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Imposição de planos de metas ao vendedor e a proteção da saúde física e psíquica do trabalhador

19/07/2011 às 15:23
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É imprescindível o combate ao abuso do poder diretivo que desvirtue o contrato de trabalho, tratando o empregado de maneira desumana como forma de aperfeiçoar seus lucros.

Resumo: A proteção da dignidade do trabalhador, no exercício da sua função, é resguardada pela Constituição Federal como um fundamento da própria República Federativa do Brasil, conforme art. 170 c/c o art. 1, III, ambos da Lei maior. Com isso, a justiça social terá a função/dever de assegurar, primordialmente, a impossibilidade de degradação ou desvirtuamento da Relação de Trabalho (como função social em si) por decorrência das distorções intrínsecas do capitalismo, seja atingindo a sua saúde psíquica, assediando moralmente o empregador, seja depreciando sua saúde física com metas exageradas.

Palavras-chaves: Vendas. Planos de metas. Assédio Moral. Metas exageradas.

Abstract: The protection of the worker’s dignity, in exercising its function, is guarded by the Constitution as a foundation of the Federative Republic of Brazil, according to art. 170 combined with art. 1, III, both of Major Estate Law. Thus, social justice will have the function and duty to ensure, primarily, the lack of degradation or distortion of Labour Relations, (as a social function itself) due to the intrinsic distortions of capitalism is affecting your mental health bullying the employer, with depreciating their physical goals exaggerated.

Keywords: Sales. Target plans. Moral harassment. Exaggerated goals.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 PLANOS DE METAS; 3 ASSÉDIO MORAL; 3 ANÁLISE DA UTILIZAÇÃO DE PLANOS DE METAS AO VENDEDOR E A PROTEÇÃO DA SAÚDE FÍSICA E PSÍQUICA DO TRABALHADOR; 4 CONCLUSÃO.


1. INTRODUÇÃO

O trabalhador é antes de tudo um ser humano construtor e mantedor da sociedade. Portanto, por motivos lógicos, sem a divisão do trabalho não há o que se falar em vida em sociedade. Por esse espeque, reside na justiça social a atribuição da busca incessante não só de uma proteção especial ao trabalhador, como forma de afastá-lo das ganâncias capitalista, mas pela busca de melhorias continuas dessa proteção.

Nesse sentido, a discussão em torno da conduta do empregador na relação de trabalho é de salutar importância, uma vez que é imprescindível ao meio ambiente de trabalho condições "máximas" de salubridade, respeito e prazer na realização do ofício.

E, dentro desta discussão sobre a conduta revestida de probidade ou urbanidade, reside a análise do assédio moral na Relação de Trabalho, em condutas como humilhações, "chacotas", "brincadeiras de mau gosto", alcunhas depreciativas, que extrapolam a convivência harmoniosa ou o poder diretivo do Empregador, passando a ser repelidas pela própria Constituição Federal, a qual atribui a "justiça social" a condição assecuratória desta responsabilidade, juntamente com a proteção das condições humanas do labor e como forma a garantir ao trabalhador uma vida digna, nas palavras de Arnaldo Sussekind [01]:

O Direito do Trabalho é um produto da reação verificada no século XIX contra a exploração dos assalariados por empresários. Estes se tornaram mais poderosos com o aumento da produção fabril, e a conquista de novos mercados, facilitada pela melhoria dos meios de transporte (Revolução Industrial); aqueles que se enfraqueceram na razão inversa da expansão das empresas, sobretudo porque o Estado não impunha aos empregadores a observância de condições mínimas para defesa dos interesses comuns.

Pelo exposto, passa a ser imprescindível o tratamento e o combate ao assédio moral e ao abuso do poder diretivo, que tiver como conseqüência a humilhação, a segregação do trabalhador; a ofensa a sua saúde (física ou psíquica); ou, ainda, impedindo qualquer outro desvirtuamento do contrato de trabalho pelo empregador que, como forma de aperfeiçoar seus lucros, trate o empregado de maneira desumana.

