pela imprensa que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva havia constituído pessoa jurídica para atuar no ramo de eventos e publicações. Com R$100.000,00 de capital inicial, a pessoa jurídica em questão foi nominada LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda, tendo como sócios o ex-presidente, com 98% das quotas sociais, e Paulo Okamoto, com 2% restantes. A sede da pessoa jurídica será no endereço do apartamento do ex-presidente em São Bernardo do Campo.

O leitor menos avisado poderia se questionar a razão pela qual o ex-presidente necessitaria constituir uma empresa para realizar palestras. A razão é meramente financeira. Se estiverem corretas as estimativas feitas pela imprensa, Lula receberá no mínimo entre R$ 150.000,00 e R$ 200.000,00 por cada palestra proferida. Na condição de pessoa física, a cada R$ 200.000,00 recebidos, o ex-presidente deveria pagar R$ 405,86 como contribuição previdenciária (INSS), R$ 54.164,00 a título de Imposto sobre a Renda (IRPF) e cerca de R$6.000,00 a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Pagando R$60.570,30 de tributos, sobrariam-lhe R$ 139.429,70. A empresa que efetuasse o pagamento pela palestra estaria ainda obrigada pagar mais 20% como contribuição patronal, algo como R$ 40.000,00. Resumidamente, a carga tributária total seria em torno de 50% do valor do serviço.

Com a constituição da empresa, a situação se altera sensivelmente. Uma vez que os valores cobrados pelas palestras não permitem o ingresso no SIMPLES, a empresa poderá optar pela tributação na modalidade do lucro presumido. Nessa hipótese, a cada R$200.000,00 recebidos pela empresa LILS, deverão ser pagos R$10.000,00 a título de Imposto sobre a Renda (IRPJ), R$ 13.060,00 para a Previdência Social (CSLL, PIS, COFINS) e R$ 6.000,00 pelo ISSQN, totalizando R$29.060,00 de tributos devidos, não estando a empresa contratante, por outro lado, obrigada a pagar qualquer tributo pelo serviço. Para que a receita da empresa chegue até Lula, basta que se faça distribuição de lucros entre os sócios, recebendo o ex-presidente proporcionalmente às suas quotas (98%), não incidindo sobre esses lucros qualquer tributo, nem mesmo o imposto sobre a renda.

Comparando-se ambas situações, verifica-se que a constituição de uma empresa representa uma economia tributária de cerca de 16%, aproximadamente R$32.000,00. Para ser mais exato, a única justificativa para o não-recolhimento desse valor para os cofres públicos é a existência de algumas folhas de papel concernentes à criação da empresa, cuja sede é o apartamento do ex-presidente. A essa operação os tributaristas denominam planejamento fiscal ou planejamento tributário.

A conduta do ex-presidente Lula não é censurável. Simplesmente procurou arranjar juridicamente seus negócios de forma a pagar menos tributos. O mesmo atualmente fazem técnicos de futebol, professores, artistas, músicos e outros profissionais. Censuráveis são as leis e as decisões judiciárias de um país que legitimam a existência de artifícios jurídicos elaborados para diminuir a carga tributária devida, deixando o contribuinte contornar livremente a incidência da norma tributária, fazendo com que uns paguem pelos outros.

Nos Estados Unidos, em 1935, foi decidido o caso Gregory v. Helvering. A Sra. Gregory havia engendrado uma operação jurídica com o único objetivo de se reduzir o montante fiscal devido pela transferência dos direitos sobre ações adquiridas por meio de vultosa herança. O Judiciário americano entendeu que a realização de negócios sem substância econômica, sem um propósito negocial válido, não poderia frustrar a aplicação da norma tributária. Este entendimento, com algumas variações, vem sendo seguido até os dias atuais. No mesmo passo, países como Inglaterra, Canadá, França, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, tem seguido essa orientação, seja pelas decisões judiciárias, seja ainda por cláusulas gerais antielisivas.

O Brasil poderia ter avançado nesta matéria. No governo Fernando Henrique Cardoso foi aprovada a criação de uma cláusula antielisiva, inserida no art. 116 do Código Tributário, a qual remetia à lei ordinária sua regulamentação. Foi expedida medida provisória, regulamentando a cláusula, mas que não foi convertida em lei. No governo Lula, a cláusula continuou sem regulamentação, prejudicando sua aplicação pelas autoridades fiscais. Caso a regulamentação anterior houvesse sido convertida em lei, a existência da LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda seria possivelmente desconsiderada para efeitos tributários. Afinal, como já decidiu o Tribunal Constitucional espanhol, não é justo nem razoável que "lo que unos no paguen debiendo pagar, lo tendrán que pagar otros com más espíritu cívico o con menos posibilidades de defraudar".

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Sobre o autor
Anderson Fulan

Juiz Federal. Presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais (APAJUFE). Autor de obras publicadas no Brasil e exterior sobre Direito Tributário e Direito Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FULAN, Anderson. O planejamento fiscal do ex-presidente Lula. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2864, 5 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19045. Acesso em: 22 dez. 2024.

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