7. Declaração dos dias remidos.
Pela redação antiga da LEP (artigo 126, § 3º) a declaração dos dias remidos é realizada pelo juiz da execução, mas somente depois da manifestação do Ministério Público.
Notem que não havia no texto antigo previsão da possibilidade da defesa do reeducando ser previamente ouvida acerca da declaração dos dias remidos. Assim, buscando garantir o princípio do contraditório e da ampla defesa a lei 12.433/11 incluiu o defensor no procedimento de declaração dos dias remidos pelo magistrado da execução penal, inserindo o § 8º ao artigo 126 da LEP.
A participação da defesa no procedimento de declaração permitirá que haja uma adequada fiscalização na decisão da declaração dos dias remidos. Embora se trate, prima facie, de simples cálculo matemático para a concessão do benefício, é cediço que o defensor poderá apurar a regularidade do cálculo e também analisar eventual carga de subjetivismo na análise das horas de estudo e de trabalho a serem efetivamente computadas.
Assim, sem sombra de dúvidas o artigo 126, § 8º da LEP veio para acentuar ainda mais o papel do defensor (que tem status de assistente jurídico do preso – artigo 16, LEP), em especial da defensoria pública, que se tornou órgão da execução com advento da Lei nº 12.313, de 2010.
8. Periodicidade das informações de trabalho e atividade de ensino; E a ausência de normatização quanto à periodicidade da declaração da remição.
A autoridade administrativa deverá encaminhar mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles. Essa é a nova redação dada ao artigo 129 da LEP pela lei 12.433/11.
Comparando o novo texto do artigo 129 da LEP com o antigo 129, notamos que a única inovação foi ter incluído ao texto que a autoridade administrativa deverá encaminhar também ao juízo das execuções as informações das horas de frequência escolar e as atividades de ensino dos reeducandos. A referida alteração foi necessária para se compatibilizar ao novo sistema da remição em razão da realização de atividades educativas.
A lei 12.433/11 deveria ter ido além, pois perdeu as chances de ter estabelecido também o período em que o juiz avaliaria a possibilidade de declarar remido um determinado número de dias de pena.
. A omissão legislativa quanto à periodicidade da declaração da remição ainda continua, e incorreu o legislador, portanto, na mesma omissão do texto anterior.
Guilherme de Souza Nucci, ao tratar da falta de estipulação legal acerca da periodicidade da delcaração da remição, arremata que:
Alguns magistrados, o fazem mensalmente; outros, mais sobrecarregados de trabalho, terminam por proferir a declaração da remição em períodos diversos (a cada três meses; a cada seis meses). É importante verificar o total geral da pena para não prejudicar o sentenciado. Se a pena é longa, nada impede o reconhecimento da remição a cada seis meses, por exemplo. Entretanto, sé curta, torna-se cauteloso fazer a verificação mensal, permitindo a liberação no menor tempo possível. [08]
A ausência de periodicidade na declaração da remição pode gerar eventual hipertrofia da punição, pois a ausência de análise por parte do magistrado acerca da remição poderia impedir eventual direito do reeducando a eventual progressão de regime, por exemplo. Assim, falhou o legislador em não ter abordado a referida temática na lei 12.433/11.
De forma a equacionar o erro repetido pelo legislador, omitindo a ausência de periodicidade, seria conveniente e oportuno que o juiz das execuções interpretasse extensivamente o novo § 2º do artigo 129 da LEP (que repetiu o texto do antigo parágrafo único do artigo 129 da LEP). O referido § 2º do artigo 129 reza que: Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos. Dever-se-ia interpretar extensivamente a expressão "ao condenado" no sentido de abranger também seu defensor constituído ou na falta deste a defensoria pública, pois o condenado por si só (sem assistência de defensor) não tem reais condições de calcular dias remidos e apurar a possibilidade de concessão de benefícios (ex.: progressão de regime). Deixar tais informações somente nas mãos do condenado sem assistência de defensor poderá gerar séria hipertrofia da sua pena, deixando-o em um regime mais gravoso de cumprimento de pena, sendo que poderia estar em regime menos severo. Aliás, com o advento da lei 12.313/2010, é incumbência da Defensoria Pública requerer a remição da pena (artigo 81-B, alínea e da LEP). Ademais, a Defensoria Pública com o advento da lei 12.313/2010 ganhou status de verdadeiro assistente jurídico do condenado (conforme artigo 16 da LEP), e extensivamente também do preso cautelar.
9. Perda dos dias remidos.
A perda dos dias remidos encontrava-se regulada no art. 127 da LEP, com a seguinte redação: "O condenado que for punido por falta grave perderá o direito a tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar".
O rol das faltas consideradas graves no cumprimento de pena privativa de liberdade encontra-se no art. 50 da LEP.