No caso da interposição de metas, especificamente, discute-se as condutas laborais como prêmios depreciativos pela baixa quantidade de vendas ou a possibilidade de dispensa caso não seja alcançada determinada quantidade de vendas em um lapso temporal, como um desvio constitucional da finalidade máxima do trabalho e as conseqüências desses atos na relação de trabalho.


2 .PLANOS DE METAS

A finalidade das metas de orientação consiste no conjunto de atos que a Empresa exerce com intuito de otimizar o negócio e evitar o desperdício. As metas de vendas devem sempre ser factíveis ou possíveis, e por esses termos, o empregado/vendedor deverá alcançá-las em condições normais de mercado, assim cabe a cautela do Empregador como forma de não extrapolar o seu poder diretivo, consoantes precedentes do E. TRT da 5ª Região:

ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não deve ser reconhecido quando a prova produzida nos autos não confirma que a reclamante estava submetida a tratamento inadequado por parte de seu superior hierárquico, nem tampouco que havia excessiva cobrança pelo cumprimento de metas ou, ainda, ameaça constante de possível despedida, capaz de causar a autora abalo psicológico.

Processo 0092900-67.2009.5.05.0019 RecOrd, ac. nº 022733/2010, Relatora Desembargadora DALILA ANDRADE, 2ª. TURMA, DJ 27/07/2010. (grifos nossos)

Portanto, devendo quanto da fixação das metas a empresa deve buscar um equilíbrio, devendo ser coerentes a posição do empregado, a região em que ele está inserido e o segmento de mercado do vendedor. E no mesmo sentido o julgado:

ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. O assédio moral nas relações de trabalho advém de conduta abusiva do empregador ou de seus prepostos, que exponha costumeiramente o obreiro a situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, violando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CFB). O dano derivado de atos repetitivos de comprovada e constante cobrança excessiva pelo cumprimento de metas e do fato de o trabalhador ser submetido a tratamento inadequado por parte de superiores hierárquicos, interfere na saúde física e mental do trabalhador, de modo a desestabilizar até suas relações afetivas e sociais. Quando o procedimento da reclamada, tem demonstrado seu caráter de generalidade, não apenas se direcionando à reclamante e mesmo quando se dirigiu especificamente à autora se tratou de um fato isolado, é insuficiente para configurar o assédio moral, que exige a reiteração da prática agressiva. Sem dano, nada a indenizar.

Processo 0067700-62.2008.5.05.0029 RecOrd, ac. nº 032225/2009, Relator Desembargador VALTÉRCIO DE OLIVEIRA, 4ª. TURMA, DJ 19/11/2009. (grifos nossos)

É possível que o empregador se utilize da equipe de vendas da empresa, ou mais seguramente o próprio sindicato da categoria, elaborando um Acordo ou Convenção coletiva, quando for elaborar o plano de metas, devendo os funcionários a ela subordinados participarem ativamente na sua elaboração e da sua definição, pois, desta forma, estarão mais comprometidos com os resultados.

Caso o empregador queira estipular as metas individuais deverá primar pela urbanidade e de modo a não ferir o princípio da isonomia conforme art. 5, caput, da CF, em que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", de modo a ser o mais justo e transparente possível, evitando, assim, qualquer tipo de privilégio, ou discriminação entre os vendedores.

No caso de vendas externas, pode a empresa ainda dividir os vendedores de acordo com o potencial das carteiras de clientes, ou das regiões de atuação, como forma de evitar os privilégios. Por sua vez nas vendas internas, as oportunidades de vendas passam a ser mais equilibradas sendo que as metas individuais passam a ser muito parecidas.

Conclui-se que a definição das metas de venda deve partir do faturamento necessário para alcançar a viabilidade empresarial, não podendo ser desproporcionais. E, assim, participando o vendedor ativamente da sua elaboração fica mais difícil haver distorções de sua finalidade.


