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A inexistência de gratuidade para os carteiros no transporte coletivo urbano de passageiros

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27/05/2011 às 14:05
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3- A REVOGAÇÃO DOS DISPOSITIVOS QUE CONCEDEM A GRATUIDADE AO CARTEIROS

O processo "normal" de cessação de vigência de uma norma jurídica é denominado revogação. O ordenamento jurídico brasileiro trata da revogação de normas jurídicas no art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42) que assim dispõe:

"Artigo 2º: Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º: A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º: Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido à vigência."

Verifica-se que o § 1º do artigo transcrito estabelece três modalidades de revogação de leis. É o que leciona José de Oliveira Ascensão:

I – Podemos distinguir a revogação:

- Expressa ou por declaração

- tácita ou por incompatibilidade

- global ou por substituição.

Costuma falar-se simplesmente em revogação expressa e tácita. Mas as leis brasileira e portuguesa, recolhendo ensinamentos da doutrina mais autorizada, inovaram, trazendo um terceiro termo. Não há para este designação assente: diremos que se trata de revogação "global" ou " por substituição [11]".

A revogação expressa é aquela na qual uma nova lei expressamente revoga lei anterior utilizando termos como: "fica revogada a lei X". A revogação tácita, por sua vez, ocorre quando se edita uma nova lei com um conteúdo incompatível com a lei até então existente.

Finalmente a revogação global. Ela está prevista na parte final do § 1º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.657/42 (lei de introdução às normas do direito brasileirol) que dispõe que ocorre revogação quando a nova lei "regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior". Sobre a revogação Global assim leciona José de Oliveira Ascensão:

"IV – Global. Se uma lei nova regula todo o instituto jurídico ( por exemplo, arrendamento rural) ou todo um ramo de direito ( por exemplo, processo penal), os preceitos da lei anterior ficam revogados, sem ser necessário demonstrar a incompatibilidade específica de cada um deles com o preceituado na nova lei.

Por exemplo, o regime das letras de câmbio, constante do Código Comercial, foi afastado pela adopção duma lei uniforme sobre esta matéria. Suponhamos então que exista uma lacuna na lei uniforme e que um daqueles preceitos do Código Comercial regula directamente esse aspecto. Nem por isso nos é lícito, para resolver o caso, lançar mão do preceito do Código Comercial. Ele foi revogado, pois as disposições em que se inseria foram globalmente revogadas [12]".

É necessário ressaltar que a nova legislação não precisa dispor pontualmente acerca de todas as matérias. Ela regula globalmente o tema e muitas vezes deixa lacunas. A existência de lacunas, contudo, não implica a manutenção da vigência da legislação anterior. Não se exige uma correspondência "ponto a ponto" em relação aos temas tratados na legislação anterior. Exige-se apenas que regule de modo amplo o tema. É o que leciona, mais uma vez, José de Oliveira Ascensão:

"Há que se confessar a lacuna da lei, que deverá ser preenchida nos termos gerais.

Este exemplo nos mostra que a fórmula usada no art. 2° / § 1.° da Lei de Introdução brasileira é mais feliz que a do art. 7/2 do código civil português. Este fala na "circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior". Mas a possível existência de lacunas demonstra-nos que o que interessa é uma nova disciplina genérica daquele instituto ou ramo de direito, e não uma correspondência ponto por ponto."Regular toda a matéria" significa pois "regular globalmente a matéria" e não "regular todas as matérias [13]".

Utilizando os ensinamentos do ilustre mestre português, é seguro dizer que a legislação que concedia as gratuidades foi revogada.

O Decreto-lei nº 29.151 foi revogado expressamente, em sua integralidade, pelo art. 4º do Decreto 83.858/79 que dispõe:

"Artigo 4º: Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogados o Decreto 29.151 de 17 de janeiro de 1951 e as demais disposições em contrário."

Os Decretos-lei nº 3.326/41 e nº 5.405/43 foram revogados globalmente pela lei nº 6.538/78. Faz-se essa afirmação porque o objeto dos dois primeiros diplomas normativos pode ser sinteticamente descrito como o transporte e a guarda de correspondências.

A lei nº 6.538/78 trata dos mesmos temas e de outros e opta por deixar muitas matérias anteriormente tratadas pelos Decretos-lei à competência regulamentar do executivo. De fato, o caput do artigo 12 assim dispõe:

"Art. 12º - O regulamento disporá sobre as condições de aceitação, encaminhamento e entrega dos objetos postais, compreendendo, entre outras, código de endereçamento, formato, limites de peso, valor e dimensões, acondicionamento, franqueamento e registro".

