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Do direito ao lazer nas relações de trabalho

08/05/2011 às 14:22
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O direito ao lazer encontra-se consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, que traz em seu artigo 24 a seguinte redação:

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Seguindo essa mesma linha, também a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã pela densa proteção ao ser humano, enumera o direito ao lazer dentre os direitos sociais, no artigo 6º [01] e no artigo 7º, inciso IV, onde estão enumeradas as necessidades vitais básicas do trabalhador [02].

Não há, portanto, como negar que o direito ao lazer é um dos componentes essencial à vida de todo e qualquer ser humano, sendo uma das condições para que se alcance a existência digna.

Podemos definir tal direito como a faculdade do ser humano de ocupar seu tempo livre com atividades que lhe são prazerosas e que não guardam qualquer relação com o trabalho. Seria, por exemplo, a livre escolha que o indivíduo tem de reservar parte de seu tempo disponível para estar com a família, praticar esportes, ir ao cinema, aos parques, participar de alguma atividade intelectual ou artística ou, simplesmente, nada fazer.

Em nome da proteção ao lazer, a Constituição Federal, no art. 7º, limita as horas de trabalho no inc. XIII [03], determina a obrigatoriedade do repouso semanal remunerado, inc. XV [04], bem como onera em 50% a remuneração do serviço extraordinário, inc. XVI [05]. Ou seja, o legislador constituinte cercou-se de elementos para garantir a efetivação do lazer do trabalhador.

Todavia, embasados pelo apetite irracional e cruel do capitalismo pelo lucro a qualquer custo, os empregadores impõem aos seus empregados jornadas desumanas, com supressão de intervalos e labor de horas extras além de suas capacidades, tudo em nome da redução de custos e do aumento da produtividade.

O trabalhador não pode ser compelido a laborar em sobrejornada e muito menos ser impedido de gozar os intervalos que lhe são legalmente garantidos, pois tais atos implicam em desrespeito ao preceito constitucional garantidor do direito ao lazer.

O lazer é uma necessidade básica do ser humano sob três aspectos: biológico, na medida em que consideramos os aspectos físicos e psíquicos do ser humano, pois que é através do lazer que mente e corpo descansam e "recarregam" as energias despendidas durante um período de trabalho; social, pois que é no momento de lazer que o trabalhador tem oportunidade de conviver com familiares e amigos, participando ativamente da vida em comunidade; existencial, uma vez que o trabalho em excesso aliena o indivíduo, impedindo-o de pensar em sua própria vida e de buscar para ela um rumo melhor do que aquele em que se apresenta.

Privações biológicas, sociais e existenciais geram no trabalhador um sentimento de fraqueza e baixa auto-estima diante da situação vivenciada, ocasionando distúrbios de ordem psicológica e física no indivíduo.

Há, todavia, na Consolidação das Leis do Trabalho, dispositivo legal que exclui duas espécies de trabalhadores da proteção do Capítulo II da mesma, o qual disciplina a Duração de Trabalho, qual seja o artigo 62.

Essas duas espécies de trabalhadores são os que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão. Para estes últimos, exige a CLT que a remuneração seja superior em 40% ao valor do salário efetivo.

Vislumbra-se aí uma possibilidade real, e o que é pior, legal, de supressão do direito ao lazer destes trabalhadores, na medida em que é possível ao empregador exigir dos mesmos um labor sem qualquer limitação de jornada, subtraindo-o o fundamental direto ao lazer.

A grande maioria de nossos doutrinadores entendem ser constitucional tal dispositivo legal. Para Vólia Bonfim Cassar, a regra geral imposta pelo art. 7º, XIII e XVI, da CRFB não revoga os casos especiais, opinião também conjugada por Sussekind e Valentin Carrion. Maurício Godinho Delgado coaduna com a opinião de que o art. 62 não traz uma regra discriminatória, mas alerta para o fato de que há tão somente uma presunção jurídica de que aqueles empregados não estão sujeitos a controle e fiscalização de jornada de trabalho, presunção favorável ao empregador, mas que admite prova em contrário .

Facilmente percebe-se que em momento algum os doutrinadores preocupam-se com a possibilidade real de supressão do fundamental direito de lazer do trabalhador sob o manto deste artigo 62. O que se dizer de um gerente que trabalha 10 ou 12 horas por dia, sob o argumento de que não tem controle de jornada por possuir poderes de gestão e salário acrescido de 40% sobre o valor do salário efetivo? Será possível a ele praticar algum esporte ou mesmo freqüentar algum curso de aperfeiçoamento profissional? Será possível a ele exercer o seu papel de pai e de esposo, ou de amigo, com uma jornada dessas de trabalho? Quando poderá praticar o simples, mas de suma importância, ato de pegar seus filhos na escola?

Pois bem, a despeito de ser considerado quase que unanimemente constitucional pela doutrina e jurisprudência trabalhistas, o artigo 62 da CLT abre uma nefasta, mas real, como já acima dito, possibilidade de supressão do direito ao lazer dos trabalhadores que ali se enquadram, o que o torna eminentemente inconstitucional, sobretudo se levarmos em conta a eficácia mínima dos direitos fundamentais. Mas, como os questionamentos que chegam aos Tribunais Trabalhistas a cerca de tal assunto limitam-se a desconfigurar a impossibilidade de controle de jornada, buscando tão somente o pagamento do adicional de horas extras, muito ainda terá de ser feito para que este malfadado artigo não continue albergando a afronta ao fundamental direito ao lazer, inerente à própria dignidade humana.

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A supressão do consagrado direito ao lazer gera para trabalhador o também constitucional direito de ação, possibilitando-o reivindicar, por meio de tutela judicial, a reparação ao dano sofrido, consistente em uma indenização que não se confunde com o adicional de horas extras, pois que este apenas renumera o labor em sobre jornada.

Fundamental, portanto, que os trabalhadores não se mantenham inertes diante do desrespeito, por seus empregadores, do direito ao lazer mediante a exigência desmedida de labor extraordinário, a supressão dos intervalos para refeição e descanso e a impossibilidade de controle de jornada albergada no artigo 62 da CLT.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. CALVET, Otávio Amaral. Direito ao Lazer nas Relações de Trabalho. 1ª ed. Rio de Janeiro: LTr, 2006. p. 89 a 117.

2. CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2007.

3. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, v. 2.

4. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

5. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008.


Notas

  1. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer...
  2. ...moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene...
  3. duração de trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação mediante acordo ou convenção coletiva;
  4. repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
  5. remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
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Sobre a autora
Analuisa Macedo Trindade

advogada especialista em Direito Tributário, assessora jurídica do Sistema OCEC/SESCOOP-CE em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Analuisa Macedo. Do direito ao lazer nas relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2867, 8 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19062. Acesso em: 22 dez. 2024.

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