3. ASSÉDIO MORAL

A conceituação do assédio moral, por seu turno, pousa como uma conduta voltada a depreciar moralmente ao trabalhado, inserto no ambiente de trabalho, segregando-o ou rebaixando-o, muitas vezes como uma forma de forçar seu pedido de demissão.

Nas palavras de RODOLFO PAMPLONA sobre o seu conceito [02]:

Como conceituamos assédio moral como "uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social".

Partindo desta premissa a conduta tem que extrapolar os limites aceitáveis pela sociedade, não se trata de apenas uma brincadeira, mas que esta enseje em um ato ilícito, aos moldes do art. 187, CC/02. Portanto, com afetação direta a sua saúde psíquica, atingindo diretamente um direito personalíssimo.

Ainda, para configurar o assédio, é necessário também que a conduta ser reiterada ou contínua, com o escopo de segregar, rebaixar ou retirar a vítima do ambiente de trabalho. O dano, no caso, ocorre quando por meio desta conduta/assédio (positiva ou negativa), ocorrer lesão a um bem jurídico tutelado.

De certo que não há como falar em reparação civil se este ato do empregador não ocasionar em dano a psique do trabalhador ou a sua conduta laboral, como bem aponta Sérgio Cavalieri Filho [03]:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.

Importante salientar que o bem jurídico lesionado, que enseja na responsabilidade civil, pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. Este último conforme o caso ocorre, por exemplo, quando da agressão a direitos personalíssimos, como o dano moral. Conforme, o art. 5°, inciso X da Constituição Federal que estabelece que: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

A verificação do Nexo de Causalidade, por sua vez, também é importante para configuração da responsabilidade do Empregador e, nesse caso dirá respeito ao elo entre a conduta humana (positiva ou negativa) deste e o dano causado, neste estudado, quando o assédio moral for praticado de forma vertical pelo empregador é necessário sua reparação e sua sanção como forma de inibir a prática.

O Ministério do Trabalho e Emprego [04], em seu turno, define o Assédio Moral ao trabalhador nos seguintes termos:

Assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que, intencional e freqüentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

As condutas mais comuns, dentre outras, são:

instruções confusas e imprecisas ao(à) trabalhador(a); dificultar o trabalho; atribuir erros imaginários ao(à) trabalhador(a); exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes; sobrecarga de tarefas; ignorar a presença do(a) trabalhador(a), ou não cumprimentá-lo(a) ou, ainda, não lhe dirigir a palavra na frente dos outros, deliberadamente; fazer críticas ou brincadeiras de mau gosto ao(à) trabalhador(a) em público; impor horários injustificados; retirar-lhe, injustificadamente, os instrumentos de trabalho; agressão física ou verbal, quando estão sós o(a) assediador(a) e a vítima; revista vexatória; restrição ao uso de sanitários; ameaças; insultos; isolamento.

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Assim sendo, o assédio moral é uma realidade a ser combatida e como tal mostra-se de importância tão grande que depreenda da ação de todos os Poderes ou instrumentos do Estado para ser combatido.


4. ANÁLISE DA UTILIZAÇÃO DE PLANOS DE METAS AO VENDEDOR E A PROTEÇÃO DA SAÚDE FÍSICA E PSÍQUICA DO TRABALHADOR

De fato, há uma grande tensão existente entre a livre iniciativa e a valorização do Trabalho, ambas insertas na Sociedade Brasileira como um fundamento da ordem econômica e, sendo constitucionalmente protegida. Todavia, esses dois princípios devem ser amalgamados como "forma de assegurar a todos uma existência digna, conformes ditames da justiça social" aos moldes do art. 170, CF, nesse sentido Paulo Eduardo V. Oliveira [05]:

Do teor da norma inserta no art. 170 da Constituição Federal brasileira extrai-se a preocupação com o conteúdo ético do trabalho. O contrato de trabalho traz, ao menos implicitamente, o direito e a obrigação de respeito aos direitos personalíssimos.

