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A inexistência de gratuidade para os carteiros no transporte coletivo urbano de passageiros

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27/05/2011 às 14:05
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A norma federal que concede gratuidade para os carteiros no transporte coletivo urbano invade a competência legislativa municipal.

1- INTRODUÇÃO:

O transporte coletivo urbano de passageiros é um serviço público de competência municipal por força do inciso V do art. 30 da Constituição Federal que dispõe:

"Art. 30. Compete aos Municípios:

(...)

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;"

A competência municipal não se limita a organizar e prestar o serviço, mas também a legislar sobre o tema por força do disposto no inciso I do mesmo art. 30, que determina ter o município competência para "I - legislar sobre assuntos de interesse local;"

Imagine-se que certo município, ao disciplinar o transporte coletivo, resolva instituir uma empresa municipal de transportes para prestar o serviço. Imagine-se, ainda, que ao disciplinar o referido serviço crie um artigo com o seguinte conteúdo:

Os concessionários e franqueados dos serviços postais são obrigados a remeter as correspondências emitidas pela empresa municipal de transportes livremente, sem a cobrança de quaisquer taxas, inclusive referentes à aposição de selos.

Ao ler referido dispositivo é de se supor que a maioria dos operadores do direito prontamente chegasse à conclusão de que tratar-se-ia de dispositivo inconstitucional. A razão da inconstitucionalidade seria ofensa ao inciso X do art. 21 e ao inciso V do art. 22, ambos da Constituição Federal. Dispõem respectivamente os referidos dispositivos:

"Art. 21. Compete à União:

(...)

X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;"

"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

V - serviço postal;"

Ao ler o dispositivo da "suposta lei municipal" e cotejá-lo com os dispositivos da Constituição Federal perceber-se-ia imediatamente que o Município, a pretexto de legislar acerca do serviço público municipal de transporte coletivo, estaria a legislar sobre o serviço público postal que é de competência privativa da União Federal.

A situação que é de clareza hialina aparentemente deixa de sê-lo quando ocorre a situação inversa. Não se trata, na verdade, de algo menos claro. Trata-se de uma espécie de "miopia" dos tribunais brasileiros acerca de uma questão que é juridicamente bastante clara.

Ela diz respeito à concessão de gratuidade para os carteiros no transporte coletivo municipal. A legislação federal concede gratuidade em um serviço público que não é de sua competência. A gratuidade está prevista pelo art. 139 do Decreto nº 29.151/51, pelo parágrafo único do art. 9º do Decreto-Lei nº 3.326/41 e pelo art. 51 do Decreto-lei nº 5.405/43, que dispõem respectivamente:

Art. 139 -

O concessionário de transporte urbano é obrigado a conceder passe livre, em seus veículos, ao distribuidor de correspondência postal e telegráfica, quando em serviço, o qual deverá viajar de pé, quando completa a lotação normal do veículo.

Art. 9º...

Parágrafo único. Os concessionários de transporte urbano ônibus são, também, obrigados a dar passe livre, em cada veículo, ao distribuidor da correspondência postal, ou telegráfica, podendo o referido serventuário viajar de pé, quando completa a lotação normal do carro.

Art. 51. Nas cidades em que haja serviço de distribuição da correspondência postal ou telegráfica, as empresas concessionárias de transporte em ferro-carris ou em ônibus são obrigadas a conduzir, em cada veículo, um empregado encarregado do referido serviço.

Acerca do tema os tribunais brasileiros têm sido praticamente unânimes, conforme se verifica pelas ementas das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça transcritas a seguir:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - CONCESSÃO DE PASSE LIVRE PARA CARTEIROS NO TRANSPORTE URBANO - DECRETO 3326/41 NÃO DERROGADO - SÚMULA 237/TFR - IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL - REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - SÚMULA 7/STJ.

1. Não compete ao STJ o exame de matéria constitucional.

2. É inviável o reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial. Súmula 7/STJ.

