4. LITISPENDÊNCIA INTERNACIONAL
Vale explicar que embora o caso em apreço faça contato com mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo, ele somente pode pertencer a uma delas, haja vista o princípio da não-simultaneidade em direito internacional privado (BASSO, 2009, p. 252). Isso implica na impossibilidade de outro juiz, que não o da jurisdição onde o fato gera efeito, analisar o caso, sob pena de considerar-se o fato jurídico estrangeiro estranho, visto que não é admissível a litispendência na normativa brasileira.
Neste sentido, Nádia de Araújo esclarece (2004, p. 213-214):
Se a ação no exterior iniciar-se simultaneamente a do território nacional, como não há litispendência internacional, a justiça brasileira dar-se-á por competente, independentemente do que venha a ocorrer na justiça estrangeira. A decisão estrangeira não poderá ser homologada depois de ser resolvida a questão no foro brasileiro, porque a proposição da ação perante o juiz estrangeiro concorrentemente competente não prorroga a sua competência, nem previne a competência do juiz nacional.
No entanto, nada impede que o fato seja sucessivo, ou seja, na jurisdição de cada Estado possuir "desfechos diferentes, semelhantes ou até mesmo iguais, haja vista o princípio da autonomia e soberania da autoridade judiciária" (BASSO, 2009, p. 255).
Contraditoriamente ao princípio da não-simultaneidade, estabelece o art. 90, do CPC que: "a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas". Na verdade, a fragilidade do dispositivo representa um equívoco do legislador, uma vez que, no Brasil, não é possível propor ações idênticas, mesmo que, simultaneamente, e em países diferentes.
O Protocolo de Las Leñas, citado anteriormente, afasta a possibilidade de litispendência diante do exposto na segunda parte do art. 22, embora não tenha revogado o art. 90. do CPC, o qual "continua em vigor no que diz respeito às sentenças de todos os demais países, com exceção daqueles que fazem parte do MERCOSUL" (BASSO, 2009, p. 255).
5. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO E POSSIBILIDADE DE RECURSOS
No que tange à aplicação do direito estrangeiro, o juiz nacional deve buscar os métodos interpretativos no país de origem da lei, observando sua doutrina, jurisprudência, usos e costumes, pois, "os termos, os conceitos e os institutos jurídicos têm o sentido e conteúdo que ali lhe são dados" (COSTA apud BASSO, 2009, p. 256).
Não raro, é possível que idênticos textos legais em países diferentes sofram mudanças interpretativas, e, por conta disso, o juiz nacional, mesmo aplicando a lei de origem, tem o entendimento diferente. Destarte, a interpretação deve ser respeitada, devendo o juiz "chegar o mais próximo possível da decisão que o juiz local proferiria" (BASSO, 2009, p. 256), razão pela qual as partes ou o juiz, de ofício, devem produzir provas sólidas e corretas, a fim de auxiliar na interpretação.
Finalmente, é precioso enfatizar que, tão adequado quanto o direito nacional, é perfeitamente possível a interposição de recurso sempre que, ao aplicar o direito estrangeiro, o juiz o faz defeituosamente, ou utiliza de critérios interpretativos impróprios.
6. CONCLUSÃO
Uma vez instaurada a relação internacional, faz-se necessário descobrir qual é a jurisdição e a competência, a fim de verificar se a autoridade tem poder para julgar o litígio – através dos limites espaciais de sua jurisdição – e, qual a norma aplicável ao caso. Assim, para se averiguar a competência internacional do juiz brasileiro devem ser observados os requisitos: domicílio do réu; situação da coisa; e, efeitos extraterritoriais das obrigações.
O art. 12, da LINDB define a competência internacional do juiz brasileiro, tanto para o exercício da jurisdição do Estado nos tribunais domésticos, como para o cumprimento de cartas rogatórias. Assim sendo, utiliza-se a aplicação da lex fori, de modo que a jurisdição deve ser exercida em consonância com o direito público interno.
A interpretação do art. 12, da LINDB deve ser amparada pelos dispositivos dos arts. 88, 89 e 90, do CPC, os quais tratam, respectivamente, da competência concorrente, competência exclusiva e litispendência processual internacional.
No tocante à competência concorrente, prevista nos arts. 12, caput, da LINDB e 88, do CPC, constata-se que a norma não exclui a apreciação da causa pela jurisdição estrangeira, mas também não afasta a competência do juiz nacional. Neste sentido, é importante observar que as decisões proferidas em outros Estados somente serão reconhecidas se a competência não era exclusiva do juízo brasileiro.
Em relação à competência exclusiva, somente a justiça brasileira pode cuidar da questão, impedindo o reconhecimento de decisão estrangeira, o que ocorre quando o objeto da lide versar sobre bens imóveis e relações a ele concernentes (arts. 12, § 1º, da LINDB e 89, do CPC).
O princípio da cooperação jurídica internacional fundamenta-se no reconhecimento de efeitos extraterritoriais da sentença estrangeira, e no cumprimento de atos não executórios emanados por autoridades estrangeiras, sendo este previsto no art. 12, § 2º, da LINDB (exequatur das cartas rogatórias). Para o cumprimento das cartas rogatórias, deve-se analisar a legislação do país rogado, podendo afirmar que, no Brasil, elas não terão eficácia quando ofenderem a ordem pública, a soberania, os bons costumes ou estiverem em discordância com a normativa pátria.
O cumprimento das cartas rogatórias advindas de autoridades judiciárias dos Estados do MERCOSUL carece de procedimento especial, principalmente porque é uma integração regional, e os cidadãos dos Estados-membros têm proximidade ao acesso da justiça estrangeira.
Uma vez que, no Brasil, não é possível o instituto da litispendência, embora o caso em apreço faça contato com mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo, ele somente pode pertencer a uma delas, haja vista o princípio da não-simultaneidade em direito internacional privado.
Por fim, o juiz nacional deve buscar os métodos interpretativos no país de origem da lei, a fim de não incorrer em erro quando da aplicação do direito estrangeiro. Todavia, se houve defeito ou critérios interpretativos impróprios, é possível que a parte interessada recorra da decisão.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional privado: teoria e prática brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 247-268.
ARAÚJO, Nádia de. Competência Internacional no Brasil. In: ______. Direito Internacional privado: teoria e prática brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 203-221.
BRASIL. Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices pela Equipe RT. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 set. 1942. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del4657.htm>. Acesso em: 06 maio 2011.
BASSO, Maristela. Competência do Juiz Brasileiro, Regras de Aplicação do Direito Estrangeiro e Recursos Cabíveis. In: ______. Curso de direito internacional privado. São Paulo: Atlas, 2019. p. 237-257.
NEVES, Gustavo Bregalda. Direito Internacional Privado Brasileiro. In: ______. Direito Internacional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 11. p. 165-219.
NEVES, Gustavo Bregalda. Processo Internacional. In: ______. Direito Internacional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 11. p. 220-227.