E, nesses termos, a dignidade da pessoa humana se encontra em uma posição central e ainda mais protegida na carta magna, consistindo em um fundamento próprio da República Federativa do Brasil, art. 1, III, da carta magna.

Com efeito, a relação de trabalho passa a tem que ser revestida pela busca utópica desta proteção especial do Estado, como forma indelével de proteger a própria sociedade das distorções intrínsecas do capitalismo.

A busca pelos lucros crescentes acaba por desvirtuar a finalidade última desta relação, na medida em que coloca o dinheiro na frente da inserção do homem como um construtor ou mantedor da sociedade.

Há uma troca simbiótica e necessária nessa relação, que vai além da retribuição financeira. Parafraseando uma música popular "No dia em que todas as pessoas/ Do planeta inteiro / Resolveram que ninguém ia sair de casa / Nesse dia a Terra parou [06]". Logo, o trabalho, no seu estado mais puro, é próprio e fundamental a sociedade, conforme ensina Paulo Eduardo V. Oliveira [07] :

O contrato de trabalho não se resume ao pagamento de salários mediante a contraprestação do trabalho, tendo uma dimensão muito maior. Uma das principais finalidades das normas laborais é a de assegurar o direito à dignidade das partes envolvidas nessa relação: o empregado e o Empregador.

A simples possibilidade de ser humilhado, junto com a necessidade de trabalhar para o sustento próprio, já são motivos suficientes para colocar o trabalhador em uma situação incomoda. E esse desconforto retira do trabalho a maior das proteções a ele garantida: a dignidade.

Conforme expresso nas idéias balizares de Kant, a dignidade reveste o homem de um caráter finalístico, assim, é inaceitável a colocação do homem como um meio ou um instrumento para chegar a outro fim escuso, que nesse caso serão os lucros excessivos. Termos em que a conduta deve ser voltada categoricamente para que os atos dos empregadores: "nas suas ações trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio [08]".

Portanto, partindo de uma interpretação sistemática da Constituição Federal chega-se a primeira e mais importante conclusão: a dignidade que sitia homem enquanto trabalhador é o fundamento, não só da ordem econômica, mas do próprio Estado brasileiro aos moldes do art. 1, III da Constituição Federal combinado com o art. 170. E, portanto, qualquer violação a sua dignidade atenta diretamente os alicerces da sociedade, como um todo.

O trabalho é antes de tudo uma exteriorização de uma função social, em si ou por excelência. Sendo que a remuneração, tanto do trabalhador como do Empregador, é a conseqüência deste laboro e não seu escopo.

Nesses termos, a inserção da "justiça social", in casu, como forma de reparação e sanção do dano causado pelo empregador, se mostra de imprescindível necessidade, não só como forma proteção ao trabalhador, mas como uma garantia de proteção e respeito à própria Constituição Federal e a República Federativa.

No caso do Empregador que sujeitava seus empregados a um plano de metas, como forma de aperfeiçoar os lucros empresariais, e quando não são alcançadas, primeiramente, essas metas, no decorrer do mês laboral, coloca seus funcionários em uma situação vexatória, no enterro um boneco com o nome dos vendedores que não bateram a cota; o rebaixa e o segrega, em relação aos outros funcionários, conforme julgamento do TRT da 5ª região:

NÃO CUMPRIMENTO DE METAS PELOS EMPREGADOS. "ERRO FATAL". ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. A indenização por danos morais, em decorrência da alegação de assédio moral deve ser deferida diante da efetiva comprovação de um conjunto de posturas assumidas pelo empregador que acarrete, de forma clarividente, um efetivo dano psíquico ao empregado. É o que se evidencia, por exemplo, quando a prática de incentivo para o cumprimento das metas estabelecidas pela empresa consistia na existência de um boneco, denominado "erro fatal", e no qual eram colados os nomes dos empregados que não atingissem as referidas metas, sendo o mencionado boneco posteriormente colocado dentro de um caixão de defunto, que ficava exposto no ambiente de trabalho.

