Artigo Destaque dos editores

Legislação infraconstitucional e a vedação da concessão da tutelas de urgência em ações constitucionais

Leia nesta página:

Inicialmente, importa destacar que a análise acerca da possibilidade da legislação infraconstitucional vedar a concessão de tutelas de urgência deduzidas em ações constitucionais se revela deveras instigante quando se contrapõem em juízo particulares e o Poder Público, haja vista que tais limitações ou vedações impostas às medidas urgentes não têm razão de ser quando se coloca em discussão conflitos de interesses entre particulares, em relação a quem prevalece a presunção iuris tantum de que se encontram em grau nivelado de forças perante o Estado-Juiz.

Diz-se instigante, pois as ações constitucionais têm por objetivo precípuo justamente fazer valer o livre exercício dos direitos fundamentais arrolados no extenso rol do artigo 5º da Carta da República, os quais, não raras vezes são violados pelo Estado por meio dos agentes públicos que lhes dá vida, e precisam ser, em determinados casos, rapidamente manejadas para que seus titulares os possam exercer ou desfrutar livremente.

Há toda uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a constitucionalidade das leis dessa natureza, isto é, que vedam a concessão de medidas liminares em ações constitucionais. Referida discussão, todavia, recai sobre as ações constitucionais de natureza civil, haja vista que em se tratando da esfera penal maiores questionamentos não há acerca da necessidade de utilização de instrumentos que imprimam celeridade à tutela jurisdicional quando do manejo do habeas corpus, por meio do qual se busca tutelar um dos mais caros direitos do ser humano, qual seja o de ir e vir.

Com efeito, a Lei n.º 9.494/97, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, em seu artigo primeiro, dispõe aplicar-se "à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992".

O citado dispositivo veda a concessão de liminares, em síntese, nas hipóteses de reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores públicos, quando providência semelhante não puder ser concedida por meio de mandado de segurança e quando a medida liminar esgote no todo ou em parte o objeto da ação.

Em tais casos, entendeu o legislador que o Estado, por ter a função precípua de gerir interesses maiores, de todos, coletivos, não poderia ficar refém de instrumentos processuais dotados de urgência e postos à disposição de todos, que podem vir a impedir, paralisar e até mesmo inviabilizar a Administração Pública, em favor da qual milita a presunção de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência de seus atos (art. 37, CF/88).

Muitos questionamentos surgiram acerca da constitucionalidade da Lei n.º 9.494/97, de tal maneira que o Presidente da República e as mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados optaram por ajuizar perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direita de Constitucionalidade - ADC 04, a fim de firmar a legalidade da medida legislativa que tem por objetivo proteger a Fazenda Pública dos provimentos jurisdicionais de urgência nas hipóteses que indica.

Pois bem, o julgamento teve início em 11 de fevereiro de 1998, quando o Tribunal Pleno, por maioria de votos, deferiu parcialmente liminar acautelatória para suspender, com eficácia ex nunc e efeito vinculante, a prolação de qualquer decisão, contra a Fazenda Pública, sobre pedido de tutela antecipada que tenha por pressuposto a (in)constitucionalidade do art. 1º da referida lei, bem como os efeitos futuros das decisões antecipatórias de tutela já proferidas [01].

Nesse contexto, vale trazer à baila, por oportuno, o estudo que ganhou publicidade por meio do Informativo Justen, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 20, out. 2008, do qual se extrai o seguinte excerto:

"a despeito da força vinculante dessa cautelar deferida na aludida ADC, o próprio STF houve por bem atenuar por diversas vezes a incidência das limitações contidas no art. 1º da Lei 9.494/97. Isso ocorreu em julgamentos de reclamações destinadas a fazer valer a força vinculante da decisão proferida na ADC. O Supremo Tribunal, mesmo verificando que a decisão antecipatória proferida por outro órgão judicial estava em desacordo com a Lei 9.494/97 e com o pronunciamento vinculante, deixou de sustar a antecipação de tutela em razão de a questão de fundo se encontrar em consonância com o entendimento do STF (dentre tantos, confira-se: AgRg na Rcl 1.067-8/RS, v.u., rel. Min. O. Gallotti, j. 17.06.1999, DJU 03.09.1999). O Superior Tribunal de Justiça também vem admitindo, em casos excepcionais (defesa dos direitos fundamentais, por exemplo), o deferimento de tutela antecipada contra o Poder Público, afastando a incidência dos óbices contidos no art. 1º da Lei 9.494/97 (2ª T., REsp 661.821/RS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 12.05.2005, DJU 13.06.2005; 1ª T., AgRg no REsp 635.949/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. 21.10.2004, DJU 29.11.2004)." [02]

