11. A actual redacção do art. 12.º CT
Através da Lei n.º 9/2006 de 30 de Março, o legislador deu nova redacção a alguns artigos do Código de Trabalho e da Regulamentação do Código de Trabalho.
Nova redacção foi dada ao art. 12.º do CT "Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição."
A definição do contrato de trabalho tem como requisitos, como já visto, a actividade, a remuneração e a subordinação jurídica. Se estiverem verificados estes requisitos, então estamos perante um contrato de trabalho de acordo com o art. 10.º do CT.
Contudo,
A nova redacção do art. 12.º do CT, exige, para além da actividade, da remuneração e da subordinação jurídica, que o trabalhador esteja "na dependência" e inserido na "estrutura organizativa do beneficiário da actividade". Ora, estes requisitos, são de uma exigência extrema. Precisar os seus limites é muito difícil. Para além do mais, a estes requisitos acrescem todos os outros previstos no art. 10.º do CT.
A base da presunção mostra-se, assim, mais exigente do que os próprios requisitos da noção legal de contrato de trabalho, pelo que, em bom rigor, não existe qualquer presunção legal de laboralidade.
As presunções têm como objectivo facilitar a prova de determinados factos. Através da verificação de determinados factos (factos-base), a presunção facilita a prova de outro (facto presumido). Faz-se um salto lógico. Prova-se determinado facto e a lei presume, através de ilações lógicas, outro facto. Quem pretender que o facto que a lei presume não seja provado, tem que fazer prova nesse sentido. Ou seja, inverte-se o ónus da prova.
Ora, com uma presunção nestes termos a prova é dificultada. Isto porque, para se poder fazer uso desta presunção tem que se provar todos os elementos da definição de contrato de trabalho e, mais que isso, outros (a dependência e a inserção na estrutura organizativa), que a definição não exige.
A doutrina compara muito o caso português com o caso espanhol, sendo que o caso português é ainda mais chocante. Vejamos,
- em Espanha não existe uma real presunção visto que o preceito – art. 8.º/1 - limita-se a estabelecer que "cuando existe un contrato de trabajo se presume que existe un contrato de trabajo", ou seja, reproduz a definição do art. 1.º do Estatuto de los Trabajadores. Os requisitos da presunção são coincidentes.
- Em Portugal, a definição do art. 12.º do CT, quando estivermos perante um contrato de trabalho, nos termos do art. 10.º, podemos não estar perante um contrato de trabalho pela presunção. A base da presunção é consideravelmente alargada, vai para além dos elementos essenciais do tipo.
Uma presunção, qualquer que ela seja, só tem utilidade para o interessado/beneficiário quando se limita à formulação de alguns (poucos) índices. Não nos podemos esquecer que, apesar da inversão do ónus da prova que a presunção acarreta, no que respeita aos índices da presunção o ónus da prova recai sobre quem quer tirar partido da mesma. Se os índices da presunção forem mais exigentes do que os próprios elementos do facto provando, como é o caso da presunção de laboralidade, então a presunção não apresenta qualquer vantagem para o seu beneficiário, sendo menos oneroso fazer prova directamente do facto que se pretende provar com a presunção.
Do exposto, nem sempre a intenção de diminuição das dificuldades probatórias, inerente a qualquer presunção legal, produz efeitos concretos e úteis. A redução das exigências de prova é tanto mais forte quanto mais fácil for a verificação da própria presunção, dos requisitos por lei impostos para sua aplicação.
Daí dever fazer-se uma interpretação ab-rogante desta presunção. Redigida nestes termos, a sua utilização é totalmente inútil, podendo, pelo contrário, dificultar a qualificação do contrato de trabalho em sede judicial se o julgador se deixar influenciar ou guiar pela mesma.
João Leal Amado, incrédulo, afirma: "Lê-se, mas não se acredita! Se a anterior redacção do preceito apresentava, como se disse, deficiências manifestas, a actual redacção do mesmo transforma esta norma numa disposição obtusa e, digamo-lo sem rodeios, mentirosa!" O feitiço virou-se contra o feiticeiro. O que parecia ser a solução para a utilização fraudulenta do contrato de prestação de serviços em substituição do contrato de trabalho, tornou-se numa dificuldade extra que o trabalhador tem que enfrentar, se quiser fazer valer o seu direito.