3. As Leis 8.666/93 (Lei de licitações) e 8.987/95 (Lei de concessões de serviços públicos) não alteram as disposições do Decreto 3326/41, reiteradas pela Súmula 237/TFR, que determinam a concessão de passe livre, no transporte urbano, inclusive intermunicipal, para os distribuidores de correspondência postal e telegráfica porque não tratam da mesma matéria.

4. O Decreto 3326/41 é anterior ao contrato de concessão firmado pela parte e o ente público, não se podendo falar em violação de ato jurídico perfeito. Ao contrário, deve-se reiterar que o ato jurídico precisa observar as leis regentes da matéria nele tratada.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(REsp 1025574/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

Administrativo. Concessão passe livre para carteiros no transporte urbano. Artigos 9º, parágrafo único, do Decreto-lei 3.326/41, e 51, do Decreto-lei 5.405/43. Súmula 237/TFR. CPC, artigos 479 e 557 e parágrafos.

1. Permitindo o artigo 479, do CPC, que os Tribunais adotem enunciados sumulados, a menção ao número da Súmula e ao seu teor dispensa a reprodução de todos os fundamentos que levaram à sua elaboração, sem que, com isso, necessite de fundamentação a decisão.

Aplicação do disposto no artigo 124, do RISTJ.

2. Não revogados os Decretos-lei 3.326/41 e 5.403/43, a Lei 6.538/78 e o Decreto 83.858/79 não alteraram as disposições legais que determinam a concessão de passe livre, no transporte urbano, inclusive intermunicipal, para os distribuidores de correspondência postal e telegráfica, entendimento consubstanciado no enunciado da Súmula 237, do extinto TFR.

3. Recurso não provido.

(REsp 209.950/RJ, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2001, DJ 25/03/2002 p. 181)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – NÃO CARACTERIZADA – MANDADO DE SEGURANÇA – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – SÚMULA 7/STJ – CONCESSÃO DE PASSE LIVRE PARA CARTEIROS – DECRETO-LEI 3.326/41 E DECRETO-LEI 5.405/43 – NÃO REVOGAÇÃO – SÚMULA 237/TFR.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. Aferida na instância ordinária a existência de prova pré-constituída a amparar o direito líquido e certo postulado pelo autor do mandado de segurança, inviável a modificação desse entendimento por força do enunciado nº 7 da Súmula do STJ.

3. As disposições legais que determinam a concessão de passe livre, no transporte urbano, inclusive intermunicipal, para os distribuidores de correspondência postal e telegráfica, não foram alteradas ante a não-revogação dos Decretos-lei 3.326/41 e 5.403/43.

Aplicação do enunciado da Súmula 237 do extinto TFR.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(REsp 1074493/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 04/08/2009)

Administrativo. Concessão passe livre para carteiros no transporte urbano. Artigos 9º, parágrafo único, do Decreto-lei 3.326/41, e 51, do Decreto-lei 5.405/43. Súmula 237/TFR. CPC, artigos 479 e 557 e parágrafos.

1. Permitindo o artigo 479, do CPC, que os Tribunais adotem enunciados sumulados, a menção ao número da Súmula e ao seu teor dispensa a reprodução de todos os fundamentos que levaram à sua elaboração, sem que, com isso, necessite de fundamentação a decisão.

Aplicação do disposto no artigo 124, do RISTJ.

2. Não revogados os Decretos-lei 3.326/41 e 5.403/43, a Lei 6.538/78 e o Decreto 83.858/79 não alteraram as disposições legais que determinam a concessão de passe livre, no transporte urbano, inclusive intermunicipal, para os distribuidores de correspondência postal e telegráfica, entendimento consubstanciado no enunciado da Súmula 237, do extinto TFR.

3. Recurso não provido.

(REsp 209.950/RJ, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2001, DJ 25/03/2002 p. 181).

As decisões proferidas causam espanto. Trata-se de questão equivalente à da hipótese levantada no início do presente trabalho. A diferença é que a União Federal estabelece gratuidades em um serviço público que é de competência privativa do Município.

Aparentemente, a razão pela qual as decisões têm sido proferidas dessa maneira é a repetição acriteriosa de jurisprudência firmada por ocasião da Constituição anterior acerca do tema. De fato, a Súmula 237 do extinto Tribunal Federal de Recursos dispunha:

"As empresas concessionárias de transporte coletivo urbano são obrigadas a conceder passe livre aos distribuidores de correspondência postal e telegráfica, quando em serviço".