A questão relativa à perda dos dias remidos sempre foi passível de discussão na doutrina, já que, na visão de alguns, a situação deveria ser encarada como direito adquirido do condenado [09], posicionamento que se mostrava minoritário.
A respeito do assunto, o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, decidiu que o sentenciado não tinha direito adquirido ao tempo remido, pois o art. 127 da Lei 7.210/84 o subordina a condição do não cometimento de falta grave, sob pena de perda daquele período. Vejamos alguns dos informativos do STF que demonstravam o referido entendimento:
Informativo nº 394. Falta grave e perda dos dias remidos. Nos termos do artigo 127 da lei 7.210/84 (lei de Execução Penal), o condenado que comete falta grave durante o cumprimento da pena perde os dias remidos, iniciando novo período a partir da infração disciplinar, não havendo que se falar em ofensa ao direito adquirido ou à coisa julgada. Precedente citado: HC 77592/SP (DJU de 12.3.99). HC 85552/SP, rel. Min. Carlos Britto, 28.6.2005.
Informativo nº 138. Pena: REMIÇÃO. O instituto da remição não constitui direito adquirido. É benefício sujeito a condição resolutiva, ligado ao comportamento carcerário do condenado. HC 78.178-SP, rel. Min. Carlos Velloso, 9.02.99.
O STF, mantendo sua linha tradicional de entendimento, terminou por editar a Súmula Vinculante n. 9, que tem a seguinte redação: "O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58", colocando fim à discussão doutrinária e jurisprudencial que pairava, tornando a decisão do STF vinculante.
Assim, a súmula vinculante n. 9 pacificou o tema, deixando claro que a remição estava submetida à cláusula rebus sic stantibus, pois sua concessão ficava condicionada a comportamento futuro do condenado. Então, os dias trabalhados pelo preso criavam mera expectativa de direito, não havendo que se falar em direito adquirido ou coisa julgada.
Após a edição da súmula vinculante n. 9, que colocou fim à discussão que pairava na doutrina e na jurisprudência, o legislador, em claro descontentamento quanto ao posicionamento do STF, alterou a redação do artigo 127 da LEP, trazendo em seu novo texto que o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57 da LEP, segundo o qual, na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.
Denota-se, portanto, que a lei 12.433/11 revogou a súmula vinculante n. 9 do STF, criando um direito adquirido parcial com relação aos dias remidos, facultando ao juiz das execuções a revogação de até 1/3 do tempo remido no caso de haver falta grave por parte do condenado, levando-se em consideração o artigo 57 da LEP. O juiz das execuções, para apurar o quantum dessa revogação, deverá, com certa margem de discricionariedade, levar em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão.
Cometida a infração disciplinar recomeça-se a contagem dos dias remidos, preservando-se, por óbvio, os dias que sobraram em decorrência da revogação de até 1/3 do tempo remido em razão da falta grave cometida.
É certo que a nova redação do artigo 127 da LEP tonou-se mais favorável ao sentenciado, e alcançará, portanto, os fatos ocorridos antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da CF.
A questão que se faz é seguinte: se o sentenciado depois de ter reduzido os seus dias remidos em até 1/3 em razão do cometimento de falta grave, e após algum tempo comete nova falta grave. A redução decorrente dessa segunda falta grave incidirá sobre a soma dos dias remidos anteriormente reduzidos e dias remidos da nova contagem a partir da infração disciplinar? Ou somente incidirá sobre a nova contagem, não atingindo os dias remidos conquistados e reduzidos pela falta grave anterior? Resposta: A lei omitiu-se sobre o assunto. Entendemos que deve ser aplicada a redução somente no que tange à nova contagem em razão da segunda falta grave, pois se permitisse a redução de 1/3 sobre a soma dos dias remidos anteriormente reduzidos e dias remidos da nova contagem estaria havendo bis in idem, pois se estaria apenando novamente os dias remidos que já foram objeto de sanção em decorrência da primeira falta grave. Para melhor ilustrar o caso, utilizaremos do seguinte exemplo:
Imaginemos que o sentenciado tinha 90 dias remidos e cometeu uma falta grave. Sendo assim o juiz aplicou redução em seu grau máximo (1/3). Assim, restaram 60 dias remidos em prol do sentenciado. A partir da sua falta grave iniciou-se nova contagem para fins de remição. O sentenciado, nessa segunda contagem, obteve novamente mais 90 dias remidos, contudo acabou por praticar uma segunda falta grave. O juiz das execuções aplicou mais 1/3 a título de redução dos dias remidos em decorrência da segunda falta grave. Surge a questão: O juiz deverá aplicar essa segunda redução sobre a soma dos 60 dias restantes anteriores à nova contagem + 90 dias da nova contagem? Ou somente deverá aplicar essa segunda redução sobre os 90 dias (que se referem somente à nova contagem)?
