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Da inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 135/2010

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Na elaboração das leis deve o Poder Legislativo – seja federal, seja estadual, seja municipal, - respeita-lhes as regras regimentais de redação e de tramitação. No caso de lei federal, o Regimento Interno de cada uma das duas casas legislativas, - Câmara dos Deputados e Senado Federal, - estabelece o rito de elaboração, de redação, de alteração, de votação, de sanção, de veto, de promulgação/publicação e de tramitação a ser fielmente obedecido na feitura de toda e qualquer lei (processo e procedimento legislativos).

A Lei Complementar 135/2010 nasceu fruto de artificiosa manobra legislativa, com a conivência do Poder Executivo. Por que? Simplesmente porque foi desrespeitado o Regimento Interno do Senado Federal. "Sempre que algum projeto de lei tramita sem observância do Regimento Interno, e, pois, há infração de lei, a incidência da lei futura ameaça todas aquelas pessoas cuja esfera jurídica seria atingida pela lei que resultaria do projeto de lei, infringente do Regimento Interno", afirma-o PONTES DE MIRANDA (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, t. V, 3ª. ed., 338/339).

O Projeto de Lei veio da Câmara dos Deputados para o Senado Federal, e nesta Casa o Senador Francisco Dornelles alterou-lhe a redação. Onde estava escrito "os que tenham sido condenados" (pretérito perfeito composto do subjuntivo), alterou o Senador para "os que forem condenados" (futuro do subjuntivo). Essa alteração, introduzida no tempo verbal da referida frase, mereceu interessante crítica da Professora e Jornalista Dad Squarisi, em sua coluna DICAS DE PORTUGUÊS, no Correio Braziliense de 26.5.2010, e em cujo título usa da conhecida expressão popular "Me engana que eu gosto", título esse que muito bem traduz e define a adulteração introduzida no texto do referido Projeto de Lei, sancionado pelo Presidente da República, e convertido na Lei Complementar 135/2.010, apesar de tão aberrante vício formal. E assim se pronuncia a ilustre Professora e Jornalista, na referida coluna: "O texto da Câmara diz que são inelegíveis para qualquer cargo ‘Os que tenham sido condenados’. O do Senado ‘Os que forem condenados’". E após percuciente análise gramatical de ambos os textos, assim esclarece: "O 1º. texto ‘são inelegíveis os que tenham sido condenados’, o autor se põe no presente (são inelegíveis) e fala de fato que deveria ter ocorrido no passado (tenham sido condenados)". E finaliza quanto à nova redação: "Em ‘são inelegíveis os que forem condenados’, recorre-se ao futuro do subjuntivo. O nome diz tudo: é porvir. A partir do presente, olha-se para o que pode ocorrer na frente". A lição gramatical é irretocável. Mudou-se o tempo verbal, alterando-se o momento de realização da ação expressa pelo verbo: o que era passado foi adulterado para futuro. A diferença de sentido ressalta, é mais do que evidente: a sanção, que incidiria sobre fato ocorrido no passado, foi jogada para frente, para futuro incerto e distante.

Sobre essa alteração verbal consultaram-se gramáticos e filólogos. Mas gramáticos e filólogos somente podem opinar sobre se a frase está correta ou não, observadas as normas cultas da língua, jamais sobre constitucionalidade ou sobre inconstitucionalidade de norma jurídica. Redigir leis não é tarefa que se cometa a gramáticos ou a filólogos, por mais cultos e competentes que sejam. "Redigir leis, principalmente textos constitucionais, sem se saber direito, sem se estar firmado em terminologia assente é erro danoso" afirma-o PONTES DE MIRANDA (id., ibid., t, V, 342).

A inconstitucionalidade formal da Lei Complementar 135/2010, pelas razões acima expostas, merece ser examinada em maior profundidade. O assunto fora objeto de Questão Preliminar de Inconstitucionalidade Formal posta pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cézar Peluso, no julgamento do RE 630.147, preliminar que, apesar de jurídicamente correta, oportuna e relevante, foi, lamentavelmente, desconsiderada pela maioria dos Ministros então presentes, vencidos os Ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio, apesar de este último haver sublinhado o precedente do AgRSE 5206-7, em que foi Relator o Ministro Sepúlveda Pertence.

O princípio da bicameralidade - CF, art. 65, parágrafo único – incide, neste caso, em face de ter havido, na outra Câmara, a Casa revisora (Senado Federal), alteração de redação no texto do referido Projeto de Lei. Daí afirmar PONTES DE MIRANDA que "se há emenda, por mínima que seja, volta à outra câmara, para que se pronuncie sobre esse ponto" (id., ibid., t.III, 176), o que, estranha e lamentavelmente, não aconteceu. No mesmo sentido conclui JOSÉ AFONSO DA SILVA: "se houver emendas, voltará à Casa iniciadora, para apreciação destas (Comentário Contextual à Constituição, 7ª. ed., 452), repetindo o que está no acima mencionado parágrafo único, do art. 65, da Constituição.

O guardião da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de lei não é cada um do povo, mas, sim, o Supremo Tribunal Federal. Para bem ilustrar essa assertiva, cita-se, mais uma vez, a doutrina de PONTES DE MIRANDA: "Os tribunais e juízes têm de conhecer da inconstitucionalidade das leis, a pedido dos interessados ou de ofício. Aos membros do Ministério Público cabe o dever de argui-la ou de defender o texto atacado" (id., ibid.,t. I, 401).

Se o processo sobe ao Supremo Tribunal Federal, e nele se discute tema sob o comando de lei inconstitucional, não pode o Supremo Tribunal Federal, como guardião maior de nossa Constituição, ignorar tal realidade, ou, o que é pior, omitir-se. E ainda que não argüida pelas partes, deve o Supremo Tribunal Federal, por provocação de qualquer de seus Ministros, de ofício, conhecer da inconstitucionalidade existente e declara-la. O que não pode, e é lamentável tenha acontecido, é a omissão da Corte Suprema, em sua composição plena, imprimindo, com tal omissão, a chancela da constitucionalidade a uma lei formalmente inconstitucional.

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Sobre o autor
José Ribamar Ferreira da Silva Cruz

Aposentado. Advogado. OAB/DF 4.012

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, José Ribamar Ferreira Silva. Da inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 135/2010. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2875, 16 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19116. Acesso em: 22 nov. 2024.

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