Ocorre que a Constituição de 1988 torna imperativa uma revisão acerca da matéria, pois, conforme alerta Marçal Justen Filho "é necessário evitar o costume de dar aplicação a todos os dispositivos de leis antigas, tal como se fossem todos constitucionais" [01].

É o que se passará a demonstrar.


2- O PRINCÍPIO FEDERATIVO E A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Os princípios mais importantes na estrutura do estado brasileiro são a federação e a república [02]. Tratam-se de princípios que se encontram lógica e cronologicamente colocados em posição de supremacia na Constituição Brasileira. A superioridade pode ser vista em primeiro lugar pelo fato de constarem no caput do art. 1º da Constituição Federal e por constituírem-se em cláusulas pétreas nos termos do § 4º art. 60 da Constituição Federal [03]. Isso significa dizer que nem mesmo podem ser discutidos emendas ou projetos de lei que tenham tendências a abolir, ainda que indiretamente, um desses princípios.

Para fins do presente trabalho importa apenas analisar o princípio federativo. Acerca do conceito de federação leciona Roque Antônio Carraza

De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foedoris, aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (Estados-membros). [04]

Trata-se de um conceito genérico, pois, conforme o mesmo autor leciona, as federações variam no tempo e no espaço:

"Nenhum Estado se assemelha a outro, de tal forma que se possa dizer que os seus respectivos regimes sejam idênticos. Eles, quando muito, podem ser análogos. Para classificar um organismo estático nos quadros da noção Estado federal, subsiste a mesma dificuldade. Os Estados que iniciaram o regime federativo, e que serviriam, portanto de base para a elaboração das diversas teorias sobre a natureza jurídica do Estado Federal são os únicos que nunca têm contestada a sua estrutura federal. O mesmo não se dá com os outros países, pois os seus regimes, embora modelados sobre os dos primeiros, deles sempre se afastam e, muitas vezes, de maneira importante".

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Logo, os que buscam um conceito definitivo, universal e inalterável de Federação, supõem, erroneamente, que ela, aqui e alhures, tem forma única, geométrica, recortada de acordo com um molde inflexível. Para estes, os Estados só são federados quando se ajustam, como verdadeiras luvas, nos "arquétipos eternos", cujas origens e contornos lutam por precisar. Mas, normalmente, são os Estados Unidos da América do Norte tomados pelos estudiosos como exemplo consumado de Federação.

Olvidam-se que Federação é apenas uma forma de Estado, um sistema de composição de forças, interesses e objetivos, que podem variar, no tempo e no espaço, de acordo com as características, as necessidades e os sentimentos de cada povo. É por isto (e não por outras razões), que a Federação Norte-Americana difere da Argentina; a Venezuelana da Austríaca; a Mexicana da Brasileira; e assim por diante. Debalde delas alguém conseguirá extrair todos os traços comuns [05].

Embora as federações sejam diferentes, é necessário ressaltar que dentro de qualquer federação sempre é dada uma esfera de autonomia aos entes federados. É por essa razão que Carmen Lúcia Antunes Rocha leciona que "o princípio federativo assegura a pluralidade de ordens jurídicas autônomas e afinadas numa unidade que se assenta na totalidade da ordem constitucional soberana" [06].

Partindo dos pressupostos de que uma federação é diferente da outra, e que os entes federados sempre tem reservada uma esfera de autonomia, é necessário esclarecer que a Constituição Federal brasileira instituiu um federalismo sui generis, que tem os Municípios como parte integrante. É o que leciona Carmen Lúcia Antunes Rocha:

"Cada sistema jurídico confere ao Município um regime que o integre à organização nacional, donde serem diversos os tratamentos que o Direito confere a essa instituição.

No Brasil, o Município é uma pessoa jurídica de direito público interno, constitucionalmente definida como pessoa da Federação, dotada de autonomia política e administrativa. Do princípio constitucional da autonomia política municipal decorre a condição de deter essa entidade federada estrutura sociopolítica própria e condições financeiras suficientes à realização de objetivos locais consoantes com os princípios constitucionais positivados no sistema jurídico.