Se o juiz aplicar a segunda redução de 1/3 sobre os 60 dias anteriores restantes da 1ª redução + 90 dias da nova contagem, o sentenciado teria um desconto de 50 dias sobre o total dos dias remidos de pena,sobrando-lhe apenas 100 dias de pena remidas, e estaria ocorrendo bis in idem, pois se estaria aplicando nova redução à 1ª contagem, violando o direito adquirido do sentenciado aos 60 dias que lhe eram garantidos após a redução decorrente da primeira falta grave.
Se o juiz aplicar a segunda redução de 1/3 somente sobre os 90 dias da nova contagem, o sentenciado teria apenas 30 dias reduzidos, restando-lhe 120 dias remidos de pena em razão da cumulação do tempo remido restante da primeira redução (60 dias) mais o tempo remido restante da segunda redução (60 dias), não havendo aqui bis in idem.
Assim, pelo exposto, filiamo-nos à corrente de que no caso de nova falta grave, a redução de até 1/3 desta nova falta incidiria somente sobre o cômputo dos dias remidos a partir da nova contagem, preservando-se o tempo remido antes dessa nova contagem resultante da primeira redução em decorrência da primeira falta grave.
10. Cômputo dos dias remidos para todos os fins.
A redação antiga do artigo 128 da LEP rezava que: o tempo remido será computado, para a concessão de livramento condicional e indulto.
A doutrina, praticamente de forma unânime, embora o artigo 128 da LEP não tivesse feito qualquer referência do cômputo do prazo remido para efeito de progressão nos regimes penitenciários, entendia que o tempo remido também deveria influir no prazo mínimo de cumpriemento da pena para o efeito da progressão. Afinal, o próprio artigo 111 da LEP determina que, para a determinação de regime de cumprimento, deve ser observada, inclusive , a remição . [10]
NUCCI, também entendia que na realidade, os dias remidos são computados para todos os fins e não somente para a concessão de livramento condicional ou indulto. [11]
A lei 12.433/11, corrigindo o erro do artigo 128 da LEP, modificou o seu texto, e abraçou o entendimento doutrinário e jurisprudencial dizendo que: o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
11. Preso impossibilitado em razão de acidente e o benefício da remição
De acordo com a nova redação (artigo 126, § 4º, LEP) o preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição. Contudo, em razão do próprio princípio implícito de boa-fé, que orienta o nosso ordenamento jurídico, o referido § 4º não poderá ser invocado por aquele preso que tenha se acidentado dolosamente para não exercer trabalho ou estudar, pois a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza.
Conclusão
A lei 12.433/11 trouxe, indubitavelmente, modificações importantes à Lei de Execuções Penais, solucionando muitos impasses doutrinários e jurisprudenciais que geravam insegurança jurídica aos sentenciados. Contudo, em muitos pontos a referida lei foi tímida e aquém do esperado. Há vários pontos que irão gerar dúvidas no que tange à operacionalização das normas. Verificou-se, também, ao longo da exposição que a lei 12.433/11 trouxe novos problemas, como apontado no item "da perda dos dias remidos" e no item "quebra da exclusividade dos regimes fechado e semiaberto". Em outro ponto o legislador repetiu o mesmo erro anterior em não normatizar a periodicidade da declaração da remição.
Há ainda muitos pontos da LEP a serem melhorados, e só com novos debates pela doutrina e pela jurisprudência poder-se-á implementar tais melhoramentos.
A lei 12.433/11 espelhou nada mais nada menos do que aquela velha máxima: "Onde há sociedade há o direito (ubis societas ibi ius). Se a sociedade evolui, o direito evolui". Então, a lei 12.433/11 acompanhou a jurisprudência e a doutrina, adequando-se à nova realidade social, embora de forma tímida.
Referências bibliográficas
ANJOS, Margarida dos. Mini-aurélio – século XXI. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
FAVORETTO, Affonso Celso; MARTINS, Ana Paula da Fonseca Rodrigues; KNIPPEL, Edson Luz. Manual Esquematizado de leis penais processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas. São Paulo, 2004.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro – parte geral- volume 1. 9ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais..
Notas
- ANJOS, Margarida dos. Mini-aurélio – século XXI. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 595.
- MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas. São Paulo, 2004. p. 517.
- ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro – parte geral- volume 1. 9ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 670.
- ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Op. Cit. P. 670.
- MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op.cit. p. 547.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 370.
- RJTJERGS 211/154
- NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 572
- FAVORETTO, Affonso Celso; MARTINS, Ana Paula da Fonseca Rodrigues; KNIPPEL, Edson Luz. Manual Esquematizado de leis penais processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 144
- MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op.cit. p. 547
- NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. p. 575