Processo 0069000-50.2008.5.05.0032 RecOrd, ac. nº 004471/2010, Relatora Desembargadora ELISA AMADO, 1ª. TURMA, DJ 18/03/2010. (grifos nossos)

Frise-se que não se trata da simples interposição de metas ou de benefícios gerados pelo bom serviço, mas sim de um terror psicológico contínuo da relação trabalhista. Conforme o posicionamento do E. TST:

RECURSO DE REVISTA. ASSÉDIO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. Tratamento urbano e respeitoso é dever legal e contratual das partes no âmbito trabalhista. Excessos ao razoável, por parte do empregador, atentam contra a dignidade da pessoa humana, princípio assegurado no art. 1º, III, da Carta Magna e um dos pilares da República Federativa do Brasil. Recurso de revista não conhecido. Processo: RR - 143400-27.2008.5.23.0002 Data de Julgamento: 29/09/2010, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 08/10/2010.

Ainda, conforme posicionamento do E. TRT da 5ª região:

ESTABELECIMENTO E COBRANÇA DE METAS COM EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. ASSÉDIO MORAL CONFIGURADO. 1) Nas relações de trabalho, o assédio moral configura-se como conduta abusiva do empregador ou de seus prepostos, mediante a qual fica exposto o obreiro, de forma reiterada, a situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, as quais atentam contra a sua dignidade e integridade psíquica e, assim, violam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF). 2) Num contexto empresarial capitalista, a busca por aumento de produtividade e, em última instância, de lucros, é desiderato de todos os empresários, todavia isso não pode ser alcançado mediante ofensa à integridade emocional dos seus empregados. Desse modo, a fixação de metas, bem assim a cobrança de seu cumprimento, são procedimentos aceitáveis, desde que seja respeitada a dignidade e integridade psíquica do empregado. 3)No caso vertente, restou comprovada, mediante prova testemunhal, a extrapolação dos limites do poder diretivo por parte do empregador de modo a configurar o assédio moral, pelo que merece reforma a sentença de origem.

Processo 0097400-77.2008.5.05.0031 RecOrd, ac. nº 018875/2010, Relatora Desembargadora LUÍZA LOMBA, 2ª. TURMA, DJ 15/06/2010.

Portanto, partindo da própria CLT é possível rescindir o contrato de trabalho quando o empregador extrapolar os liames contratuais agindo de forma excessiva será uma causa para a extinção do contrato de trabalho, gerando uma indenização ao trabalhador.

Nesse sentido, conforme ensinamento de Paulo Eduardo V. Oliveira que a própria CLT protegeu o trabalhador dos "atos lesivos da honra ou boa fama contra o qualquer pessoa" e, portanto, justificaria "a denuncia do contrato pelo empregado com direito a indenização" [09].

Termos em que é antes de tudo constitucional a garantia do empregador de não se submeter a atitudes degradantes ou que desvirtuem a real natureza da relação de trabalho, conforme demonstrado. Também podemos extrair esse preceito das normas infraconstitucionais, consoante inteligência do art. 483 da CLT, como forma de proteger o trabalhador de eventuais desvirtuamentos da relação de trabalho:

O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

Em outras situações o empregador estipula que caso as metas não forem alcançadas no prazo específico, o empregado passa então a ser desligado dos quadros funcionais. No caso do vendedor, especificamente, gira uma grande discussão em torno desse ponto: uma vez que a baixa quantidade de vendas poderia inviabilizar o próprio exercício empresarial.

Nesse espeque, pode-se questionar que a conduta individualizada do empregado não está adequada ao exercício daquela função e, logo, é facilmente aceitável a sua demissão por parte do empregador.

