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Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e seus reflexos no ônus da prova de doenças ocupacionais no processo do trabalho

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28/06/2011 às 16:21
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4 NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO – NTEP: DEFINIÇÃO E ALCANCE

O chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário foi pensado como meio de resolver o problema das subnotificações, pelos empregadores, dos acidentes de trabalho ocorridos em seu âmbito, de grande conseqüência social para os trabalhadores e prejudicial aos cofres da previdência social. Tal conclusão é obtida quando procedemos a uma interpretação autêntica dos fatores que ensejaram a edição da lei 11.430, de 26 de dezembro de 2006, veiculadora do instituto em análise.

Referida norma, que se trata, em verdade, de conversão da Medida Provisória nº 316/2006, alterou a lei 8.213/91 para introduzir em seu bojo o artigo 21-A, com a seguinte redação:

Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.

§ 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.

§ 2º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.

Ainda fora introduzido um novo parágrafo, o § 5º, ao artigo 22 da mesma lei, disciplinando não ser aplicável a multa pela não emissão de CAT quando for verificado o nexo técnico epidemiológico previdenciário. De salientar que ainda não foi editado o regulamento a que alude o caput do artigo 21-A supra transcrito, o qual deverá trazer o rol de patologias motivadoras de incapacidade, baseada na Classificação Internacional de Doenças – CID, cujo rol deverá ser meramente exemplificativo.

Os itens "7" e "8" da exposição de motivos nº 33 do Ministério da Previdência Social [16], pertinente à medida provisória que originou a indigitada lei deixam bem claro os fundamentos e objetivos do legislador com a sua edição:

7. Diante do descumprimento sistemático das regras que determinam a emissão da CAT, e da dificuldade de fiscalização por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta caracterização de seu benefício. Necessário, pois, que a Previdência Social adote um novo mecanismo que segregue os benefícios acidentários dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegação da CAT.

8. Para atender a tal mister, e por se tratar de presunção, matéria regulada por lei e não por meio de regulamento, está-se presumindo o estabelecimento do nexo entre o trabalho e o agravo, e conseqüentemente o evento será considerado como acidentário, sempre que se verificar nexo técnico epidemiológico entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida relacionada na CID motivadora da incapacidade.

Cuida-se o NTEP de técnica de presunção legal que admite, porém, prova em contrário, sendo, portanto, iuris tantum. Através da presunção, parte-se de um fato certo, que existe, para se deduzir a existência de outro incerto. É definida como:

A dedução, a conclusão ou a conseqüência, que se tira de um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso. A presunção, pois, faz a prova e dá a certeza do que não estava mostrado nem se via como certo, pela ilação tirada de outro fato que é certo, verdadeiro e já se mostra, portanto, suficientemente provado. [17]

Desse conceito, integram a presunção, segundo Moacyr Amaral Santos:

1) o fato conhecido; 2) o fato desconhecido; 3) o nexo de causalidade entre o fato conhecido e o fato desconhecido. O fato desconhecido é havido como provado pela lei, que também tem como reconhecido e preestabelecido o nexo de causalidade, mas isto e aquilo somente se verificam quando quem invoca a presunção faça prova do fato do qual ela dimana, isto é, o fato conhecido. [18]

A aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico, mediante presunção, é verificada mediante associação da relação contida na Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e a lista de patologias assentes na Classificação Internacional de Doenças – CID. Assim, os técnicos do INSS, verificando que o trabalhador/segurado é vítima de determinada patologia cadastrada na CID, fazem um cruzamento com o CNAE e observa-se o fator de risco patológico que aquela atividade causa. É uma associação estatística, que considera a alta incidência de determinadas doenças em determinados tipos de serviço.

Note-se que, dos elementos da presunção acima fornecidos, encontram-se todos presentes no NTEP, a saber, a patologia que acomete o trabalhador (fato conhecido), a culpa empresarial (fato desconhecido) e o nexo de causalidade, também presumido. Decompondo a nomenclatura do instituto, temos que por técnico deve se entender o Cadastro Nacional de Atividades Empresariais, e por epidemiológico o Cadastro Internacional de Doenças, sendo o nexo justamente a associação dessas duas listas.

A fixação do nexo técnico tem como conseqüência imediata a presunção de existência do nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho. Merece ser salientado que, como o instituto em análise toma como referência, para efeito de doenças ocupacionais, o CID, o rol de patologias passíveis de enquadramento como acidente do trabalho aumenta substancialmente, já que não mais estará adstrito à lista de doenças somente profissionais ou do trabalho, mencionado no artigo 20 da lei 8.213/91 e constante do rol anexo ao Decreto 3.048/99.