Albino Mendes Baptista, em aditamento ao comentário da anterior presunção afirma: "Na minha opinião, a presunção de laboralidade desapareceu e hoje o intérprete tenderá a operar apenas com o tipo legal" e à frente acrescenta "A criança, que ainda era a antiga presunção de laboralidade, não chegou a dar ao primeiros passos."
João Reis, exprime a sua preocupação a respeito da inflexão verificada com a Lei n.º 9/2006, no seguinte modo "Perante o actual art. 12.º – que quase roça o absurdo jurídico, pois, parece mais difícil provar a presunção do que a realidade que ela visa presumir (contrato de trabalho) – Propõem-se alterações para-inglês-ver" [38].
Julio Manuel Vieira Gomes [39] entende que apesar de a prova da existência de contrato de trabalho, através da presunção, pelo trabalhador não ter sido muito facilitada, quando comparada com a antiga redacção da presunção, sempre a nova redacção do art. 12.º do CT representa "um passo na direcção certa". Considera este Autor que apesar de ter desaparecido a referência à duração mínima da actividade prestada, o texto continua a ser confuso ou impreciso e a exigir demais para uma mera presunção. No entanto, e apesar de não se estar perante uma redacção que ponha cobro a todas as dificuldades sempre entende este Autor que apesar "da letra infeliz do art. 12.º, é possível fazer uma leitura do preceito que não o esvazia de sentido útil".
Ora bem, se a intenção do legislador foi a de beneficiar o trabalhador subordinado, normalmente onerado com as dificuldades normais de prova do seu direito ao invocar a celebração de um contrato de trabalho, serão contraditórias, contraproducentes e ilícitas quaisquer tendências de aplicação ao art. 12.º que, no exercício dos poderes dicisórios legalmente atribuídos ao julgador dentro da margem de interpretações possíveis aberta pela utilização de vários conceitos indeterminados no contexto da presunção, permita uma inversão, para pior, da viabilidade do acesso do trabalhador à qualificação do contrato como de trabalho [40].
Ex vi, a criação de uma presunção de laboralidade pode configurar uma medida positiva para combater a evasão para o trabalho autónomo e desvinculado. Entre os autores e utilizadores do Direito, encontramos quem a sustente e quem a rejeite. Porém o que não se admite é que o legislador democrático adopte uma postura dúplice, anunciando sua existência e validade mas retirando-lhe qualquer efeito práctico, muito mais, sabotando-a [41].
Também Maria do Rosário Palma Ramalho tem um entendimento mais optimista da nova redacção do art. 12.º do CT quando em comparação com a anterior redacção. Entende esta Autora que "Da comparação desta redacção do preceito com a versão original resulta que a lei é actualmente menos exigente quanto aos requisitos da presunção da laboralidade, tendo-se concentrado nos aspectos que, de facto, melhor apontam para os elementos essenciais do contrato de trabalho" [42]. Não podemos concordar, de forma alguma, com o entendimento da Autora.
Consideramos que a nova redacção do art. 12.º do CT não apresenta, no seguimento do entendimento dominante na doutrina, qualquer utilidade prática para a delimitação do contrato de trabalho dos contratos afins. Da forma como apresenta-se formulada, a presunção é totalmente inútil, na medida em que só quando se figurar perfeitamente seguro estarmos perante um contrato de trabalho, é que, de acordo, com a presunção, estaremos perante um contrato de trabalho.
A norma em causa não deixa espaço para uma interpretação correctiva. O objectivo do legislador – facilitar a prova da existência de contrato de trabalho – não foi de longe alcançado. Ao intérprete e ao julgador só resta fazer uma interpretação ab-rogante, fazendo a qualificação do contrato de trabalho directamente a partir da definição de contrato de trabalho, constante do art. 10.º do CT.
12. A proposta de lei n.º 216/X
Dando cumprimento ao artigo 20.º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, ao artigo 9.º da Lei da Lei 35/2004, de 29 de Julho – que previam a sua revisão no prazo de quatro anos - e, ainda, ao que foi vertido no Programa do XVII Governo Constitucional, surge a proposta de Lei nº 216/X .