Verifica-se o que antes se afirmou, a nova legislação trata globalmente da matéria tratada pela legislação anterior. Disciplina por inteiro a questão determinando que as condições de transporte e guarda de correspondências serão disciplinadas por regulamento.

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Finalmente, identifica-se a existência de revogação tácita do parágrafo único do art. 9º do Decreto-Lei nº 3.326/41 e do art. 51 do Decreto-lei nº 5.405/43 pelos seguintes dispositivos da lei nº 6.538/78:

"Artigo 18: A condução de malas postais é obrigatória em veículos, embarcações e aeronaves em todas as empresas de transporte, ressalvados os motivos de segurança, sempre que solicitada pela autoridade competente, mediante justa remuneração na forma da lei."

Artigo 33: (...)

Parágrafo primeiro - As tarifas e os preços devem proporcionar:

a) Cobertura dos custos operacionais;

b) Expansão e melhoramento dos Serviços.

Verifica-se que a condução de malas postais após a edição da lei nº 6.538/78 é obrigatória, mas dependerá de justa remuneração e que as tarifas do serviço postal devem abranger os custos operacionais.

O transporte nada mais é do que um dos custos operacionais do serviço postal e a passagem a ser exigida dos carteiros no transporte coletivo urbano nada mais é do que a justa remuneração pelo transporte da mala postal.


4- CONCLUSÃO

Diante do que se expôs no presente trabalho, identifica-se claramente que a legislação que concede gratuidade aos carteiros no transporte coletivo urbano de passageiros não mais subsiste, pois foi revogada. A revogação deu-se de três maneiras: expressa, tácita e globalmente.

É necessário ressaltar que caso não tivesse sido revogada não poderia ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988. a razão da não recepção é a ofensa ao princípio federativo, bem como ao inciso V do art. Art. 30 e ao inciso II do art. 173 da Constituição Federal.


BIBLIOGRAFIA

ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito – Introdução e Teoria Geral. Ed. Almedina, 7.ª ed. 1993.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 2006 - edição, Editora. Saraiva, São Paulo.

Roque A. Carrazza / Revista de Direito Público, Princípio Federativo e Tributação, Ano 71, Julho/Setembro 1984.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira, Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 9.ª ed.,1992.


Notas

  1. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo", 2006 - edição, Editora. Saraiva, São Paulo, p. 432.
  2. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 36-37.
  3. O princípio federativo vem expresso no inciso I do § 4º do art. 60 e o princípio republicano, embora não seja mencionado expressamente, tem o seu conteúdo transcrito nos incisos do mesmo parágrafo.
  4. (Revista de Direito Público / Roque A. Carrazza, Ano 71, Julho/Setembro 1984 - Princípio Federativo e Tributação, p.173)
  5. (Revista de Direito Público / Roque A. Carrazza, Ano 71, Julho/Setembro 1984 - Princípio Federativo e Tributação, p.173)
  6. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 172.
  7. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 262/263.
  8. IBIDE, p. 291.
  9. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 292/293.
  10. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 9.ª ed.,1992. p. 36.
  11. ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito – Introdução e Teoria Geral. Ed. Almedina, 7.ª ed. 1993. p. 286.
  12. IBIDE,. p. 288.
  13. ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito – Introdução e Teoria Geral. Ed. Almedina, 7.ª ed., 1993, p. 288.
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Sobre o autor
Marcelo Harger

Advogado em Joinville (SC). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ex-conselheiro do Conselho Estadual de Contribuintes de Santa Catarina. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC. Professor em diversos cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Autor de diversos artigos científicos publicados nas principais revistas jurídicas do país. Autor dos livros "Os consórcios públicos na lei n° 11.107/05" e "Princípios Constitucionais do Processo Administrativo". Coordenador do livro "Curso de Direito Administrativo". Co-autor dos livros "ICMS/SC - regulamento anotado", "Direito Tributário Constitucional" e "Princípios Constitucionais e Direitos Fundamentais".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARGER, Marcelo. A inexistência de gratuidade para os carteiros no transporte coletivo urbano de passageiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2886, 27 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19198. Acesso em: 5 nov. 2024.

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