Em que pese o argumento seja coerente, têm que ser analisados dois pontos fundamentais. O primeiro é se realmente as metas eram plausíveis de serem alcançadas ou apenas um pretexto para o dispensa do funcionário e depois se o Empregador deu condições necessárias ao trabalho para a realização daquela função, tendo que ser observados pelo magistrado aos moldes do art. 483 da CLT, nos mesmos termos da ofensa a sua honra:

O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

Frise-se que o fato do Empregado nunca ter recebido a premiação depreciativa ou de ter sempre alcançado as metas, é irrelevante, não anulando o ato praticado pelo Empregador, nem retira do laboro o stress causado pela medida, somado com a incerteza da possibilidade de poder vim a sempre perder o seu emprego por não alcançar as metas; conseqüências diretas do dano psíquico.

A proteção do direito a essa prática é, ainda, importante como forma de evitar diversas conseqüências danosas ao empregado, uma vez que sua prática ocasiona em situações implícitas em que o empregado sente-se ofendido, rebaixado, inferiorizado, menosprezado, constrangido, ultrajado, tendo sua auto-estima rebaixada por outra.

Com efeito, o estado anímico degradado traz conseqüências desastrosas para as vítimas e no mesmo sentido a busca incessante por metas impossíveis desgasta de sobremaneira o seu corpo, e, portanto, a necessidade de se conhecer do quadro e tratá-lo juridicamente, dando guarida ao empregado que vim a sofrer assédio de pessoas opressoras, as quais de alguma forma têm a capacidade de coagi-las no seu local de trabalho ou no exercício de seu laboro.


3. CONCLUSÃO

Portanto, é importante que se repreenda todas as atitudes incompatíveis com a relação laboral, entre elas, como abordado neste ensaio, a interposição de metas impossíveis ou degradantes da relação de trabalho, tendo o trabalhador que direcionar também os seus esforços com o intuito do aumento das vendas. Ou, no mesmo sentido, as entregas de prêmios depreciativos aos vendedores que não alcançarem as metas ou que tiverem a menor quantidade de vendas.

Nesse sentido, não se reprime a prática de interposição de metas, por si só, e sim, a depreciação do trabalho. Assim, a interposição de metas razoáveis, somados com incentivo do trabalhador, por intermédio de prêmios decorrentes dos altos índices de vendas é uma forma de aumentar a quantidade de vendas, sem atingir a saúde física ou psíquica do trabalhador.

A busca pelos lucros é própria do mundo moderno, mais elas não podem, nunca, ir de encontro com os valores constitucionais ou com o valor próprio da natureza da relação laboral.


BIBLIOGRAFIA

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004.

OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O Dano Pessoal no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8838> acesso: 20/10/2010 às 12:16.

SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3. ed. (ampl. e atual.) Rio de Janeiro: Renovar, 2004

Assédio Moral ou Sexual. SÍTIO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/trab_domestico/trab_domestico_assedio.asp> acesso: 17/10/2010 às 16:35.


Notas

  1. SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3. ed. (ampl. e atual.) Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 7.
  2. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8838> ACESSO: 20/10/2010 às 12:16.
  3. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p 70.
  4. Assédio Moral ou Sexual. SÍTIO DA MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Disponível em <http://www.mte.gov.br/trab_domestico/trab_domestico_assedio.asp> acesso: 17/10/2010 às 16:35.
  5. OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O Dano Pessoal no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 87.
  6. Música de Raul Seixas intitulada de "O dia em que a Terra Parou".
  7. Id. Ibid., p. 87.
  8. Immanuel Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos, tradução de Leopoldo Holzbach, São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 59.
  9. OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. op. cit. P. 170-171.
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Sobre o autor
Vítor Argolo Cafezeiro

Advogado, pós-graduando (lato sensu) em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAFEZEIRO, Vítor Argolo. Imposição de planos de metas ao vendedor e a proteção da saúde física e psíquica do trabalhador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2939, 19 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19581. Acesso em: 24 abr. 2024.

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