Além da finalidade de combater o verdadeiro flagelo social causado pelas subnotificações dos acidentes do trabalho, o NTEP tem a função de educação dos empregadores para a adoção de medidas que evitem o surgimento de doenças ocupacionais, pois agora se verão em situação inversa àquela ordinariamente verificada, tendo contra si o encargo de desconstituir o nexo causal presumidamente constatado, sem falar que proporciona o aludido instituto maiores condições para concreção da determinação constitucional de um meio ambiente do trabalho equilibrado. [19]. Por fim, a caracterização de doença ocupacional faculta a autarquia previdenciária mover ação judicial para cobrar do empregador os gastos que teve com os auxílios-doença ocupacionais.

Não merece acolhida, destarte, a alegação do setor empresarial nacional de que o novo método poderá criar distorções e gerar passivo trabalhista, já que, em verdade, trata-se de mecanismo de correção de desigualdade social, pela qual lucrava a classe empresarial em desabono do pólo mais fraco, o proletariado, em verdadeiro enriquecimento ilícito oriundo da própria torpeza.


5 REFLEXOS DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO NA PROVA DE DOENÇAS OCUPACIONAIS NO PROCESSO DO TRABALHO, SOB O PRISMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Diante do que já fora exposto, pode-se perceber facilmente que, mesmo destinado inicialmente para uso na via administrativa, pelos peritos do INSS, o instituto do NTEP altera profundamente a sistemática de prova judicial para as reparações civis decorrentes de doenças ocupacionais. Ao estabelecer, em lei, hipótese de presunção na fixação do nexo de causalidade, inverte-se o ônus da prova em favor do obreiro, transpondo para o empregador a necessidade de desconstituir o nexo presumidamente firmado.

A presunção, segundo o Código Civil vigente, constitui meio de prova. A presunção legal, ou seja, aquela estabelecida por lei é mais do que isso, sendo instrumento que dispensa a prova dos fatos que faz crer como verdadeiros. Eis a redação dos dispositivos assentes, respectivamente, no Código Civil e no Código de Processo Civil:

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:

(...) omissis

IV – presunção;

Art. 334. Não dependem de prova os fatos:

(...) omissis

IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade.

Temos que, ao estabelecer hipótese de inversão do ônus da prova, presumindo-se a ocorrência de doença ocupacional pelo risco da atividade empresarial, o instituto do NTEP estabelece para tais casos hipótese de responsabilidade objetiva em consonância com o que dispõe o parágrafo único do artigo 927 do aludido Código Civil, assim escrito:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Para caracterização do que vem a ser responsabilidade civil, tomamos por empréstimo a definição elaborada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [20]:

...a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. Decompõe-se, pois, nos seguintes elementos, que serão estudados no decorrer desta obra: a) conduta (positiva ou negativa); b) dano; c) nexo de causalidade.

Responsabilidade civil, portanto, é a sujeição do infrator de uma situação ideal de comportamento às conseqüências judiciais do seu agir. Vale dizer, o instituto em análise tem vez com a prática de ato ilícito, contrário a ordem jurídica privada, coagindo o seu autor, verificada a existência dos seus pressupostos de validade, a saber, conduta, nexo de causalidade e dano, na obrigação de reparar, indenizar ou compensar, a depender da natureza da lesão.

Assim, temos a conduta humana, que na maioria das vezes deve ser positiva, já que para os casos de omissão mister se faz a previsão legal de relevância da omissão e o dever legal de agir, e sempre deverá ser voluntária, passível de controle pela vontade à qual o fato é imputável, consoante lições de Maria Helena Diniz. [21]. A culpa, como gênero, está incluída na conduta.

Ao seu lado, como elemento intangível da responsabilidade, o nexo de causalidade é o elo de ligação entre a conduta e o resultado (dano), como verdadeira relação de causa e efeito. Nosso Código Civil adotou a teoria da causalidade adequada, pela qual somente as condutas relevantes para a deflagração do resultado podem fazer surgir o dever de indenizar. Referido nexo somente será excluído com a ocorrência de um dos seguintes elementos: caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima; culpa exclusiva de terceiro.

Por fim, faz-se imprescindível, para que surja o dever de indenizar, a ocorrência do dano ou prejuízo, como elo final da cadeia. Esse resultado (dano) pode ser tanto de ordem material, a englobar o que a lei civil denominou de danos emergentes ou positivos, em síntese, aquilo que efetivamente se perdeu, bem como os lucros cessantes, ou aquilo que deixou de se ganhar. O dano pode ser também de ordem moral, ou aquele que atinge os chamados direitos da personalidade, tais como honra, vida, liberdade, imagem. Admite-se, também, como categoria autônoma do dano moral, o dano somente à imagem ou dano estético, assim entendido como a ofensa a imagem-retrato da pessoa, sendo passível de indenização cumulativa com os demais.