Como corpo político autônomo, o Município é pessoa dotada de autonomia administrativa, tendo sua gênese, no sistema constitucional brasileiro vigente, numa Lei Orgânica (art. 29), cujos princípios são definidos no próprio sistema jurídico fundamental.

A elevação do Município à categoria de pessoa integrante da Federação brasileira, de uma parte estancou os debates que permanentemente se travavam sobre essa condição da entidade local. Alguns autores negavam ao Município essa situação jurídica de entidade federada, por ser o modelo federativo uma composição geralmente afirmada entre entidade nacional (que no caso brasileiro, é a União) e as entidades estaduais. Outros, contrariamente, preferiam ver na presença do Município como pessoa da Federação uma peculiaridade do constitucionalismo brasileiro, afirmando que, se não da essência da Federação, o Município sempre foi essencial à Federação nacional, donde a dispensa de se ter que negar-lhe tal condição por não ser essa encontrada na teoria do federalismo ou na prática federalista de outros povos. Promulgada a Constituição de 1988 e incluído o Município entre as pessoas da Federação (arts. 1° e 18), cessou aquele debate travado e que não encontrava resposta taxativa no sistema normativo [07]".

Sendo entes integrantes da Federação, os Municípios possuem uma esfera de competência privativa, que é dada pela noção de interesse local nos termos do inciso I do art. 30 da Constituição Federal.

Acerca da competência privativa dos Municípios assim leciona Carmen Lúcia Antunes Rocha:

"Como o princípio da autonomia municipal foi revigorado na Constituição da República de 1988, a esfera das competências exclusivas e privativas da entidade local foi coerentemente ampliada, fortalecendo-se, ainda, aqueles outros elementos que compõem e realizam o princípio. Assim, deitaram abaixo as exceções antes havidas quanto ao autogoverno e afirmou-se uma maior participação dos munícipes na gestão administrativa dos negócios locais.

Detém o Município uma competência que lhe é, pois privativa, vale dizer, eliminatória da presença de outras entidades políticas na mesma matéria. Essa competência é afirmada, especialmente, pela garantia constitucional de que os próprios Municípios elaboram as suas respectivas Leis Orgânicas (art.29). São estas que oferecem os fundamentos da organização municipal, assegurando-se, pois, dessa forma, a auto-organização política e autônoma das entidades locais [08]".

Mais adiante a mesma autora complementa o ensinamento:

"A competência legislativa dos Municípios foi definida em termos de " assuntos de interesse local", hipótese em que a sua competência é exclusiva e excludente, portanto, da competência das demais entidades. Nessa matéria, a atuação competente da entidade municipal sobrepõe-se a qualquer outra ação, que, se ocorrer, será considerada inconstitucional por violação do princípio da autonomia municipal [09]".

Partindo-se do pressuposto de que os Municípios têm competência privativa para tratar de assuntos de interesse local, é seguro dizer que não há nada mais local do que o transporte coletivo urbano, que é reconhecido pelo inciso V do art. 30 da Constituição Federal como serviço público essencial de interesse local. Trata-se do único serviço público municipal cuja competência é atribuída expressamente pela Constituição Federal aos municípios.

Estabelecidos os pressupostos de que os Municípios integram a federação brasileira e de que legislar acerca do transporte coletivo urbano é de competência privativa dos Municípios, fica bastante claro que nenhum outro ente federativo poderá instituir gratuidades nesse serviço. A instituição de gratuidades no transporte coletivo urbano por um ente federativo diverso do Município certamente estaria acarretada de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 1º e também aos incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal.

Isso significa dizer que há uma incompatibilidade flagrante entre os já citados dispositivos legislativos federais e a Constituição Federal. Não se trata de inconstitucionalidade, mas sim do fenômeno da não recepção. É que, conforme leciona Michel Temer "toda a normatividade infraconstitucional terá como parâmetro a nova Constituição, subsistindo no ordenamento somente as normas que forem compatíveis com esta" [10]. Como as normas citadas antecedem a Constituição de 1988, é seguro dizer que não foram recepcionadas pelo novo ordenamento jurídico inaugurado com a Constituição atualmente em vigor.

Essa, contudo, não é a única razão pela qual a legislação federal não pode ser aplicada aos Municípios. É o que se passará a expor a seguir.


3- A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS COMO EMPRESA PÚBLICA

É cediço que a Empresa brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, criada pelo Decreto-lei nº 509, tem a natureza jurídica de uma empresa pública.

Isso significa que ela se submete ao regime jurídico de direito privado e que não pode ter privilégios que são exclusivos de pessoas jurídicas de direito público. Sintetizando o que aqui se expôs transcreve-se trecho de decisão monocrática proferida pelo então Desembargador Federal Hugo de Brito Machado, relator do MS 28. 620-PE, justificando a decisão concessiva da segurança postulada pela Associação das Empresas de Transporte coletivo de João Pessoa contra Medida Liminar concedida em favor da ECT:

"De todo modo, inteiramente injustificável é que a ECT possa operar, cobrando de todos, inclusive de órgãos do Estado, a remuneração pelos serviços que presta, e desfrutando de gratuidade nos serviços que utiliza. Esse hibridismo, de quem é Estado quando convém ser Estado, e é empresa quando convém ser empresa, é inteiramente inaceitável porque não se compatibiliza com a Constituição Federal em vigor." (TRF 5ªR - MS 28.620 - PB, Rel. Juiz Hugo de Brito Machado, pub. 17/06/93, Impetrante: Associação das Empresas de Transportes Coletivos Urbanos de João pessoa - AETC-JP, Impetrado: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos).

A conclusão a que se chega é por demais simples, onde houver serviço público de transporte coletivo incumbe ao empregado pagar a condução de ida e retorno ao seu trabalho. Quando for da essência do trabalho a locomoção do empregado para suas diversas frentes de ação, como é o caso do carteiro ao entregar a correspondência incumbe ao empregador, ou seja, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, fornecer o veículo ou os meios necessários para esta locomoção, ou pagar pelo transporte. Esta obrigação é da ECT e não das empresas concessionárias de transporte coletivo ou do Município.

Não querendo, por razões de conveniência administrativa, fornecer o transporte, incumbe à ECT pagá-lo como ocorre em qualquer atividade econômica.

Isso ocorre porque o inciso II do art. 173 da Constituição Federal determina que as empresas públicas submetem-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

É certo dizer que nenhuma outra empresa privada tem a possibilidade de não prover o transporte aos seus funcionários para que executem as suas funções externas. Isso significa dizer que há um privilégio trabalhista não extensível ao setor privado, e isso acarreta a primeira afronta ao inciso II do art. 173 da Constituição Federal.

Há também uma segunda afronta. É que as empresas privadas, em suas relações com as empresas concessionárias de serviço público municipais, tampouco podem deixar de pagar a tarifa. Dependendo da natureza jurídica que se dê à tarifa, haverá um privilégio tributário, comercial ou cível não extensível às empresas privadas. Surge aqui a segunda afronta ao inciso já mencionado.

Demonstra-se, assim, mais uma vez a inconstitucionalidade da legislação que concede gratuidade aos carteiros no transporte coletivo urbano.

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Sobre o autor
Marcelo Harger

Advogado em Joinville (SC). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ex-conselheiro do Conselho Estadual de Contribuintes de Santa Catarina. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC. Professor em diversos cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Autor de diversos artigos científicos publicados nas principais revistas jurídicas do país. Autor dos livros "Os consórcios públicos na lei n° 11.107/05" e "Princípios Constitucionais do Processo Administrativo". Coordenador do livro "Curso de Direito Administrativo". Co-autor dos livros "ICMS/SC - regulamento anotado", "Direito Tributário Constitucional" e "Princípios Constitucionais e Direitos Fundamentais".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARGER, Marcelo. A inexistência de gratuidade para os carteiros no transporte coletivo urbano de passageiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2886, 27 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19198. Acesso em: 25 abr. 2024.

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