As modificações propostas ligam-se à necessidade de intervir nos seguintes aspectos:
- sistematização do acervo legislativo;
- promoção da flexibilidade interna das empresas, da melhoria das possibilidades de conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar, da igualdade de género;
- melhoria da articulação entre a lei, as convenções colectivas de trabalho e os contratos de trabalho;
- desburocratização e simplificação do relacionamento entre as empresas e os trabalhadores, e de uns e de outros com a Administração Pública.
No que concerne ao objecto do presente trabalho, a proposta de Lei n.º 216/X realça:
"Finalmente, com o desiderato de combater a precariedade e a segmentação dos mercados de trabalho, alteram-se os pressupostos que operam para a presunção da caracterização do contrato de trabalho e cria-se de uma nova contra-ordenação, considerada muito grave, para cominar as situações de dissimulação de contrato de trabalho, com o desiderato de combater o recurso aos "falsos recibos verdes" e melhorar a eficácia da fiscalização neste domínio."
E, mais:
"Aplicação do direito do trabalho
- Situações equiparadas: as normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade.
Contrato de trabalho
- Altera-se a noção de contrato de trabalho, especificando que o trabalhador é uma pessoa singular e que este presta a sua actividade no âmbito de organização do empregador ou empregadores.
- Aperfeiçoa-se a presunção da existência de subordinação jurídica e, assim, a caracterização do contrato como contrato de trabalho, baseado aquela na verificação de alguns elementos caracterizadores de contrato de trabalho que possam actuar como indícios de subordinação.
- Sanciona-se a dissimulação de contrato de trabalho, passando a constituir contra-ordenação muito grave a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. A reincidência importa a aplicação da sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos. Prevê-se, quanto ao pagamento da coima, a responsabilidade solidária entre os responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director em determinadas condições."
13. CONCLUSÃO
Pelo que dissemos, conseguimos ficar com uma ideia, ainda que breve e esquemática das dificuldades existentes na delimitação do contrato de prestação de serviços e do contrato de trabalho.
Como vimos, a distinção entre ambos os contratos, ainda que fácil em abstracto, na prática é muito difícil. Tal deve-se não só à existência de uma certa interligação entre os elementos essências de ambos os tipos contratuais, como à existência de uma "zona cinzenta", em que tanto podemos estar perante um contrato de trabalho como perante um contrato de prestação de serviços. A complicar tudo, o clássico modo de prestação do contrato de trabalho está a perder o seu relevo, adaptando-se à necessária evolução laboral de forma a melhor corresponder às exigências colocadas aos trabalhadores.
A importância da correcta qualificação do contrato de trabalho é algo particularmente relevante para o trabalhador visto que há diferenças quanto ao regime adotado, tanto em sede de direitos laborais quanto em sede de direitos da segurança social.
Para facilitar a delimitação dos tipos contratuais em causa, poderíamos recorrer ao método indiciário, mas são muitas as dificuldades e exigências que se colocam no recurso a este método.
Pensamos que a melhor opção será o recurso à figura da presunção. Claro que não com uma redacção do género da actual, constante do art. 12.º do CT, pois nestes termos uma presunção perde todo o valor que poderia ter. A única atitude a tomar perante a nova redacção da presunção de laboralidade é optar por um estado de passividade. Fazer uma interpretação ab-rogante. Eliminar tal presunção do ordenamento jurídico.
Na proposta de Lei n.º 216/X, em seu artigo 13.º, vemos um caminho mais claro para alcançar os objectivos de uma presunção: coloca em destaque alguns indícios de subordinação jurídica (a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa), através de uma enumeração não cumulativa.
A verificação de algum dos indícios, faria presumir ( na hipótese da proposta de Lei 216/X que será discutida dia 18 de Setembro no Parlamento) a existência de contrato de trabalho, protegendo a parte mais débil na relação laboral – o trabalhador – através da inversão do ónus da prova. Caso o empregador entenda não estar perante um contrato de trabalho, mas sim perante um contrato de prestação de serviços, então caberá a ele a prova da autonomia.