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A responsabilidade objetiva, com acento principal no já declinado parágrafo único do artigo 927 do Código civil, independe de demonstração de qualquer grau de culpa, eis que fundada na teoria do risco. Por esta teoria, que se divide em várias espécies, o causador do risco responderá pelos danos que sua conduta, normalmente desenvolvida, cause a outrem. Interessa-nos, para compreensão deste trabalho, os conceitos de risco da atividade e de risco-proveito, pelo que socorremo-nos da doutrina de Flávio Tartuce [22]:

Teoria do risco da atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria riscos a terceiros; Teoria do risco-proveito: é adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado, como nos casos envolvendo os riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, como consta do artigo 927 do código civil, a responsabilidade objetiva terá vez sempre que a lei assim o determinar ou nos casos em que se possa verificar a ocorrência de situação enquadrável na teoria do risco. Diante do exposto, podemos afirmar sem receio que o NTEP presume a existência da conduta – ato ilícito, englobando a culpa -, e do nexo causal, sendo que o dano já é verificado pela constatação clínica da doença que vitima o trabalhador.

A própria presunção do nexo de causalidade pressupõe risco estatístico de determinada atividade empresarial causar a patologia objeto do NTEP, razão pela qual estão presentes todos os elementos da responsabilidade objetiva. A responsabilidade civil já contempla, em sua formulação existencial, os institutos da presunção –a conduta dolosa ou culposa é presumida -, bem como a inversão do ônus da prova, já que caberá ao infrator alegar uma das excludentes de responsabilidade. Outrossim, o Código de Processo Civil, como visto, determina que não serão objeto de prova os fatos em abono dos quais milite presunção legal, o que leva ao empregador, fixado o nexo técnico epidemiológico, a responder por este judicialmente de forma objetiva.

Essa interpretação enfrenta aparente impossibilidade de aplicação na seara trabalhista face o disposto no artigo 7º, XXVIII, da Constituição de 1988, como se nota:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...) omissis

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Com essa disposição, a Constituição federal joga por terra, num primeiro momento, toda a construção para aplicação da responsabilidade objetiva em desfavor do empregador com esteio na teoria do risco, já que exige a lei maior a verificação de dolo ou culpa na conduta do patrão para que se implemente seu dever de reparar o dano.

Essa situação, entretanto, leva a ocorrência de ocorrências peculiares e paradoxais, como bem salienta a doutrina:

A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente...Desculpe-nos, mas é muito para o nosso fígado... [23]

Para enfrentar essa superficial inconstitucionalidade, de aplicação da responsabilidade objetiva ao campo trabalhista, mormente nas ações de reparação por doenças ocupacionais, adotamos posicionamento esboçado Sebastião Geraldo de Oliveira, com esteio em outros autores de renome, cuja idéia central se transcreve:

Isso porque entendemos que a previsão do inciso XXVIII mencionado deve ser interpretada em harmonia com o que estabelece o caput do artigo respectivo, que prevê: "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social". Assim, o rol dos direitos mencionados no art. 7º da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente "outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador". [24]

Portanto, há que se compreender o analisado artigo da constituição federal como norma de aplicabilidade limitada, ao menos na locução "além de outros que visem à melhoria de sua condição social", pelo que os artigos 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, bem como o artigo 21-A, da lei 8.213/91, constituem instrumentos de significativa melhoria da própria dignidade humana do trabalhador, sobremaneira por combater de forma mais eficaz a infortunística do acidente do trabalho.

Outrossim, não ocorre bis in idem para o empregador, já que a responsabilização objetiva com base na teoria do risco da atividade decorre do normal desempenho desta, que por si só pressupõe perigo para terceiros, ônus suportado pela classe empresarial. Já a indenização a que alude o inciso XXVIII, artigo 7º, da lei das leis, quando incorrer o empregador em dolo ou culpa, deriva de uma atitude anormal do mesmo, sem correlação imediata com a corriqueira atividade por ele desenvolvida, razão pela qual, justamente, exige-se a demonstração de dolo ou culpa.

Destarte, pensamos que a presunção de doença ocupacional, com a aplicação de responsabilidade objetiva, permite compreender que a prova por presunção não é somente um meio admissível de prova, mas um valor jurídico fundamental. [25]

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Sobre o autor
Bruno de Melo Messias

Bacharel em Direito - Advogado - Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESSIAS, Bruno Melo. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e seus reflexos no ônus da prova de doenças ocupacionais no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19441. Acesso em: 19 abr. 2024.

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