Passados 10 anos do deferimento da medida acautelatória, o Tribunal Pleno se reuniu novamente e enfrentou o mérito da questão. Por maioria de votos, vencido o Ministro Marco Aurélio de Mello, a Corte afirmou a constitucionalidade das restrições à concessão de liminares antecipatórias contidas no art. 1º da Lei 9.494/97.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

É de se dizer, porém, que os Tribunais Superiores não têm descartado a realização da avaliação das circunstâncias concretas para se verificar a possibilidade de afastamento das restrições contidas na Lei 9.494/97. Com efeito, o próprio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 729 [03], que exclui da decisão tomada naquela ação declaratória de constitucionalidade nº 04 a antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária, em virtude da natureza alimentar desses valores e a sua importância para as pessoas que estão em situação de risco.

Importante destacar, na esteira das vedações feitas pelo legislador infraconstitucional relativamente às tutelas de urgência em ações constitucionais, que a nova lei do mandado de segurança (Lei n.º 12.016/09) as trouxe expressamente em seu texto [04], não obstante a constitucionalidade já declarada pelo STF do art. 1º da Lei n.º 9.494/07. A Lei n.º 7.347/85, que regula a Ação Civil Pública, por sua vez, sofreu modificações no ano de 2001 (MP 2180-35/2001) para vedar o seu ajuizamento quando tiver por objeto pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos de natureza individual cujos beneficiários podem ser individualmente determinados (art. 1º, § único).

Dessa forma, a despeito de tudo que foi dito, filiamo-nos ao posicionamento da Professora Geisa de Assis Rodrigues [05], para quem

"as normas de regência das ações constitucionais devem ser interpretadas de modo a permitir o atendimento de sua finalidade instrumental, que é a defesa plena dos direitos e liberdades fundamentais. Para tanto, é importante que a Administração da Justiça se ocupe da gestão dessas ações, conferindo-lhes os procedimentos e a organização necessários para garantir a celeridade no seu trâmite, como, por exemplo, a especialização de juízos, o reconhecimento da prioridade no processamento destes feitos e outras soluções gerenciais, de modo a obter a maior eficiência possível das ações constitucionais."

À guisa de conclusão, às partes e julgadores compete fazer uso do discernimento e bom senso quando da postulação ou apreciação, conforme o caso, das ações constitucionais que carregam em seu bojo pedidos de tutela de urgência em face do Estado, seja no sentido de evitar prejuízo à Fazenda Pública, cuja missão é velar o interesse comum da coletividade, seja de não violar direitos e garantias fundamentais assegurados a todos os brasileiros pela Carta da República de 1988.


Notas

  1. STF, Tribunal Pleno, ADC nº 4, rel. Min. Sydney Sanches, j. 11.02.1998, DJU 21.5.1999.
  2. AMARAL, Paulo Osternack. STF afirma a constitucionalidade das restrições à concessão de liminares antecipatórias contra a Fazenda Pública. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 20, out. 2008, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?informativo=20&artigo=378.
  3. Súmula 729/STF - A decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de Natureza previdenciária.
  4. Art. 7º, § 2º  Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
  5. Rodrigues, Geisa de Assis. Reflexões Em Homenagem Ao Professor Pinto Ferreira: As Ações Constitucionais No Ordenamento Jurídico Brasileiro. Material da 2ª aula da Disciplina Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Haman Tabosa de Moraes e Córdova

Defensor Público Federal, pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÓRDOVA, Haman Tabosa Moraes. Legislação infraconstitucional e a vedação da concessão da tutelas de urgência em ações constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2875, 16 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19117. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos